22 de setembro de 2024

Dirceu diz que Bolsonaro é "bobo da corte" perto de Marçal e que esquerda "passa ridículo" ao recuar de teses

Ex-ministro prevê que a direita chegará dividida à eleição presidencial de 2026, diz que PT precisa se renovar e afirma que não atua nas redes sociais porque tem "pouco tempo de vida"

Mônica Bergamo


O ex-ministro José Dirceu em sua casa, em São Paulo, durante entrevista à Folha - Marlene Bergamo / Folhapress

Aos 78 anos, o ex-ministro José Dirceu (PT) faz as contas de quantas vezes já foi preso: "Uma na ditadura, uma no mensalão e três na Operação Lava Jato".

Nas cinco vezes, diz ele, foi vítima de processos injustos e de exceção.

Agora, quando afirma ter "pouco tempo de vida", ou "mais uns 12 anos da vida que eu levo hoje", ele aguarda o último acerto de contas com a Justiça, num julgamento em que tenta reverter, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a última condenação que ainda subsiste.

Se ela for anulada, ou prescrita, ele pode se candidatar a algum cargo eletivo em 2026. "Ainda não decidi", afirma.

Dirceu diz que está assistindo "de camarote" à ascensão de Pablo Marçal (PRTB) e à divisão que ela traz à direita brasileira.

Ele acredita que o ex-coach será derrotado nas eleições para a Prefeitura de São Paulo, mas que será, ainda assim, candidato à Presidência em 2026.

"Ao contrário do Bolsonaro, o Marçal é uma criação genuína do momento que estamos vivendo", afirma.

Nesta entrevista, ele critica a Faria Lima "selvagem" e também a esquerda por passar "ridículo" ao aderir a pautas da direita para evitar desgastes.

MARÇAL E A NOVA DIREITA

Há dez anos, as forças de esquerda no Brasil venciam a sua quarta eleição presidencial seguida. Apesar do desgaste do mensalão e da Operação Lava Jato, elas pareciam invencíveis nas urnas. Hoje é a direita que parece ter essa força avassaladora. Ela veio para ficar?

Se você observa as eleições na França, nos EUA, na Alemanha, vê que o capitalismo vive hoje uma disputa entre as soluções da extrema direita e da direita. E isso está se desenhando no Brasil também.

Mas eu não creio que a direita veio para ficar.

A esquerda ressurgiu na França [nas eleições deste ano] e houve reação à violência da extrema direita na Grã-Bretanha também.

A liderança do Lula, que no fundo representa as forças políticas de esquerda no país, se expandiu [em duas décadas]. Nós vencemos cinco eleições [2002, 2006, 2010, 2014 e 2022], o que é um fato histórico mundial.

Só não vencemos a sexta [em 2018] porque o Lula estava preso em um processo político de exceção.

Mas a votação do [hoje ministro Fernando] Haddad [em 2018], que teve 32 milhões de votos naquelas condições, me deu a segurança de que havia ainda um período sob a liderança do Lula e, de certa forma, sob a hegemonia do PT.

Isso se confirmou em 2022.

Mas Lula só se elegeu em 2022 após formar uma frente muito ampla, que incluiu setores conservadores sem os quais não seria possível vencer a direta considerada mais radical.

Vamos lembrar que a extrema direita sempre teve expressão no país.

O crescimento do capitalismo brasileiro criou uma classe trabalhadora progressista, que votou no PTB de 1946 a 1964, no MDB progressista e nacionalista de 1974 a 1989 e no PT daquele ano em diante.

Mas uma parte dela também vota nos populistas de direita. Jânio Quadros, Fernando Collor e Jair Bolsonaro não venceram apenas com os votos da classe média e das elites do país. Eles tinham apoio popular.

Mas há uma nova direita que surgiu, não?

Sim. Essa direita que estamos vendo agora tem um elemento religioso, do fundamentalismo neopentecostal. E tem o elemento do liberalismo econômico, incorporado por setores das classes populares, que é anti-Estado, anti-imposto, e que o [Pablo] Marçal representa bem. Ele divide o bolsonarismo.

Divide e ameaça?

Eu estou assistindo de camarote [rindo]. Porque o Marçal é um problema muito maior para a extrema direita do que para nós.

Eles vão ficar divididos em 2026 porque a agenda dele não une a direita.

O Marçal vai correr por dentro. E o Bolsonaro tem uma liderança e um carisma muito forte também.

Mas, comparado ao Marçal, o Bolsonaro vira um bobo da corte.

Aos 78 anos, o ex-ministro José Dirceu faz as contas de quantas vezes já foi preso: "UMa na ditadura, uma no mensalão e três na Operação Lava Jato" Marlene Bergamo/Folhapress

Mas em que o Marçal, de fato, difere do bolsonarismo?

Ele é jovem. Ele veio da pobreza. Ele conhece quem vive na periferia.

O Bolsonaro não tem nada disso. O Bolsonaro era um sindicalista militar que defendia a agenda da ditadura. E que capturou uma agenda religiosa e da direita liberal, importando uma linguagem do conservadorismo de extrema direita, repetindo um pouco o trumpismo.

Já o Marçal é uma criação genuína do momento que estamos vivendo.

Ele vai ser candidato à Presidência da República. Mas vai ser uma liderança política sem partido? Ou vai ser adotado por alguma legenda? Neste sentido, ainda é uma incógnita.

ELEIÇÕES EM SÃO PAULO

As pesquisas mostram empate triplo entre Marçal, Ricardo Nunes (MDB) e o Guilherme Boulos (PSOL) na disputa pela Prefeitura de São Paulo. É possível dois candidatos de direita irem para o segundo turno?

É difícil o Boulos baixar de 25% dos votos. E acho também improvável que o Nunes fique abaixo desse percentual, pela máquina e pelo apoio que ele tem. Por isso é pouco provável que o Marçal vença estas eleições.

A classe média de São Paulo não vai votar nele porque ela é cosmopolita, democrática, anti-homofóbica, antirracista, ambientalista, pela igualdade de gênero. E tem, inclusive, um olhar social.

Dizem que a Faria Lima está com o Marçal. Mas a Faria Lima é a Faria Lima. Ela já estava festejando a vitória do Bolsonaro contra o Lula no segundo turno [de 2022]. É o espírito dela, selvagem, que só vê seu próprio interesse. Mas amplos setores paulistanos enxergam o interesse nacional. Essa é a força do Boulos.

As pesquisas mostram que, no segundo turno, Nunes vence Boulos por larga margem. Por que, ainda assim, o senhor acredita em uma vitória da esquerda?

Porque nós temos força na capital, já vencemos outras vezes. Em 2022, vencemos na cidade com o Lula [para presidente], com o Fernando Haddad [para governador] e com o Márcio França [para senador].

O Boulos tem que ganhar a classe média. E é possível porque duas questões a afastam do Ricardo Nunes: o Bolsonaro e o vice dele [o ex-comandante da Rota Ricardo Mello Araújo, indicado pelo ex-presidente].

Não será simples vencer no segundo turno. Mas temos condições.

Para o PT seria melhor disputar o segundo turno contra o Marçal?

Seria melhor, mas não quer dizer que seja simples vencê-lo também. São Paulo já elegeu o João Doria, o Paulo Maluf e o Jânio Quadros. Nós já vencemos três vezes [com Luiza Erundina, Marta Suplicy e Fernando Haddad]. Mas não é uma cidade, como outras, com tendência manifesta à esquerda.

É uma cidade em disputa.

RENOVAÇÃO DO PT

Por que a direita consegue hoje se renovar e a esquerda não consegue? O PT não está envelhecendo?

Há um déficit de renovação no PT, sim. Mas qual é a circunstância histórica dessa situação? É a de que nós passamos sete anos reprimidos. Enfrentamos o mensalão, a Lava Jato, quase perdemos o registro do partido. O Lula foi condenado e preso. Não podíamos sair às ruas com os símbolos do PT.

Fomos segregados socialmente. E isso tem um custo, como teve um custo os 21 anos de ditadura militar. E depois dela surgiram novas lideranças e novas instituições democráticas.

O PT sempre foi vanguarda, sempre se renovou. O Haddad é um exemplo. O Rafael Fonteles [governador do Piauí] é outro. Todos os governadores são lideranças novas.

Não houve responsabilidade também das lideranças do PT sobre o que ocorreu com o partido?

Nós erramos. Mas o fato histórico é que houve uma repressão institucional e social contra o PT. Por responsabilidade nossa, mas sabemos que isso tudo [combate à corrupção] foi pretexto.

Em outros casos, como o da compra de votos para a reeleição do [ex-presidente] Fernando Henrique Cardoso, a página foi virada. Conosco, não.

No fundo, a luta contra a corrupção nunca foi um objetivo real das elites do Brasil. Se você pensar que o Jânio [Quadros] foi eleito contra a corrupção, que o [Fernando] Collor foi eleito contra a corrupção, é ridículo. O próprio Bolsonaro encampou a bandeira anticorrupção, e a família dele [sofreu acusações] e ficou por isso mesmo.

O PT vai mesmo conseguir se renovar, ou vai passar esse bastão de esquerda para o PSOL?

Não, não vai. O PSOL é muito representativo, mas localizado no sudeste e em algumas capitais. Quem tem representação nacional, base social, memória histórica desses trabalhadores que continuaram votando na esquerda progressista e democrática é o PT. É o único partido nacional na esquerda.

Mas qual é a base social hoje do PT, já que a classe operária que esteve em sua origem mudou?

As classes trabalhadoras mudaram, mas continuam existindo. E votam no PT. Ou não conseguiríamos alcançar os resultados eleitorais que temos.

Agora, assim como estamos reconstruindo o Brasil, temos que reconstruir o PT. Que, depois de uma fase heroica, sob o comando da Gleisi [Hoffmann], terá a oportunidade de renovar a sua direção no ano que vem.

O Brasil está ficando altamente politizado. Antigamente, as palavras de ordem da direita eram adjetivos. Hoje, são substantivos. Ela tem posição sobre tudo.

A direita está consolidando seus partidos, com movimentos de mulheres, de jovens, com institutos de pensamento, com pesquisa e formação política. Com sedes. Olhe para o PP, o União Brasil, o PR, o PL.

A direita hoje tem associações, disputa tudo: conselhos tutelares, de odontologia, de farmácia, de engenharia.

Eles estão fazendo o que a esquerda sempre fez. E nós vamos voltar a fazer isso, construindo um programa para os próximos dez anos.

LULA E A ESQUERDA

Sem o Lula, qual é o tamanho da esquerda no Brasil?

A esquerda brasileira tem muita força, temos pelo menos 30% [do país]. É muito para a conjuntura atual, em que a sociedade brasileira é hegemonizada pelo agro e pelo capital financeiro.

A classe trabalhadora no Brasil passou por reforma da Previdência, trabalhista, sindical, de automação, robotização, precarização, home office, aplicativo. Diminuiu de tamanho. Mas tem muito peso ainda.

Nós temos que entender isso, e entender as novas linguagens. Ao contrário da direita e do Marçal, seguimos atrasados na linguagem digital das redes.

O ex-ministro José Dirceu em sua casa, em São Paulo, durante entrevista à Folha - Marlene Bergamo/Folhapress

A esquerda hoje parece acuada ao discutir temas que antes eram primordiais em sua agenda. O senhor concorda?

Nós perdemos um pouco o norte, o núcleo do nosso pensamento, que é o de uma sociedade solidária, com igualdade, com justiça.

Vou te dar dois exemplos.

Na votação sobre a ressocialização dos presos, que ficou conhecida como saidinha, e na votação sobre a isenção fiscal para as igrejas, as esquerdas recuaram. Iam votar a favor.

Não pode! Que perca. Mas vamos debater na sociedade.

Nós temos que ter a capacidade de enfrentar a direita nessas questões.


No caso da isenção de impostos para as igrejas, foi pior. Elas perceberam que isso levaria a Receita Federal para dentro de seus caixas. E recuaram.

E nós nos manifestamos a favor de algo que nem eles queriam.

Olha o ridículo que nós passamos!

Lula vai ser de novo candidato a presidente?

Ele é o candidato. E a tendência é que se reeleja.

O governo está vivendo um momento excelente. Se houver uma solução pactuada para as eleições das presidências da Câmara e do Senado, o ano de 2025 vai ser de crescimento econômico e estabilidade política, com a possibilidade de aprovação de uma agenda que ajudará no crescimento.

Com isso, o Brasil poderá cuidar do que é importante: a transição energética, ecológica, a nova indústria do país.

As duas grandes bandeiras para o PT a partir de agora devem ser a reforma do sistema político, para o fortalecimento dos partidos, e a formação de uma maioria parlamentar que apoie o nosso programa de governo.

BOLSONARISMO E O SENADO

O campo bolsonarista já anunciou que sua prioridade absoluta é fazer maioria no Senado para, inclusive, promover o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Como o governo e seus apoiadores farão frente a isso?

Se queremos evitar que haja uma maioria de extrema direita no Senado [a partir de 2027], temos que construir alianças dos estados. Estamos preocupados e já começamos a fazer isso na campanha municipal.

Se não pudermos ter um candidato próprio, da esquerda, que ele seja da direita —e não da extrema direita.

SUSPENSÃO DO X

Qual é a sua opinião sobre a suspensão da plataforma X pelo STF?

Eu acho correta. A soberania do Brasil tem que ser respeitada pelas big techs.

O senhor está com saudades do X, ex-Twitter?

Eu nunca liguei para o Twitter. Eu já fui muito digital, tive um blog em 2006. Mas para isso [atividade nas redes] é preciso dedicar tempo.

E como eu tenho pouco tempo de vida, não vou ficar em Instagram, TikTok, como os meus filhos ficam. Eu prefiro ler, escrever.

O senhor acredita mesmo que tem pouco tempo de vida?

Eu tenho mais uns 12 anos da vida que eu levo hoje. Porque depois dos 90 anos nós temos um outro tipo de vida.

E eu sou muito conhecido [independentemente de redes sociais].

Para o bem ou para o mal, onde eu vou notam que estou presente. Pessoas de todas as classes sociais me conhecem. Eu tenho apoio político, eleitoral.

DIRCEU CANDIDATO

O senhor pode ser candidato em 2026? Não responde ainda a processos e tem condenação na Justiça?

Eu não tenho a pretensão de ser candidato. Não é o meu objetivo. Posso ser e posso não ser. Vou decidir isso no final de 2025.

Eu tenho uma condenação [que tento reverter] no STJ [Superior Tribunal de Justiça], que deve ir a julgamento no mês que vem. Acredito que vai prescrever ou será anulada. Foi um processo kafkiano, daqueles que fizeram para me prender.

Vamos lembrar que eu fui preso pela [Operação] Lava Jato três vezes, e fui solto as três vezes pelo Supremo. A própria corte disse que eles [agentes da Lava Jato] estavam reincidindo nas ilegalidades.

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