Noam Chomsky, David Barsamian
Photo: Asadr1337 / Wikimedia |
Tradução / A política norte-americana foi recentemente perturbada por crises convergentes, desde a pandemia, passando pela mobilização sobre justiça racial até a insurreição no Capitólio a 6 de janeiro. Quais são as perspectivas para a política progressista com a nova administração Biden? Noam Chomsky fala sobre clima, raça, imigração e revolução nessa versão editada de uma conversa de rádio entre o linguista e o anfitrião da Alternative Radio, David Barsamian, conduzida a 15 de março desse ano, no Arizona. Estabelecida em 1986, a rádio é um programa semanal premiado de uma hora que fala sobre relações públicas e é oferecido gratuitamente para estações públicas de rádio. Os seus arquivos contam com uma das maiores coleções mundiais de conversas e entrevistas de Chomsky.
David Barsamian: Você lançou um novo livro, Consequences of Capitalism: Manufacturing Discontent and Resistance, em coautoria com Marv Waterstone, seu colega da Universidade do Arizona. É baseado em seu curso "O que é política?" que você co-ministrou. Conte-nos sobre isso.
Noam Chomsky: É basicamente um registro expandido dos cursos que ministramos nos últimos cinco anos, tanto para alunos quanto para a comunidade. As palestras são divididas em uma série. Começamos com perguntas sobre a base sobre a qual você conhece e acredita em algo. Como o bom senso hegemônico Gramsciano é imposto? Como o consentimento é fabricado, para usar a frase de Walter Lippmann? Em seguida, passamos para áreas específicas, começando com aquelas de importância primordial para a sobrevivência - militarismo e guerra nuclear, destruição ambiental - e de lá para uma variedade de questões internas: resistência aos movimentos sociais, o que eles podem alcançar, como os esforços são feitos para controlá-los. Recebemos palestrantes semanalmente de movimentos ativistas descrevendo o que eles fazem, que tipo de problemas enfrentam, que tipos de oportunidades existem. E essas palestras a gente segue atualizando a cada ano. Foi uma experiência muito animada.
DB: Você escreve no prefácio: “A espécie sobreviverá? A vida humana organizada sobreviverá? Essas perguntas não podem ser evitadas. Não há como ficar à margem.”
NC: Goste ou não, isso é um fato. É esta geração que decidirá se a sociedade humana continua em qualquer forma organizada, ou se alcançamos pontos de inflexão que são irreversíveis, e giramos em uma catástrofe total. Mesma pergunta com relação à ameaça crescente de armas nucleares: simplesmente não há alternativa para decidir agora. Existem outros problemas. A pandemia será de alguma forma controlada com um custo enorme e desnecessário de vidas, mas há outras chegando. E podem ser mais sérias, a menos que tomemos medidas sérias para nos preparar para elas - tanto o trabalho científico quanto o contexto social. Então, haverá outras questões importantes para a sobrevivência das espécies - não apenas da espécie humana. Estamos correndo para destruir outras espécies em uma escala incrível, que não era vista há 65 milhões de anos. E agora está acontecendo muito mais rápido do que antes. Isso é o que é chamado de quinta extinção. Estamos agora no meio da sexta extinção.
Um dos tópicos que discute no livro é a ligação entre o filósofo iluminista do século XVIII David Hume e o pensador marxista do século 20 Antonio Gramsci. Qual é essa conexão?
Hume foi um grande filósofo. Escreveu um ensaio importante, Os Primeiros Princípios do Governo (1741), um dos textos clássicos sobre o que chamamos agora de filosofia política ou ciência política. Ele abre o seu estudo questionando. Está surpreendido ao ver a “facilidade” com a qual as pessoas se subordinam aos sistemas de poder. Isso é um mistério, porque são as próprias pessoas que detêm o poder. Por que se sujeitam aos mestres? A resposta, diz, deve ser o consentimento: o mestre obtém êxito no que chamamos agora de consentimento produzido. Mantém o público na linha de acordo com sua própria crença de que eles devem subordinar-se aos sistemas de poder. E ele diz que esse milagre ocorre em todas as sociedades, independentemente do nível de liberdade ou de brutalidade.
Hume escrevia na esteira da primeira revolução democrática, a Revolução Inglesa da metade do século XVII, que levou à criação do que chamamos de constituição britânica – basicamente em que o rei se subordinaria ao Parlamento. O Parlamento na época era representado por mercadores e produtores. Adam Smith, amigo próximo de Hume, escreveu sobre as consequências da revolução. No seu famoso livro A Riqueza das Nações (1776), apontou que os agora soberanos “mercadores e produtores” são os verdadeiros “mestres da humanidade”. Eles usaram os seus poderes para controlar o governo e garantir que os seus próprios interesses fossem bem cuidados, independentemente da severidade do efeito deles no povo inglês – e até pior, nas pessoas que são sujeitas ao que ele chamava de “injustiça selvagem dos europeus”, referindo-se principalmente ao comando britânico na Índia.
Um ano antes da publicação de A Riqueza das Nações, eclodiu a Revolução Americana. Uma década depois, a constituição americana foi formada, num processo muito parecido com o que aconteceu no primeiro levantamento democrático. Que foi apresentado como um conflito entre o rei e o Parlamento. E que terminou, como eu disse, com o rei a ficar subordinado ao Parlamento, a classe ascendente de mercadores e produtores.
Mas essa não é a história toda. Também havia o público em geral, que não queria ser governado pelo rei ou pelo Parlamento. Foi um período panfletário. Trabalhadores itinerantes e pastores alcançavam boa parte do público comum. Nos seus panfletos e palestras exigiam que fossem comandados por camponeses, que sabiam o que as pessoas queriam, e não por soldados e cavalheiros que somente desejavam oprimir a população. Exigiam acesso universal à saúde e à educação e muitas outras coisas. Mas foram por fim derrotados. Hume e Smith ambos escreveram após a vitória dos mercadores e produtores na Grã-Bretanha – não apenas sobre o rei, mas sobre o público em geral.
Isto foi reconstituído na constituição americana, como documenta Michael Klarman no seu livro The Framers’ Coup (2016). O povo queria democracia. Os redatores – homens ricos, quase metade composta por donos de escravos – queriam evitar a ameaça da democracia, enquanto homens de “melhor qualidade”, como se auto-intitulavam durante a primeira revolução democrática. Não levou muito tempo para que James Madison percebesse o que Smith percebeu antes. Em 1791, escreveu uma carta ao seu amigo Thomas Jefferson em que lamentava o colapso do sistema democrático que esperava ter estabelecido – não tanta democracia, mas pelo menos alguma. As instituições financeiras da época, lamentou Madison, tinham-se tornado a “ferramenta e tirania” do governo. Trabalhavam para o governo, mas também o controlavam, trabalhando em prol dos seus próprios interesses.
Muitos dos mesmos problemas existem hoje. A versão gramisciniana dá conta dos mesmos princípios em termos modernos. E muitos dos mesmos problemas surgem. Então, sim, há uma conexão.
Vamos falar sobre o papel dos intelectuais – “orgânicos” e “intelectuais” nos termos de Gramsci. Os últimos são, às vezes, menosprezados como estenógrafos. Existe a ideia dos “intelectuais responsáveis”. Gramsci chamou-os de “especialistas em legitimação”. E então, é claro, temos o que Henry Kissinger adicionou à definição mais ampla.
A ideia de intelectuais “responsáveis” vem dos principais teóricos liberais da democracia moderna – pessoas como Walter Lippmann (às vezes chamado pai do jornalismo moderno), Harold Lasswell (um dos fundadores da ciência política moderna), Edward Bernays (um dos fundadores da indústria de relações públicas), Niebuhr (considerado o teólogo do establishment liberal, bastante reverenciado). Todos escreveram textos sobre como a democracia deveria funcionar. Disseram que os homens responsáveis – intelectuais educados – têm que manter o poder. O público geral, diziam, é burro e ignorante; as pessoas não podem gerir os seus assuntos. Têm que ser controladas através do que Niebuhr chamou de “ilusão necessária” e “super-simplificações emocionalmente potentes”. As pessoas têm um lugar, como colocou Lippmann. São “espetadoras”, não “participantes”, mas têm um papel. Têm que comparecer a cada quatro anos para apertar um botão e escolher um dos homens responsáveis para liderá-las, e então devem voltar para os seus próprios assuntos e não nos incomodar. Os homens responsáveis devem estar livres do “barulho e do atropelo do rebanho desnorteado”. Não deveríamos, como colocou Lasswell, deixar-nos dominar por “dogmas democráticos” sobre as pessoas serem capazes de assumir o controle, de trabalhar em prol de seus próprios interesses. Durante a era Kennedy, deve-se lembrar que tínhamos que nos curvar perante os tecnocratas e a elite. “Os melhores e mais brilhantes”, como lhes chamou David Halberstam.
E depois existiam os maus: os intelectuais orientados por valores, pessoas preocupadas com direitos e justiça. Eles eram o que McGeorge Bundy – o conselheiro nacional de segurança de Kennedy e Johnson e ex-reitor de Harvard – chamou “os homens selvagens das alas”. Bundy fez essa observação em 1967 quando estava a castigar as pessoas que questionavam não somente as táticas da elite, como também seus motivos e planos. Bundy pensou que tínhamos de nos livrar deles, das pessoas que se manifestavam nas ruas e dos intelectuais orientados por princípios que as acicatavam.
Essa distinção remonta a um passado histórico. O termo “intelectual”, no seu sentido moderno, foi realmente desenvolvido durante os anos do caso Dreyfus no final do século XIX na França, quando Émile Zola e outros escritores e intelectuais criticavam o grosseiro tratamento dado a Alfred Dreyfus – no caso das acusações forjadas. Criticavam o exército e o Estado. Foram amargamente condenados pelos imortais da Academia Francesa por ousarem criticar essas grandes instituições. Eram os homens selvagens das alas. Zola teve que sair da França para escapar aos ataques e outros foram presos. Isso é história. Se for um homem selvagem nas alas e ousar ir além da obediência ao poder, é provável que sofra de uma maneira ou de outra.
Assim, existem homens selvagens nas alas e os estenógrafos do poder. Kissinger, mestre na arte, apresentou-o bastante bem. Disse que o papel do intelectual na política é articular o pensamento daqueles no poder, “elaborando e definindo” o seu “consenso”. Se eles não se expressarem de maneira exata, nós vamos articular corretamente para eles. Este é o papel do intelectual sério. E é assim que se torna um intelectual respeitado e responsável.
Vamos partir do livro para o noticiário. Há um veículo no Planeta Vermelho, o “Perseverance”, a enviar fotos para a Terra. Há uns anos você falou sobre uma jornalista de Marte. Como cobriria ela a pandemia e a introdução das vacinas?
Nos EUA, um número significativo de pessoas está a recusar a tomar a vacina. São esmagadoramente Republicanas, e apresentam muitas razões: desconfiança no governo e na ciência. Mas não é algo somente dos EUA. Na França, por exemplo, somente cerca de 40% das pessoas pretendem tomar a vacina. Há evidências esmagadoras sobre a importância da vacina se quisermos controlar esta praga, mas o medo e oposição ao governo, à ciência e à autoridade ganharam tamanha proporção que as pessoas estão a tomar ações perigosas para evitar o que deve ser feito.
Compare com outros países. A Austrália controlou a doença rapidamente. Uma razão principal é que possuem um sistema de saúde altamente eficaz, no qual as pessoas confiam. Estão dispostos a ter responsabilidade coletiva uns pelos outros. Eles aceitaram confinamentos rigorosos, que foram bem sucedidos e a doença foi essencialmente controlada. O mesmo aconteceu na Nova Zelândia, Taiwan, Coreia do Sul e outros países. Mas há países onde o descontentamento e a desconfiança são tão elevados que muitas pessoas simplesmente não estão dispostas a unirem-se ao esforço coletivo para controlar e acabar com a doença.
Tomou a vacina?
Tomei a segunda dose há dois dias. Estou com o braço um pouco dolorido.
Esse descontentamento sofreu uma reviravolta dramática a 6 de janeiro, com o ataque ao Capitólio. Qual é a sua opinião sobre o que aconteceu?
Primeiro, foi explicitamente uma tentativa de golpe. Estavam a tentar derrubar um governo eleito: isso é um golpe. Em relação aos participantes, uma característica chocante – vejam as fotos – é que poucos jovens estavam envolvidos. Havia pessoas mais idosas e de meia idade e eram todos apoiantes de Trump. Ele estava a incitá-los.
Aparentemente estes acreditam fortemente que a eleição foi roubada, que o seu país está a ser roubado de si por forças malignas. Lembre-se, quase metade dos eleitores Republicanos acha que Trump foi enviado por Deus para salvar o país dos maléficos, que englobam os pedófilos Democratas, minorias e outros que estão a prejudicar e destruir a sua forma de vida cristã tradicional. Havia elementos lá que pertenciam às milícias mais violentas como os “Proud Boys”.
Foi uma situação bem violenta. Cinco pessoas morreram; poderia ter sido bem pior. Foi um ato desesperado de pessoas que estão desesperadas. Não podemos ignorar esse facto. E uma grande parte do país apoia isso.
É interessante ver o que aconteceu com o Partido Republicano após 6 de janeiro. As pessoas que basicamente são donas do país – os mestres da humanidade de Smith, a classe que financia partidos – estavam a tolerar Trump; não gostam dele. Ele interfere com a imagem deles enquanto pessoas humanas, a mensagem deles de que são confiáveis. Eles não gostam dessa vulgaridade, das palhaçadas, mas toleraram-no porque estava a encher os seus bolsos. O seu programa legislativo completo foi desenhado para fazer jorrar dinheiro para os bolsos dos ultra-ricos, beneficiar grandes empresas e para eliminar regulações que protegem as pessoas mas interferem nos lucros. Enquanto Trump fazia isso, estavam dispostos a tolerá-lo. Mas 6 de janeiro foi demais. E quase instantaneamente, os maiores centros de poder económico – Câmara de Comércio, a “távola redonda” dos empresários, grandes empresas – movimentaram-se rapidamente e disseram objetivamente a Trump: vá embora.
Bem, Trump foi de avião para Mar-a-Lago. Mitch McConnell, a figura mais importante no Partido Republicano, ouviu os doadores e começou a criticar Trump; ele e outros senadores Republicanos começaram a correr para as portas de saída. Mas não foram muito longe: estão a enfrentar as multidões enfurecidas que Trump tinha mobilizado. O Partido Republicano está, desde então, encalhado. Eles vão ouvir os doadores e restaurar uma versão mais gentil do trumpismo? Ou serão varridos pelas forças que permanecem nos bolsos de Trump?
McConnell e Trump pessoalmente não se suportam, mas têm um interesse em comum: garantir que o país esteja ingovernável, que Biden não alcance nada. Não é segredo – é o que McConnell anunciou claramente e explicitamente quando Barack Obama foi eleito. Naquela altura, McConnell não tinha o Congresso. Ele disse que a sua tarefa era garantir que Obama não tivesse sucesso fazendo nada. Então cortou pacotes de estímulo que eram necessários e de outras maneiras dificultou os esforços para governar o país e lidar com os problemas da nação. Temos todas as razões para crer que fará o mesmo agora.
Trump quer o mesmo com objetivos diferentes. Os dois estão combinados no esforço para garantir que o país seja ingovernável, que a população sofra tanto quanto possível, na esperança de que os culpados sejam os Democratas e que eles possam voltar com tudo em 2022 e 2024. É o que vimos na lei de auxílio que foi recentemente aprovada. Os Republicanos agora estão tipo o velho Partido Comunista. Seguem o princípio do que os leninistas chamam de centralismo democrático. O partido tem uma política. É estabelecida a partir de cima e todos devem aceitar uniformemente. Não é tolerável nenhum desvio. Então, embora alguns senadores Republicanos e deputados possam apoiar aspetos da lei de auxílio, e mesmo sabendo que os seus eleitores a apoiam, têm que votar contra. Essa é a situação em que nos encontramos no momento.
Devo dizer que o que Biden tem feito até agora é uma surpresa agradável para mim. É melhor do que esperava. Ele é muito criticado pela esquerda por falhas e omissões na política doméstica. Essas críticas estão, na minha visão, corretas, mas são um pouco injustas. Há um limite para o que se consegue fazer quando metade do Senado, independentemente do que se fizer, está completamente contra. E quando há Democratas que os apoiarão, coloca-se um limite no que se pode alcançar. A política externa é um outro assunto.
É a favor da eliminação do filibuster que Obama descreveu como “relíquia da época Jim Crow”?
Primeiro, duvido que isso possa ser feito. Então basicamente não é uma questão; se deveria ser feito é um outro assunto.
O filibuster tem sido usado de maneiras muito destrutivas. Mas, no passado, também foi usado de modo a barrar legislações racistas. A questão mais fundamental é que temos dois partidos políticos, ambos dependentes da mesma pequena classe de ricos e poderosos – a classe dos doadores, basicamente. Um deles é tão extremista que simplesmente abandonou a política parlamentar. E agora está a lutar desesperadamente para se manter enquanto um partido minoritário. Boa parte dos grandes problemas que se aproximam não tem muita relação com o auxílio, mas sim com leis aprovadas na Câmara.
A HR1, a primeira lei aprovada pela Câmara Democrata, é muito significativa. Basicamente fortalece o direito ao voto: isso é muito importante. Há um grande ataque Republicano aos direitos eleitorais. Existem literalmente centenas de propostas de lei no país – em estados onde os Republicanos controlam a legislatura – para tentar prevenir que minorias e pobres votem, de modo que os Republicanos possam se manter no poder. Estes são um partido da minoria; quase sempre perdem as eleições; mas mantêm o poder de várias maneiras. E isso está a tornar-se mais significativo. O resultado dessa batalha terá um grande efeito no futuro.
Os Republicanos têm um tipo de vantagem estrutural nas eleições porque a base eleitoral Democrata está na sua maior parte concentrada nas cidades. Isso significa que muitos votos depositados no nosso sistema parlamentar são simplesmente perdidos. Se 80% dos votos para um candidato são depositados no mesmo local, 30% deles são essencialmente perdidos. Os votos Republicanos, por contraste, estão espalhados por zonas rurais e cidades pequenas que possuem uma representação bem maior que a sua população. Tudo isto dá aos Republicanos uma vantagem estrutural: eles podem ganhar uma eleição mesmo se perderem os votos por 4 ou 5%. Os seus esforços atuais estão focados no fortalecimento dessa vantagem estrutural de modo que se possam manter no poder, mesmo se tiverem menos votos.
Isso vai ao encontro do grande projeto de McConnell enquanto esteve no poder: tentar encher o judiciário, a todos os níveis, com advogados jovens e de extrema-direita. Estes estarão bem posicionados para travar legislações progressistas durante uma geração, independentemente do que o público possa querer daqui a anos. Todas essas dificuldades fazem parte do nosso sistema político altamente regressivo que, mesmo nas melhores circunstâncias, levaria a uma crise constitucional.
Isto está assimilado: não se consegue continuar a funcionar como sociedade democrática sob provisões tão radicalmente anti-democráticas da Constituição. O caso mais extremo, claro, é o Senado, que recompensa dois votos por estado. Isso significa que Wyoming, com cerca de 600.000 pessoas, tem a mesma representação que a Califórnia, com cerca de 40 milhões. E ainda temos o Colégio Eleitoral.
Essas e muitas outras coisas são problemas profundos de todo o sistema constitucional que não podem ser resolvidos através de emendas: estados menores não iriam permiti. Estes são os problemas que estamos a enfrentar para além dos problemas verdadeiramente existenciais. Mas a não ser que lidemos com a iminente catástrofe ambiental, a ameaça crescente de uma guerra nuclear, a séria ameaça de novas pandemias, nada mais importará.
De facto, das últimas oito eleições presidenciais os Republicanos ganharam por voto popular somente uma vez. Mas para voltar a 6 de janeiro, quão importante é a notícia falsa de que a eleição foi roubada? Lembro-me da Alemanha pós 1ª Guerra Mundial: a teoria da facada nas costas que os nazis usaram de maneira tão eficaz. Ganhámos a guerra, disseram, mas os comunistas, socialistas e judeus sabotaram-nos e venderam-nos. Vamos ver uma recapitulação disso hoje?
Não sei o que Trump pensa, mas os seus apoiantes fervorosos e apaixonados claramente acreditam nisso. Acreditam que a eleição foi roubada, que o país está a ser roubado deles e que a sua tradição cristã e as suas comunidades brancas estão a ser roubadas deles. Têm algum fundamento para tal. Ande por uma cidade rural nos EUA e o que vê são casas à venda, negócios fechados, avenidas principais vazias, o banco fechado. Talvez ainda haja uma igreja, mas as indústrias foram embora, os jovens estão a ir embora. Não é mais uma comunidade branca cristã, onde os outros conheciam o seu lugar.
Isto é real. É a base para a disposição em acreditar em histórias como a eleição roubada, embora, na realidade, tenham sido os Republicanos o grupo que em maior número “limpou” votos, impedindo votações, dificultando o voto dos afro-americanos. Mas eles acreditam nisto fervorosamente. Então eu não acho que devemos chamá-lo de hipocrisia. É muito mais perigoso que isso. É uma crença selvagem, baseada em elementos da realidade. E essa é o tipo de crença que é extremamente perigosa, mas que também oferece uma promessa, porque se pode lidar com os elementos da realidade nela e deixar as crenças ruírem quando se livrar dos elementos da realidade fundamentais. É verdade, os Estados Unidos rurais foram destruídos pela globalização neoliberal. É um facto.
Não tem de acontecer. Podem-se superar estes factos. E, com isso, os sistemas de crença começarão a ruir. Não todos, os que são baseados na supremacia branca, no tradicionalismo e nacionalismo cristãos. Esses estão profundamente enraizados. São problemas culturais profundos. Não vamos lidar rapidamente com o facto de que quase metade da população espera que o regresso de Jesus ocorra durante o seu tempo de vida. Não se lida com isso resolvendo problemas económicos. Lida-se com coisas que estão dentro da nossa capacidade de negociação – como o colapso da base económica das comunidades rurais, a destruição dos agricultores pobres, a tomada pelo agronegócio – podemos progredir, minando as fundações de sistemas de crenças muito perigosos. Não há outra forma de proceder. E apenas temos de esperar que dê certo.
Enquanto isso, a crise climática segue o seu caminho. No início de fevereiro, calotas polares a derreter nos Himalaias causaram enchentes e danos em represas, levando morte e destruição rio abaixo no estado indiano de Uttarakhand. Apenas algumas semanas depois, um grande icebergue soltou-se da camada de gelo da Antártida. Com uma área de 490 km2, o icebergue é 62% maior do que a cidade de Nova Iorque. O que faremos perante o caos climático?
Podemos descrever esses problemas. Qualquer pessoa que lê revistas científicas sabe que vemos regularmente descobertas de problemas piores à nossa frente. E eles vão acontecer quer queiramos ou não. Isso é causado pelo dióxido de carbono já presente na atmosfera. O número de partículas por milhão está a crescer progressivamente em direção a uma verdadeira zona de perigo e isso vai continuar simplesmente por causa dos danos que já fizemos. O que podemos perguntar é: podemos tomar medidas para mitigar as ameaças e superar os problemas? A resposta é sim.
Bob Pollin e eu lançamos um livro alguns meses atrás, A Crise Climática e o Acordo Verde Global. Na sua maior parte, é baseado no seu trabalho detalhado sobre como lidar com a catástrofe climática. Salienta medidas que podem ser tomadas de maneira eficaz para lidar com a crise de um modo plausível, com cálculos que indicariam aproximadamente que 2 ou 3% do PIB seriam o suficiente para controlar a crise e determinar as bases para um caminho a um futuro melhor. Isso não é uma perda: é um mundo melhor para todos nós. Menos poluição, melhores empregos, melhores oportunidades, melhor estilo de vida – todos são possíveis com uma percentagem do PIB que é bem menos do que gastamos durante a 2ª Guerra Mundial.
É claro, é dito que a 2ª Guerra Mundial foi uma guerra para sobrevivência. Mas essa é uma guerra muito maior. Os EUA teriam sobrevivido se o mundo tivesse sido dividido num mundo controlado pela Alemanha e outro controlado pelos EUA, como anteciparam estrategas norte-americanos no início da guerra. Teria sido um mundo muito feio, mas teriam sobrevivido. Se não lidarmos com esta crise, não haverá nenhuma sobrevivência.
Agora, se Trump tivesse tido mais quatro anos de mandato, é possível que tivéssemos alcançado literalmente ápices irreversíveis, ou nos aproximado deles. Os seus maiores programas visavam destruir o meio-ambiente o mais rápido possível, maximizar o uso de combustíveis fósseis e eliminar o aparelho regulador que de alguma maneira os controlava, com o objetivo de aumentar o lucro de curto prazo para setores da indústria, de combustíveis fósseis e outros. Esse é o programa mais malicioso na história da humanidade. E quase não é discutido; não é esse o motivo pelo qual Trump é criticado. Mas qualquer outra coisa que ele tenha feito, se torna totalmente insignificante em comparação com isso. Outros quatro anos disso e poderíamos estar bem perto do fim.
Podemos descrever esses problemas. Qualquer pessoa que lê revistas científicas sabe que vemos regularmente descobertas de problemas piores à nossa frente. E eles vão acontecer quer queiramos ou não. Isso é causado pelo dióxido de carbono já presente na atmosfera. O número de partículas por milhão está a crescer progressivamente em direção a uma verdadeira zona de perigo e isso vai continuar simplesmente por causa dos danos que já fizemos. O que podemos perguntar é: podemos tomar medidas para mitigar as ameaças e superar os problemas? A resposta é sim.
Bob Pollin e eu lançamos um livro alguns meses atrás, A Crise Climática e o Acordo Verde Global. Na sua maior parte, é baseado no seu trabalho detalhado sobre como lidar com a catástrofe climática. Salienta medidas que podem ser tomadas de maneira eficaz para lidar com a crise de um modo plausível, com cálculos que indicariam aproximadamente que 2 ou 3% do PIB seriam o suficiente para controlar a crise e determinar as bases para um caminho a um futuro melhor. Isso não é uma perda: é um mundo melhor para todos nós. Menos poluição, melhores empregos, melhores oportunidades, melhor estilo de vida – todos são possíveis com uma percentagem do PIB que é bem menos do que gastamos durante a 2ª Guerra Mundial.
É claro, é dito que a 2ª Guerra Mundial foi uma guerra para sobrevivência. Mas essa é uma guerra muito maior. Os EUA teriam sobrevivido se o mundo tivesse sido dividido num mundo controlado pela Alemanha e outro controlado pelos EUA, como anteciparam estrategas norte-americanos no início da guerra. Teria sido um mundo muito feio, mas teriam sobrevivido. Se não lidarmos com esta crise, não haverá nenhuma sobrevivência.
Agora, se Trump tivesse tido mais quatro anos de mandato, é possível que tivéssemos alcançado literalmente ápices irreversíveis, ou nos aproximado deles. Os seus maiores programas visavam destruir o meio-ambiente o mais rápido possível, maximizar o uso de combustíveis fósseis e eliminar o aparelho regulador que de alguma maneira os controlava, com o objetivo de aumentar o lucro de curto prazo para setores da indústria, de combustíveis fósseis e outros. Esse é o programa mais malicioso na história da humanidade. E quase não é discutido; não é esse o motivo pelo qual Trump é criticado. Mas qualquer outra coisa que ele tenha feito, se torna totalmente insignificante em comparação com isso. Outros quatro anos disso e poderíamos estar bem perto do fim.
Felizmente fomos poupados disso, embora possa voltar em dois ou quatro anos. O programa McConnell-Trump poderia ser bem sucedido, se fosse, estaríamos em uma situação desesperante. Se essas políticas forem renovadas, já se consegue prever o resultado. Agora temos tempo para tentar fazer algo a respeito disto. Mas acho que haverá uma verdadeira batalha sobre a continuidade ou preservação do programa de Biden. E ele deve continuar se quisermos sobreviver a isso. Essa é a esperança.
O mesmo é verdade para outras questões. Vejamos o auxílio, que possui muitos aspetos bons em relação à pobreza infantil, rendimentos maiores para os pobres e por aí adiante. Mas são temporários. Se não forem ampliados, não vai importar muito. Então haverá uma batalha para estendê-los e ir além do que eles já fornecem.
Essas são grandes batalhas que estão por vir. Os Republicanos aparentemente vão simplesmente bloquear tudo. No curto prazo, há muita pouca esperança de dissuadir qualquer um deles de tentar tornar o país ingovernável e tomar o poder, talvez retrocedendo os direitos eleitorais e outras medidas. Isso parece uma força incansável. Mas dentro dos Democratas há muito a ser feito e deve ser feito. Todos nos lembramos que quando Obama tomou posse, veio com uma enorme assistência de um exército de voluntários jovens que trabalharam muito para elegê-lo. Assim que entrou na Casa Branca, basicamente mandou-os para casa. Obrigada. Adeus. Está tudo sob controle; podem ir. Infelizmente, foram embora. Isso significou que ele poderia quebrar suas promessas – o que ele fez, e dentro de dois anos ele perdeu o Congresso.
Se se cometer o mesmo erro hoje, é o que vai acontecer. O que quer que se pense sobre Biden, ele estará sob pressão do setor conservador do Partido Democrata e do setor “Clintonista” neoliberal de Wall Street. Estees vão recuar os programas progressistas, o que será bastante mau para o país, mas para o clima será desastroso.
O mesmo é verdade para outras questões. Vejamos o auxílio, que possui muitos aspetos bons em relação à pobreza infantil, rendimentos maiores para os pobres e por aí adiante. Mas são temporários. Se não forem ampliados, não vai importar muito. Então haverá uma batalha para estendê-los e ir além do que eles já fornecem.
Essas são grandes batalhas que estão por vir. Os Republicanos aparentemente vão simplesmente bloquear tudo. No curto prazo, há muita pouca esperança de dissuadir qualquer um deles de tentar tornar o país ingovernável e tomar o poder, talvez retrocedendo os direitos eleitorais e outras medidas. Isso parece uma força incansável. Mas dentro dos Democratas há muito a ser feito e deve ser feito. Todos nos lembramos que quando Obama tomou posse, veio com uma enorme assistência de um exército de voluntários jovens que trabalharam muito para elegê-lo. Assim que entrou na Casa Branca, basicamente mandou-os para casa. Obrigada. Adeus. Está tudo sob controle; podem ir. Infelizmente, foram embora. Isso significou que ele poderia quebrar suas promessas – o que ele fez, e dentro de dois anos ele perdeu o Congresso.
Se se cometer o mesmo erro hoje, é o que vai acontecer. O que quer que se pense sobre Biden, ele estará sob pressão do setor conservador do Partido Democrata e do setor “Clintonista” neoliberal de Wall Street. Estees vão recuar os programas progressistas, o que será bastante mau para o país, mas para o clima será desastroso.
Ao longo da crise do ano passado, esforços comunitários, auxílio mútuo e solidariedade tornaram-se mais importantes e essenciais – bancos alimentares, dispensários, cooperativas. O que podem fazer? Mondragon, na região Basca, é frequentemente citada como um modelo de sucesso.
Foi um desenvolvimento interessante que aconteceu espontaneamente em muitos locais – pessoas unindo-se em comunidades para fornecer ajuda mútua. Se há uma pessoa idosa que não pode sair de casa, vamos levar comida. Se não há comida suficiente, vamos levar água para as pessoas. Às vezes aconteceu de maneiras impressionantes.
Um dos exemplos mais extraordinários foi nas áreas extremamente pobres do Rio de Janeiro – as favelas, que são áreas miseráveis com barracos que ficam uns em cima dos outros, basicamente comandadas por gangues. As pessoas não têm água. Não têm como praticar o distanciamento social. Não têm assistência médica. Mas organizaram-se – através das gangues, que tentaram ajudar as pessoas a sobreviverem a essas condições impossíveis. E isto aconteceu em regiões pobres por todo o mundo.
Esse tipo de compromisso natural com o auxílio mútuo e a solidariedade revelaram-se de diversas formas. Mesmo antes da pandemia já tínhamos o início do desenvolvimento de indústrias comandadas por trabalhadores, cooperativas e coletivos e localismo na agricultura. Existem muitos esforços para tentar lidar com os efeitos extremamente prejudiciais das políticas de globalização neoliberal, que tiveram um verdadeiro efeito chocante sobre a população geral em quase todos os cantos. Mas vimos tentativas para lidar com isso. Em áreas da Cintura da Ferrugem nos EUA, quando os banqueiros em Nova Iorque e Chicago decidiram que a indústria do aço deveria ir para a China, os trabalhadores simplesmente não desistiram. Tentaram comprar as indústrias de aço, mas os donos não concordaram. Queriam mais lucros e não gostam da ideia de uma indústria de trabalhadores: é perigosa. O que aconteceu, ao invés, é uma proliferação de empresas comandadas por trabalhadores envolvidos na crescente economia de serviços, hospitais, universidades e outras áreas.
Gar Alperovitz escreveu muito sobre isso e tem-se envolvido no início de boa parte desse trabalho com o Projeto “The Next System”. Tem acontecido muito disso. Algumas ações por parte de alguns sindicatos – não sei até onde irão – como os trabalhadores do aço, para alcançar acordos com alguns dos mais bem sucedidos conglomerados comandados por trabalhadores, principalmente na Espanha, no País Basco, em Mondragon, para ver se algo similar poderia ser desenvolvido aqui. Todas essas coisas poderiam ser muito importantes – não somente em si mesmas, mas também para mostrar a direção na qual a sociedade deve seguir em busca de maior responsabilidade coletiva, atividade democrática participativa, se esperamos sair dessas crises com algum tipo de sociedade decente. Todas essas coisas estão a acontecer. E o apoio mútuo em reação à pandemia, que você mencionou, é uma parte extremamente importante disso.
Foi um desenvolvimento interessante que aconteceu espontaneamente em muitos locais – pessoas unindo-se em comunidades para fornecer ajuda mútua. Se há uma pessoa idosa que não pode sair de casa, vamos levar comida. Se não há comida suficiente, vamos levar água para as pessoas. Às vezes aconteceu de maneiras impressionantes.
Um dos exemplos mais extraordinários foi nas áreas extremamente pobres do Rio de Janeiro – as favelas, que são áreas miseráveis com barracos que ficam uns em cima dos outros, basicamente comandadas por gangues. As pessoas não têm água. Não têm como praticar o distanciamento social. Não têm assistência médica. Mas organizaram-se – através das gangues, que tentaram ajudar as pessoas a sobreviverem a essas condições impossíveis. E isto aconteceu em regiões pobres por todo o mundo.
Esse tipo de compromisso natural com o auxílio mútuo e a solidariedade revelaram-se de diversas formas. Mesmo antes da pandemia já tínhamos o início do desenvolvimento de indústrias comandadas por trabalhadores, cooperativas e coletivos e localismo na agricultura. Existem muitos esforços para tentar lidar com os efeitos extremamente prejudiciais das políticas de globalização neoliberal, que tiveram um verdadeiro efeito chocante sobre a população geral em quase todos os cantos. Mas vimos tentativas para lidar com isso. Em áreas da Cintura da Ferrugem nos EUA, quando os banqueiros em Nova Iorque e Chicago decidiram que a indústria do aço deveria ir para a China, os trabalhadores simplesmente não desistiram. Tentaram comprar as indústrias de aço, mas os donos não concordaram. Queriam mais lucros e não gostam da ideia de uma indústria de trabalhadores: é perigosa. O que aconteceu, ao invés, é uma proliferação de empresas comandadas por trabalhadores envolvidos na crescente economia de serviços, hospitais, universidades e outras áreas.
Gar Alperovitz escreveu muito sobre isso e tem-se envolvido no início de boa parte desse trabalho com o Projeto “The Next System”. Tem acontecido muito disso. Algumas ações por parte de alguns sindicatos – não sei até onde irão – como os trabalhadores do aço, para alcançar acordos com alguns dos mais bem sucedidos conglomerados comandados por trabalhadores, principalmente na Espanha, no País Basco, em Mondragon, para ver se algo similar poderia ser desenvolvido aqui. Todas essas coisas poderiam ser muito importantes – não somente em si mesmas, mas também para mostrar a direção na qual a sociedade deve seguir em busca de maior responsabilidade coletiva, atividade democrática participativa, se esperamos sair dessas crises com algum tipo de sociedade decente. Todas essas coisas estão a acontecer. E o apoio mútuo em reação à pandemia, que você mencionou, é uma parte extremamente importante disso.
Vamos falar sobre a fronteira sul e a imigração. Está a apenas 96 km da fronteira com o México, onde crianças desacompanhadas estão a ser detidas aos milhares. Qual seria uma política migratória justa e equitativa?
A primeira meta da política deveria ser eliminar as condições pelas quais as pessoas estão a fugir de seus países. Estas pessoas não querem estar nos EUA; querem estar em casa. Mas são locais inabitáveis – são forçados a fugir. Temos uma grande responsabilidade por esse facto. Durante os anos Reagan houve um aumento acentuado nos ataques norte-americanos contra a América Central. Centenas de milhares de pessoas foram mortas. Centenas de milhares foram desalojados. Tortura. Destruição. As pessoas ainda estão a fuginr hoje dos danos criados pelas guerras de Reagan na América Central. Bem, podemos lidar com esses destroços.
Talvez se lembre há quatro ou cinco anos atrás a principal fonte de refugiados eram as Honduras. Porquê? Houve um golpe militar que derrubou o governo reformista moderado de Zelaya, instalou uma ditadura militar, colocou o poder de volta nas mãos da oligarquia super rica e transformou o país numa das capitais mundiais do homicídio. As pessoas começaram a fugir. É daí que vêm as caravanas.
Poderíamos ter impedido isso? O problema não eram as caravanas. Era o que estava a acontecer. Enquanto o resto do hemisfério condenava o golpe, Obama e a sua secretária de Estado, Hillary Clinton, recusaram-se a formalmente designá-lo como um golpe militar – porque se o fizessem, teriam que parar com o apoio militar à junta. Quando se impõe uma câmara dos horrores, as pessoas fogem.
Então, o primeiro passo na política migratória seria eliminar as razões pelas quais as pessoas estão a fugir. Isso não pode ser feito num dia, mas podemos agir em direção a isso. Esse é o começo.
A primeira meta da política deveria ser eliminar as condições pelas quais as pessoas estão a fugir de seus países. Estas pessoas não querem estar nos EUA; querem estar em casa. Mas são locais inabitáveis – são forçados a fugir. Temos uma grande responsabilidade por esse facto. Durante os anos Reagan houve um aumento acentuado nos ataques norte-americanos contra a América Central. Centenas de milhares de pessoas foram mortas. Centenas de milhares foram desalojados. Tortura. Destruição. As pessoas ainda estão a fuginr hoje dos danos criados pelas guerras de Reagan na América Central. Bem, podemos lidar com esses destroços.
Talvez se lembre há quatro ou cinco anos atrás a principal fonte de refugiados eram as Honduras. Porquê? Houve um golpe militar que derrubou o governo reformista moderado de Zelaya, instalou uma ditadura militar, colocou o poder de volta nas mãos da oligarquia super rica e transformou o país numa das capitais mundiais do homicídio. As pessoas começaram a fugir. É daí que vêm as caravanas.
Poderíamos ter impedido isso? O problema não eram as caravanas. Era o que estava a acontecer. Enquanto o resto do hemisfério condenava o golpe, Obama e a sua secretária de Estado, Hillary Clinton, recusaram-se a formalmente designá-lo como um golpe militar – porque se o fizessem, teriam que parar com o apoio militar à junta. Quando se impõe uma câmara dos horrores, as pessoas fogem.
Então, o primeiro passo na política migratória seria eliminar as razões pelas quais as pessoas estão a fugir. Isso não pode ser feito num dia, mas podemos agir em direção a isso. Esse é o começo.
O próximo passo é parar com a política criminosa de recrutar o México para impedir que as pessoas fujam da América Central para as nossas fronteiras. A única coisa boa que conseguimos dizer sobre isso é que a Europa é ainda pior, mais cruel e sádica com uma política que tenta evitar que as pessoas cheguem das profundezas da África, Níger e outros lugares, tentando evitar que cheguem em território europeu na Turquia. E nem preciso dizer que a Europa tem um historial horrível em relação a África e o Oriente Médio. Não precisamos rever isso. Então sim, são ainda piores, mas isso não é desculpa para nós. Temos que encerrar essa política.
A próxima coisa a fazer é garantir as condições básicas da lei internacional – fornecer condições decentes para as pessoas que estão a fugir e oportunidades razoáveis para que possam pedir amnistia e entrada no país. Tudo isso pode ser feito. Ao invés disso, o que temos é: ao sul, como disse, milhares de pessoas morrem, no deserto, literalmente. O terreno é muito difícil. No verão chega a mais de 37 graus. E não há água.
Desde Clinton, as políticas tentaram conduzir essas pessoas para as áreas mais hostis. Bloquear as áreas onde existe trânsito razoavelmente fácil – poderiam ser resgatadas por uma política de asilo humanitário – e levá-los para as áreas mais perigosas, onde vão vaguear pelo deserto, vão-se perder e morrer de fome. Enquanto isso, usam-se táticas como os helicópteros da Patrulha de Fronteiras sobre as pessoas – assim se um grupo está junto, vai-se separar, perder-se e morrer. Existem alguns esforços de apoio em Tucson – grupos maravilhosos. O grupo principal, “No More Deaths”, tenta enviar pessoas para o deserto para montar acampamentos pequenos, onde podem oferecer ajuda médica se as pessoas chegarem lá. Eles deixam garrafas de água no deserto para as pessoas que estão a morrer de sede. A Patrulha invade os acampamentos, esmaga as garrafas e por aí adiante. Antes de Trump havia um tipo de acordo tácito de que deixariam uns aos outros em paz. Mas piorou muito.
Todas estas histórias de horror não têm que acontecer. As diversas camadas através das quais as políticas devem ser moldadas são completamente praticáveis.
A próxima coisa a fazer é garantir as condições básicas da lei internacional – fornecer condições decentes para as pessoas que estão a fugir e oportunidades razoáveis para que possam pedir amnistia e entrada no país. Tudo isso pode ser feito. Ao invés disso, o que temos é: ao sul, como disse, milhares de pessoas morrem, no deserto, literalmente. O terreno é muito difícil. No verão chega a mais de 37 graus. E não há água.
Desde Clinton, as políticas tentaram conduzir essas pessoas para as áreas mais hostis. Bloquear as áreas onde existe trânsito razoavelmente fácil – poderiam ser resgatadas por uma política de asilo humanitário – e levá-los para as áreas mais perigosas, onde vão vaguear pelo deserto, vão-se perder e morrer de fome. Enquanto isso, usam-se táticas como os helicópteros da Patrulha de Fronteiras sobre as pessoas – assim se um grupo está junto, vai-se separar, perder-se e morrer. Existem alguns esforços de apoio em Tucson – grupos maravilhosos. O grupo principal, “No More Deaths”, tenta enviar pessoas para o deserto para montar acampamentos pequenos, onde podem oferecer ajuda médica se as pessoas chegarem lá. Eles deixam garrafas de água no deserto para as pessoas que estão a morrer de sede. A Patrulha invade os acampamentos, esmaga as garrafas e por aí adiante. Antes de Trump havia um tipo de acordo tácito de que deixariam uns aos outros em paz. Mas piorou muito.
Todas estas histórias de horror não têm que acontecer. As diversas camadas através das quais as políticas devem ser moldadas são completamente praticáveis.
O assassinato de George Floyd incitou muitos protestos. É dito que foi um momento de reconhecimento racial. Termos como “supremacia branca”, “privilégio branco” e “racismo sistémico” são muito mais comuns agora do que antes. Para onde vê o movimento por justiça racial ir?
O levantamento após o assassinato de George Floyd foi impressionante. Não aconteceu tudo de uma vez. É resultado de anos de organização, educação, ativismo, que prepararam o terreno para quando essa fagulha surgisse, os gravetos incendiassem. E foi um levantamento incrível. Solidariedade. Negros e brancos juntos. Contou com um enorme apoio popular – cerca de dois terços de apoio popular, algo quase desconhecido para um movimento social. Martin Luther King nunca chegou perto disso, mesmo no pico de sua popularidade.
Boa parte dessa energia manteve-se. Parte foi dissipada, parcialmente por causa de erros táticos, falhas que deveriam receber atenção. O slogan, “corte do financiamento policial” destacou-se rapidamente. É uma ideia prudente e tem uma interpretação prudente. Foi elaborado por organizadores do Black Lives Matter, por Alexandria Ocasio-Cortez e outros. É um pedido para remover a polícia de atividades às quais não pertence. A polícia não tem papel nas brigas domésticas, overdoses, tentativas de suicídio, coisas assim. Todas estas questões deveriam envolver organizações de serviço comunitário; deixando a polícia fazer o trabalho policial. No ano passado, quando perguntaram para AOC, “como seriam os Estados Unidos com corte no financiamento policial?” a resposta dela foi: “a boa notícia é que não precisamos imaginar muito. Parece um subúrbio rico. As comunidades brancas ricas que escolhem financiar os jovens, a saúde, a habitação, mais do que financiam a polícia”. Se uma criança for apanhada a partir uma janela para roubar drogas, não se manda para a cadeia por 30 anos. O que se faz é procurar saber qual é o problema dele e como lidar com ele.
Mas o slogan foi sequestrado pela direita. Tornou-se propaganda: olhem para esses lunáticos. Querem remover toda a polícia das nossas comunidades para que sejam subjugadas por terroristas, criminosos e violadores. Bem, ninguém quer isso. Foi um grande tópico para a direita e para a campanha de Trump. Temos uma lição aqui. Temos que ter cuidado e apoiar propostas com programas educacionais, organizacionais e ativistas significativos – e dizer: isto é o que quero dizer. É uma boa ideia. É boa para você; deveria apoiá-la. Não caia na propaganda que está por vir.
Mas basicamente, é um grande passo adiante. E eu acho que podem construir algo a partir dele. Não é o único exemplo. O Projeto 1619 no New York Times foi outro passo em frente muito interessante. É claro, está a ser criticado por historiadores profissionais: errou nesse detalhe, esqueceu-se de dizer isto e por aí adiante. Não importa. Foi um reconhecimento poderoso do que 400 anos de tratamento cruel significaram para afro-americanos e que legado permanece. Esta é uma descoberta verdadeira. Alguns anos antes, não havia nada igual. Todos estes são passos em frente.
O levantamento após o assassinato de George Floyd foi impressionante. Não aconteceu tudo de uma vez. É resultado de anos de organização, educação, ativismo, que prepararam o terreno para quando essa fagulha surgisse, os gravetos incendiassem. E foi um levantamento incrível. Solidariedade. Negros e brancos juntos. Contou com um enorme apoio popular – cerca de dois terços de apoio popular, algo quase desconhecido para um movimento social. Martin Luther King nunca chegou perto disso, mesmo no pico de sua popularidade.
Boa parte dessa energia manteve-se. Parte foi dissipada, parcialmente por causa de erros táticos, falhas que deveriam receber atenção. O slogan, “corte do financiamento policial” destacou-se rapidamente. É uma ideia prudente e tem uma interpretação prudente. Foi elaborado por organizadores do Black Lives Matter, por Alexandria Ocasio-Cortez e outros. É um pedido para remover a polícia de atividades às quais não pertence. A polícia não tem papel nas brigas domésticas, overdoses, tentativas de suicídio, coisas assim. Todas estas questões deveriam envolver organizações de serviço comunitário; deixando a polícia fazer o trabalho policial. No ano passado, quando perguntaram para AOC, “como seriam os Estados Unidos com corte no financiamento policial?” a resposta dela foi: “a boa notícia é que não precisamos imaginar muito. Parece um subúrbio rico. As comunidades brancas ricas que escolhem financiar os jovens, a saúde, a habitação, mais do que financiam a polícia”. Se uma criança for apanhada a partir uma janela para roubar drogas, não se manda para a cadeia por 30 anos. O que se faz é procurar saber qual é o problema dele e como lidar com ele.
Mas o slogan foi sequestrado pela direita. Tornou-se propaganda: olhem para esses lunáticos. Querem remover toda a polícia das nossas comunidades para que sejam subjugadas por terroristas, criminosos e violadores. Bem, ninguém quer isso. Foi um grande tópico para a direita e para a campanha de Trump. Temos uma lição aqui. Temos que ter cuidado e apoiar propostas com programas educacionais, organizacionais e ativistas significativos – e dizer: isto é o que quero dizer. É uma boa ideia. É boa para você; deveria apoiá-la. Não caia na propaganda que está por vir.
Mas basicamente, é um grande passo adiante. E eu acho que podem construir algo a partir dele. Não é o único exemplo. O Projeto 1619 no New York Times foi outro passo em frente muito interessante. É claro, está a ser criticado por historiadores profissionais: errou nesse detalhe, esqueceu-se de dizer isto e por aí adiante. Não importa. Foi um reconhecimento poderoso do que 400 anos de tratamento cruel significaram para afro-americanos e que legado permanece. Esta é uma descoberta verdadeira. Alguns anos antes, não havia nada igual. Todos estes são passos em frente.
Você conclui o capítulo sobre mudança social em Consequências do Capitalismo com a velha toupeira de Karl Marx. “Nós reconhecemos a nossa velha amiga, a nossa velha toupeira”, escreveu ele, “que sabe tão bem como trabalhar no subterrâneo, para aparecer repentinamente: a revolução”.
Marx tinha uma imagem do espírito revolucionário que está mesmo abaixo da superfície. Regressando a Hume, há o consentimento, e o poder é baseado em consentimento – mas por trás do consentimento há uma afirmação recorrente: eu não quero isso. Não quero ser comandado por um mestre. E não é preciso muito para esse pensamento avançar. E quando avança, há tipos de mudanças que realmente fazem uma sociedade avançar.
Então, a velha toupeira está escavando lá em baixo e isso pode tomar diversos caminhos. Olhe o histórico dos primeiros dias do movimento de trabalhadores, no século XIX e no início da Revolução Industrial. O tema principal do movimento trabalhista é que ter um trabalho é um ataque terrível aos nossos direitos pessoais e dignidade. Ter um trabalho não é algo que você espera ansiosamente. É algo que você pode ser forçado a ter, mas é um ataque à nossa dignidade enquanto seres humanos, aos nossos direitos como seres humanos livres. Ter um trabalho significa ser forçado a viver sob o ordenamento de mestres pela maior parte de sua vida. Não há nada de maravilhoso nisso. Os trabalhadores especializados do final do século XIX tinham uma imprensa muito vivaz. Expressavam a sua esperança de que, com o tempo, as pessoas não iriam sucumbir a esse ataque aos seus direitos – que não aceitariam como normal a ideia de que se devem sujeitar a um mestre.
Bem, esse dia chegou. As pessoas de facto pensam que ter um trabalho é a melhor coisa na vida. Mas acho que a velha toupeira de Marx está mesmo abaixo da superfície. Se há uma oportunidade para pensar sobre isso, de reconhecer a possibilidade de não ter que se sujeitar a um mestre, de comandar a sua própria vida, de comandar as suas próprias empresas, ela continua a aproximar-se da superfície. As greves de braços-cruzados de quando eu era criança durante a Depressão, foram um passo em direção a uma ideia: não precisamos dos nossos chefes, podemos tomar esse lugar e comandá-lo – o que é verdade.
É aí que as atitudes mudam e o apoio às medidas do New Deal realmente cresce na população. É quando o Supremo Tribunal parou de bloquear todas essas medidas, quando setores do capital disseram, “Olha, temos que nos acomodar com esses crescentes desenvolvimentos, ou teremos problemas”. O próximo Projeto “The Next System” que mencionei é um passo nessa direção, diz que se pode comandar as suas próprias empresas. Não precisam ser os banqueiros de Nova Iorque que decidem se a empresa se vai mudar para a China ou não. Podemos decidir: podemos decidir como vamos comandá-la.
Podemos decidir em solidariedade com os trabalhadores da China e do México. Temos interesses em comum: tornar a vida melhor para todos. Muitos sindicatos têm a palavra “internacional” nos seus nomes. Os nomes normalmente não significam muito, mas podem significar muito e podem ser trazidos à tona. E é importante nesse momento. Estamos num período no qual o internacionalismo está no primeiro plano. Lidar com a pandemia, lidar com o aquecimento global: são questões internacionais, temos que resolvê-las juntos. Não se pode fazer isso somente num lugar. Não se pode parar o aquecimento global somente no ocidente. A pandemia não tem fronteiras. Os direitos laborais não têm fronteiras. Podemos trabalhar juntos nisso. Essa é a direção que devemos seguir.
Marx tinha uma imagem do espírito revolucionário que está mesmo abaixo da superfície. Regressando a Hume, há o consentimento, e o poder é baseado em consentimento – mas por trás do consentimento há uma afirmação recorrente: eu não quero isso. Não quero ser comandado por um mestre. E não é preciso muito para esse pensamento avançar. E quando avança, há tipos de mudanças que realmente fazem uma sociedade avançar.
Então, a velha toupeira está escavando lá em baixo e isso pode tomar diversos caminhos. Olhe o histórico dos primeiros dias do movimento de trabalhadores, no século XIX e no início da Revolução Industrial. O tema principal do movimento trabalhista é que ter um trabalho é um ataque terrível aos nossos direitos pessoais e dignidade. Ter um trabalho não é algo que você espera ansiosamente. É algo que você pode ser forçado a ter, mas é um ataque à nossa dignidade enquanto seres humanos, aos nossos direitos como seres humanos livres. Ter um trabalho significa ser forçado a viver sob o ordenamento de mestres pela maior parte de sua vida. Não há nada de maravilhoso nisso. Os trabalhadores especializados do final do século XIX tinham uma imprensa muito vivaz. Expressavam a sua esperança de que, com o tempo, as pessoas não iriam sucumbir a esse ataque aos seus direitos – que não aceitariam como normal a ideia de que se devem sujeitar a um mestre.
Bem, esse dia chegou. As pessoas de facto pensam que ter um trabalho é a melhor coisa na vida. Mas acho que a velha toupeira de Marx está mesmo abaixo da superfície. Se há uma oportunidade para pensar sobre isso, de reconhecer a possibilidade de não ter que se sujeitar a um mestre, de comandar a sua própria vida, de comandar as suas próprias empresas, ela continua a aproximar-se da superfície. As greves de braços-cruzados de quando eu era criança durante a Depressão, foram um passo em direção a uma ideia: não precisamos dos nossos chefes, podemos tomar esse lugar e comandá-lo – o que é verdade.
É aí que as atitudes mudam e o apoio às medidas do New Deal realmente cresce na população. É quando o Supremo Tribunal parou de bloquear todas essas medidas, quando setores do capital disseram, “Olha, temos que nos acomodar com esses crescentes desenvolvimentos, ou teremos problemas”. O próximo Projeto “The Next System” que mencionei é um passo nessa direção, diz que se pode comandar as suas próprias empresas. Não precisam ser os banqueiros de Nova Iorque que decidem se a empresa se vai mudar para a China ou não. Podemos decidir: podemos decidir como vamos comandá-la.
Podemos decidir em solidariedade com os trabalhadores da China e do México. Temos interesses em comum: tornar a vida melhor para todos. Muitos sindicatos têm a palavra “internacional” nos seus nomes. Os nomes normalmente não significam muito, mas podem significar muito e podem ser trazidos à tona. E é importante nesse momento. Estamos num período no qual o internacionalismo está no primeiro plano. Lidar com a pandemia, lidar com o aquecimento global: são questões internacionais, temos que resolvê-las juntos. Não se pode fazer isso somente num lugar. Não se pode parar o aquecimento global somente no ocidente. A pandemia não tem fronteiras. Os direitos laborais não têm fronteiras. Podemos trabalhar juntos nisso. Essa é a direção que devemos seguir.
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