Uma entrevista com
Lyle Goldstein
Uma entrevista de
Branko Marcetic
Branko Marcetic
Tradução / Como o previsto, Pequim não respondeu bem à viagem de Nancy Pelosi a Taiwan.
Impôs novas restrições comerciais ao embarcar numa série exercícios militares por dias inteiros no entorno da ilha, de onde foram vistos quatro mísseis chineses sobrevoar o seu território. No último dia 02 de agosto, Pequim sancionou Pelosi e a família dela e cortou diálogo com Washington acerca de questões militares e de mudança climática, potencialmente retrocedendo nos esforços internacionais para lidar com as ameaças mais sérias e urgentes para a segurança global.
A provocativa visita de Pelosi ocorreu diante de numerosos avisos de especialistas, como Lyle Goldstein. Goldstein, que pesquisa o desenvolvimento das estratégias militares russa e chinesa e ensinou no US Naval War College [Colégio de Guerra Naval] por 20 anos, que falou com Branko Marcetic, da Jacobin, logo após a visita de Pelosi.
Goldstein explica o significado tenso que os líderes chineses atribuem a Taiwan, o risco de guerra nuclear e o porquê os Estados Unidos podem muito bem perder uma guerra com a China na ilha.
Branko Marcetic
Por que a China considerou a viagem de Nancy Pelosi tão provocativa?
Lyle Goldstein
Muitas pessoas ainda estão genuinamente surpresas, até eu estou um pouco. Pensei que Pequim pudesse apenas mandar uma centena de aeronaves ou algo assim, mas a reação parece ser em larga escala e envolve diversos movimentos sem precedentes.
Mas, se você lê chinês e vê o que eu tenho visto nos últimos cinco anos, não é surpreendente. Eu diria que, há pelo menos cinco anos ou mais, nós estamos numa crise que se desenrola devagar, em que o tema Taiwan, em particular, e das relações entre China e Estados Unidos, em geral, estão escalando para um nível muito perigoso. A China vê isso como mais um golpe contra os moldes da Política de Uma China, e eles não gostam de tendências dessa linha. Muitas pessoas dizem “Newt Gingrich foi lá em 1997, há precedente, qual é o problema?”, mas não é assim que a China enxerga. A abordagem deles é, em 1997 mal tinham uma marinha de que falar e não podiam fazer nada. Eles sentem que agora têm poder para ajustar a situação.
Hong Kong fez com que muitos líderes chineses e o PLA [Exército de Libertação Popular, as forças armadas chinesas] consignassem a estrutura um país, dois sistemas, o que, eu penso, foi útil para todos os lados, para a lixeira da história – concluindo que a integração e a unificação pacíficas são impossíveis, e que o uso da força é a única solução. Essa é uma visão muito sombria, mas eu temo que ela se infiltre cada vez mais.
Deveríamos, sob qualquer condição, pressionar a China a mudar essa visão, mas parece que estamos fazendo o oposto, agravando os seus medos e enviando visitantes de cargos cada vez mais altos. As pessoas não imaginam: enviamos dois senadores – e esse não é um cargo baixo na estrutural estatal dos Estados Unidos – a Taiwan dois meses atrás, e a China mostrou os punhos e usou linguagem agressiva. Mas isso não apareceu na mídia mainstream.
No Twitter, tomei como missão pessoal documentar todas as ameaças que a China fez a Taiwan. Ao menos uma vez por semana, você pode ver algo como: “O PLA tem força e capacidade para assegurar a unificação nacional.” Ao longo do último ano, essas afirmações apareceram muitas vezes, porém foram intencionalmente ignoradas pela imprensa do Ocidente, porque eles não conseguem entender, recusam ou não querem saber.
Num mundo com armas nucleares, ignorar abertamente os avisos do outro lado é uma imprudência inacreditável e potencialmente catastrófico.
Branko Marcetic
Por que Taiwan é um limite para a China?
Lyle Goldstein
Eu acho que pessoas razoáveis, até historiadores, têm discordâncias quanto a isso. Eu não quero fingir que este seja um caso de simples certo ou errado. Como os países alcançam sua forma? Um grande caldeirão de guerras emaranhadas, para dizer o mínimo, é o que levou a maioria dos países a terem a forma que têm.
A China tem mais ou menos essa forma há alguns milhares de anos, e por isso o chinês é muito sensível a questões de integridade territorial. E claro, adicione a isso o período de predação europeia – a maioria das pessoas não percebe, mas os Estados Unidos estavam bastante envolvidos. Mais ou menos de 1850 a 1920, quase um século, havia a Marinha dos Estados Unidos patrulhando o [rio] Yangtzé, o que envolvia canhoneiras operando em conjunto com a marinha britânica, e estávamos policiando a China. Era uma forma de imperialismo, e se os nativos se agitassem, as canhoneiras os cercariam. Havia uma miríade de casos em que os Estados Unidos agiam com os japoneses e os britânicos para suprimir as rebeliões.
A pilhagem europeia foi seguida pela pilhagem derradeira do Japão, que conquistou grande parte da China. Onde isso começou? Em Taiwan, e a China se lembra bem disso. Para os leitores ocidentais não familiarizados com a conquista de Taiwan pelo Japão em 1894-1895, atrocidades medonhas foram perpetradas. Esse caso foi uma espécie de precursor da Segunda Guerra Mundial, onde os japoneses massacraram impiedosamente as pessoas em Taiwan durante o período inicial da colonização.
Os chineses têm uma animosidade particular com os japoneses, porque nunca houve um verdadeiro acerto de contas pelos crimes cometidos, não houve reparação. Mas começou em Taiwan, e por isso é um ponto focal do nacionalismo chinês que, e grande medida, é construído sobre um sentimento antijaponês. E eu sempre noto que as plateias chinesas agradecem parcialmente aos Estados Unidos por terem salvado a China do Japão. Então, essa história não tem um lado só.
Em 1683, a Dinastia Qing tomou definitivamente Taiwan. Mas já havia muitos chineses na ilha, e ela foi integrada ao império chinês e depois se tornou uma de suas províncias. Isso foi quase um século antes da Revolução Americana e muitos anos antes de os Estados Unidos sequer pensarem sobre o Havaí ou a Califórnia; Taiwan já era parte da China. Então a afirmação é forte.
Não foi apenas em 1972, com o Comunicado de Xangai, que os Estados Unidos endossaram a ideia de que Taiwan era parte da China. Peço aos americanos e às pessoas do mundo todo que leiam as alegações de Franklin Roosevelt na Declaração do Cairo e de Harry Truman em seu discurso de janeiro de 1950, onde ele afirma claramente que Taiwan é parte de China que foi tomada pelo Japão imperial.
Branko Marcetic
Se as tensões aumentassem e houvesse uma guerra entre Estados Unidos e China por causa de Taiwan, como isso seria de fato?
Lyle Goldstein
Eu trabalhei no US Naval War College por vinte anos, pesquisando o desenvolvimento naval e militar chinês, então eu sou bem versado em todos os sistemas deles.
A razão óbvia é geográfica. A China está travando uma guerra, como eles colocam, bem na porta de casa, e podem trazer todo o seu imenso poderio de guerra para resistir, a força da China não está apenas na mão de obra e na logística, mas estamos falando de aeronaves de combate, helicópteros e todo tipo de navio que você puder imaginar. Qualquer localidade da China está, basicamente, a um dia de navegação de Taiwan.
Compare isso com os Estados Unidos. Temos uma força militar imensa, mas não podemos lavá-la a campo, e mesmo se pudéssemos isso se sustentaria? Até os submarinos, que são a nossa grande cartada – a única força que pode ir para o campo de batalha e lutar fortemente contra uma invasão – não teriam apoio. Rapidamente, ficariam sem torpedos, já que submarinos não têm depósitos grandes, restando desmuniciados e, assim, seriam forçados a navegar de volta por vinte ou trinta dias para reabastecer e reaver suprimentos, e depois mais vinte ou trinta dias outra vez. Portanto, mesmo a força mais preparada para lutar não pode suportar isso.
A situação fica muito mais desesperadora quando falamos do que a força aérea ou o exército podem levar para a batalha: quase nada. Não vamos nos esquecer que a força aérea é totalmente dependente de pistas de pouso e decolagem. E embora haja alguns engenheiros da força aérea rodeando Tiniã [uma das Ilhas Marianas do Norte, a quase 3 mil quilômetros da costa da China] – de onde o Enola Gay partiu para atirar a bomba atômica – assim que começarmos a agir com as forças aéreas lá, eles estariam a postos. Posso falar para você uma citação deles: “É só adicionar na lista de alvos”
E todas as pistas próximas seriam destruídas: falo de Guam, Okinawa e lugares mais longes. A China agora tem a capacidade de mirar o Havaí e o Alasca. E digo que pode acontecer no primeiro ou até o sétimo dia de conflito. Informei um general da força aérea, dizendo: “O senhor está ciente de que os ativos mantidos no Alasca provavelmente seriam alvejados em uma ou duas semanas de guerra com a China?”. Ele ficou surpreso, mas não deveria. Revidar é justo, e eles [chineses] atacariam esses alvos.
É uma maneira de dizer que os Estados Unidos não estão com o maior poder de fogo e nem com a maior capacidade de empregar o que tem, e por isso a imprensa tem mostrado repetidamente que a China quase sempre vence os jogos de guerra. Isso é um mau sinal. Temos que lidar com a realidade, e a realidade é que a China dispõe de grandes cartas militares no cenário de Taiwan.
Muitas pessoas apontam para a guerra na Ucrânia. Taiwan é quinze vezes menor que a Ucrânia. Um dos principais problemas da Rússia é ter espalhado muito pouco suas forças, e o poder de fogo está disperso, porque a Ucrânia é um país enorme. No caso de Taiwan, o poder de fogo estaria muito mais concentrado em uma área pequena, e metade de Taiwan é montanha, então é uma área ainda menor. Além disso, o orçamento militar da China é cerca de cinco vezes maior que o da Rússia, e as remessas de armas para Taiwan podem ser facilmente cortadas. Você não vai querer estar em Taiwan quando isso acontecer.
Branko Marcetic
Qual é o risco de uma escalada nuclear em Taiwan?
Lyle Goldstein
Tantas pessoas ignoram essa possibilidade, o que é uma completa irresponsabilidade. Se eu fosse culpar Pelosi por alguma coisa, seria por isso: na era nuclear, esse tipo de postura é ridícula e deve ser amplamente condenada.
Pode-se pensar que um cenário nuclear se desdobraria de várias maneiras. Uma que me tira o sono atualmente é que, no campo dos estudos militares Estados Unidos-China, não falamos muito sobre armas nucleares táticas, mas os estrategistas chineses falam delas hoje em dia, especialmente porque eram uma característica da rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética.
Os chineses perceberam que nós, americanos, voltamos a colocar armas nucleares táticas em nossos submarinos e escreveram muito sobre isso. Eles disseram: “Esse é bem o tipo de arma que os Estados Unidos poderiam implantar em Taiwan”. E eles dizem: “Se os Estados Unidos forem por esse caminho, outros países também irão” – uma referência óbvia ao fato de a China estar desenvolvendo armas semelhantes e de que estará pronta para esse dia. Não me foi confirmado que eles tenham implantado armas nucleares no campo de batalha – apenas suspeito, e eles ameaçaram implantar, e tenho muito mais evidências para mostrar.
O que isso significa é, se começar uma guerra entre China e Estados Unidos, se um dos lados começar a perder – digamos que seja o nosso, e eles [chineses] afundem um porta-aviões, e pareça que a invasão está tendo sucesso – um de nossos submarinos a milhares ou centenas de quilômetros de distância lança uma arma nuclear no campo de batalha que atinge a força invasora, e eles respondem na mesma moeda contra Guam ou o Havaí? Poderia acontecer o oposto: se a China invadir e a invasão estiver demorando ou perdendo, e as forças americanas estiverem entrando na área, eles dizem: “Não podemos perder do jeito que Vladimir Putin parecia estar no Estágios iniciais”? Temos que nos perguntar, na era nuclear, nesse ponto a China recorreria a algum tipo de uso nuclear para alertar os outros. Temo que a China possa usar a cartada nuclear contra o Japão.
Mais uma coisa: a China está desenvolvendo seu poderio nuclear muito energicamente. É uma pena – eu não acho que tinha que ser assim, porque antes a China era bastante orgulhosa de seu baixo nível de poder de dissuasão nuclear. Mas eles acham que a probabilidade de uma guerra com os Estados Unidos é bem alta, principalmente em relação a Taiwan, e querem se igualar aos EUA em força.
Uma guerra nuclear também pode acontecer por acidente. Muitos analistas dos Estados Unidos estão falando sobre como a China coloca cada vez mais ogivas nucleares com ogivas convencionais – elas voam no mesmo míssil. Então, como sabemos se os mísseis chineses voando em Guam ou no Havaí, como é possível nesse cenário, não estão carregando uma arma nuclear? Você tem minutos para decidir o que fazer.
O acúmulo de defesas antimísseis também estimulou armamentos cada vez mais exóticos. Há um movimento em direção ao armamento hipersônico, e os chineses estão, como os russos, obcecados em como penetrar as defesas antimísseis. Uma maneira é destruir os radares de defesa antimísseis na salva inicial de bombardeio. Portanto, há incentivos à escalada perturbadores embutidos aqui.
Branko Marcetic
A relação China-Estados Unidos, presume-se, não tem as salvaguardas e mecanismos da era da Guerra Fria para evitar a escalada e evitar conflito.
Lyle Goldstein
Um analista chinês me disse que os Estados Unidos e a China nunca tiveram uma crise como a Crise dos Mísseis de Cuba. Aquele foi um momento extremo. Ambos os lados avaliaram o cenário de apocalipse, e não tenho dúvida de que o mundo poderia ter sido destruído naquele momento. Quanto mais aprendemos sobre esse episódio, mais horrível ele fica.
Eu entrevistei um capitão de submarino russo que estava literalmente com o dedo no gatilho de um torpedo com armas nucleares projetado para atingir o grupo anfíbio dos Estados Unidos na costa de Cuba, e a marinha estadunidense nem sabia que a Rússia havia implantado armas nucleares táticas na crise. Estávamos operando totalmente às cegas naquele estopim para uma guerra nuclear. E, provavelmente, isso vale para Taiwan. Nós não sabemos exatamente quais armas eles têm, e eles também não sabem quais nós temos. Os dois os lados escondem algumas cartas na manga.
Branko Marcetic
Tem um estudo de 1966 sobre o planejamento de guerra dos Estados Unidos para a invasão chinesa de Taiwan nos anos 1950, na qual oficiais concordam que rapidamente lançariam mão de ataques nucleares sobre a China. Os estrategistas e líderes militares dos Estados Unidos também discutiriam isso hoje?
Lyle Goldstein
Acho que foi uma revelação importante e mostra algo sobre esse cenário. As pessoas que conhecem a história dos anos 1950 sabem que, nos níveis mais altos, o presidente estava pensando em ordenar ataques nucleares à China por causa dessas questões relacionadas a Taiwan. Digo relacionadas porque era principalmente sobre essas ilhas em alto-mar. Dwight D. Eisenhower e outros líderes americanos, felizmente, perceberam que isso era loucura, que era usar arma nuclear para defender uns rochedos pequenos.
Mas não parou por aí. Sabemos, hoje, que implantamos armas nucleares em Taiwan; acho que ficaram lá por sete ou oito anos, esses mísseis táticos Matador. Em certo nível, brilhante: é assim que você defende Taiwan, já que não pode colocar lá poder de fogo suficiente para afundar toda a frota chinesa e impedir uma invasão, então você usa armas nucleares.
Felizmente, os mísseis foram retirados, como parte da diplomacia de Henry Kissinger. Mas isso mostra o princípio fundamental aqui, os Estados Unidos nesse cenário não podem usar o poder de fogo suficiente para vencer, a menos que recorram a armas nucleares. Já se entendia isso na década de 1950, e nada mudou.
Vi especulações frívolas na imprensa militar de que nenhum país jamais pensaria em afundar um porta-aviões dos Estados Unidos, com 5 mil americanos, e com certeza isso implicaria retaliação nuclear. Bem, e se a China tivesse a ideia de afundar dois, ou três, ou cinco porta-aviões. Não quero nem pensar nisso, mas é bem possível.
Há uma chance bem significativa de os Estados Unidos perderem uma guerra por Taiwan.
Um dos piores cenários que considerei ao longo dos anos é se a China danificar gravemente um porta-aviões, e ele estiver afundando, e tivermos que resgatar as 3 ou 4 mil pessoas nadando em algum lugar no mar da China Oriental. Você vai ter que montar uma força-tarefa de quinze ou vinte navios para realizar essa missão de resgate. Mas é claro que, na guerra naval moderna, quando o inimigo sabe onde todos os navios estão, eles são facilmente alvejados. Num cenário assim pode-se perder pelo menos metade da marinha dos Estados Unidos.
Vamos inverter os lados: e se os Estados Unidos afundarem um cargueiro chinês. Isso poderia implicar uma escalada nuclear? Cada vez mais, quando se fala sobre esse tipo de perda, a China poderia. Não sabemos qual é o limite nuclear. Nunca houve uma grande guerra travada entre potências nucleares. Muitas vezes, quando lido com líderes militares estadunidenses, conto o que se dizia durante a Crise dos Mísseis de Cuba: “Você e eu lutamos o mesmo número de guerras nucleares, então, por favor, não me diga que sabe o que vai acontecer”.
Branko Marcetic
O que podemos ou devemos aprender com a crise e, em última análise, com a guerra na Ucrânia, e que podemos aplicar a essas tensões crescentes com a China?
Lyle Goldstein
Ouço essa pergunta o tempo todo, mas de uma forma diferente: como a guerra na Ucrânia pode nos ensinar a defender Taiwan adequadamente? Como se na hipótese de termos enviado todas essas armas para a Ucrânia não agora, mas há cinco anos, a Rússia nunca teria considerado entrar em guerra. Não acho que seja verdade e, de fato, acho que o acúmulo de armas durante novembro, dezembro e janeiro, inclusive, provocou parcialmente o conflito. A mesma coisa poderia ocorrer no contexto de Taiwan. Você está apenas agitando um pano vermelho na frente de um touro. Você está tentando restringir suas opções militares e, portanto, pressionando o dilema de segurança ao ápice.
A principal lição que precisamos aprender é que simplesmente não se pode transgredir os limites das grandes potências à toa. Para mim, é muito gritante. Divulguei o discurso de Putin sobre os limites, começando por volta de 2020, pelo Naval War College, onde trabalhei, porque vi que minha função era dizer aos meus colegas: “haja o que houver, é melhor você entender os limites da Rússia”. Porque era muito claro que estávamos nos aproximando deles. E nós mais ou menos os ultrapassamos, os ignoramos, dissemos: “É uma boa postura, é inaceitável, você não pode dizer isso”. Esse tipo de abordagem é mais do que tola, é catastrófica para os povos da Europa Oriental, da Ucrânia e da Rússia.
Isso leva ao argumento das esferas de influência. Argumentei em meu livro em 2015 que as esferas de influência são o único caminho para gerenciar conflitos com a China e a Rússia. Você não pode aceitar ou deixar de aceitar as esferas de influência, elas são um fato do mundo. E então você tem que alinhar suas políticas para aceitar isso, porque quando você luta contra isso, está nadando contra a maré, e isso leva a desastres horríveis como o da Ucrânia.
Existem algumas lições específicas do ponto de vista militar. Concordo que Javelins e Stingers e coisas assim têm certa utilidade com relação a Taiwan, embora eu avise que empilhar essas armas pode desencadear o que você está tentando evitar. Taiwan deve investir em tecnologia antidrones? Claro. Pode-se trabalhar com várias lições, mas não tenho muita esperança de que Taiwan possa começar a se igualar em poder militar com os chineses. Taiwan acabou de ultrapassar 2% em gastos com defesa, mas para realmente se igualar à China de alguma forma teria que ultrapassar 10% do PIB e continuar assim por uma década. Nesse ponto, os taiwaneses podem ter uma chance. Caso contrário, não vejo nenhuma possibilidade real.
Portanto, a verdadeira lição para Taiwan não é um acúmulo maciço – acho que eles teriam de fazer como a Coreia do Norte: cavar e despejar concreto em todos os lugares, e mais ou menos destruir a ilha para salvá-la. A principal lição é a diplomacia, é claro. Tantas oportunidades foram perdidas para evitar a guerra na Ucrânia. Para dizer o óbvio, se eles tivessem simplesmente declarado que a Ucrânia seria um Estado neutro, qual teria sido a dificuldade disso? Há muitos exemplos de países neutros que estão muito felizes e muito bem armados. Essa era uma opção completamente viável, mas simplesmente não se encaixava em nossa ideologia. A ideia de que podemos reconhecer um erro, que podemos nos comprometer – isso mostra fraqueza, então nunca podemos fazer isso.
Taiwan tem posições diplomáticas de todo tipo. Devemos incentivá-las. Em dezembro de 2015, os líderes de Taiwan e da China tiveram uma reunião excelente e amigável. Eles têm muito em comum. Há tantos laços através do Estreito. Milhões de habitantes do continente chegaram a Taiwan e viram como a ilha é bonita, como o ar é limpo e como é bem governada. Essa é a melhor maneira de abordar as relações do Estreito. Há compromissos de todo tipo a serem feitos, intercâmbios entre pessoas, medidas militares de construção de confiança. Tudo isso deveria ter ocorrido com a Ucrânia e a Rússia, mas não, insistimos na abordagem de confronto, e agora temos uma guerra medonha.
Branko Marcetic
A OTAN recentemente disse, pela primeira vez, que a China é um desafio de segurança, ao mesmo tempo convidou muitos países da Ásia-Pacífico para falar pela primeira em sua reunião de cúpula. Isso significa uma mudança? Representa algum tipo de expansão da missão fundamental da OTAN?
Lyle Goldstein
Tenho observado a inclinação da OTAN para o leste há vários anos, e me lembro de ver os britânicos e franceses enviarem porta-aviões e submarinos. Dei uma palestra na Alemanha há alguns anos, e as pessoas na marinha alemã me perguntaram à queima-roupa: “Estamos ansiosos para enviar um navio para o Mar da China Meridional, isso ajudaria?” E eu disse: “Não, é meio louco a Alemanha se inserir nessa questão. Certamente vai fazer mais mal do que bem.” Eles não gostaram da minha resposta. “Estávamos esperando que você fosse achar ótimo.”
Essa pequena história encapsula tal dinâmica, o que é muito perturbador. A OTAN já não tinha uma reputação das melhores na China, por várias razões que remontam ao passado. Embora de dez a quinze anos atrás, a OTAN tivesse uma relação de trabalho razoável com a China, e a União Europeia havia estabelecido alguns intercâmbios e contatos com a China realmente bons. Isso foi muito útil, e eu pedi que a Europa agisse como um amortecedor na rivalidade entre Estados Unidos e China e fosse uma amiga para ambos os lados, que dissesse a cada um para relaxar um pouco. Ajude a China a mitigar suas piores tendências nacionalistas, mas também ajude os Estados Unidos a conter seu desejo, que parece ser interminável, de rivalizar.
Eu pensei que a Europa estivesse desempenhando esse papel de forma bastante eficaz até 2016 mais ou menos. Então parece que as coisas começaram a mudar, e o discurso europeu sobre a China mudou radicalmente para a direita, tornando-se muito anti-China a ponto, eu diria, de superar até mesmo a retórica dos Estados Unidos. Achei isso muito perturbador. Eu poderia dar inúmeros exemplos, mas se você ler a revista Economist, verá que ela se tornou extremamente agressiva com a China ao longo dos anos. Na mente europeia, eles meio que associam a Rússia e a China, pelo autoritarismo em grande escala, embora os regimes russo e chinês sejam muito diferentes, então acho equivocado equipará-los.
Lembro-me de que, em 2017, enquanto a crise coreana se desenrolava, um esquadrão de navios franceses apareceu, e a cobertura chinesa foi ruim. Os europeus que lideraram a divisão da China no século XIX, e a China travou várias guerras contra a França e a Grã-Bretanha. Então, a ideia de que essas marinhas europeias estão navegando por perto desencadeia essa raiva.
O outro fenômeno aqui é a OTAN e sua busca por missões. Deus abençoe a guerra na Ucrânia, porque isso deu vida nova à OTAN e algo para fazer aos seus burocratas, embora eu ache que a diplomacia da Turquia e o jogo com a Rússia deveriam fazer as pessoas perceberem que a aliança não é tão unida e coesa quanto alguns esperariam. Em algum nível, isso tem um lado bom – a Europa deve se concentrar na Europa e tirar o nariz dos assuntos asiáticos. Em termos menos caridosos: o que você tem feito? Foi por causa dessa guinada em direção à Ásia que eles parecem ter sido pegos de surpresa na guerra com a Rússia?
Há também o efeito da torcida que é muito poderoso em Washington, qualquer coisa que os Estados Unidos façam, sempre esperamos uma salva de palmas dos europeus. Isso tem sido muito destrutivo, na minha opinião. Os Estados Unidos teriam mesmo passado vinte anos no Afeganistão sem esse efeito animador da OTAN? Metade da argumentação dos últimos dez anos da missão no Afeganistão foi: “Bem, não podemos desistir, o que a OTAN vai dizer? Não podemos deixar nossos aliados na mão.”
Sou crítico da posição da OTAN. Acho que os europeus entregaram suas cartadas diplomáticas, que eram substanciais, e a China se tornou mais cética em relação à Europa. E isso é triste, porque eu realmente pensei que a Europa pudesse ajudar a criar uma ordem mundial mais pacífica.
Branko Marcetic
Deveríamos estar muito alarmados pelo fato de a China estar procurando expandir suas bases estrangeiras e fortalecendo seu militarismo?
Lyle Goldstein
Em primeiro lugar, sempre digo às pessoas que os Estados Unidos têm por volta de oitocentas instalações militares no exterior, e a China tem uma. É tipo, me ligue quando a China conseguir mais 799. Em outras palavras, não estamos mesmo em situação de nos preocuparmos seriamente com isso. O que eu vi não me incomoda muito.
Veja a base dos chineses na África. Essa é de fato a única base estrangeira deles. Essas pequenas bases de recife no Mar da China Meridional não podem ser chamadas de bases estrangeiras. Em relação à base africana, há algumas coisas um pouco preocupantes, como a época de sua construção, essa base tem bunkers muito profundos – foi construída para servir de penitenciária.
Mas fora isso, olha, essa base fica no Djibuti. A cerca de cinco quilômetros de distância, você tem uma base americana muito grande. Logo ali perto há uma base francesa, e mais para lá, uma pequena base japonesa, e assim por diante. Todo mundo tem uma base em Djibuti. Se a China tivesse realmente projetos perversos na África, provavelmente não colocaria sua base ali, ao lado de todas essas outras, onde podemos monitorar facilmente o que estão fazendo.
Se eu tivesse que resumir a política chinesa na África, diria que eles fazem muito para manter a paz ali, e isso é difícil – e eles merecem muito crédito pela manutenção da paz. Número dois, há muitos cidadãos e empresas chinesas na África, e acho que eles se preocupam em ter que fazer o que na marinha chamamos de NEO – uma operação de evacuação de não combatentes – que pode ser de alto risco.
Minha opinião é que estamos basicamente numa guerra fria com a China, e eles estão agindo como se já estivéssemos. Estão começando a adotar um posicionamento estratégico caso tenham que lutar e atacar os Estados Unidos. Há um boato de que veremos uma base na África Ocidental. A China tem interesses legítimos em todos esses lugares, mas essa base me incomodaria? Um pouco. Não fico animado ao ver a China ter uma base no Atlântico. É um passo importante.
Mas a maior parte da culpa pela China querer mergulhar no Atlântico – estudei uma série de artigos oficiais chineses chamados Estratégia Atlântica da China. Uma das coisas que eles disseram muito claramente foi: “O Atlântico é um ponto absolutamente crítico para os Estados Unidos, e os Estados Unidos estão vindo ao nosso quintal e bisbilhotando o Mar da China Meridional, então temos que ir ao quintal deles”.
Branko Marcetic
O discurso do Ocidente sobre a guerra na Ucrânia, que agora parece estar sendo transplantado para China e Taiwan, tende a ser dominado por apelos a valores progressistas e defesa da democracia e autodeterminação. Mas pouco se reconhece o risco de escalada militar e nuclear.
Lyle Goldstein
A primeira opinião dos progressistas ao redor mundo, absolutamente, é a seguinte: “é o bem contra o mal, e temos que nos levantar e fazer o que for preciso e ser a melhor geração”. Não sei por que eles não conseguem avaliar como as etapas subsequentes são tão trágicas, e não há muito pensamento sobre os custos. Parece que estamos em um período como os anos 1940 e 1950 com essas guerras por procuração, como a Guerra da Coreia, que foi comparada à guerra da Ucrânia.
Na década de 1950, tivemos estadistas como Eisenhower e, sem dúvida, até figuras como Richard Nixon, que lutou na Segunda Guerra Mundial e viu, com seus próprios olhos, muitas pessoas morrerem. Eles estiveram lá e foram capazes de deixar de lado essa mentalidade de cruzada e perceber que era melhor proteger a paz, a paz que havia. Os Estados Unidos cometeram muitos erros na Guerra Fria, mas conseguiram não passar do limite. E talvez a Rússia também tenha esse tipo de apreciação pelos custos da guerra, que parece estar totalmente ausente hoje.
Estou assistindo muito a mídia russa nos últimos tempos. O nível de frustração lá é imenso. Eles estão mais ou menos pedindo sangue americano, de uma forma ou de outra. A visão deles é que essa guerra está sendo executada fora do Pentágono, e muitos russos e ucranianos estão morrendo, mas os americanos estão meio que rindo disso. A situação não é sustentável e pode explodir. Tenho certeza de que muitos estrategistas russos inteligentes estão pensando em maneiras de tornar a vida dos americanos bem penosa e, também, em matar muitos deles, e isso é ruim.
A maioria dos jornalistas e das pessoas educadas que encontro não pensam nos passos três e quatro. Apenas têm uma reação instintiva – e que principalmente se encaixa nessa narrativa do bem e do mal, onde simplesmente assumem alegremente que nenhuma arma nuclear foi usada desde 1945, então entendemos que ninguém o fará. Com certeza, isso é muito triste.
Colaboradores
Impôs novas restrições comerciais ao embarcar numa série exercícios militares por dias inteiros no entorno da ilha, de onde foram vistos quatro mísseis chineses sobrevoar o seu território. No último dia 02 de agosto, Pequim sancionou Pelosi e a família dela e cortou diálogo com Washington acerca de questões militares e de mudança climática, potencialmente retrocedendo nos esforços internacionais para lidar com as ameaças mais sérias e urgentes para a segurança global.
A provocativa visita de Pelosi ocorreu diante de numerosos avisos de especialistas, como Lyle Goldstein. Goldstein, que pesquisa o desenvolvimento das estratégias militares russa e chinesa e ensinou no US Naval War College [Colégio de Guerra Naval] por 20 anos, que falou com Branko Marcetic, da Jacobin, logo após a visita de Pelosi.
Goldstein explica o significado tenso que os líderes chineses atribuem a Taiwan, o risco de guerra nuclear e o porquê os Estados Unidos podem muito bem perder uma guerra com a China na ilha.
Branko Marcetic
Por que a China considerou a viagem de Nancy Pelosi tão provocativa?
Lyle Goldstein
Muitas pessoas ainda estão genuinamente surpresas, até eu estou um pouco. Pensei que Pequim pudesse apenas mandar uma centena de aeronaves ou algo assim, mas a reação parece ser em larga escala e envolve diversos movimentos sem precedentes.
Mas, se você lê chinês e vê o que eu tenho visto nos últimos cinco anos, não é surpreendente. Eu diria que, há pelo menos cinco anos ou mais, nós estamos numa crise que se desenrola devagar, em que o tema Taiwan, em particular, e das relações entre China e Estados Unidos, em geral, estão escalando para um nível muito perigoso. A China vê isso como mais um golpe contra os moldes da Política de Uma China, e eles não gostam de tendências dessa linha. Muitas pessoas dizem “Newt Gingrich foi lá em 1997, há precedente, qual é o problema?”, mas não é assim que a China enxerga. A abordagem deles é, em 1997 mal tinham uma marinha de que falar e não podiam fazer nada. Eles sentem que agora têm poder para ajustar a situação.
Hong Kong fez com que muitos líderes chineses e o PLA [Exército de Libertação Popular, as forças armadas chinesas] consignassem a estrutura um país, dois sistemas, o que, eu penso, foi útil para todos os lados, para a lixeira da história – concluindo que a integração e a unificação pacíficas são impossíveis, e que o uso da força é a única solução. Essa é uma visão muito sombria, mas eu temo que ela se infiltre cada vez mais.
Deveríamos, sob qualquer condição, pressionar a China a mudar essa visão, mas parece que estamos fazendo o oposto, agravando os seus medos e enviando visitantes de cargos cada vez mais altos. As pessoas não imaginam: enviamos dois senadores – e esse não é um cargo baixo na estrutural estatal dos Estados Unidos – a Taiwan dois meses atrás, e a China mostrou os punhos e usou linguagem agressiva. Mas isso não apareceu na mídia mainstream.
No Twitter, tomei como missão pessoal documentar todas as ameaças que a China fez a Taiwan. Ao menos uma vez por semana, você pode ver algo como: “O PLA tem força e capacidade para assegurar a unificação nacional.” Ao longo do último ano, essas afirmações apareceram muitas vezes, porém foram intencionalmente ignoradas pela imprensa do Ocidente, porque eles não conseguem entender, recusam ou não querem saber.
Num mundo com armas nucleares, ignorar abertamente os avisos do outro lado é uma imprudência inacreditável e potencialmente catastrófico.
Branko Marcetic
Por que Taiwan é um limite para a China?
Lyle Goldstein
Eu acho que pessoas razoáveis, até historiadores, têm discordâncias quanto a isso. Eu não quero fingir que este seja um caso de simples certo ou errado. Como os países alcançam sua forma? Um grande caldeirão de guerras emaranhadas, para dizer o mínimo, é o que levou a maioria dos países a terem a forma que têm.
A China tem mais ou menos essa forma há alguns milhares de anos, e por isso o chinês é muito sensível a questões de integridade territorial. E claro, adicione a isso o período de predação europeia – a maioria das pessoas não percebe, mas os Estados Unidos estavam bastante envolvidos. Mais ou menos de 1850 a 1920, quase um século, havia a Marinha dos Estados Unidos patrulhando o [rio] Yangtzé, o que envolvia canhoneiras operando em conjunto com a marinha britânica, e estávamos policiando a China. Era uma forma de imperialismo, e se os nativos se agitassem, as canhoneiras os cercariam. Havia uma miríade de casos em que os Estados Unidos agiam com os japoneses e os britânicos para suprimir as rebeliões.
A pilhagem europeia foi seguida pela pilhagem derradeira do Japão, que conquistou grande parte da China. Onde isso começou? Em Taiwan, e a China se lembra bem disso. Para os leitores ocidentais não familiarizados com a conquista de Taiwan pelo Japão em 1894-1895, atrocidades medonhas foram perpetradas. Esse caso foi uma espécie de precursor da Segunda Guerra Mundial, onde os japoneses massacraram impiedosamente as pessoas em Taiwan durante o período inicial da colonização.
Os chineses têm uma animosidade particular com os japoneses, porque nunca houve um verdadeiro acerto de contas pelos crimes cometidos, não houve reparação. Mas começou em Taiwan, e por isso é um ponto focal do nacionalismo chinês que, e grande medida, é construído sobre um sentimento antijaponês. E eu sempre noto que as plateias chinesas agradecem parcialmente aos Estados Unidos por terem salvado a China do Japão. Então, essa história não tem um lado só.
Em 1683, a Dinastia Qing tomou definitivamente Taiwan. Mas já havia muitos chineses na ilha, e ela foi integrada ao império chinês e depois se tornou uma de suas províncias. Isso foi quase um século antes da Revolução Americana e muitos anos antes de os Estados Unidos sequer pensarem sobre o Havaí ou a Califórnia; Taiwan já era parte da China. Então a afirmação é forte.
Não foi apenas em 1972, com o Comunicado de Xangai, que os Estados Unidos endossaram a ideia de que Taiwan era parte da China. Peço aos americanos e às pessoas do mundo todo que leiam as alegações de Franklin Roosevelt na Declaração do Cairo e de Harry Truman em seu discurso de janeiro de 1950, onde ele afirma claramente que Taiwan é parte de China que foi tomada pelo Japão imperial.
Branko Marcetic
Se as tensões aumentassem e houvesse uma guerra entre Estados Unidos e China por causa de Taiwan, como isso seria de fato?
Lyle Goldstein
Eu trabalhei no US Naval War College por vinte anos, pesquisando o desenvolvimento naval e militar chinês, então eu sou bem versado em todos os sistemas deles.
A razão óbvia é geográfica. A China está travando uma guerra, como eles colocam, bem na porta de casa, e podem trazer todo o seu imenso poderio de guerra para resistir, a força da China não está apenas na mão de obra e na logística, mas estamos falando de aeronaves de combate, helicópteros e todo tipo de navio que você puder imaginar. Qualquer localidade da China está, basicamente, a um dia de navegação de Taiwan.
Compare isso com os Estados Unidos. Temos uma força militar imensa, mas não podemos lavá-la a campo, e mesmo se pudéssemos isso se sustentaria? Até os submarinos, que são a nossa grande cartada – a única força que pode ir para o campo de batalha e lutar fortemente contra uma invasão – não teriam apoio. Rapidamente, ficariam sem torpedos, já que submarinos não têm depósitos grandes, restando desmuniciados e, assim, seriam forçados a navegar de volta por vinte ou trinta dias para reabastecer e reaver suprimentos, e depois mais vinte ou trinta dias outra vez. Portanto, mesmo a força mais preparada para lutar não pode suportar isso.
A situação fica muito mais desesperadora quando falamos do que a força aérea ou o exército podem levar para a batalha: quase nada. Não vamos nos esquecer que a força aérea é totalmente dependente de pistas de pouso e decolagem. E embora haja alguns engenheiros da força aérea rodeando Tiniã [uma das Ilhas Marianas do Norte, a quase 3 mil quilômetros da costa da China] – de onde o Enola Gay partiu para atirar a bomba atômica – assim que começarmos a agir com as forças aéreas lá, eles estariam a postos. Posso falar para você uma citação deles: “É só adicionar na lista de alvos”
E todas as pistas próximas seriam destruídas: falo de Guam, Okinawa e lugares mais longes. A China agora tem a capacidade de mirar o Havaí e o Alasca. E digo que pode acontecer no primeiro ou até o sétimo dia de conflito. Informei um general da força aérea, dizendo: “O senhor está ciente de que os ativos mantidos no Alasca provavelmente seriam alvejados em uma ou duas semanas de guerra com a China?”. Ele ficou surpreso, mas não deveria. Revidar é justo, e eles [chineses] atacariam esses alvos.
É uma maneira de dizer que os Estados Unidos não estão com o maior poder de fogo e nem com a maior capacidade de empregar o que tem, e por isso a imprensa tem mostrado repetidamente que a China quase sempre vence os jogos de guerra. Isso é um mau sinal. Temos que lidar com a realidade, e a realidade é que a China dispõe de grandes cartas militares no cenário de Taiwan.
Muitas pessoas apontam para a guerra na Ucrânia. Taiwan é quinze vezes menor que a Ucrânia. Um dos principais problemas da Rússia é ter espalhado muito pouco suas forças, e o poder de fogo está disperso, porque a Ucrânia é um país enorme. No caso de Taiwan, o poder de fogo estaria muito mais concentrado em uma área pequena, e metade de Taiwan é montanha, então é uma área ainda menor. Além disso, o orçamento militar da China é cerca de cinco vezes maior que o da Rússia, e as remessas de armas para Taiwan podem ser facilmente cortadas. Você não vai querer estar em Taiwan quando isso acontecer.
Branko Marcetic
Qual é o risco de uma escalada nuclear em Taiwan?
Lyle Goldstein
Tantas pessoas ignoram essa possibilidade, o que é uma completa irresponsabilidade. Se eu fosse culpar Pelosi por alguma coisa, seria por isso: na era nuclear, esse tipo de postura é ridícula e deve ser amplamente condenada.
Pode-se pensar que um cenário nuclear se desdobraria de várias maneiras. Uma que me tira o sono atualmente é que, no campo dos estudos militares Estados Unidos-China, não falamos muito sobre armas nucleares táticas, mas os estrategistas chineses falam delas hoje em dia, especialmente porque eram uma característica da rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética.
Os chineses perceberam que nós, americanos, voltamos a colocar armas nucleares táticas em nossos submarinos e escreveram muito sobre isso. Eles disseram: “Esse é bem o tipo de arma que os Estados Unidos poderiam implantar em Taiwan”. E eles dizem: “Se os Estados Unidos forem por esse caminho, outros países também irão” – uma referência óbvia ao fato de a China estar desenvolvendo armas semelhantes e de que estará pronta para esse dia. Não me foi confirmado que eles tenham implantado armas nucleares no campo de batalha – apenas suspeito, e eles ameaçaram implantar, e tenho muito mais evidências para mostrar.
O que isso significa é, se começar uma guerra entre China e Estados Unidos, se um dos lados começar a perder – digamos que seja o nosso, e eles [chineses] afundem um porta-aviões, e pareça que a invasão está tendo sucesso – um de nossos submarinos a milhares ou centenas de quilômetros de distância lança uma arma nuclear no campo de batalha que atinge a força invasora, e eles respondem na mesma moeda contra Guam ou o Havaí? Poderia acontecer o oposto: se a China invadir e a invasão estiver demorando ou perdendo, e as forças americanas estiverem entrando na área, eles dizem: “Não podemos perder do jeito que Vladimir Putin parecia estar no Estágios iniciais”? Temos que nos perguntar, na era nuclear, nesse ponto a China recorreria a algum tipo de uso nuclear para alertar os outros. Temo que a China possa usar a cartada nuclear contra o Japão.
Mais uma coisa: a China está desenvolvendo seu poderio nuclear muito energicamente. É uma pena – eu não acho que tinha que ser assim, porque antes a China era bastante orgulhosa de seu baixo nível de poder de dissuasão nuclear. Mas eles acham que a probabilidade de uma guerra com os Estados Unidos é bem alta, principalmente em relação a Taiwan, e querem se igualar aos EUA em força.
Uma guerra nuclear também pode acontecer por acidente. Muitos analistas dos Estados Unidos estão falando sobre como a China coloca cada vez mais ogivas nucleares com ogivas convencionais – elas voam no mesmo míssil. Então, como sabemos se os mísseis chineses voando em Guam ou no Havaí, como é possível nesse cenário, não estão carregando uma arma nuclear? Você tem minutos para decidir o que fazer.
O acúmulo de defesas antimísseis também estimulou armamentos cada vez mais exóticos. Há um movimento em direção ao armamento hipersônico, e os chineses estão, como os russos, obcecados em como penetrar as defesas antimísseis. Uma maneira é destruir os radares de defesa antimísseis na salva inicial de bombardeio. Portanto, há incentivos à escalada perturbadores embutidos aqui.
Branko Marcetic
A relação China-Estados Unidos, presume-se, não tem as salvaguardas e mecanismos da era da Guerra Fria para evitar a escalada e evitar conflito.
Lyle Goldstein
Um analista chinês me disse que os Estados Unidos e a China nunca tiveram uma crise como a Crise dos Mísseis de Cuba. Aquele foi um momento extremo. Ambos os lados avaliaram o cenário de apocalipse, e não tenho dúvida de que o mundo poderia ter sido destruído naquele momento. Quanto mais aprendemos sobre esse episódio, mais horrível ele fica.
Eu entrevistei um capitão de submarino russo que estava literalmente com o dedo no gatilho de um torpedo com armas nucleares projetado para atingir o grupo anfíbio dos Estados Unidos na costa de Cuba, e a marinha estadunidense nem sabia que a Rússia havia implantado armas nucleares táticas na crise. Estávamos operando totalmente às cegas naquele estopim para uma guerra nuclear. E, provavelmente, isso vale para Taiwan. Nós não sabemos exatamente quais armas eles têm, e eles também não sabem quais nós temos. Os dois os lados escondem algumas cartas na manga.
Branko Marcetic
Tem um estudo de 1966 sobre o planejamento de guerra dos Estados Unidos para a invasão chinesa de Taiwan nos anos 1950, na qual oficiais concordam que rapidamente lançariam mão de ataques nucleares sobre a China. Os estrategistas e líderes militares dos Estados Unidos também discutiriam isso hoje?
Lyle Goldstein
Acho que foi uma revelação importante e mostra algo sobre esse cenário. As pessoas que conhecem a história dos anos 1950 sabem que, nos níveis mais altos, o presidente estava pensando em ordenar ataques nucleares à China por causa dessas questões relacionadas a Taiwan. Digo relacionadas porque era principalmente sobre essas ilhas em alto-mar. Dwight D. Eisenhower e outros líderes americanos, felizmente, perceberam que isso era loucura, que era usar arma nuclear para defender uns rochedos pequenos.
Mas não parou por aí. Sabemos, hoje, que implantamos armas nucleares em Taiwan; acho que ficaram lá por sete ou oito anos, esses mísseis táticos Matador. Em certo nível, brilhante: é assim que você defende Taiwan, já que não pode colocar lá poder de fogo suficiente para afundar toda a frota chinesa e impedir uma invasão, então você usa armas nucleares.
Felizmente, os mísseis foram retirados, como parte da diplomacia de Henry Kissinger. Mas isso mostra o princípio fundamental aqui, os Estados Unidos nesse cenário não podem usar o poder de fogo suficiente para vencer, a menos que recorram a armas nucleares. Já se entendia isso na década de 1950, e nada mudou.
Vi especulações frívolas na imprensa militar de que nenhum país jamais pensaria em afundar um porta-aviões dos Estados Unidos, com 5 mil americanos, e com certeza isso implicaria retaliação nuclear. Bem, e se a China tivesse a ideia de afundar dois, ou três, ou cinco porta-aviões. Não quero nem pensar nisso, mas é bem possível.
Há uma chance bem significativa de os Estados Unidos perderem uma guerra por Taiwan.
Um dos piores cenários que considerei ao longo dos anos é se a China danificar gravemente um porta-aviões, e ele estiver afundando, e tivermos que resgatar as 3 ou 4 mil pessoas nadando em algum lugar no mar da China Oriental. Você vai ter que montar uma força-tarefa de quinze ou vinte navios para realizar essa missão de resgate. Mas é claro que, na guerra naval moderna, quando o inimigo sabe onde todos os navios estão, eles são facilmente alvejados. Num cenário assim pode-se perder pelo menos metade da marinha dos Estados Unidos.
Vamos inverter os lados: e se os Estados Unidos afundarem um cargueiro chinês. Isso poderia implicar uma escalada nuclear? Cada vez mais, quando se fala sobre esse tipo de perda, a China poderia. Não sabemos qual é o limite nuclear. Nunca houve uma grande guerra travada entre potências nucleares. Muitas vezes, quando lido com líderes militares estadunidenses, conto o que se dizia durante a Crise dos Mísseis de Cuba: “Você e eu lutamos o mesmo número de guerras nucleares, então, por favor, não me diga que sabe o que vai acontecer”.
Branko Marcetic
O que podemos ou devemos aprender com a crise e, em última análise, com a guerra na Ucrânia, e que podemos aplicar a essas tensões crescentes com a China?
Lyle Goldstein
Ouço essa pergunta o tempo todo, mas de uma forma diferente: como a guerra na Ucrânia pode nos ensinar a defender Taiwan adequadamente? Como se na hipótese de termos enviado todas essas armas para a Ucrânia não agora, mas há cinco anos, a Rússia nunca teria considerado entrar em guerra. Não acho que seja verdade e, de fato, acho que o acúmulo de armas durante novembro, dezembro e janeiro, inclusive, provocou parcialmente o conflito. A mesma coisa poderia ocorrer no contexto de Taiwan. Você está apenas agitando um pano vermelho na frente de um touro. Você está tentando restringir suas opções militares e, portanto, pressionando o dilema de segurança ao ápice.
A principal lição que precisamos aprender é que simplesmente não se pode transgredir os limites das grandes potências à toa. Para mim, é muito gritante. Divulguei o discurso de Putin sobre os limites, começando por volta de 2020, pelo Naval War College, onde trabalhei, porque vi que minha função era dizer aos meus colegas: “haja o que houver, é melhor você entender os limites da Rússia”. Porque era muito claro que estávamos nos aproximando deles. E nós mais ou menos os ultrapassamos, os ignoramos, dissemos: “É uma boa postura, é inaceitável, você não pode dizer isso”. Esse tipo de abordagem é mais do que tola, é catastrófica para os povos da Europa Oriental, da Ucrânia e da Rússia.
Isso leva ao argumento das esferas de influência. Argumentei em meu livro em 2015 que as esferas de influência são o único caminho para gerenciar conflitos com a China e a Rússia. Você não pode aceitar ou deixar de aceitar as esferas de influência, elas são um fato do mundo. E então você tem que alinhar suas políticas para aceitar isso, porque quando você luta contra isso, está nadando contra a maré, e isso leva a desastres horríveis como o da Ucrânia.
Existem algumas lições específicas do ponto de vista militar. Concordo que Javelins e Stingers e coisas assim têm certa utilidade com relação a Taiwan, embora eu avise que empilhar essas armas pode desencadear o que você está tentando evitar. Taiwan deve investir em tecnologia antidrones? Claro. Pode-se trabalhar com várias lições, mas não tenho muita esperança de que Taiwan possa começar a se igualar em poder militar com os chineses. Taiwan acabou de ultrapassar 2% em gastos com defesa, mas para realmente se igualar à China de alguma forma teria que ultrapassar 10% do PIB e continuar assim por uma década. Nesse ponto, os taiwaneses podem ter uma chance. Caso contrário, não vejo nenhuma possibilidade real.
Portanto, a verdadeira lição para Taiwan não é um acúmulo maciço – acho que eles teriam de fazer como a Coreia do Norte: cavar e despejar concreto em todos os lugares, e mais ou menos destruir a ilha para salvá-la. A principal lição é a diplomacia, é claro. Tantas oportunidades foram perdidas para evitar a guerra na Ucrânia. Para dizer o óbvio, se eles tivessem simplesmente declarado que a Ucrânia seria um Estado neutro, qual teria sido a dificuldade disso? Há muitos exemplos de países neutros que estão muito felizes e muito bem armados. Essa era uma opção completamente viável, mas simplesmente não se encaixava em nossa ideologia. A ideia de que podemos reconhecer um erro, que podemos nos comprometer – isso mostra fraqueza, então nunca podemos fazer isso.
Taiwan tem posições diplomáticas de todo tipo. Devemos incentivá-las. Em dezembro de 2015, os líderes de Taiwan e da China tiveram uma reunião excelente e amigável. Eles têm muito em comum. Há tantos laços através do Estreito. Milhões de habitantes do continente chegaram a Taiwan e viram como a ilha é bonita, como o ar é limpo e como é bem governada. Essa é a melhor maneira de abordar as relações do Estreito. Há compromissos de todo tipo a serem feitos, intercâmbios entre pessoas, medidas militares de construção de confiança. Tudo isso deveria ter ocorrido com a Ucrânia e a Rússia, mas não, insistimos na abordagem de confronto, e agora temos uma guerra medonha.
Branko Marcetic
A OTAN recentemente disse, pela primeira vez, que a China é um desafio de segurança, ao mesmo tempo convidou muitos países da Ásia-Pacífico para falar pela primeira em sua reunião de cúpula. Isso significa uma mudança? Representa algum tipo de expansão da missão fundamental da OTAN?
Lyle Goldstein
Tenho observado a inclinação da OTAN para o leste há vários anos, e me lembro de ver os britânicos e franceses enviarem porta-aviões e submarinos. Dei uma palestra na Alemanha há alguns anos, e as pessoas na marinha alemã me perguntaram à queima-roupa: “Estamos ansiosos para enviar um navio para o Mar da China Meridional, isso ajudaria?” E eu disse: “Não, é meio louco a Alemanha se inserir nessa questão. Certamente vai fazer mais mal do que bem.” Eles não gostaram da minha resposta. “Estávamos esperando que você fosse achar ótimo.”
Essa pequena história encapsula tal dinâmica, o que é muito perturbador. A OTAN já não tinha uma reputação das melhores na China, por várias razões que remontam ao passado. Embora de dez a quinze anos atrás, a OTAN tivesse uma relação de trabalho razoável com a China, e a União Europeia havia estabelecido alguns intercâmbios e contatos com a China realmente bons. Isso foi muito útil, e eu pedi que a Europa agisse como um amortecedor na rivalidade entre Estados Unidos e China e fosse uma amiga para ambos os lados, que dissesse a cada um para relaxar um pouco. Ajude a China a mitigar suas piores tendências nacionalistas, mas também ajude os Estados Unidos a conter seu desejo, que parece ser interminável, de rivalizar.
Eu pensei que a Europa estivesse desempenhando esse papel de forma bastante eficaz até 2016 mais ou menos. Então parece que as coisas começaram a mudar, e o discurso europeu sobre a China mudou radicalmente para a direita, tornando-se muito anti-China a ponto, eu diria, de superar até mesmo a retórica dos Estados Unidos. Achei isso muito perturbador. Eu poderia dar inúmeros exemplos, mas se você ler a revista Economist, verá que ela se tornou extremamente agressiva com a China ao longo dos anos. Na mente europeia, eles meio que associam a Rússia e a China, pelo autoritarismo em grande escala, embora os regimes russo e chinês sejam muito diferentes, então acho equivocado equipará-los.
Lembro-me de que, em 2017, enquanto a crise coreana se desenrolava, um esquadrão de navios franceses apareceu, e a cobertura chinesa foi ruim. Os europeus que lideraram a divisão da China no século XIX, e a China travou várias guerras contra a França e a Grã-Bretanha. Então, a ideia de que essas marinhas europeias estão navegando por perto desencadeia essa raiva.
O outro fenômeno aqui é a OTAN e sua busca por missões. Deus abençoe a guerra na Ucrânia, porque isso deu vida nova à OTAN e algo para fazer aos seus burocratas, embora eu ache que a diplomacia da Turquia e o jogo com a Rússia deveriam fazer as pessoas perceberem que a aliança não é tão unida e coesa quanto alguns esperariam. Em algum nível, isso tem um lado bom – a Europa deve se concentrar na Europa e tirar o nariz dos assuntos asiáticos. Em termos menos caridosos: o que você tem feito? Foi por causa dessa guinada em direção à Ásia que eles parecem ter sido pegos de surpresa na guerra com a Rússia?
Há também o efeito da torcida que é muito poderoso em Washington, qualquer coisa que os Estados Unidos façam, sempre esperamos uma salva de palmas dos europeus. Isso tem sido muito destrutivo, na minha opinião. Os Estados Unidos teriam mesmo passado vinte anos no Afeganistão sem esse efeito animador da OTAN? Metade da argumentação dos últimos dez anos da missão no Afeganistão foi: “Bem, não podemos desistir, o que a OTAN vai dizer? Não podemos deixar nossos aliados na mão.”
Sou crítico da posição da OTAN. Acho que os europeus entregaram suas cartadas diplomáticas, que eram substanciais, e a China se tornou mais cética em relação à Europa. E isso é triste, porque eu realmente pensei que a Europa pudesse ajudar a criar uma ordem mundial mais pacífica.
Branko Marcetic
Deveríamos estar muito alarmados pelo fato de a China estar procurando expandir suas bases estrangeiras e fortalecendo seu militarismo?
Lyle Goldstein
Em primeiro lugar, sempre digo às pessoas que os Estados Unidos têm por volta de oitocentas instalações militares no exterior, e a China tem uma. É tipo, me ligue quando a China conseguir mais 799. Em outras palavras, não estamos mesmo em situação de nos preocuparmos seriamente com isso. O que eu vi não me incomoda muito.
Veja a base dos chineses na África. Essa é de fato a única base estrangeira deles. Essas pequenas bases de recife no Mar da China Meridional não podem ser chamadas de bases estrangeiras. Em relação à base africana, há algumas coisas um pouco preocupantes, como a época de sua construção, essa base tem bunkers muito profundos – foi construída para servir de penitenciária.
Mas fora isso, olha, essa base fica no Djibuti. A cerca de cinco quilômetros de distância, você tem uma base americana muito grande. Logo ali perto há uma base francesa, e mais para lá, uma pequena base japonesa, e assim por diante. Todo mundo tem uma base em Djibuti. Se a China tivesse realmente projetos perversos na África, provavelmente não colocaria sua base ali, ao lado de todas essas outras, onde podemos monitorar facilmente o que estão fazendo.
Se eu tivesse que resumir a política chinesa na África, diria que eles fazem muito para manter a paz ali, e isso é difícil – e eles merecem muito crédito pela manutenção da paz. Número dois, há muitos cidadãos e empresas chinesas na África, e acho que eles se preocupam em ter que fazer o que na marinha chamamos de NEO – uma operação de evacuação de não combatentes – que pode ser de alto risco.
Minha opinião é que estamos basicamente numa guerra fria com a China, e eles estão agindo como se já estivéssemos. Estão começando a adotar um posicionamento estratégico caso tenham que lutar e atacar os Estados Unidos. Há um boato de que veremos uma base na África Ocidental. A China tem interesses legítimos em todos esses lugares, mas essa base me incomodaria? Um pouco. Não fico animado ao ver a China ter uma base no Atlântico. É um passo importante.
Mas a maior parte da culpa pela China querer mergulhar no Atlântico – estudei uma série de artigos oficiais chineses chamados Estratégia Atlântica da China. Uma das coisas que eles disseram muito claramente foi: “O Atlântico é um ponto absolutamente crítico para os Estados Unidos, e os Estados Unidos estão vindo ao nosso quintal e bisbilhotando o Mar da China Meridional, então temos que ir ao quintal deles”.
Branko Marcetic
O discurso do Ocidente sobre a guerra na Ucrânia, que agora parece estar sendo transplantado para China e Taiwan, tende a ser dominado por apelos a valores progressistas e defesa da democracia e autodeterminação. Mas pouco se reconhece o risco de escalada militar e nuclear.
Lyle Goldstein
A primeira opinião dos progressistas ao redor mundo, absolutamente, é a seguinte: “é o bem contra o mal, e temos que nos levantar e fazer o que for preciso e ser a melhor geração”. Não sei por que eles não conseguem avaliar como as etapas subsequentes são tão trágicas, e não há muito pensamento sobre os custos. Parece que estamos em um período como os anos 1940 e 1950 com essas guerras por procuração, como a Guerra da Coreia, que foi comparada à guerra da Ucrânia.
Na década de 1950, tivemos estadistas como Eisenhower e, sem dúvida, até figuras como Richard Nixon, que lutou na Segunda Guerra Mundial e viu, com seus próprios olhos, muitas pessoas morrerem. Eles estiveram lá e foram capazes de deixar de lado essa mentalidade de cruzada e perceber que era melhor proteger a paz, a paz que havia. Os Estados Unidos cometeram muitos erros na Guerra Fria, mas conseguiram não passar do limite. E talvez a Rússia também tenha esse tipo de apreciação pelos custos da guerra, que parece estar totalmente ausente hoje.
Estou assistindo muito a mídia russa nos últimos tempos. O nível de frustração lá é imenso. Eles estão mais ou menos pedindo sangue americano, de uma forma ou de outra. A visão deles é que essa guerra está sendo executada fora do Pentágono, e muitos russos e ucranianos estão morrendo, mas os americanos estão meio que rindo disso. A situação não é sustentável e pode explodir. Tenho certeza de que muitos estrategistas russos inteligentes estão pensando em maneiras de tornar a vida dos americanos bem penosa e, também, em matar muitos deles, e isso é ruim.
A maioria dos jornalistas e das pessoas educadas que encontro não pensam nos passos três e quatro. Apenas têm uma reação instintiva – e que principalmente se encaixa nessa narrativa do bem e do mal, onde simplesmente assumem alegremente que nenhuma arma nuclear foi usada desde 1945, então entendemos que ninguém o fará. Com certeza, isso é muito triste.
Colaboradores
Lyle Goldstein é diretor de Ásia engagement na Defense Priorities e ex-professor pesquisador do US Naval War College.
Branko Marcetic é escritor da redação da Jacobin e mora em Toronto, Canada.
Branko Marcetic é escritor da redação da Jacobin e mora em Toronto, Canada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário