A separação de crianças de suas famílias na fronteira por Donald Trump foi uma peça central de sua política de migração. O novo documentário de Errol Morris, Separated, narra a política cruel durante o primeiro mandato de Trump que provavelmente retornaria em um segundo.
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Donald Trump falando na fronteira EUA-México em 22 de agosto de 2024 ao sul de Sierra Vista, Arizona. (Rebecca Noble / Getty Images) |
O novo documentário de Errol Morris chamado Separated [Separados], que é considerado um provável candidato ao Oscar de Melhor Documentário, foi feito com o intuito de compartilhá-lo com o público antes da eleição. O ponto principal do filme é lembrar as pessoas do cruel fiasco que foi a pedra angular da política anti-imigração do primeiro mandato de Trump: separar pais de filhos à força como um impedimento à imigração ilegal ao longo da fronteira sul dos Estados Unidos.
Trump deixa claro no trecho de uma entrevista mostrada no documentário que pretende reviver a política sádica no segundo mandato. E a bagunça que sua administração deixou marcas. De acordo com Separated, estima-se que mais de quatro mil famílias ficaram traumatizadas para o resto da vida pela forma como as crianças foram removidas e encarceradas. Até mesmo crianças pequenas eram às vezes mantidas literalmente em gaiolas por meses a fio antes que a política fosse anulada por causa do clamor público e eventuais ilegalidades.
Até o fim do ano passado ainda havia mais de mil crianças que nunca reencontraram seus pais. Como a política estava sendo implementada de forma tão caótica, com as separações ocorrendo em uma taxa tão rápida e com números tão assustadores, e a manutenção de registros sendo deliberadamente impedida, tornou-se quase impossível localizar os pais de certas crianças mais tarde.
Como disse um funcionário do governo que trabalha para o Escritório de Reassentamento de Refugiados, encarregado de reunir famílias: “Quando você pergunta a uma criança de dois anos qual é o nome da mãe dela, ela diz: ‘Mãe’”.
Com um lançamento muito limitado, ou seja, em Nova York e Los Angeles, Separated não foi exibido amplamente até estrear na MSNBC em 9 de dezembro, mais de um mês após a eleição. Esta decisão foi supostamente tomada “em parte porque os chefes da NBC não querem ofender Donald Trump”.
O diretor Morris expressou publicamente suas queixas sobre o lançamento:
Trump deixa claro no trecho de uma entrevista mostrada no documentário que pretende reviver a política sádica no segundo mandato. E a bagunça que sua administração deixou marcas. De acordo com Separated, estima-se que mais de quatro mil famílias ficaram traumatizadas para o resto da vida pela forma como as crianças foram removidas e encarceradas. Até mesmo crianças pequenas eram às vezes mantidas literalmente em gaiolas por meses a fio antes que a política fosse anulada por causa do clamor público e eventuais ilegalidades.
Até o fim do ano passado ainda havia mais de mil crianças que nunca reencontraram seus pais. Como a política estava sendo implementada de forma tão caótica, com as separações ocorrendo em uma taxa tão rápida e com números tão assustadores, e a manutenção de registros sendo deliberadamente impedida, tornou-se quase impossível localizar os pais de certas crianças mais tarde.
Como disse um funcionário do governo que trabalha para o Escritório de Reassentamento de Refugiados, encarregado de reunir famílias: “Quando você pergunta a uma criança de dois anos qual é o nome da mãe dela, ela diz: ‘Mãe’”.
Com um lançamento muito limitado, ou seja, em Nova York e Los Angeles, Separated não foi exibido amplamente até estrear na MSNBC em 9 de dezembro, mais de um mês após a eleição. Esta decisão foi supostamente tomada “em parte porque os chefes da NBC não querem ofender Donald Trump”.
O diretor Morris expressou publicamente suas queixas sobre o lançamento:
Essa [decisão] irritou Morris, que sugeriu que considerações políticas estavam por trás daquela data de exibição em um post no X, escrevendo: “Por que meu filme não está sendo exibido na NBC antes da eleição? Não é um filme partidário. É sobre uma política que era nojenta e não deveria ser permitida que acontecesse novamente. Tire suas próprias conclusões.”
O documentário é baseado no livro de não ficção Separated: Inside an American Tragedy [Separados: Por dentro de uma tragédia estadunidense] de 2020, de um dos próprios repórteres da NBC, Jacob Soboroff. A NBC News Studios foi uma das produtora, e Soboroff foi o produtor executivo. Ele aparece no filme, entrevistado por Morris, indicando a maneira como suas reportagens e as de outros correspondentes selecionados estavam sendo cinicamente usadas para aterrorizar ainda mais os imigrantes e pressionar o Congresso a apoiar a política draconiana.
“O dano às crianças era parte do ponto”, de acordo com Jonathan White, que surge como o mais irritado dos funcionários do governo entrevistados. Seu departamento, o Escritório de Reassentamento de Refugiados, foi forçado a aplicar a política após um interlúdio em 2017, quando o programa para separar crianças dos pais estava sendo executado sem conhecimento público ou mesmo status oficial. White afirma: “Isso aconteceu por meses antes que houvesse qualquer política para fazê-lo, e estava acontecendo enquanto minha própria liderança sustentava que não.”
O documentário é baseado no livro de não ficção Separated: Inside an American Tragedy [Separados: Por dentro de uma tragédia estadunidense] de 2020, de um dos próprios repórteres da NBC, Jacob Soboroff. A NBC News Studios foi uma das produtora, e Soboroff foi o produtor executivo. Ele aparece no filme, entrevistado por Morris, indicando a maneira como suas reportagens e as de outros correspondentes selecionados estavam sendo cinicamente usadas para aterrorizar ainda mais os imigrantes e pressionar o Congresso a apoiar a política draconiana.
“O dano às crianças era parte do ponto”, de acordo com Jonathan White, que surge como o mais irritado dos funcionários do governo entrevistados. Seu departamento, o Escritório de Reassentamento de Refugiados, foi forçado a aplicar a política após um interlúdio em 2017, quando o programa para separar crianças dos pais estava sendo executado sem conhecimento público ou mesmo status oficial. White afirma: “Isso aconteceu por meses antes que houvesse qualquer política para fazê-lo, e estava acontecendo enquanto minha própria liderança sustentava que não.”
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Jonathan White, ex-diretor adjunto do Escritório de Reassentamento de Refugiados, sendo entrevistado em Separated. (Nafis Azad / MSNBC Films) |
O diretor Morris prega na parede certos atores-chave na administração de Trump que presumivelmente nunca consentiriam em uma entrevista. Um deles é Kirstjen Nielsen, que se tornou chefe interina do Departamento de Segurança Interna quando Elaine Duke foi repentinamente demitida. Como a entrevistada Duke explica, com um sorriso irônico acompanhando sua explicação, ela era muito do tipo “pessoa da classe trabalhadora” para se encaixar entre os indicados favoritos de Trump.
Morris então fornece uma cena de Nielsen, loira, elegante e magra como um trilho, que parece uma âncora da Fox News. Ela interfere na desprezada política mentindo sobre isso em entrevistas públicas, argumentando que as crianças estão sendo separadas dos pais como se fosse algo natural quando os pais são presos como imigrantes ilegais que infringem a lei. Negócios corriqueiros, argumenta Nielsen, negando que arrancar deliberadamente as crianças das famílias e trancá-las em instalações longe de seus pais seja o objetivo da nova política de dissuasão por meio de órfãos criados pelo Estado.
Mas Morris faz com que um idiota sem noção concorde em dar uma entrevista: Scott Lloyd, um cúmplice de Trump nomeado para dirigir o Escritório de Reassentamento de Refugiados enquanto a nova política era implementada. Lloyd claramente nunca assistiu a um filme de Errol Morris antes de concordar em dar a entrevista, e é um prazer vê-lo se contorcer diante do famoso “Interratron” do diretor, uma câmera especialmente projetada que dá aos entrevistados uma visão do rosto de Morris, o que os faz se sentir muito confortáveis no início, e que cria a impressão para o público de maior contato visual e envolvimento direto em seus documentários. Lloyd gagueja e se mexe com um desconforto crescente em seu assento sob o questionamento de Morris quando ele não tem permissão para repetir as declarações de RP insípidas como foi claramente contratado para fazer.
White diz sobre seu antigo chefe: “Scott Lloyd é o abusador de crianças mais prolífico da história americana moderna”.
Apenas expor a história e o funcionamento interno dessa política hedionda e deixar clara a ameaça de seu retorno dá a este filme muito poder. Mas para aqueles familiarizados com a longa carreira de Morris na produção de documentários, deve-se admitir que muito de seu estilo, outrora tão dinâmico e convincente nos velhos tempos de Gates of Heaven [Os portões do céu] (1978), Vernon, Florida (1981), The Thin Blue Line [A fina linha azul] (1988), Fast, Cheap, & Out of Control [Rápido, barato e fora de controle ] (1997) e Mr. Death: The Rise and Fall of Fred A. Leuchter, Jr. [Sr. Morte: Ascensão e queda de Fred A. Leuchter Jr.] (1999), está se tornando rotineiro.
Por exemplo, nos anos 1980 e 1990, Morris ressuscitou encenações, que eram proibidas em documentários na era anterior do cinema direto e do cinema verité. Morris usou encenações de maneiras ousadamente expressivas em filmes como The Thin Blue Line, para transmitir a dificuldade de chegar à verdade e a necessidade de trabalhar com mentiras egoístas sem fim para chegar o mais perto possível dela.
Mas Morris faz com que um idiota sem noção concorde em dar uma entrevista: Scott Lloyd, um cúmplice de Trump nomeado para dirigir o Escritório de Reassentamento de Refugiados enquanto a nova política era implementada. Lloyd claramente nunca assistiu a um filme de Errol Morris antes de concordar em dar a entrevista, e é um prazer vê-lo se contorcer diante do famoso “Interratron” do diretor, uma câmera especialmente projetada que dá aos entrevistados uma visão do rosto de Morris, o que os faz se sentir muito confortáveis no início, e que cria a impressão para o público de maior contato visual e envolvimento direto em seus documentários. Lloyd gagueja e se mexe com um desconforto crescente em seu assento sob o questionamento de Morris quando ele não tem permissão para repetir as declarações de RP insípidas como foi claramente contratado para fazer.
White diz sobre seu antigo chefe: “Scott Lloyd é o abusador de crianças mais prolífico da história americana moderna”.
Apenas expor a história e o funcionamento interno dessa política hedionda e deixar clara a ameaça de seu retorno dá a este filme muito poder. Mas para aqueles familiarizados com a longa carreira de Morris na produção de documentários, deve-se admitir que muito de seu estilo, outrora tão dinâmico e convincente nos velhos tempos de Gates of Heaven [Os portões do céu] (1978), Vernon, Florida (1981), The Thin Blue Line [A fina linha azul] (1988), Fast, Cheap, & Out of Control [Rápido, barato e fora de controle ] (1997) e Mr. Death: The Rise and Fall of Fred A. Leuchter, Jr. [Sr. Morte: Ascensão e queda de Fred A. Leuchter Jr.] (1999), está se tornando rotineiro.
Por exemplo, nos anos 1980 e 1990, Morris ressuscitou encenações, que eram proibidas em documentários na era anterior do cinema direto e do cinema verité. Morris usou encenações de maneiras ousadamente expressivas em filmes como The Thin Blue Line, para transmitir a dificuldade de chegar à verdade e a necessidade de trabalhar com mentiras egoístas sem fim para chegar o mais perto possível dela.
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Jovens migrantes desacompanhados sentam-se dentro de um cercadinho no centro de detenção do Departamento de Segurança Interna de Donna, o principal centro de detenção para crianças desacompanhadas no Vale do Rio Grande, Texas. (Dario Lopez-Mills / AFP via Getty Images) |
Mas em Separated, a técnica de reconstituição agora familiar diminuiu para a contratação sem imaginação de dois atores (Gabriela Cartol e Diego Armando Lara Lagunes) para interpretar uma mãe e filho representativos fugindo da Guatemala para os Estados Unidos e sendo forçados a se separar sob a nova política do governo Trump. Comparado às filmagens assustadoras de crianças reais paradas, entorpecidas, em gaiolas vazias usando cobertores de papel-alumínio, ou as gravações somente de áudio de crianças reais chorando histericamente e sendo ridicularizadas por seus guardas, intercaladas com declarações oficiais insensíveis de contratados de Trump, as cenas recorrentes rastreando os destinos de uma mãe e filho fictícios têm muito menos impacto.
Separated apresenta uma música sinistra e fria, estilo Philip Glass, do compositor escocês Paul Leonard-Morgan. Como sempre, o estilo de Morris é formalmente opulento, deliberadamente colocando em primeiro plano sua própria construção, com uma edição hipnotizante reunindo os fios complexos da reportagem e os entrelaçando em um argumento assertivo filmado. Aqueles que buscam uma produção cinematográfica documental supostamente “neutra e objetiva” — ou melhor, o estilo de produção cinematográfica que melhor finge essa ilusão — devem procurar em outro lugar.
Mas mesmo que os poderes imaginativos de Morris como cineasta estejam se ossificando, o assunto aqui é tão duramente imediato que supera a maneira como sua inventividade formal se tornou estereotipada. Separated elimina um pouco daquela estranha amnésia que está afligindo tantas pessoas sob a pressão de muitas coisas terríveis acontecendo em explosões concentradas. A intenção era “interferir na eleição”, se possível, lembrando os eleitores de uma das políticas mais cruéis de Trump que ele prometeu restabelecer. Em vez disso, ao não permitir que o filme fosse exibido até dezembro de 2024, a NBC acabou tentando interferir na eleição de uma maneira diferente.
Colaborador
Separated apresenta uma música sinistra e fria, estilo Philip Glass, do compositor escocês Paul Leonard-Morgan. Como sempre, o estilo de Morris é formalmente opulento, deliberadamente colocando em primeiro plano sua própria construção, com uma edição hipnotizante reunindo os fios complexos da reportagem e os entrelaçando em um argumento assertivo filmado. Aqueles que buscam uma produção cinematográfica documental supostamente “neutra e objetiva” — ou melhor, o estilo de produção cinematográfica que melhor finge essa ilusão — devem procurar em outro lugar.
Mas mesmo que os poderes imaginativos de Morris como cineasta estejam se ossificando, o assunto aqui é tão duramente imediato que supera a maneira como sua inventividade formal se tornou estereotipada. Separated elimina um pouco daquela estranha amnésia que está afligindo tantas pessoas sob a pressão de muitas coisas terríveis acontecendo em explosões concentradas. A intenção era “interferir na eleição”, se possível, lembrando os eleitores de uma das políticas mais cruéis de Trump que ele prometeu restabelecer. Em vez disso, ao não permitir que o filme fosse exibido até dezembro de 2024, a NBC acabou tentando interferir na eleição de uma maneira diferente.
Colaborador
Eileen Jones é crítica de cinema da Jacobin e autora no Filmsuck, nos Estados Unidos. Ela também apresenta um podcast chamado Filmsuck.
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