Além da confluência de interesses derivados do complexo industrial militar, a OTAN apóia a reivindicação britânica sobre as Malvinas porque as ilhas são um ativo geoestratégico fundamental para a intervenção na América Latina.
Uma entrevista com
Lucas Sebastián Melfi
Tradução / Este ano marca 40 anos do início da Guerra das Malvinas. Para recordar e entender melhor o conflito, a Jacobin América Latina entrevistou Lucas Sebastián Melfi, cientista político, docente e pesquisador do IEALC (Instituto de Estudios de América Latina y el Caribe), onde integra o Grupo de Estudos sobre Política Externa, Geopolítica e Defesa, coordenado pela doutora em Ciências Sociais pela UBA Sonia Winer. Lucas Melfi e Sonia Winer são autores do livro recentemente publicado: Malvinas en la geopolítica del imperialismo. Complejo Militar Industrial Británico y alianzas con Estados Unidos.
Pedro Perucca
Obviamente, a primeira pergunta refere-se à vigência da reivindicação da soberania argentina sobre as Malvinas. Por que o Reino Unido mantém sua presença nas Malvinas e como isso se relaciona com a importância geoestratégica das ilhas e no contencioso sobre os bens comuns?
Para responder porque o Reino Unido mantém-se nas Ilhas Malvinas, há que inicialmente ter em mente que as ilhas constituem um ativo geopolítico preponderante, não só para a estratégia britânica como para toda a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Nesse sentido, verificamos que o Reino Unido não só mantém a ocupação das Malvinas, como também, lado a lado com a OTAN, tem feito grandes e consistentes investimentos na renovação dos sistemas de defesa, aeroportos e infraestrutura em geral, porque a consideram um elemento central em sua nova estratégia global. Há que se fazer essa ressalva inicial, já que hoje as Ilhas Malvinas constituem não só um ponto geopolítico de suma importância para o Reino Unido, como fazem parte da nova estratégia que a OTAN começou a implementar desde a queda do Muro de Berlin em 1989.
Assim, a relevância geopolítica deve ser examinada sob duas perspectivas: no aspecto geoeconômico e no geoestratégico. Na geoeconomia, sempre está em debate o tema dos bens comuns renováveis e não renováveis, nas Malvinas, no Atlântico Sul, na Antártica e nos espaços marítimos. Sem sombra de dúvida, a questão da pesca, de peixes, lulas, moluscos, e toda vida marinha, é um claro e permanente problema, sobretudo se interligado à extração de petróleo no mar. E no livro estão detalhadas todas as licenças referentes à extração de hidrocarbonetos na bacia norte das Malvinas. Elas tratam não apenas de pesca e de petróleo, revelando um terceiro fator, o geoeconômico, relacionado às Malvinas que, por sua vez – consideradas como ponto estratégico e como fator determinante para a alocação de bens e serviços de defesa – fazem parte da expansão de um paradigma de desenvolvimento industrial militar global projetado pelo Reino Unido. Este paradigma, desde seus inícios, foi alimentado pela Marinha Real Britânica que enxergou na Guerra das Malvinas uma oportunidade para a manutenção e renovação de seu acervo armamentício, na contramão das políticas públicas de graves ajustes levadas a cabo por Margaret Thatcher (primeira–ministra do Reino Unido de 1979 a 1990).
Trata-se de uma série de estruturas que vão muito além da esfera pública e se concentram nos rincões do Estado profundo, excedendo o sistema de freios e contrapesos, para as quais o “tempo de paz” não é um cenário interessante. Isso porque, para a indústria armamentista, com o nível expressivo de recursos necessários às pesquisas e, seguidamente, para o desenvolvimento industrial, a paralisação do fluxo de mercadorias é algo devastador. Então, o que se busca, do ponto de vista geoeconômico é que se garanta o movimento de fluxo permanente, de entrada e saída destas mercadorias, de bens e serviços para a defesa.
Penso que, desta forma, há uma linha de continuidade, significativamente reforçada a partir da Segunda Guerra Mundial. Estas estruturas, que muitos têm denominado complexo industrial militar, enquanto outros, numa perspectiva da economia política decidiram chamar de base industrial da Defesa, passam a ser fortalecidas a partir do imperialismo do século XIX. Em sua forma moderna, o complexo industrial militar só adquire importância própria com a Segunda Guerra Mundial, e atinge um momento determinante em seu desenvolvimento, que impulsiona tanto na pós-modernidade quanto no neoliberalismo, durante a Guerra das Malvinas. Ali se produz uma completa transformação deste complexo, que passa a orientar-se na direção de um maior protagonismo de atores privados, mais similar ao modelo do complexo militar estadunidense.
Pedro Perucca
Como este novo quadro se expressa concretamente na política externa do Reino Unido, e particularmente com relação às nossas ilhas Malvinas?
Lucas Sebastián Melfi
Obviamente, a primeira pergunta refere-se à vigência da reivindicação da soberania argentina sobre as Malvinas. Por que o Reino Unido mantém sua presença nas Malvinas e como isso se relaciona com a importância geoestratégica das ilhas e no contencioso sobre os bens comuns?
Lucas Sebastián Melfi
Para responder porque o Reino Unido mantém-se nas Ilhas Malvinas, há que inicialmente ter em mente que as ilhas constituem um ativo geopolítico preponderante, não só para a estratégia britânica como para toda a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Nesse sentido, verificamos que o Reino Unido não só mantém a ocupação das Malvinas, como também, lado a lado com a OTAN, tem feito grandes e consistentes investimentos na renovação dos sistemas de defesa, aeroportos e infraestrutura em geral, porque a consideram um elemento central em sua nova estratégia global. Há que se fazer essa ressalva inicial, já que hoje as Ilhas Malvinas constituem não só um ponto geopolítico de suma importância para o Reino Unido, como fazem parte da nova estratégia que a OTAN começou a implementar desde a queda do Muro de Berlin em 1989.
Assim, a relevância geopolítica deve ser examinada sob duas perspectivas: no aspecto geoeconômico e no geoestratégico. Na geoeconomia, sempre está em debate o tema dos bens comuns renováveis e não renováveis, nas Malvinas, no Atlântico Sul, na Antártica e nos espaços marítimos. Sem sombra de dúvida, a questão da pesca, de peixes, lulas, moluscos, e toda vida marinha, é um claro e permanente problema, sobretudo se interligado à extração de petróleo no mar. E no livro estão detalhadas todas as licenças referentes à extração de hidrocarbonetos na bacia norte das Malvinas. Elas tratam não apenas de pesca e de petróleo, revelando um terceiro fator, o geoeconômico, relacionado às Malvinas que, por sua vez – consideradas como ponto estratégico e como fator determinante para a alocação de bens e serviços de defesa – fazem parte da expansão de um paradigma de desenvolvimento industrial militar global projetado pelo Reino Unido. Este paradigma, desde seus inícios, foi alimentado pela Marinha Real Britânica que enxergou na Guerra das Malvinas uma oportunidade para a manutenção e renovação de seu acervo armamentício, na contramão das políticas públicas de graves ajustes levadas a cabo por Margaret Thatcher (primeira–ministra do Reino Unido de 1979 a 1990).
Trata-se de uma série de estruturas que vão muito além da esfera pública e se concentram nos rincões do Estado profundo, excedendo o sistema de freios e contrapesos, para as quais o “tempo de paz” não é um cenário interessante. Isso porque, para a indústria armamentista, com o nível expressivo de recursos necessários às pesquisas e, seguidamente, para o desenvolvimento industrial, a paralisação do fluxo de mercadorias é algo devastador. Então, o que se busca, do ponto de vista geoeconômico é que se garanta o movimento de fluxo permanente, de entrada e saída destas mercadorias, de bens e serviços para a defesa.
Penso que, desta forma, há uma linha de continuidade, significativamente reforçada a partir da Segunda Guerra Mundial. Estas estruturas, que muitos têm denominado complexo industrial militar, enquanto outros, numa perspectiva da economia política decidiram chamar de base industrial da Defesa, passam a ser fortalecidas a partir do imperialismo do século XIX. Em sua forma moderna, o complexo industrial militar só adquire importância própria com a Segunda Guerra Mundial, e atinge um momento determinante em seu desenvolvimento, que impulsiona tanto na pós-modernidade quanto no neoliberalismo, durante a Guerra das Malvinas. Ali se produz uma completa transformação deste complexo, que passa a orientar-se na direção de um maior protagonismo de atores privados, mais similar ao modelo do complexo militar estadunidense.
Pedro Perucca
Como este novo quadro se expressa concretamente na política externa do Reino Unido, e particularmente com relação às nossas ilhas Malvinas?
Lucas Sebastián Melfi
Esta necessidade de permanente alocação de bens, serviços e recursos de defesa está evidenciada, com clareza meridiana, na resposta de David Cameron (primeiro-ministro da Inglaterra, de 2010 a 2016) ao pedido de retomada do diálogo, que redundou na militarização do entorno da região das Malvinas, na transformação e renovação dos sistemas de comunicação, na substituição dos sistemas de mísseis, a um custo total de 280 milhões de libras. O governo britânico respondeu assim, fortalecendo seu arsenal bélico, a uma solicitação diplomática por diálogo e entendimento. Além disso, as Ilhas passaram a ter uma escola não mais supervisionada e administrada pelas instâncias da Educação do Reino Unido, mas sim pelo Ministério de Defesa da Grã-Bretanha, o que despertou atenção e preocupação. Neste novo cenário, atores privados como a transnacional de origem britânica BAE Systems, por exemplo, desempenham um papel-chave.
Isso está bastante explícito (como a própria embaixadora Alicia Castro testemunhou) na forma pela qual Michael Fallon (ministro da Defesa inglês de 2014 até 2017) num debate em seu Parlamento, obteve um aumento considerável na dotação do já vultoso orçamento para as bases militares nas Malvinas. Lord Fallon usou como argumento o risco de uma “invasão argentina”, transformando uma hipótese inteiramente implausível num hábil instrumento para obter e dispor de mais verbas para seu ministério, para gastos armamentícios e investimentos militares. Em continuidade a essa retórica, assistimos o atual primeiro-ministro Boris Johnson afirmar que a Grã-Bretanha nunca irá, de nenhuma maneira, renunciar a seus compromissos transatlânticos, para em seguida anunciar o maior investimento anual militar em 30 anos de 16.500 milhões de libras.
Acredito que isso reflete a abrangência do setor geoeconômico, intrinsecamente imbricado na constituição das profundas estruturas que constituem os complexos industriais militares, que a todo tempo necessitam alimentar a produção e circulação de mercadorias bélicas, mesmo em tempos de paz. Atores como a BAE Systems, e tantos outros, semelhantemente, fazem lobby pelo descarte de soluções pacíficas, mas também podem se associar a soluções que envolvam algum tipo de dissuasão militar ou segurança preventiva, como ocorre nas Missões Militares de Paz da ONU, porque seu principal e único objetivo é a demanda por este tipo de mercadoria.
Em vista disso não podemos esquecer que, dada a crescente importância dos atores privados, eles passaram a se combinar, realizando algo semelhante a uma fusão com estas complexas e profundas estruturas do Estado, o que resulta numa espécie de hibridização, em que já não se distingue mais com clareza onde começam e acabam o bem público e o interesse privado. Corporações como a BAE Systems estão substancialmente ligadas ao Estado britânico. Não só por seu poder de lobby ou por sua capacidade de penetração nas estruturas estatais, como também pela forte razão de que uma expressiva percentagem das ações da BAE, desde sua origem, pertencem ao Estado britânico. Além disso, estas corporações se ramificam em outras, como as corporações midiáticas – nos referimos especialmente a empresas estatais como a BBC. Da mesma maneira, é preciso ter clareza de que todos esses elementos são vetores que estão se transnacionalizando. E este é o núcleo da estratégia proposta por Thatcher: gerar condições para o surgimento de uma indústria global e transnacional de defesa.
O que observamos então é que tais vetores, como estes do complexo industrial militar britânico, em confluência com os complexos militares de outros países, orientam e caracterizam o que é basicamente a OTAN. Portanto, temos que levar em conta que todo investimento milionário que o Reino Unido realiza, assim como a OTAN, faz parte do que passou a ser conhecido pelo nome de estratégia de espectro total. Isto coincide com a posição que a OTAN já vem adotando há muitos anos, desde a queda do muro de Berlin, e que tem como objetivo manter-se como a OTAN primordial, mas, além disso, avançar como um organismo de segurança global.
Aliado a isso, e de maneira indissociável, entra em cena o aspecto geoestratégico. É irrefutável, e mais do que comprovado, que o interesse britânico em estabelecer-se nesta estratégica latitude sul, onde ocorre a confluência de dois oceanos, remonta ao século XVIII. Trata-se de um ponto estratégico indiscutível. O comandante e lorde George Anson, já no início daquele século, relatou que a posse das Ilhas pelo Reino Unido em tempo de paz acarretava sérias consequências, mas que em tempos de guerra praticamente os transformava em donos dos mares. De fato, o interesse estratégico é evidente, mas constatamos que não é especialmente britânico, já que toda a OTAN participa do jogo de interesses, que mantém a ocupação das ilhas nessa posição estratégica, que descortina para os associados uma ampla zona de acesso e influência, além de um corredor para o Atlântico Sul e para a América Latina, facilitando todo e qualquer tipo de intervenção que eles possam pretender.
Temos que imaginar e avaliar o ativo estratégico que significa ter e dispor de um lugar com bases militares e aeroportos, que está na circunvizinhança de pólos de extração petrolífera, que permite e comporta ser um centro de abastecimento de combustíveis, assim como de armas e equipamentos, sem necessidade de logística e transporte. Trata-se de um ativo geoestratégico fundamental para toda a OTAN, que por isso defende a posse das Ilhas Malvinas pelo Reino Unido, o que é um dado fundamental a se ponderar.
Pedro Perucca
Você vê mudanças no panorama internacional sobre o tema da reivindicação argentina por soberania? Porque, se de um lado, a continuidade de apropriações territoriais ultramarinas é rejeitado por inúmeras nações, principalmente dentro da União Europeia (UE), por outro, os exércitos militares britânicos seguem no Atlântico Sul (sempre com o apoio dos EUA), como uma extensão desta “globalização” da OTAN, que você nos apresentou.
Lucas Sebastián Melfi
Com relação a mudanças no panorama internacional sobre a reivindicação argentina, acho que a rejeição da UE à continuidade da apropriação britânica faz parte de uma longa história, ora com acordos, ora com desavenças entre Reino Unido e o resto do continente. Isto dá lugar a duas grandes tensões, uma de ordem econômica-industrial, e a outra, política, que atravessam esta relação. Quando falamos de acordos e dissensos, isso não se refere apenas a operações ou declarações diplomáticas, mas sim aos diferentes aparelhos de produção no interesse da renovação industrial, científica e tecnológica. Neste sentido, a Grã- Bretanha sempre diversificou suas parcerias de desenvolvimento, aproximando-se em alguns momentos da Europa, e em outros, dos EUA, especificamente quando se trata de desenvolvimento conjunto em matéria de defesa. Já na esfera política, a Grã- Bretanha diversifica seus posicionamentos na OTAN, dependendo de quem esteja a frente do governo, ora atendendo – segundo as estratégias do Tratado do Atlântico Norte -, seguindo à risca o protocolo, ao passo que em outros momentos age como aliado direto dos Estados Unidos.
É por essa razão que vale a pena estudar a história de tensões, justamente para entender melhor o que foi o Brexit, não como um fato isolado ou um espontâneo rompante de loucura, mas como um capítulo final de uma longa trajetória. Quando falamos da relação especial entre Grã-Bretanha e EUA, não trata-se apenas de coincidência de identidades culturais, mas sim de todo um sistema de desenvolvimento conjunto e mútuo em termos científicos e tecnológicos. Há de fato uma imbricação material, em que esta relação especial não é meramente uma asserção mas sim o correlato político deste desenvolvimento industrial e tecnológico. Então, nos momentos em que a Grã-Bretanha se encontra mais próxima dos EUA, a Europa expressa certo descontentamento contra a apropriação das Malvinas, mas quando retomam a relação, ambas acabam por baixar o tom.
Pude constatar que a principal mudança observada no quadro internacional foi promovida pelo terrível aumento do grau de intervencionismo, também conhecido como imperialismo. Isso acontece mediante sucessivos e abrangentes avanços de diferentes agentes imperiais, sob a estratégia de espectro total, ou seja, usando diversos meios (terrestre, aéreo, suborbital, psicológico e etc.) que lhes permite evoluir e subjugar a soberania de diversos países. Mediante essa operação, a estratégia transcende o diagrama original do Atlântico Norte e passa a ingerir-se no Atlântico Sul. E aí as Malvinas constituem o ponto de apoio fundamental. A mudança que eu acompanhei decorre basicamente de uma fortíssima intensificação da ação imperialista.
Pedro Perucca
Você acha possível suceder alguma real mudança diplomática do governo de Alberto Fernández, em comparação aos anteriores, sobre as Malvinas?
Lucas Sebastián Melfi
Em relação à política diplomática, parece-me que um primeiro ponto a considerar seria deixar de debater o tema Malvinas unicamente em termos nacionais (por mais que a questão de soberania seja obviamente nacional) para passar a debatê-lo como um tema de alcance sul-americano, latino-americano, da nossa América, porque essencialmente assim o é, dado que a presença do Reino Unido e da OTAN constitui uma via de acesso a todo o continente. Como já ressaltamos, as ilhas Malvinas são um centro de abastecimento de combustíveis e de armamentos, o que pode resultar na ingerência em qualquer país da região.
Portanto, não se trata de uma questão exclusivamente nacional. Neste sentido, consideramos o Conselho de Defesa da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas) como um elemento essencial que deve ser recomposto, com fundamentos tão claros como na original criação da Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos, a CELAC, que inclui Cuba e não os EUA e Canadá. Este tipo de iniciativas, especificamente propícias à criação de vínculos continentais, enseja uma estratégia fundamental, com potencial de assegurar, no reconhecimento do atual contexto regional, tanto a soberania política como a independência econômica.
Relembro o contexto regional porque, como já disse, a principal mudança que observo a nível internacional é a intensificação e o aumento da ingerência das grandes potências. As declarações são públicas e publicizadas, como as de Boris Johnson quando afirmou que o Reino Unido não vai abandonar seus compromissos transatlânticos. Bem, vamos nos acostumando a ouvir repetirem isso, por aí. E muita gente se assusta com isto. Não acho que seja algo assombroso, porque todas estas políticas imperialistas ocorrem porque são possibilitadas por narrativas estratégicas determinadas. E o que é isto? Segundo cunhou Ernesto Laclau, é a recombinação de elementos discursivos em prol de uma finalidade discursiva, que pode ser legitimar uma guerra, uma intervenção ou um gasto maior na defesa.
Cameron e Johnson são os últimos capítulos, mas também podemos recordar Tony Blair (primeiro-ministro de 1994 a 2007), do Partido Trabalhista inglês, para não dizer que trata-se de uma característica exclusiva do Partido Conservador. Não podemos esquecer que Tony Blair é o primeiro político a vincular o terrorismo como ataque ao Estado, quando, após realizar este exercício de retórica, retira o terrorismo da esfera da Segurança Pública e o coloca na alçada da Defesa, e dessa maneira passou a legitimar-se qualquer dotação orçamentária para esse setor. É disso que se trata, e é por isso que o anunciam tão enfática e prioritariamente.
Creio que com pouco tempo de mandato, e em meio a uma pandemia, fazer um juízo de valor sobre a política diplomática ou a Chancelaria seria algo precipitado. Conseguimos resgatar o que Óscar Guardiola-Rivera e Laclau cunharam como “diplomacia revolucionária” e que norteou a atuação de Alicia Castro, isto é, a construção de consensos não só com os tradicionais protagonistas da diplomacia como também agregando um conjunto de diversos atores sociais, políticos, sindicalistas, acadêmicos, com organizações não governamentais e formadores de opinião das quatro nações que integram o Reino Unido (não esquecemos que a Grã-Bretanha é só uma delas). Penso que é muito possível que haja falta de tempo e é imprópria para juízos de valor, mas o importante é acompanhar a política externa que consegue não ater-se apenas aos tradicionais caminhos da diplomacia mas criar consensos com outros atores.
Sobre os autores
Lucas Sebastián Melfi é licenciado em Ciência Política e Doutor em Ciências Sociais pela UBA.
Pedro Perucca é sociólogo, jornalista, editor da revista “Sonámbula” e membro do “Proyecto Synco”, um observatório de ficção científica, tecnologia e futuros.
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