30 de junho de 2023

O conjunto dos Power Rangers era um foco de exploração laboral

Power Rangers foi incrível e viverá em nossos corações para sempre. Mas, infelizmente, também contou com trabalhadores não sindicalizados e um ambiente completamente precarizado, onde os atores recebiam centavos, trabalhavam duro, sofriam bullying homofóbico e quase se incendiaram.

Clipper Arnold

Os rangers se preparam para a batalha em uma cena da série de televisão Mighty Morphin Power Rangers, por volta de 1993. (Fox / Getty Images)

Nos anos 90, o programa de TV Mighty Morphin Power Rangers se tornou uma das franquias infantis mais lucrativas da história, alcançando milhões de espectadores e vendendo grandes quantidades de bonecos de ação. Suprassumo das mídias infantis da época, o programa se tornou quase sinônimo de ser uma “criança dos anos 90” e continua a ter um valor nostálgico para a geração Y.

Mas, do ponto de vista trabalhista, o programa foi um desastre. Como talvez não seja nenhuma surpresa para os espectadores das mais recentes greves de roteiristas e atores de Hollywood, o set foi atormentado por salários baixos e maus-tratos aos atores. As atuais paralisações do Writers Guild (WGA) e do Screen Actors Guild (SAG-AFTRA) nos convidam a refletir sobre os locais de trabalho e os acordos trabalhistas nos bastidores do entretenimento televisivo e cinematográfico — muitos dos quais, como a história dos Power Rangers demonstra, são marcados por amargas lutas da classe trabalhadora.

A franquia de super-heróis live-action foi trazida para os EUA pelos criadores Haim Saban e Shuki Levy sob a bandeira da Saban Entertainment, e estreou na Fox Kids em agosto de 1993. Ela pegou muitas cenas emprestadas do popular programa japonês Kyōryū Sentai Zyuranger, que fazia parte da longa série Super Sentai.

Legiões de crianças sintonizaram para assistir super-heróis das artes marciais que vestiam cores brilhantes lutando contra monstros gigantes e alienígenas. Em 1993, o programa capturou as maiores classificações da Nielsen para um programa de TV infantil naquele ano. Uma parceria com a Bandai para a produção de brinquedos (com base nas linhas de produção existentes da empresa para Zyuranger no Japão) também provou ser extremamente lucrativa. O programa e sua linha de brinquedos se tornaram um grande fenômeno e, em 1995, as vendas de produtos Power Rangers renderam mais de US$ 1 bilhão por ano.

Enquanto isso, os atores de Power Rangers eram severamente mal pagos, não recebiam parte dos royalties e compensações financeiras, e submetidos a um ambiente de trabalho extenuante sob condições perigosas. Eram atores jovens e inexperientes trabalhando em um set não sindicalizado, e a produção de baixo orçamento foi rápida em cortar custos e tirar vantagem da disposição deles de trabalhar por exposição.

Apesar de terem seus rostos em bonecos de ação, muitos dos atores originais rapidamente se viram com os bolsos vazios enquanto a produtora lucrava. Tentativas de sindicalização ou negociação de contratos levaram a desistências e personagens sendo substituídos. Os atores originais não receberam royalties nem compensação por suas imagens serem usadas em merchandising. O programa em si era enorme, mas os atores que o tornaram possível acabaram sendo deixados para trás.

Como Walter Jones, que interpretou Zachary Taylor, o Power Ranger negro, disse ao Huffington Post em 2014: “Eles ganharam cerca de um bilhão de dólares no primeiro ano com merchandising, e quando temos brinquedos, parques, videogames, histórias em quadrinhos e todas essas coisas com a nossa imagem, começa a fazer sentido que deveríamos pelo menos ter um acordo sindicalizado, então seria justo.”

“Não fomos bem remunerados, de forma alguma. Eu poderia ter trabalhado no balcão do McDonalds e provavelmente ganhado a mesma quantia que ganhei na primeira temporada”, disse Austin St John, que interpretou Jason Lee Scott, o Power Ranger vermelho. Ele acrescentou: “[Saban] simplesmente não tinha absolutamente nenhuma consciência sobre ganhar bilhões usando nossos rostos porque foi ideia dele e ele era o dono… Que se dane todo mundo que o estava ajudando a ganhar esse dinheiro.”

Karan Ashley, que interpretou Aisha Campbell, a segunda Power Ranger amarela, contou em uma entrevista para um site de fãs de super-heróis negros em 2011 que trabalhava seis dias por semana, durante doze a quinze horas diárias, na produção não sindicalizada.

Amy Jo Johnson, que interpretou Kimberly Hart, a Power Ranger rosa, disse aos apresentadores de um podcast de fãs de Power Rangers em 2012 que os atores recebiam cerca de US$ 600 nas semanas em que filmavam dois episódios completos, e nenhuma compensação a mais. Além de não terem um sindicato, alguns deles também não tinham agentes para representar seus interesses financeiros em negociações com o estúdio.

Johnson também revelou que os atores foram chamados para trabalhar na manhã de um devastador terremoto em Los Angeles em 1994. Eles apareceram mas a equipe de produção não, e o episódio não foi filmado.

Sem proteções sindicais, os atores trabalhavam, de acordo com os relatos, de setenta e duas a noventa horas por semana, potencialmente por cerca, ou menos, do que um salário mínimo. Sem pagamento por episódios recorrentes ou merchandising, eles se tornaram os rostos de um negócio de mais de um bilhão de dólares, mas lutavam para sobreviver.

Na entrevista para o Huffington Post, St John disse que estava “bem” financeiramente fazendo aparições — no começo. “Depois que as aparições acabaram, eu praticamente cheguei ao fundo do poço. Foi quando eu conheci a realidade do ator faminto. Tive um sucesso enorme, pelo menos sucesso na indústria, mas nunca fui pago por isso.” Ele também menciona que chegou a ter que dormir em seu carro por um tempo. Como descreveu, “Trabalhamos o tempo todo. Trabalhamos longas, longas horas em um programa não sindicalizado. E nunca receberemos o que deveríamos ter recebido.”

Antes de Saban começar o filme Power Rangers, os atores receberam contratos que Jones descreveu como “não muito bons”. Houve conversas sobre sindicalização e obtenção de representação que não deram certo. “Três de nós acabamos negociando e três de nós ficamos”, disse Jones. “E eventualmente o que aconteceu é que nós apenas negociamos os contratos e seguimos em frente.”

Durante a segunda temporada, na preparação para o filme, Jones, St John e Thuy Trang, que interpretou Trini Kwan, a primeira Power Ranger amarela, pediram aumentos salariais, que foram negados, então deixaram o show. Na continuidade do programa, novos Rangers foram estranhamente introduzidos para substituir metade da equipe, que os roteiristas enviaram repentinamente para uma “Conferência de Paz” no exterior.

David J. Fielding, que interpretou o mentor dos Rangers, Zordon, recebeu apenas US$ 150 por um dia de filmagem que eventualmente seria usado em cerca de 150 episódios. Mais tarde, ele foi pago por algum trabalho de voz e, no final, ganhou cerca de US$ 1.000 a US$ 1.200 com seu trabalho no programa. Novamente, sem contratos adequados em vigor, seu rosto foi usado em merchandising e em episódios recorrentes, mas ele não recebeu compensações ou royalties.

As questões de um ambiente não sindicalizado também transcendiam o pagamento. David Yost, que interpretou Billy Cranston, o Power Ranger azul, disse à Entertainment Weekly em 2010 que ele sofria rotineiramente tratamento homofóbico e insultos no set, o que o fez sair:

O motivo pelo qual saí foi ter sido chamado de “v…” muitas vezes. Eu ouvi isso de criadores, produtores, escritores, diretores muitas vezes enquanto trabalhei no programa… Continuar trabalhando em um ambiente como esse é realmente difícil… Basicamente, eu só sentia que estava continuamente sendo comunicado de que não era digno de [estar] onde estava porque sou gay. E eu não deveria ser um ator. E eu não sou um super-herói… Estava preocupado que pudesse tirar minha própria vida. Para que pudesse entender o que estava acontecendo, eu precisava ir embora quando fui. Foi por isso que deixei o programa.

Yost também diz que vários de seus colegas de elenco foram puxados para uma sala e questionados pela gerência sobre sua sexualidade, o que o fez se sentir extremamente desconfortável. Ambientes de trabalho hostis e discriminatórios como esses são casos em que representantes sindicais podem intervir e frequentemente o fazem.

O set também era fisicamente inseguro. Johnson diz que quase se queimou durante as filmagens de Power Rangers: O Filme em 1995, quando um efeito pirotécnico deu errado. “Era como uma máquina e de repente começou a soltar fumaça”, ela disse a um site de notícias australiano em 2018. “Eu conseguia ver fumaça pelo canto dos meus olhos, eu estava tipo ‘o que está acontecendo?’, e então percebemos que a máquina estava pegando fogo.” Ela acrescentou que incidentes como esse “nunca aconteceriam em um set sindicalizado”.

Johnson escreveu na Variety em 2017 que ela é grata pela chance de ter sido a Ranger rosa, “apesar do fato de que era uma série de televisão não sindicalizada e eu recebia uma ninharia e quase morria algumas vezes por causa das acrobacias improvisadas de baixo orçamento que fazíamos”.

No início deste ano, Yost disse ao Guardian: “Quando filmamos, não tínhamos muitas proteções, não tínhamos seguro de saúde”. Depois que Yost sofreu uma fratura no nariz em uma briga de bar no meio das filmagens da primeira temporada, Saban “percebeu que ‘talvez devêssemos dar a essa garotada um estipêndio, uma certa quantia de dinheiro que elas podem utilizar para obter seguro de saúde’. Essa situação os acordou, mas infelizmente nunca o suficiente para lidarem com o sindicato”.

Em 1998, a SAG emitiu uma declaração contra a Saban, alegando que a empresa explorava atores mirins e seus pais ao se recusar a pagar taxas sindicais e “pagar muito mal os artistas”. A SAG proibia atores sindicalizados de trabalhar em qualquer produção da Saban ou projeto afiliado.

Em 2018, a Hasbro adquiriu os direitos de Power Rangers. Com a troca de mãos, a produção se tornou filiada ao sindicato pela primeira vez. Em 2023, Mighty Morphin Power Rangers: Agora e Sempre foi lançado na Netflix. O filme é um especial de aniversário de trinta anos que apresenta Yost, Jones e outros Rangers. O programa foi filmado sob o acordo SAG-AFTRA para programação independente de vídeo sob demanda por assinatura de alto orçamento.

Yost disse ao Guardian: “Sou muito grato à Hasbro por me ouvir e levar a sério o trabalho de fazer [Agora e Sempre] sob os contratos e regras do Screen Actors Guild Union — essa é a grande diferença.” Agora, roteiristas e atores envolvidos em Power Rangers podem se envolver em negociações coletivas por melhores contratos e proteções no local de trabalho.

Ainda assim, embora os sets sindicalizados sejam melhores para os trabalhadores do que os sets não sindicalizados, as recentes greves mostram que até mesmo os locais de trabalho sindicalizados têm problemas trabalhistas. Os atores do SAG entraram em greve em 2023 por melhores salários e contratos, o recebimento de melhores compensações das plataformas de streaming e uso de inteligência artificial para reproduzir suas imagens. Os sindicatos não são uma bala de prata; em vez disso, são uma oportunidade de lutar e, possivelmente, conquistar melhorias nessas questões, enquanto os atores em sets não sindicalizados, como os Power Rangers originais, não têm essa oportunidade.

Power Rangers foi um programa vibrante e inspirador que ocupa um lugar especial no coração de muitos millennials. Mas foi produzido, como tudo que requer trabalho, em um local de trabalho específico. Em todos os setores, da logística ao varejo e entretenimento, os trabalhadores precisam consolidar o poder e afirmar seus direitos de negociar coletivamente por melhores condições. Caso contrário, os trabalhadores rumam para o fundo do poço, não importa quantos bonecos de ação sejam feitos deles.

Colaborador

Clipper Arnold é um editor, escritor, músico, artista e designer de jogos que atualmente mora no Brooklyn, Nova York.

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