Mateus Vargas
Folha de S.Paulo
A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) produziu em 2005, durante o primeiro governo Lula (PT), relatório sobre as atividades do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) no qual apontava frustração do grupo com a gestão petista.
Para os oficiais de inteligência, o movimento social "alimentava a expectativa" de ter o governo como aliado para mobilizar a reforma agrária nos debates com a Justiça e o Congresso Nacional.
O documento afirma que, na leitura do MST, o governo "optou por não ir para o enfrentamento, manteve restrições legais que limitam as ações de movimentos sociais, descaracterizou o PNRA [Plano Nacional de Reforma Agrária]".
"Mostrou quem era seus aliados e preferiu investir no agronegócio seguindo a reflexão de que 'é preciso tratar bem e por primeiro os inimigos, para que não se revoltem; os amigos saberão esperar", diz ainda o relatório.
O presidente Lula (PT), em Curitiba (PR), durante a campanha eleitoral de 2002 - Flávio Florido - 11.set.202/Folhapress |
A análise da agência consta em relatório de 32 páginas, marcado como secreto —sob as regras da época, significava 30 anos de sigilo.
Os papéis foram divulgados após pedido baseado na Lei de Acesso à Informação, mas a Abin decidiu tarjar alguns trechos, inclusive aqueles que mostrariam qual setor da agência elaborou a análise e para quais órgãos ela foi enviada.
O começo do relatório promete traçar a trajetória e os objetivos do MST e diz que os trabalhos até então disponíveis pouco haviam avançado "no lado considerado mais obscuro" do movimento. "Possivelmente por simpatias e conveniências com as práticas do Movimento, ou por falta de material que permitisse dar a verdadeira visão dos objetivos táticos e estratégicos dele."
Apesar de sinalizar abordagem negativa sobre o MST, o documento não se refere às atividades do grupo como criminosas e pouco usa o termo "invasão".
A insatisfação do grupo com o governo Lula também já era pública quando o relatório foi difundido.
Durante a edição de 2005 do Grito dos Excluídos, por exemplo, o economista João Pedro Stedile, um dos fundadores do MST, disse que "o governo [Lula] acabou", criticou alianças do Planalto com Renan Calheiros (MDB) e José Sarney (MDB) e declarou que o movimento se sentia constrangido com a gestão petista.
Para os agentes da Abin, o MST ainda temia uma guinada autoritária do governo contra o movimento social.
"O MST não acreditava que o governo do presidente Luís (sic.) Inácio Lula da Silva tinha sepultado a ideia de ameaçar o movimento com repressão e violência e julgava que acreditar nisso seria 'ingenuidade imperdoável'", afirma o documento.
"Na ótica do MST, o governo, na medida em que as ocupações se avolumassem, acionaria o aparelho do Estado por meio do Judiciário, da PF, da Abin, e utilizaria a Lei para manter a ordem pública", diz ainda o mesmo relatório de inteligência.
O MST estabeleceu relação de "dubiedade" com o governo, diz a Abin, pois mesmo decepcionado, o movimento manteve diálogo com o Planalto, não considerou romper com Lula e viu possibilidade de avanço da reforma agrária, ainda que em formato distante daquele idealizado pelo grupo.
"Em síntese, o MST deixa claro que a questão não é de romper com o governo, pois um movimento social não pode se comportar como um partido político que necessita fazer oposição para se afirmar. O movimento, adianta o MST, precisa de vitórias e estas podem vir com maior ou menor entendimento com o governo, menos as custas de cooptação", afirmam os agentes de inteligência.
No mesmo relatório, a Abin tenta analisar as razões da fundação do MST, em 1984, e posicionar o movimento no espectro político.
"Mesmo que publicamente não assuma ou admita, tem e acredita no socialismo científico, inspirado nas teorias de Marx e Engels, desenvolvidas por Lênin e outros revolucionários proletários, como referência filosófica para superar o capitalismo."
Os agentes também descrevem as diferenças de atuação do MST em cada governo. Para a Abin, o grupo sentiu-se vulnerável sob Fernando Collor e inimigo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Reportagem do site The Intercept Brasil mostrou que agentes de inteligência do governo FHC monitoraram as atividades do MST. Neste caso, os relatórios foram elaborados pela SAE (Subsecretaria de Assuntos Estratégicos), que seria substituída pela Abin anos mais tarde.
Na gestão tucana, segundo a Abin, o movimento ampliou a "formação permanente" dos militantes e incorporou a teoria da "resistência de massa", afirma o relatório.
"O MST entendia que o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso tratava os movimentos sociais como inimigo de classe e adotava a estratégia dentro da concepção de guerra da 'baixa intensidade', visando destruí-los politicamente; empregava como tática o uso intensivo da mídia para desmoralizá-los; aplicava a repressão da polícia, por intermédio de órgãos de inteligência; e inviabilizava os assentamentos por meio da asfixia de recursos econômicos; criava entulhos autoritários para criminalizar a reforma agrária, e desmobilizava a luta e desgastava os dirigentes do MST", diz a Abin.
O relatório da Abin não permite concluir se a agência obteve informações sobre o MST em fontes abertas, como documentos e estudos acadêmicos, ou infiltrando oficiais de inteligência.
O documento é de setembro de 2005, mas não revela a data exata em que foi elaborado. No começo daquele mês, o comando da Abin passou para as mãos de Márcio Paulo Buzanelli, militar que havia atuado no SNI (Serviço Nacional de Informações), órgão criado pela ditadura militar e antecessor da Abin.
Chefe anterior da Abin, o policial federal Paulo Lima e Silva havia dito que o MST não era "problema" da agência. "O problema é a questão agrária", declarou à Folha em 2004.
Em 2009, em sabatina no Senado para assumir o comando da agência, o oficial de inteligência Wilson Trezza disse que a Abin monitorava movimentos sociais quando havia "ameaça ao patrimônio público". No mesmo ano, a Folha revelou que o governo pagava a uma empresa de comunicação de fachada que espionava movimentos como o MST.
Os papéis foram divulgados após pedido baseado na Lei de Acesso à Informação, mas a Abin decidiu tarjar alguns trechos, inclusive aqueles que mostrariam qual setor da agência elaborou a análise e para quais órgãos ela foi enviada.
O começo do relatório promete traçar a trajetória e os objetivos do MST e diz que os trabalhos até então disponíveis pouco haviam avançado "no lado considerado mais obscuro" do movimento. "Possivelmente por simpatias e conveniências com as práticas do Movimento, ou por falta de material que permitisse dar a verdadeira visão dos objetivos táticos e estratégicos dele."
Apesar de sinalizar abordagem negativa sobre o MST, o documento não se refere às atividades do grupo como criminosas e pouco usa o termo "invasão".
A insatisfação do grupo com o governo Lula também já era pública quando o relatório foi difundido.
Durante a edição de 2005 do Grito dos Excluídos, por exemplo, o economista João Pedro Stedile, um dos fundadores do MST, disse que "o governo [Lula] acabou", criticou alianças do Planalto com Renan Calheiros (MDB) e José Sarney (MDB) e declarou que o movimento se sentia constrangido com a gestão petista.
Para os agentes da Abin, o MST ainda temia uma guinada autoritária do governo contra o movimento social.
"O MST não acreditava que o governo do presidente Luís (sic.) Inácio Lula da Silva tinha sepultado a ideia de ameaçar o movimento com repressão e violência e julgava que acreditar nisso seria 'ingenuidade imperdoável'", afirma o documento.
"Na ótica do MST, o governo, na medida em que as ocupações se avolumassem, acionaria o aparelho do Estado por meio do Judiciário, da PF, da Abin, e utilizaria a Lei para manter a ordem pública", diz ainda o mesmo relatório de inteligência.
O MST estabeleceu relação de "dubiedade" com o governo, diz a Abin, pois mesmo decepcionado, o movimento manteve diálogo com o Planalto, não considerou romper com Lula e viu possibilidade de avanço da reforma agrária, ainda que em formato distante daquele idealizado pelo grupo.
"Em síntese, o MST deixa claro que a questão não é de romper com o governo, pois um movimento social não pode se comportar como um partido político que necessita fazer oposição para se afirmar. O movimento, adianta o MST, precisa de vitórias e estas podem vir com maior ou menor entendimento com o governo, menos as custas de cooptação", afirmam os agentes de inteligência.
No mesmo relatório, a Abin tenta analisar as razões da fundação do MST, em 1984, e posicionar o movimento no espectro político.
"Mesmo que publicamente não assuma ou admita, tem e acredita no socialismo científico, inspirado nas teorias de Marx e Engels, desenvolvidas por Lênin e outros revolucionários proletários, como referência filosófica para superar o capitalismo."
Os agentes também descrevem as diferenças de atuação do MST em cada governo. Para a Abin, o grupo sentiu-se vulnerável sob Fernando Collor e inimigo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Reportagem do site The Intercept Brasil mostrou que agentes de inteligência do governo FHC monitoraram as atividades do MST. Neste caso, os relatórios foram elaborados pela SAE (Subsecretaria de Assuntos Estratégicos), que seria substituída pela Abin anos mais tarde.
Na gestão tucana, segundo a Abin, o movimento ampliou a "formação permanente" dos militantes e incorporou a teoria da "resistência de massa", afirma o relatório.
"O MST entendia que o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso tratava os movimentos sociais como inimigo de classe e adotava a estratégia dentro da concepção de guerra da 'baixa intensidade', visando destruí-los politicamente; empregava como tática o uso intensivo da mídia para desmoralizá-los; aplicava a repressão da polícia, por intermédio de órgãos de inteligência; e inviabilizava os assentamentos por meio da asfixia de recursos econômicos; criava entulhos autoritários para criminalizar a reforma agrária, e desmobilizava a luta e desgastava os dirigentes do MST", diz a Abin.
O relatório da Abin não permite concluir se a agência obteve informações sobre o MST em fontes abertas, como documentos e estudos acadêmicos, ou infiltrando oficiais de inteligência.
O documento é de setembro de 2005, mas não revela a data exata em que foi elaborado. No começo daquele mês, o comando da Abin passou para as mãos de Márcio Paulo Buzanelli, militar que havia atuado no SNI (Serviço Nacional de Informações), órgão criado pela ditadura militar e antecessor da Abin.
Chefe anterior da Abin, o policial federal Paulo Lima e Silva havia dito que o MST não era "problema" da agência. "O problema é a questão agrária", declarou à Folha em 2004.
Em 2009, em sabatina no Senado para assumir o comando da agência, o oficial de inteligência Wilson Trezza disse que a Abin monitorava movimentos sociais quando havia "ameaça ao patrimônio público". No mesmo ano, a Folha revelou que o governo pagava a uma empresa de comunicação de fachada que espionava movimentos como o MST.
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