19 de abril de 2021

Peru: mudança ou continuidade neoliberal

Os resultados eleitorais no Peru revelam que a crise política continua aberta. O desfecho da crise do ciclo neoliberal passará para o segundo turno, onde poderá começar um período de mudanças liderado por Castillo ou, ao contrário, adquirir novo vigor com Keiko Fujimori.

Anahí Durand Guevara



Na semana passada, nós, peruanos, fomos votar em um país devastado, com duas crises intensas. A primeira, uma crise política, ligada ao caso Odebrecht e ao rastro de ex-presidentes envolvidos em casos de corrupção e instabilidade política que ele desvendou. A segunda, a tragédia que a situação de saúde significa; a pandemia expôs o abandono da população por parte do Estado e condenou centenas de milhares de pessoas à morte, seja por causa do vírus, seja por fome e pobreza.

Diante de tal cenário, as eleições se anunciaram de forma bastante complexa. A rejeição da classe política e o descontentamento foram expressos durante todo o verão em um alto percentual de indecisos e uma baixa aceitação pelos 18 candidatos em disputa (dois domingos antes das eleições, 35% dos eleitores ainda não haviam definido por quem votaria, e nenhum candidato ultrapassou os 15%).

A direita peruana passava por uma grave crise, com Keiko Fujimori enfraquecida e novas expressões, como Hernando de Soto ou o religioso Rafael López Aliaga, sem decolar totalmente. Do lado da esquerda, destacou-se Verónika Mendoza, candidata da coalizão Juntos por el Peru, que permaneceu entre as primeiras colocações nas pesquisas até pouco antes das eleições. Pedro Castillo, candidato do Peru Libre, mal apareceu nas pesquisas.

No dia 11 de abril, porém, o primeiro lugar era ocupado por Pedro Castillo, com 19% dos votos, seguido por Keiko Fujimori, com 13%, enquanto Mendoza ficava para trás, para o quinto lugar, com 8%. Como explicar esses resultados? Compartilho algumas ideias e, enquanto fazia parte da equipe do Juntos por el Perú, também avanço elementos de equilíbrio, tentando imaginar cenários para a votação de 6 de junho, onde o novo presidente será definido (e com ele, espero, algum caminho para crise do regime político ainda em vigor).

O desafio de incorporar a mudança: Vero Mendoza e uma campanha atípica

Juntos por el Peru participaram das eleições determinados a convencer a maioria do país de que era a alternativa de mudança para sair da crise. Desde o início, ele ergueu a bandeira de uma nova Constituição e apresentou um Plano de Governo que detalha políticas e programas para enfrentar a pandemia e reativar a economia. Além disso, apresentou uma equipe de governo com profissionais reconhecidos e ligados às lutas sociais, que garantiriam a viabilização das mudanças.

Verónika percorreu o país com a sua proposta de "verdadeira mudança", explicou o seu programa à imprensa, reuniu-se com dirigentes de organizações sociais, integrou um conglomerado de militantes e venceu em grande parte os debates, revelando-se a melhor candidata do momento. Mas nada disso foi suficiente, e a realidade nos obriga a ensaiar balanços que expliquem os maus resultados.

Acima de tudo, destaca uma contra-campanha sistemática e permanente em execução nos dois lados e voltada para públicos diferentes, mas simultâneos. Da direita e de seus principais meios de comunicação, como o Grupo El Comercio, a candidatura de Mendoza foi sistematicamente atacada com várias acusações, que vão desde querer converter o país à Venezuela até gerar hiperinflação, sem esquecer o já clássico terruqueo [N. do E.: criminalização do protesto à la peruana: acusação de terrorismo e associação com o Sendero Luminoso]. O jornal Peru 21 e o Willax foram além, pressionando o Júri Eleitoral a retirar Mendoza da disputa eleitoral com falácias sobre questões administrativas.

Se essas manobras visavam a classe média, para os setores populares a contra-campanha apresentava o JP como o partido da "ideologia de gênero". Imagens, áudios e outras falsificações circularam tanto no WhatsApp quanto no Facebook que acusavam Mendoza de atrocidades como o incentivo ao aborto ou a promoção da homossexualização de crianças. Apesar de a campanha de Vero priorizar falar às mulheres com propostas relacionadas à economia popular, como a “Pensión mujer” ou o sistema de creches e centros para adultos, não foi possível contrariar as mentiras difundidas. Com muitos recursos envolvidos e múltiplos operadores - incluindo o outro partido de esquerda - se instalou a história de que um eventual governo de Mendoza só traria crise econômica, caos e destruição da família.

Entre os fatores internos que impediram o triunfo de Mendoza, deve-se reconhecer, em primeiro lugar, a falta de raízes territoriais que forneçam uma base para crescer e somar. Embora em 2016 Verónika reunisse em sua maioria os votos da região andina do sul, ela não conseguiu consolidar um trabalho orgânico que permitisse lançar bases sólidas.

As eleições parlamentares complementares de 2020, nesse sentido, foram um alerta de que o sul se inclinava para uma agenda conservadora no social e radical na redistributiva, votando nessa ocasião no partido de Antauro Humala. Em janeiro, as pesquisas mostraram que o Sul apoiava o centrista Yoni Lescano; apesar da insistência em visitar regiões como Cusco ou Puno, Mendoza e JP não eram mais uma opção.

Outro aspecto importante diz respeito às articulações sociais e setores organizados que acompanharam o JP nesta campanha, como os sindicatos historicamente ligados a partidos de esquerda e hoje muito desgastados e burocratizados, como o sindicato dos professores (SUTEP) ou a Central de Trabalhadores (CGTP). Enquanto Castillo se articulava com organizações emergentes no mundo popular, como ronderos, irrigantes e, principalmente, professores não sindicalizados, Mendoza lutava contra uma estrutura sindical desgastada e lenta para despertar o entusiasmo e mobilizar eleitores.

A esses fatores somam-se a precariedade econômica e o caráter atípico de empreender uma campanha pandêmica, com quarentenas e protocolos que JP foi obrigado a cumprir. Pode-se citar também o tom mais estadista que a candidatura de Mendoza estava assumindo, uma vez que a pressão da mídia os obrigou a dar explicações programáticas e deixar de lado a ênfase oposicionista. É falso, como dizem alguns, que Mendoza "correu para o centro" ou priorizou as agendas liberais. Até o fim, manteve uma posição a favor de mudanças profundas, exigindo uma nova constituição, uma mudança no modelo econômico, um imposto sobre as fortunas, a nacionalização do gás ou uma segunda reforma agrária.

Certamente existem mais elementos e serão necessários balanços mais abrangentes. Mas o exposto ajuda a entender porque a melhor candidata, aquela com as propostas mais fundamentadas, não conseguiu convencer a maioria. Falhou em concretizar a opção de mudança, aliás, porque outra candidatura surgiu com algo que Vero já não tinha mais: a vantagem do novo.

Virtude e fortuna: Pedro Castillo e a vantagem do novo

Maquiavel diz que um político alcançará seus objetivos na medida em que puder desenvolver habilmente seu modo de agir (virtude) em condições históricas, incluindo contingências (fortuna). No Peru devastado pela pandemia e pelas crises sobrepostas, os resultados do professor Castillo podem ser explicados neste registro, enfatizando o que ele e o Peru Libre administraram corretamente para seus propósitos, bem como os aspectos da situação que os favoreceram.

Em primeiro lugar, deve-se reconhecer que já em 2016, dos 4% obtidos por Gregorio Santos, sabia-se que havia um eleitorado à esquerda de Verónika Mendoza. Era importante, então, montar um bloco de forças de mudança capaz de ir ao segundo turno e ganhar o governo. Cientes disso, Mendoza e Juntos por el Perú tentaram uma aliança com o Peru Libre em um processo que, no entanto, e principalmente por questões administrativas, não prosperou.

Os caminhos se bifurcaram, para 2021 o Peru Libre nomeou Pedro Castillo, um professor conhecido por liderar a greve de professores de 2017 e que basicamente deveria salvar o recorde de seu partido como candidato. Já na campanha, duas decisões exitosas se destacam no Peru Libre: primeiro, focar territorialmente no sul, onde teve militância ativa e o apoio de milhares de professores, e segundo, rejeitar convencer as classes médias urbanas e evitar o acesso ao grandes meios de comunicação, priorizando o atendimento aos setores populares por meio de rádios locais e o intenso trabalho porta a porta.

Ele também articulou uma mensagem altamente pragmática com propostas específicas para cada setor: ele ofereceu aos transportadores a eliminação de todas as multas, agricultores, empréstimos imediatos, etc. Embora nenhuma dessas propostas tenha sido fundamentada, a indignação transmitida foi suficiente para chamar a atenção dos peruanos fartos dos abusos.

Mas, por outro lado, a fortuna atua e, como também observa Maquiavel, a fortuna favorece os ousados. Aproveitando o fato de que a direita e os poderes constituídos estavam concentrando suas forças em derrotar Mendoza, Castillo teve a audácia de se mover rapidamente em um terreno que conhecia. Ele literalmente cavalgou por territórios rurais, desobedecendo aos protocolos sanitários; reuniu multidões, rezou no início dos comícios e falou simplesmente contra as medidas do governo (um dos objetivos principais: a odiada quarentena, que afetou a economia popular).

A sua campanha nas redes (principalmente Facebook e WhatsApp) divulgou brevemente as suas propostas e dedicou-se, sobretudo, a atacar Vero, divulgando gráficos e mensagens que a apresentavam como candidata da «esquerda-luz», quase exclusivamente centrada na "ideologia do género". Assim, enquanto a direita o subestimava, Castillo acumulava silenciosamente. Primeiro ele deslocou Yoni Lescano no sul; depois, Mendoza nos setores populares e, finalmente, acrescentou os indecisos.

Na semana passada, a ala direita detectou o crescimento de Castillo e começou a atacá-lo, mas era tarde demais. À semelhança do que aconteceu em janeiro de 2020, quando nos últimos dez dias de campanha as pessoas definiram o seu voto a favor do FREPAP, no dia 11 de abril ocorreu uma disputa a favor de Castillo. Mais do que um voto ideológico ou programático, que opta pela "verdadeira esquerda", é basicamente um voto reativo que rejeita a classe política e despreza o establishment. Um voto que, sem muitas informações, opta pelo mais novo, o "menos poluído".

Por fim, com atuação e discurso mais sem graça que Goyo Santos, mas com determinação semelhante, Pedro Castillo foi para o segundo turno. Com o apoio e recursos do partido Peru Libre, Castillo fez bem o que sabia fazer: falava na mídia local com tom rebelde e desafiador, enchia lugares e conseguia ser destruidor. Preservou sua base territorial e social sem arriscar em Lima ou nas cidades litorâneas, e menos se preocupando em conquistar a elusiva classe média. Ele também aproveitou a sorte de encarnar a novidade e estar menos associado à classe política.

A questão que se coloca agora é se isso vai ser suficiente para ele ganhar a presidência da República.

O que vem a seguir: Preocupações e desafios

Os resultados eleitorais no Peru revelam que a crise política continua aberta. As duas forças no segundo turno representam apenas 35% do eleitorado, e no nível parlamentar a dispersão se impõe em dez pequenas bancadas, número que dificultará o trabalho conjunto do novo governo. O desfecho da crise do ciclo neoliberal imposto em 1992 será transferido para o segundo turno, onde poderá começar um período de mudanças liderado por Castillo ou, ao contrário, adquirir novo vigor com Keiko Fujimori à frente.

Movendo-se rapidamente neste contexto, Keiko reuniu um agrupamento em torno de três eixos estratégicos: defender a Constituição de 1993, preservar o modelo econômico e proteger a família. Chocados com o possível triunfo de Castillo, que a grande mídia já apresenta como a "ameaça comunista", os setores da direita e dos liberais endossaram seu apoio a Fujimori, incluindo líderes de opinião outrora ferrenhos anti-Fujimori, como o ganhador do Nobel Mario Vargas Llosa.

Para os setores progressistas, o cenário é complexo. Há uma votação crítica nesse modelo (cerca de 20%) que elege sistematicamente as propostas de mudança. Em 2006 e em 2011 votou em Humala, em 2016 em Vero e neste 2021 em Castillo. É uma votação consistente, mas difícil de organizar, pois tende a buscar o "novo": não necessariamente de fora, mas de alguém menos associado à classe política.

Para vencer, Castillo tem o desafio de dobrar esse voto crítico, convencendo a classe média e os setores urbanos de Lima e do litoral, onde seus resultados foram baixos. Por enquanto, anunciou um encontro com Mendoza, que por sua vez mostrou sua vontade de falar sobre eixos programáticos fundamentais, como a convocação de uma Assembleia Constituinte, a mudança do modelo econômico, os direitos das mulheres e uma estratégia sensata para enfrentar a pandemia.

Resta saber que outras alianças vai tecer Castillo (um personagem pragmático, ex-candidato a Peru Posible, de Alejandro Toledo, e ao mesmo tempo próximo à ala mais ultra-esquerdista da profissão docente), que também anunciou que ele conversará com De Soto apesar da divergência de Vladimir Cerrón, presidente do Peru Libre, que tem um perfil ideológico de esquerda mais claro.

Em um país devastado, com a crise do regime aberta e a pandemia atingindo fortemente uma sociedade retraída à família, as eleições de 6 de junho terão um caráter plebiscitário: a favor da continuidade ou a favor da mudança. Mas não se trata mais do "Vamos mudar tudo" que em algum momento propusemos como JP. A mudança que as maiorias populares hoje esperam é aquela que garanta valores conservadores, respeite a família tradicional e garanta uma certa ordem de preservação da vida. Não sabemos ainda se Pedro Castillo conseguirá continuar a ser o representante dessa mudança e, simultaneamente, convencer outro setor, nada menos, de que espera uma abertura progressiva maior. Também não sabemos como ele vai lidar com a contra-campanha, que já começou a alimentar os temores das pessoas com questões como hiperinflação, terrorismo ou desemprego.

Mas há uma coisa de que estamos convencidos: há muito em jogo para que as forças de esquerda se manifestem. Um resultado que dê novo fôlego ao ciclo neoliberal em sua pior versão - a encarnada por Fujimori - significaria o realinhamento da direita e uma derrota estratégica para o movimento popular. As articulações devem ser dadas sem deixar de disputar o sentido e a amplitude das mudanças, afirmando um horizonte constituinte, com o povo mobilizado, com humildade e visão suficiente para fazer história. Pois bem, como assinalou Mariátegui, “história é duração” e é disso que se trata: permanecer, lutar, cair, levantar e, com sorte, vencer.

Sobre a autora

Socióloga e professora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidad Nacional Mayor de San Marcos (Lima). Faz parte do coletivo editorial Jacobin América Latina.

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