27 de janeiro de 2024

"Erros do passado foram reconhecidos e consertados", diz ex-ministro de Dilma

Segundo Nelson Barbosa, a então presidente iniciou mudança de rota, e hoje até UE e EUA investem em política industrial

Alexa Salomão


O economista Nelson Barbosa, diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), refuta a análise de que o banco engatou uma volta ao passado, rumo aos subsídios, uma nova versão da política de campeões nacionais e projetos sem metas —crítica repetida nos últimos dias, após o anúncio de que instituição vai bancar R$ 250 bilhões no plano Nova Indústria Brasil.

"A maior parte do que estamos propondo agora é com taxa de mercado. O que tem taxa direcionada é bem específico, Fundo Clima e inovação", afirma. "Quem diz que o plano não tem meta e prazo é quem não leu e não gostou."

Economista Nelson Barbosa, diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do BNDES - Pedro Ladeira - 3.mar.23/Folhapress

Ministro do Planejamento e da Fazenda no segundo mandato de Dilma Rousseff, Barbosa afirma que o PT identificou os problemas de programas anteriores, fez correções e autocrítica, apesar de alguns, por "viés ideológico", não admitirem as mudanças.

"Houve excessos. Mas esses excessos foram eliminados, diga-se de passagem, ainda no governo da presidente Dilma. O PSI [Programa de Sustentação do Investimento, criado em 2009 para estimular a produção, aquisição e exportação de bens de capital e a inovação] acabou em 2015, quando eu estava no Ministério do Planejamento, e o Joaquim Levy, na Fazenda", afirma.

"Agora, para algumas pessoas, não há autocrítica suficiente. Isso é mais um problema psicológico de quem cobra a autocrítica do que da proposta do governo em si." Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha.

*

O plano Nova Indústria Brasil foi chamado de proposta velha [o Estado vai induzir o crescimento de empresas privadas com subsídios e reserva de mercado para setores escolhidos], com roupagem nova [associada a tecnologia e mudanças climáticas], mas com as falhas de sempre [falta de metas, de prazos para o cumprimento de metas e de sanções para quem não corresponder]. Como avalia essa crítica?

Quem diz que o plano não tem meta e prazo é quem não leu e não gostou. Tem meta, valor, prazo e as condições. Sobre a questão de ser política velha, precisamos ir para uma discussão mais ampla.

A ação da China nos últimos dois anos e a Covid mostraram a importância de os países terem resiliência produtiva e política industrial. Nações ocidentais desenvolvidas na Europa e os Estados Unidos mudaram de postura e adotaram mais medidas dentro do que antes era considerado política industrial.

O chamado Consenso de Washington não é adotado nem mais por Washington, mas algumas pessoas no Brasil ainda estão apegadas a essa ideia. Nenhum problema a pessoa ser feliz no seu nicho, mas, no que se refere à política econômica, a discussão relevante é como será a nova política industrial.

Estou escolhendo as palavras para ser politicamente correto. Eu acho muito equivocado a pessoa decidir que uma política já deu errado antes de ela começar.

O investimento de R$ 8 bilhões em ações causou polêmica. Depois, o presidente do BNDES [Aloizio Mercadante] explicou que não seria para compra direta de ações em empresas, mas via fundos. Por que é importante o banco público estar em fundos de ações?

Para cada real que o BNDES coloca em fundo de ações, alavanca um volume maior. Desses R$ 8 bilhões, a perspectiva é que serão R$ 2 bilhões do BNDES e R$ 6 bilhões do setor privado. Estou fazendo o chamado "crowding in", que o recurso do BNDES atraia recurso privado.

Não é uma prática nova. Existe há muito tempo no banco. Foi feita no governo do PT, no do [Michel] Temer e do [Jair] Bolsonaro. O BNDES coloca investimento em um fundo de participação, que é administrado por um agente de mercado. Esse para mim é o exemplo mais claro de complementariedade entre BNDES e o setor privado.

O governo anterior lançou chamada para criar cinco fundos dedicados à infraestrutura, ciência e tecnologia, e colocar R$ 500 milhões em cada um deles.

O engraçado é que não ouvi críticas a isso no governo passado. Parece que algumas coisas só podem ser feitas pelo governo que a pessoa gosta. Se é feita pelo governo que a pessoa não gosta, a mesma medida recebe críticas.

A gestão anterior era elogiada, mas vocês estão fazendo muitas mudanças. Para onde estão levando o BNDES?

O BNDES é um banco de desenvolvimento para apoiar sobretudo o investimento de longo prazo. O novo BNDES tem de depender cada vez menos do recursos do Tesouro e operar cada vez mais com recursos próprios, como opera o KFW, que é nosso equivalente alemão, e faz muito mais do que o BNDES.

Ficou claro que o BNDES, mesmo operando a taxas de mercado, tem demanda.

Quando veio o evento Lojas Americanas, o crédito para pessoa jurídica secou, principalmente para empresas pequenas e médias. Com o FGI [Fundo Garantidor para Investimentos], a taxa de mercado, o BNDES garantiu liquidez.

Sei que o BNDES tinha outra orientação até 2022, mas o governo mudou e as prioridades também. Estamos implementando essas novas prioridades com transparência, prestação de contas, responsabilidade financeira e social.

Diante do que o senhor está falando é inevitável perguntar se estão querendo trazer de volta aquele BNDES grande que, muitos avaliam, concorria com o sistema privado, inclusive criando barreiras para o crescimento do mercado de capitais. Isso ocorreu lá atrás e pode voltar a ocorrer?

Lá atrás, pode ter ocorrido quando tinha uma diferença muito grande entre TJLP [Taxa de Juros de Longo Prazo] e taxa de juros de mercado. Aquilo foi feito, inicialmente, como medida emergencial contra a crise de 2008, e depois acabou se tornando mais permanente.

Houve excessos. Mas esses excesso foram eliminados, diga-se de passagem, ainda no governo da presidente Dilma. O PSI acabou em 2015, quando eu estava no Ministério do Planejamento, e o Joaquim Levy, na Fazenda.

A maior parte do que estamos propondo agora é com taxa de mercado. O que tem taxa direcionada é bem específico, Fundo Clima e inovação. Dentro do desafio ambiental, existe uma percepção mundial de que os projetos têm retorno mais social do que financeiro e, sem apoio, não vão ser feitos. Na inovação, há uma corrida tecnológica global.

Tem país colocando dinheiro a custo zero para levantar novas fábricas. A gente está fazendo o que é possível dentro das metas fiscais, em compatibilidade com o Ministério da Fazenda. São R$ 40 bilhões, em quatro anos [com subsídio].

Vou pegar carona nos "excessos do passado". Muitas pessoas dizem que os erros cometidos na economia não foram reconhecidos pelo PT e que hoje o que está sendo feito no BNDES vai colocar o banco de volta nesses erros. "Filme que já vi" e "dia da marmota" são expressões usadas. Vocês não fizeram autocrítica? O banco está voltando ao modelo anterior que todo mundo diz que deu errado?

A autocrítica é o esporte preferido da esquerda. A gente já está na fase da autocrítica à autocrítica. Pode ser que não tenha ocorrido a autocrítica que algumas pessoas queriam. Isso pode criar uma frustração para quem apoiou o projeto passado, que foi usado no golpe de 2016 e deu errado nas urnas. Não posso resolver esse problema.

Erros do passado já foram reconhecidos e consertados dentro do próprio governo do PT. Agora, para algumas pessoas, não há autocrítica suficiente. Isso é mais um problema psicológico de quem cobra a autocrítica do que da proposta do governo em si.

É muito difícil você convencer alguém de alguma coisa quando o emprego dela depende de ela não entender o que você está explicando. Tem uma parte das críticas que é isso, e não dá para ficar no viés ideológico. Tem também críticas válidas, e vamos ouvir e aperfeiçoar.

Colocamos como objetivo emprestar até 2% do PIB em 2026. No final do governo Bolsonaro, estava em cerca de 1% do PIB. Esses 2% é uma meta ambiciosa para nós, porque precisa ter demanda e funding.

Porém, é uma meta compatível, nada além do que ocorreu no governo Fernando Henrique Cardoso, no final dos anos 1990, início de 2000. Se não era excessivo naquela época, por que seria excessivo agora?

Raio-X

Nelson Barbosa, 54

Economista formado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e doutor em economia pela New School for Social Research (EUA). É professor titular da FGV e professor associado da UnB (Universidade de Brasília), em licença para ocupar o cargo de diretor do BNDES. Foi secretário de Política Econômica e secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (2007-2010), no governo Luiz Inácio Lula da Silva, secretário-executivo do Ministério da Fazenda (2011-13), ministro do Planejamento e da Fazenda (2015-2016) no governo de Dilma Rousseff e colunista da Folha (2017-22)

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