À medida que os vínculos entre o capitalismo e a crise ecológica se tornam cada vez mais evidentes, a filosofia política do ecossocialismo vem ganhando apoio. Ambientalistas de esquerda não estão sem ideias: agora eles precisam de uma estratégia que possa alcançar o poder necessário.
Sam Knights
Um bombeiro tenta apagar o incêndio em 19 de agosto de 2020 em San Mateo, Califórnia. (Liu Guanguan / Serviço de notícias da China por meio do Getty Images) |
Tradução / Em 2001, dois acadêmicos marxistas, Joel Kovel e Michael Löwy, publicaram An Ecosocialist Manifesto (Um Manifesto Ecossocialista). Eles ficaram frustrados com muitos de seus camaradas no Ocidente que aparentemente nada tinham a dizer sobre a perspectiva de uma catástrofe climática e ecológica. Eles acreditavam que “a esquerda em geral tinha pouquíssimo interesse na questão ecológica” e esperavam que este manifesto pudesse trazer seus “camaradas socialistas para a luta ecológica”.
“O ecossocialismo ainda não é um espectro, nem está fundamentado em nenhum partido ou movimento concreto”, escreveram. “É apenas uma linha de raciocínio, a partir de uma leitura da crise atual e das condições necessárias para superá-la.”
Este manifesto, como tantos que vieram antes dele, estava em diálogo consciente com o Manifesto Comunista. No entanto, ao contrário de Marx e Engels, os autores careciam de um movimento com o qual associar suas ideias. Kovel e Löwy ficaram se perguntando: “O espectro pode ser trazido à existência?”
An Ecosocialist Manifesto apareceu apenas em algumas publicações radicais para um público limitado. Ao longo dos anos, no entanto, acadêmicos e ativistas o revisitaram enquanto tentavam compreender e narrar a história emergente do ecossocialismo.
O mundo mudou muito nas últimas duas décadas. Muito mais pessoas morreram como resultado da destruição ecológica; muitas outras espécies foram extintas. A crise climática se intensificou e as pessoas no Norte Global estão começando a perceber o que as pessoas no Sul Global vêm dizendo há séculos: é hora de contra-atacar.
A era do colapso
Este é o contexto em que Mathew Lawrence e Laurie Laybourn-Langton publicaram seu novo livro, Planet on Fire: A Manifesto for the Age of Environmental Breakdown (Planeta em chamas: Um Manifesto para a Era do Colapso Ambiental). O livro fala sobre os movimentos que surgiram nos últimos cinco anos — de “greves de crianças em idade escolar até os Green New Dealers” — e visa conduzi-los em direção a uma política ecossocialista mais coerente. “Este livro pretende ser um guia”, escrevem Lawrence e Laybourn-Langton, “para se entender como chegamos nisso, e explorar algumas ideias de para onde ir”.
Ao longo dos anos, os proponentes do “ecossocialismo” se aglutinaram em torno de um conjunto vago de crenças centrais. De modo geral, um ecossocialista é alguém que acredita que o capitalismo deve ser desmontado para abordar as crises ecológicas que enfrentamos. Isso significa redefinir a relação entre os seres humanos e o mundo natural. Significa também construir um futuro sustentável e democrático, construído sobre os princípios de justiça, liberdade e solidariedade — ou, como os autores colocam, “um futuro de florescimento coletivo”.
Durante a história, ambientalistas de esquerda têm estado na vanguarda de campanhas para democratizar a sociedade, transformar a economia e proteger o meio ambiente. De Gerrard Winstanley a William Morris, eles procuraram reimaginar nosso mundo fragmentado e decadente. Eles lutaram para expandir os bens comuns, aumentar o tempo de lazer e reimaginar nosso relacionamento com o capital.
Este livro é uma tentativa brilhante de consolidar essas ideias, consolidar esse pensamento e conectar o trabalho vital que já está sendo feito hoje. “É um projeto já em andamento”, escrevem os autores, e “a cada dia, a lista fica maior.”
Lawrence e Laybourn-Langton escreveram o que chamam de “Manifesto para a Era do Colapso Ambiental” (Manifesto for the Age of Environmental Breakdown). No entanto, apesar do título um tanto ousado, há uma óbvia humildade em seu trabalho. Eles estão claramente conscientes das pessoas e dos movimentos que surgiram antes deles e não procuram reivindicar essas ideias como suas.
Os autores estão cientes de suas próprias limitações e admitem que seu foco está no Reino Unido e nos Estados Unidos, “os países que conhecemos melhor”. Eles argumentam que agora devemos “aproveitar os períodos recentes de avanço, aprender com os erros e derrotas e preparar o terreno para uma frente popular capaz de renovar a esperança econômica e política.”
De ideias para a ação
A crise climática, dizem eles, é uma questão de poder. Já temos as ideias e os recursos para uma mudança transformadora: “O desafio é mobilizar poder e energia para responder ao tamanho da emergência.” Ecossocialismo é a resposta óbvia — mas o que Lawrence e Laybourn-Langton querem dizer quando invocam esse termo?
Inicialmente, eles definem “ecossocialismo” como “o esforço coletivo para democratizar nossas instituições econômicas e políticas, redirecionando-as para o bem-estar social e o florescimento individual, enraizado em um mundo natural abundante e próspero”. Mais tarde eles dizem no livro que se você não gosta da palavra ecossocialismo, “então use outra coisa”. Este não é um manifesto que se preocupa particularmente com a teoria política.
Lawrence e Laybourn-Langton trabalham para think tanks — os Common Wealth e Institute for Public Policy Research, respectivamente — e dá pra perceber. O livro está repleto de sugestões de políticas. Ele fornece ao leitor uma visão ampla e bem evidenciada da mudança sistêmica radical. É acessível, mas com nuances, detalhado, mas expansivo.
Ocasionalmente, no entanto, essa abordagem pode limitar o escopo de seu projeto. Até o capítulo final, há pouca consideração sobre teoria política ou estratégia revolucionária. Os autores identificam o poder como o problema, mas não se concentram na questão de como conquistamos esse poder. Embora digam repetidamente que “ter uma visão não é suficiente”, este é um livro sobre visão. É um “plano para que a vida floresça”, mas como o alcançamos não está muito claro.
Esta é, talvez, uma crítica injusta. Um livro não pode atingir todos os objetivos, e os autores estão tentando fazer outra coisa aqui. Aparecendo no The Owen Jones Show, Mathew Lawrence repetiu sua afirmação central: “O problema não é que não tenhamos ideias; é como construímos as coalizões políticas que podem superar os poderosos interesses enraizados.”
Este manifesto é uma tentativa de abordar a primeira metade dessa reivindicação. O objetivo é mostrar que temos ideias em abundância, para que possamos então discutir mais facilmente como colocá-las em prática. É uma resposta às pessoas que dizem: “Então, o que você faria?”
Um, dois, muitos Green New Deals
Lawrence e Laybourn-Langton articulam uma visão convincente do futuro que está “ancorada na democracia, justiça e solidariedade mútua.” Eles procuram “desmantelar as hierarquias de riqueza, classe, gênero, raça e poder na sociedade, substituindo-as por relações democráticas e coletivos poderosos”. As ideias que apresentaram incluem medidas para democratizar as finanças, investir em serviços públicos, dimensionar modelos alternativos de propriedade, apoiar a construção de riqueza da comunidade, expandir os bens comuns e reimaginar as empresas. Eles apóiam políticas específicas para combater a pobreza alimentar, reconstruir cidades, reduzir o uso de carros e reimaginar o trabalho.
Essa visão se baseia no Green New Deal e vai vários passos à frente. Como os autores dizem na introdução, “precisamos de um, dois, muitos Green New Deals”. Embora Lawrence e Laybourn-Langton nunca mencionem a política partidária explicitamente, a sombra das últimas eleições gerais britânicas se torna grande. É impossível ler Planet on Fire sem pensar no manifesto do Partido Trabalhista em 2019. Este documento transformador colocou “uma revolução industrial verde” no centro de sua oferta política; os dois textos incluem muitas das mesmas políticas.
Se os críticos achavam que Jeremy Corbyn prometia muito, espere até que leiam este livro. Não faltam boas ideias — nem bons manifestos para se inspirar. Na verdade, em certo sentido, Planet on Fire é um manifesto dos manifestos: um catálogo de boas ideias, baseado na tradição ecossocialista e visando, com sorte, um futuro mais justo e sustentável.
O passado, porém, também é importante. Os autores dizem em duas ocasiões que o “grito de guerra” da nova era deve ser “luxo público para todos”. Outros termos são usados alternadamente: “Florescimento coletivo” e “luxo comunitário”. A visão de luxo comunitário se baseia no trabalho de pensadores contemporâneos, ao mesmo tempo que aponta para a ideia de luxo comunitário que surgiu pela primeira vez durante a Comuna de Paris em 1871.
Como Kristin Ross mostrou, os revolucionários parisienses estavam tentando construir uma sociedade que priorizasse a felicidade humana acima da acumulação de capital privado; a criatividade foi uma parte essencial da revolução. Artistas que apoiaram a Comuna compuseram seu próprio manifesto, argumentando que a arte deveria ser integrada à vida pública ao invés de tratada como uma mercadoria privada. Eles queriam reimaginar o trabalho e o lazer e aguardavam o “nascimento do luxo comunitário”.
Planet on Fire, portanto, lembra alguns dos manifestos que vieram antes dele. Lawrence e Laybourn-Langton querem que espaços de lazer ecologicamente abundantes tenham prioridade; assim como os revolucionários da Comuna de Paris, eles defendem os serviços básicos universais e uma semana de trabalho mais curta. Eles reescreveram sua definição de ecossocialismo como uma “meta que exige outro tipo de economia”, promovendo “luxo comunitário em sociedades de beleza cotidiana”.
Realismo utópico
Os autores insistem que essa visão de “abundância sustentável” não deve ser considerada utópica. Em 2013, o francês Parti de Gauche (Partido de Esquerda) fez uma afirmação semelhante em seu próprio manifesto ecossocialista — um documento visionário que estava, é claro, à frente de seu tempo. “O ecossocialismo não é uma utopia à qual a realidade deva obedecer”, afirma o manifesto; pelo contrário, é uma “resposta humana racional” aos problemas da nossa época.
Essa é uma resposta compreensível, já que os críticos costumam acusar os ecossocialistas de serem pouco práticos ou ingênuos. No entanto, como John Storey apontou, nossas idéias sobre o que deve ser considerado “realista” ou “utópico” são inerentemente subjetivas e politizadas:
A realidade é um consenso organizado construído em torno das necessidades de um grupo relativamente pequeno de pessoas. Quando se afirma que o utopismo radical é irreal, é por ser contra essas construções da realidade que se está contestando, e não contra alguma realidade absoluta.
Em outras palavras, precisamos ter mais confiança em nossas visões e mais fé na utopia. Não há nada de impraticável no ecossocialismo, e o impulso utópico nem sempre é irreal. A socióloga Ruth Levitas, que escreveu extensivamente sobre o pensamento utópico, argumenta que “o elemento essencial na utopia não é a esperança, mas o desejo — o desejo de uma maneira melhor de ser”. Ler Planet on Fire é um exercício de desejo utópico, e não devemos ter vergonha de admitir isso.
A imaginação utópica é necessária para desenvolver alternativas genuínas ao capitalismo. Ele desbloqueia o desejo por outro mundo e abre novas possibilidades. Fredric Jameson certa vez escreveu que “a utopia como forma não é a representação de alternativas radicais; é simplesmente o imperativo de imaginá-los”. A imaginação está no centro dessa visão — Lawrence e Laybourn-Langton anunciam, no final de seu livro, que “recuperar o futuro exigirá extrema imaginação”.
É sabido que Marx se recusou a escrever “receitas para as cozinhas do futuro”. Mas isso não significa que as visões do futuro não apareçam em parte alguma de sua obra. No A Ideologia Alemã, Marx e Engels tentam imaginar o futuro sob o comunismo: “Em uma sociedade comunista não há pintores, mas apenas pessoas que se dedicam à pintura entre outras atividades.” Isso soa suspeitosamente como os artistas revolucionários da Comuna de Paris. Nos Grundrisse, Marx argumenta que o comunismo resultará na expansão do “tempo livre — que é tanto lazer quanto tempo para atividades mais elevadas.”
Muitas das ideias em Planet on Fire são, em sua raiz, verdadeiramente utópicas. Considere Gerrard Winstanley, o radical inglês do século XVII que argumentou que “a terra foi feita para ser um tesouro comum de sustento para todos, sem respeito pelas pessoas, e não foi feita para ser comprada e vendida.” Sem essas ideias utópicas, o ecossocialismo não existiria hoje. É importante lembrar disso.
O primeiro passo
Isso é o que torna Planet on Fire um livro tão cativante. Está repleto de ideias ousadas e ambiciosas que antes pareciam impraticáveis, mas agora parecem eminentemente razoáveis. Lawrence e Laybourn-Langton estão interessados em ideias e permitem que elas ocupem o centro do palco. Isso por si só é um sinal de quão longe chegamos.
Vinte anos atrás, quando Joel Kovel e Michael Löwy escreveram An Ecosocialist Manifesto, eles só conseguiam reunir algumas mil palavras. Naquela época, eles ainda estavam tentando convencer as pessoas a se importarem. Hoje, a esquerda não precisa ser convencida e podemos encher livros inteiros com nossas ideias. O espectro do ecossocialismo finalmente foi criado.
A ideologia, no entanto, não é tão diferente. Ambos os manifestos invocam as mesmas frases familiares: “Crise”, “catástrofe”, “ecossocialismo ou barbárie”. Ambos rejeitam o capitalismo e enquadram a crise ecológica de maneira semelhante, e ambos fazem referência à mesma citação famosa de Antonio Gramsci: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode nascer; neste interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem.”
A utopia ecossocialista é assim apresentada como o “novo mundo” que ainda está por nascer, mas os autores têm certeza de que este é apenas o começo da jornada. Este não é um livro sobre um futuro teórico. Planet on Fire é um “manifesto para a era do colapso ambiental”; é um manifesto para o agora, “neste interregno”.
Em 1999, Saral Sarkar escreveu um livro intitulado “Eco-socialism or Eco-Capitalism?” (Ecossosialismo ou Ecocapitalismo?) que se propôs a atingir um objetivo semelhante. Sarkar argumentou que era difícil imaginar um futuro ecossocialista: “Também não é urgente para nós. Para nós, o período de transição é mais importante.” Para Sarkar, havia uma diferença significativa entre o ecossocialismo no período de transição e o modelo final de uma sociedade ecossocialista: em um primeiro momento, um estado forte seria necessário para garantir um recuo planejado e ordenado, após o qual o estado poderia ser gradualmente democratizado e, quando apropriado, desmontado.
Lawrence e Laybourn-Langton não oferecem tais teorias explícitas de transição, mas fica-se com a impressão de que, para eles, a democracia não é um subproduto da transição, mas uma parte integrante do processo. Encarnando o grande ambientalista Murray Bookchin, o foco deles está no aprofundamento da democracia: “Ao criar benefícios materiais tangíveis e nutrir novas formas de engajamento democrático, um bem comum do século XXI pode prefigurar uma mudança de sistemas mais ampla.”
No capítulo final, Lawrence e Laybourn-Langton oferecem algumas reflexões iniciais sobre a estratégia ecossocialista, argumentando que precisamos de uma estratégia de cima para baixo e de baixo para cima. Esta é a parte menos convincente do livro. Em um ponto, eles comparam uma futura transformação ecossocialista ao processo de neoliberalização sob Margaret Thatcher. Eles estão tentando nos dar uma compreensão da escala, mas o exemplo não parece convincente.
Eles insistem que para que surja uma nova estratégia, precisamos de cinco componentes principais: uma visão alternativa do futuro, um antagonismo construtivo com o capital, um claro senso de coalizão, uma prova demonstrável da alternativa e uma estratégia clara de priorização. Planet on Fire é a primeira etapa desse plano de cinco etapas. É uma visão essencial do futuro que, espero, terá um grande impacto no socialismo contemporâneo.
O desafio que temos pela frente é imenso. Como os autores observam logo no primeiro capítulo: “Existem poucos, possivelmente não há, exemplos históricos de sociedades que realizam com sucesso essa ação transformadora fundamental em tão pouco tempo.”
O caminho à frente é perigoso e incerto. Portanto, vamos levar este manifesto adiante e todos os manifestos que o precederam. Vamos aprender com os movimentos de resistência no Sul Global e ser humildes em nossa resposta; muitas dessas ideias já existem há séculos e se baseiam em conhecimentos antigos mantidos por comunidades indígenas.
Desde que os seres humanos caminham pela Terra, essas ideias existem. Agora precisamos começar a tarefa urgente de organizar, mobilizar e conquistar o poder. Temos o manifesto — é hora de falarmos sobre estratégia.
Colaborador
Sam Knights é escritor, ator e ativista climático. Ele é o co-editor de This Is Not a Drill: An Extinction Rebellion Handbook (Este não é um exercício: um manual de rebelião de extinção, em tradução livre).
“O ecossocialismo ainda não é um espectro, nem está fundamentado em nenhum partido ou movimento concreto”, escreveram. “É apenas uma linha de raciocínio, a partir de uma leitura da crise atual e das condições necessárias para superá-la.”
Este manifesto, como tantos que vieram antes dele, estava em diálogo consciente com o Manifesto Comunista. No entanto, ao contrário de Marx e Engels, os autores careciam de um movimento com o qual associar suas ideias. Kovel e Löwy ficaram se perguntando: “O espectro pode ser trazido à existência?”
An Ecosocialist Manifesto apareceu apenas em algumas publicações radicais para um público limitado. Ao longo dos anos, no entanto, acadêmicos e ativistas o revisitaram enquanto tentavam compreender e narrar a história emergente do ecossocialismo.
O mundo mudou muito nas últimas duas décadas. Muito mais pessoas morreram como resultado da destruição ecológica; muitas outras espécies foram extintas. A crise climática se intensificou e as pessoas no Norte Global estão começando a perceber o que as pessoas no Sul Global vêm dizendo há séculos: é hora de contra-atacar.
A era do colapso
Este é o contexto em que Mathew Lawrence e Laurie Laybourn-Langton publicaram seu novo livro, Planet on Fire: A Manifesto for the Age of Environmental Breakdown (Planeta em chamas: Um Manifesto para a Era do Colapso Ambiental). O livro fala sobre os movimentos que surgiram nos últimos cinco anos — de “greves de crianças em idade escolar até os Green New Dealers” — e visa conduzi-los em direção a uma política ecossocialista mais coerente. “Este livro pretende ser um guia”, escrevem Lawrence e Laybourn-Langton, “para se entender como chegamos nisso, e explorar algumas ideias de para onde ir”.
Ao longo dos anos, os proponentes do “ecossocialismo” se aglutinaram em torno de um conjunto vago de crenças centrais. De modo geral, um ecossocialista é alguém que acredita que o capitalismo deve ser desmontado para abordar as crises ecológicas que enfrentamos. Isso significa redefinir a relação entre os seres humanos e o mundo natural. Significa também construir um futuro sustentável e democrático, construído sobre os princípios de justiça, liberdade e solidariedade — ou, como os autores colocam, “um futuro de florescimento coletivo”.
Durante a história, ambientalistas de esquerda têm estado na vanguarda de campanhas para democratizar a sociedade, transformar a economia e proteger o meio ambiente. De Gerrard Winstanley a William Morris, eles procuraram reimaginar nosso mundo fragmentado e decadente. Eles lutaram para expandir os bens comuns, aumentar o tempo de lazer e reimaginar nosso relacionamento com o capital.
Este livro é uma tentativa brilhante de consolidar essas ideias, consolidar esse pensamento e conectar o trabalho vital que já está sendo feito hoje. “É um projeto já em andamento”, escrevem os autores, e “a cada dia, a lista fica maior.”
Lawrence e Laybourn-Langton escreveram o que chamam de “Manifesto para a Era do Colapso Ambiental” (Manifesto for the Age of Environmental Breakdown). No entanto, apesar do título um tanto ousado, há uma óbvia humildade em seu trabalho. Eles estão claramente conscientes das pessoas e dos movimentos que surgiram antes deles e não procuram reivindicar essas ideias como suas.
Os autores estão cientes de suas próprias limitações e admitem que seu foco está no Reino Unido e nos Estados Unidos, “os países que conhecemos melhor”. Eles argumentam que agora devemos “aproveitar os períodos recentes de avanço, aprender com os erros e derrotas e preparar o terreno para uma frente popular capaz de renovar a esperança econômica e política.”
De ideias para a ação
A crise climática, dizem eles, é uma questão de poder. Já temos as ideias e os recursos para uma mudança transformadora: “O desafio é mobilizar poder e energia para responder ao tamanho da emergência.” Ecossocialismo é a resposta óbvia — mas o que Lawrence e Laybourn-Langton querem dizer quando invocam esse termo?
Inicialmente, eles definem “ecossocialismo” como “o esforço coletivo para democratizar nossas instituições econômicas e políticas, redirecionando-as para o bem-estar social e o florescimento individual, enraizado em um mundo natural abundante e próspero”. Mais tarde eles dizem no livro que se você não gosta da palavra ecossocialismo, “então use outra coisa”. Este não é um manifesto que se preocupa particularmente com a teoria política.
Lawrence e Laybourn-Langton trabalham para think tanks — os Common Wealth e Institute for Public Policy Research, respectivamente — e dá pra perceber. O livro está repleto de sugestões de políticas. Ele fornece ao leitor uma visão ampla e bem evidenciada da mudança sistêmica radical. É acessível, mas com nuances, detalhado, mas expansivo.
Ocasionalmente, no entanto, essa abordagem pode limitar o escopo de seu projeto. Até o capítulo final, há pouca consideração sobre teoria política ou estratégia revolucionária. Os autores identificam o poder como o problema, mas não se concentram na questão de como conquistamos esse poder. Embora digam repetidamente que “ter uma visão não é suficiente”, este é um livro sobre visão. É um “plano para que a vida floresça”, mas como o alcançamos não está muito claro.
Esta é, talvez, uma crítica injusta. Um livro não pode atingir todos os objetivos, e os autores estão tentando fazer outra coisa aqui. Aparecendo no The Owen Jones Show, Mathew Lawrence repetiu sua afirmação central: “O problema não é que não tenhamos ideias; é como construímos as coalizões políticas que podem superar os poderosos interesses enraizados.”
Este manifesto é uma tentativa de abordar a primeira metade dessa reivindicação. O objetivo é mostrar que temos ideias em abundância, para que possamos então discutir mais facilmente como colocá-las em prática. É uma resposta às pessoas que dizem: “Então, o que você faria?”
Um, dois, muitos Green New Deals
Lawrence e Laybourn-Langton articulam uma visão convincente do futuro que está “ancorada na democracia, justiça e solidariedade mútua.” Eles procuram “desmantelar as hierarquias de riqueza, classe, gênero, raça e poder na sociedade, substituindo-as por relações democráticas e coletivos poderosos”. As ideias que apresentaram incluem medidas para democratizar as finanças, investir em serviços públicos, dimensionar modelos alternativos de propriedade, apoiar a construção de riqueza da comunidade, expandir os bens comuns e reimaginar as empresas. Eles apóiam políticas específicas para combater a pobreza alimentar, reconstruir cidades, reduzir o uso de carros e reimaginar o trabalho.
Essa visão se baseia no Green New Deal e vai vários passos à frente. Como os autores dizem na introdução, “precisamos de um, dois, muitos Green New Deals”. Embora Lawrence e Laybourn-Langton nunca mencionem a política partidária explicitamente, a sombra das últimas eleições gerais britânicas se torna grande. É impossível ler Planet on Fire sem pensar no manifesto do Partido Trabalhista em 2019. Este documento transformador colocou “uma revolução industrial verde” no centro de sua oferta política; os dois textos incluem muitas das mesmas políticas.
Se os críticos achavam que Jeremy Corbyn prometia muito, espere até que leiam este livro. Não faltam boas ideias — nem bons manifestos para se inspirar. Na verdade, em certo sentido, Planet on Fire é um manifesto dos manifestos: um catálogo de boas ideias, baseado na tradição ecossocialista e visando, com sorte, um futuro mais justo e sustentável.
O passado, porém, também é importante. Os autores dizem em duas ocasiões que o “grito de guerra” da nova era deve ser “luxo público para todos”. Outros termos são usados alternadamente: “Florescimento coletivo” e “luxo comunitário”. A visão de luxo comunitário se baseia no trabalho de pensadores contemporâneos, ao mesmo tempo que aponta para a ideia de luxo comunitário que surgiu pela primeira vez durante a Comuna de Paris em 1871.
Como Kristin Ross mostrou, os revolucionários parisienses estavam tentando construir uma sociedade que priorizasse a felicidade humana acima da acumulação de capital privado; a criatividade foi uma parte essencial da revolução. Artistas que apoiaram a Comuna compuseram seu próprio manifesto, argumentando que a arte deveria ser integrada à vida pública ao invés de tratada como uma mercadoria privada. Eles queriam reimaginar o trabalho e o lazer e aguardavam o “nascimento do luxo comunitário”.
Planet on Fire, portanto, lembra alguns dos manifestos que vieram antes dele. Lawrence e Laybourn-Langton querem que espaços de lazer ecologicamente abundantes tenham prioridade; assim como os revolucionários da Comuna de Paris, eles defendem os serviços básicos universais e uma semana de trabalho mais curta. Eles reescreveram sua definição de ecossocialismo como uma “meta que exige outro tipo de economia”, promovendo “luxo comunitário em sociedades de beleza cotidiana”.
Realismo utópico
Os autores insistem que essa visão de “abundância sustentável” não deve ser considerada utópica. Em 2013, o francês Parti de Gauche (Partido de Esquerda) fez uma afirmação semelhante em seu próprio manifesto ecossocialista — um documento visionário que estava, é claro, à frente de seu tempo. “O ecossocialismo não é uma utopia à qual a realidade deva obedecer”, afirma o manifesto; pelo contrário, é uma “resposta humana racional” aos problemas da nossa época.
Essa é uma resposta compreensível, já que os críticos costumam acusar os ecossocialistas de serem pouco práticos ou ingênuos. No entanto, como John Storey apontou, nossas idéias sobre o que deve ser considerado “realista” ou “utópico” são inerentemente subjetivas e politizadas:
A realidade é um consenso organizado construído em torno das necessidades de um grupo relativamente pequeno de pessoas. Quando se afirma que o utopismo radical é irreal, é por ser contra essas construções da realidade que se está contestando, e não contra alguma realidade absoluta.
Em outras palavras, precisamos ter mais confiança em nossas visões e mais fé na utopia. Não há nada de impraticável no ecossocialismo, e o impulso utópico nem sempre é irreal. A socióloga Ruth Levitas, que escreveu extensivamente sobre o pensamento utópico, argumenta que “o elemento essencial na utopia não é a esperança, mas o desejo — o desejo de uma maneira melhor de ser”. Ler Planet on Fire é um exercício de desejo utópico, e não devemos ter vergonha de admitir isso.
A imaginação utópica é necessária para desenvolver alternativas genuínas ao capitalismo. Ele desbloqueia o desejo por outro mundo e abre novas possibilidades. Fredric Jameson certa vez escreveu que “a utopia como forma não é a representação de alternativas radicais; é simplesmente o imperativo de imaginá-los”. A imaginação está no centro dessa visão — Lawrence e Laybourn-Langton anunciam, no final de seu livro, que “recuperar o futuro exigirá extrema imaginação”.
É sabido que Marx se recusou a escrever “receitas para as cozinhas do futuro”. Mas isso não significa que as visões do futuro não apareçam em parte alguma de sua obra. No A Ideologia Alemã, Marx e Engels tentam imaginar o futuro sob o comunismo: “Em uma sociedade comunista não há pintores, mas apenas pessoas que se dedicam à pintura entre outras atividades.” Isso soa suspeitosamente como os artistas revolucionários da Comuna de Paris. Nos Grundrisse, Marx argumenta que o comunismo resultará na expansão do “tempo livre — que é tanto lazer quanto tempo para atividades mais elevadas.”
Muitas das ideias em Planet on Fire são, em sua raiz, verdadeiramente utópicas. Considere Gerrard Winstanley, o radical inglês do século XVII que argumentou que “a terra foi feita para ser um tesouro comum de sustento para todos, sem respeito pelas pessoas, e não foi feita para ser comprada e vendida.” Sem essas ideias utópicas, o ecossocialismo não existiria hoje. É importante lembrar disso.
O primeiro passo
Isso é o que torna Planet on Fire um livro tão cativante. Está repleto de ideias ousadas e ambiciosas que antes pareciam impraticáveis, mas agora parecem eminentemente razoáveis. Lawrence e Laybourn-Langton estão interessados em ideias e permitem que elas ocupem o centro do palco. Isso por si só é um sinal de quão longe chegamos.
Vinte anos atrás, quando Joel Kovel e Michael Löwy escreveram An Ecosocialist Manifesto, eles só conseguiam reunir algumas mil palavras. Naquela época, eles ainda estavam tentando convencer as pessoas a se importarem. Hoje, a esquerda não precisa ser convencida e podemos encher livros inteiros com nossas ideias. O espectro do ecossocialismo finalmente foi criado.
A ideologia, no entanto, não é tão diferente. Ambos os manifestos invocam as mesmas frases familiares: “Crise”, “catástrofe”, “ecossocialismo ou barbárie”. Ambos rejeitam o capitalismo e enquadram a crise ecológica de maneira semelhante, e ambos fazem referência à mesma citação famosa de Antonio Gramsci: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode nascer; neste interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem.”
A utopia ecossocialista é assim apresentada como o “novo mundo” que ainda está por nascer, mas os autores têm certeza de que este é apenas o começo da jornada. Este não é um livro sobre um futuro teórico. Planet on Fire é um “manifesto para a era do colapso ambiental”; é um manifesto para o agora, “neste interregno”.
Em 1999, Saral Sarkar escreveu um livro intitulado “Eco-socialism or Eco-Capitalism?” (Ecossosialismo ou Ecocapitalismo?) que se propôs a atingir um objetivo semelhante. Sarkar argumentou que era difícil imaginar um futuro ecossocialista: “Também não é urgente para nós. Para nós, o período de transição é mais importante.” Para Sarkar, havia uma diferença significativa entre o ecossocialismo no período de transição e o modelo final de uma sociedade ecossocialista: em um primeiro momento, um estado forte seria necessário para garantir um recuo planejado e ordenado, após o qual o estado poderia ser gradualmente democratizado e, quando apropriado, desmontado.
Lawrence e Laybourn-Langton não oferecem tais teorias explícitas de transição, mas fica-se com a impressão de que, para eles, a democracia não é um subproduto da transição, mas uma parte integrante do processo. Encarnando o grande ambientalista Murray Bookchin, o foco deles está no aprofundamento da democracia: “Ao criar benefícios materiais tangíveis e nutrir novas formas de engajamento democrático, um bem comum do século XXI pode prefigurar uma mudança de sistemas mais ampla.”
No capítulo final, Lawrence e Laybourn-Langton oferecem algumas reflexões iniciais sobre a estratégia ecossocialista, argumentando que precisamos de uma estratégia de cima para baixo e de baixo para cima. Esta é a parte menos convincente do livro. Em um ponto, eles comparam uma futura transformação ecossocialista ao processo de neoliberalização sob Margaret Thatcher. Eles estão tentando nos dar uma compreensão da escala, mas o exemplo não parece convincente.
Eles insistem que para que surja uma nova estratégia, precisamos de cinco componentes principais: uma visão alternativa do futuro, um antagonismo construtivo com o capital, um claro senso de coalizão, uma prova demonstrável da alternativa e uma estratégia clara de priorização. Planet on Fire é a primeira etapa desse plano de cinco etapas. É uma visão essencial do futuro que, espero, terá um grande impacto no socialismo contemporâneo.
O desafio que temos pela frente é imenso. Como os autores observam logo no primeiro capítulo: “Existem poucos, possivelmente não há, exemplos históricos de sociedades que realizam com sucesso essa ação transformadora fundamental em tão pouco tempo.”
O caminho à frente é perigoso e incerto. Portanto, vamos levar este manifesto adiante e todos os manifestos que o precederam. Vamos aprender com os movimentos de resistência no Sul Global e ser humildes em nossa resposta; muitas dessas ideias já existem há séculos e se baseiam em conhecimentos antigos mantidos por comunidades indígenas.
Desde que os seres humanos caminham pela Terra, essas ideias existem. Agora precisamos começar a tarefa urgente de organizar, mobilizar e conquistar o poder. Temos o manifesto — é hora de falarmos sobre estratégia.
Colaborador
Sam Knights é escritor, ator e ativista climático. Ele é o co-editor de This Is Not a Drill: An Extinction Rebellion Handbook (Este não é um exercício: um manual de rebelião de extinção, em tradução livre).
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