2 de agosto de 2022

Fassbinder e a Facção do Exército Vermelho

Quando seus companheiros radicais da Alemanha Ocidental começaram a abraçar a violência na década de 1970, o lendário cineasta Rainer Werner Fassbinder decidiu celebrar outro caminho para a emancipação: a luta de classes no local de trabalho.

Meagan Day


O que explica a evolução política de Fassbinder? Para entendê-lo, devemos traçar o arco da Nova Esquerda da Alemanha Ocidental.

Tradução / Oito horas não são um dia (1972) não é o trabalho mais badalado de Rainer Werner Fassbinder, mas é, de certo, o mais sofisticado politicamente do lendário cineasta alemão.

A série de televisão em cinco partes gira em torno de um elenco de personagens da classe trabalhadora em Colônia: o jovem metalúrgico Jochen, seus colegas de trabalho, sua família e sua namorada, Marion. No decorrer da série, os trabalhadores da fábrica, liderados pelo popular Jochen e encorajados pela mulher inquisitiva e de princípios Marion, se tornam cada vez mais determinados em afirmar seu controle sobre o processo de produção e ter uma parte maior dos lucros.

A série foi exibida na TV pública da Alemanha Ocidental no outono de 1972. Milhões de pessoas que a assistiram pela representação tenra das vidas pessoais dos seus personagens foram também abordados com debates como a seguir, no qual Marion leva Jochen e seu colega de trabalho Rolf à conclusão do Manifesto Comunista (1848).

Rolf: Claro, a empresa ganha dinheiro. E quanto a isso?
Marion: OK, então. Como ela comprou uma nova planta?
Rolf: Bem, com dinheiro.
Marion: Com que dinheiro?
Jochen: Seu próprio dinheiro.
Marion: OK, mas você não pode comprar uma nova fábrica.
Jochen: A empresa só comprou mais uma.
Marion: E de onde?
Jochen: O que você quer dizer com “de onde”?
Marion: De onde?
Jochen: De onde? Bem, mas essa é uma pergunta estúpida. A partir da venda de coisas. É assim que você faz isso.
Marion: Mas onde se adquire as coisas que serão vendidas? De você, pois é você produz as coisas.

O roteiro original de Oito horas não são um dia culmina nos trabalhadores da fábrica em greve. Quando um amigo sugeriu que Fassbinder adornasse as cenas de greve com um simbolismo político conspícuo como bandeiras vermelhas, Fassbinder respondeu que ele queria “deixar o povo aparecer pouco a pouco.” Em qualquer caso, as cenas nunca se materializaram. A série foi cancelada sem muita explicação após cinco episódios terem sido filmados, ainda que a emissora tenha pago por todos os oito.

Fassbinder sempre suspeitou que a série foi abortada por ter se tornado, segundo ele, “politicamente mais agressiva” nos episódios que nunca foram exibidos. Embora isso não tenha sido confirmado, as suspeitas dele eram razoáveis. A vida política da Alemanha Ocidental estava em rápido fluxo em 1972. Militantes de esquerda passaram a recorrer à violência e, ao mesmo tempo em que Oito horas não são um dia estava no ar, o caos estava sendo semeado por eles.

Por essa razão, ficou difícil obter financiamento público para obras artísticas que pareciam apoiar uma visão de mundo de extrema esquerda. Uma nova lei foi aprovada em 1972, o Decreto Antirradical, desqualificando os radicais do serviço civil – uma resposta explícita à crescente violência pela Fração do Exército Vermelho (RAF), conhecida também como Grupo Baader-Meinhof. Oito horas não são um dia foi provavelmente uma vítima dessa repressão.

Não foi a primeira vez que Fassbinder cruzou seus caminhos com a RAF. Na verdade, ele esteve pessoalmente ligado com muitos de seus membros e apoiadores em sua época na cena de cinema e teatro de vanguarda em Munique. Como Fassbinder, em geral, se recusava a falar abertamente a respeito desses radicais de esquerda, eles aparecem geralmente de passagem nas discussões de seu trabalho. Porém, uma olhada mais apurada na linha do tempo da carreira de Fassbinder e a evolução da esquerda na Alemanha Ocidental mostra que ele esteve em diálogo com seus pares militantes durante sua carreira.

Viciado em trabalho e cocaína, o rápido e insaciável Fassbinder fez mais de 40 filmes e séries de televisão e escreveu e dirigiu mais de 30 peças em 15 anos. Hoje, ele não costuma ser considerado como um artista explicitamente político, visto que a maior parte de sua obra trata inteiramente de outros assuntos. Em seu enorme corpo de trabalho, Oito horas não são um dia permanece apenas como um testemunho da alfabetização das ideias políticas socialistas cultivadas pelo diretor e seu otimismo que poderiam ser de bom uso nas mãos do público alemão – seus objetivos talvez até pudessem ser alcançados algum dia.

Só que esse otimismo era de curta duração. Quando o trabalho de Fassbinder se aproximou da política de esquerda nos anos seguintes, sua perspectiva tendeu a ser sombria e abatida, como em Mamãe Kuster vai ao céu (1975), ou cortante e sardônica A terceira geração (1979). Estes filmes posteriores enfureceram seus contemporâneos de esquerda, criando um racha que permaneceu até sua morte. A ruptura foi tão grande que, em certo ponto, Fassbinder recebeu vaias e xingamentos por parte de radicais no fim de uma exibição onde foi denunciado como um reacionário, ao que ele supostamente teria respondido: “Todos os esquerdistas são idiotas.”

O que conta na evolução política do Fassbinder? Para compreendermos, devemos avaliar o arco da nova esquerda alemã-ocidental, que culminou no abraço ao terrorismo político.

"Papa's cinema is dead."

No mesmo mês em que o regime nazista foi derrotado em 1945, Fassbinder nasceu na cidade spa bávara de Bad Wörishofen.

Seus pais eram de classe média, mas eram convencionais. Suas excentricidades se exacerbaram pelo tumulto da guerra e suas consequências. Seu pai era um médico autônomo que, por várias vezes, havia trabalhado gratuitamente no distrito de Hauptbahnhof em Munique, fazendo amizades com trabalhadoras sexuais que entravam e saíam do apartamento da família junto com um rotativo elenco de outros frequentadores.

A casa estava tão cheia que o amigo e o biógrafo de Fassbinder, Christian Braad Thomsen, conta que o menino tinha, às vezes, dúvidas sobre quem eram seus pais.

Quando tinha seis anos, seu pai partiu para Colônia. Sua mãe foi internada diversas vezes por doenças mentais e físicas. Depois, Fassbinder passou longas temporadas procurando se sustentar, dependendo casualmente de subcorrentes que o ignoravam. Sua mãe tinha ciência sobre sua desatenção com o filho, ao afirmar depois:

Eu tinha dez anos quando Hitler chegou ao poder, e isso significa que eu nunca tive conhecimento de nada, exceto sua época e como fui totalmente marcada por ela. Assim, quando em 1945, vi como todos nós tínhamos sido enganados e como tudo estava errado, notei o quão problemático criar alguém poderia ser, e realmente me senti bem incapaz de fazer isso, assim rejeitei meu filho.

Perturbado pelo segundo casamento de sua mãe, o jovem Fassbinder cresceu indisciplinado e foi mandado para um internato, de onde escapou para viver com o pai. Como um adolescente em Colônia, ele escreveu cartas de amor apaixonadas à nova esposa de seu pai, fazendo também excursões a bares gays – pelo resto de sua vida, Fassbinder teve relacionamentos com homens e mulheres, com uma aparente preferência pelos amantes do sexo masculino. Ainda que seu relacionamento com eles fosse incomum e complexo, Fassbinder gostava de seus pais e nunca se ressentiu quanto à sua educação, depois escalando sua mãe em vários de seus filmes.

Assim como vários outros jovens criativos e rebeldes do Ocidente durante os anos 1960, Fassbinder foi atraído pelo cinema, que emergia como um meio de escolha vanguardista. Em 1962, um grupo dinâmico de cineastas jovens, motivado parcialmente por ideais de esquerda, convocou um festival de cinema em Oberhausen, onde produziram um manifesto exigindo a criação de um “novo estilo de cinema” que seria experimental e independente, “Livre do controle de parceiros comerciais”. O grupo adotou o slogan “O cinema do papai está morto.”

Em 1966, aos 21 anos, o Fassbinder buscou a admissão na Academia Alemã de Cinema e Televisão de Berlin (DFFB). Mais de 800 candidatos ingressaram junto a ele – ao que parece, toda juventude contracultural alemã – e apenas 35 foram admitidos. Fassbinder se inscreveu novamente no ano seguinte, onde enviou dois filmes que fez com o apoio financeiro de uma velha amante e novamente foi rejeitado.

Em agosto de 1967, Fassbinder tropeçou em um teatro subterrâneo em Munique, fundado seis meses antes como uma casa de arte que apresentava espetáculos e obras, sobretudo, do grupo Oberhausen. O Teatro de Ação, escreve o estudioso de Fassbinder Wallace Steadman Watson, tinha “59 cadeiras e mesas de salão que críticos chamavam de um ‘mergulho sombrio’”. Sob a criativa direção de seus fundadores, um casal chamado Ursula Strätz e Horst Söhnlein, o Teatro de Ação foi transformado em um local para peças ao vivo de vanguarda.

Fascinado, Fassbinder se juntou ao coletivo e passou rapidamente a disputar a liderança com Söhnlein. Foi no Teatro de Ação que ele convergiu com o movimento estudantil, que, nessa época, estava fervendo em cidades em toda a Alemanha Ocidental. E foi também no Teatro de Ação que ele conheceu alguns daqueles que direcionaram o movimento para sua próxima fase mais violenta – incluindo Söhnlein e seus amigos politizados, futuros membros do núcleo da RAF, Andreas Baader e Gudrun Ensslin.

O Manifesto Oberhausen foi um característico desafio da juventude alemã-ocidental nos anos 1960. Nos anos anteriores, as tensões aumentaram na juventude do Partido Social-Democrata da Alemanha (SDP), que se opôs ao giro à direita da organização. Em 1961, todo o Sozialistische Deutsche Studentenbund [Sindicato Socialista Alemão, o SDS], tinha sido expulso do partido.

Desse modo, o SDS alemão pode traçar um curso independente como o principal motor para um movimento estudantil socialista que foi montado e transformado no decorrer dos anos 1960. Não tinha qualquer relação formal com o SDS americano, mas seguiu uma trajetória semelhante à medida que a década seguia, ganhando e depois perdendo força, assim como facções sectárias ganharam proeminência.

Só que isso ocorreu depois. De início, enquanto os alunos começaram a protestar em suas universidades e nas ruas, seu movimento serviu como veículo para as frustrações da geração com uma nação que, reconstruída após a guerra, não havia conseguido viver as promessas de seus arquitetos. A jornalista de esquerda Ulrike Meinhof, uma radical com uma maneira suave, fria e deliberada de desarmar seus oponentes ganhou grande audiência ao explicar a perspectiva do movimento e suas ambições em um painel televisionado em fevereiro de 1967 chamado “Autoridade em Declínio”:


Os pais perderam sua credibilidade devido à sua associação com o nazismo. A Igreja Católica perdeu sua credibilidade, protegendo-se por trás do nacional-socialismo… Aqueles que representam a autoridade não são mais convincentes… Se alguém tem o desejo ou a presunção de educar uma população, é preciso criar condições para a democracia real. Assim uma autoridade autêntica será aceitável. O abuso de autoridade será aniquilado; a servidão e a submissão não existirão mais. Isso não é possível sem mudar a sociedade em termos concretos.

Alguns meses depois, em abril de 1967, um grupo de anarquistas liderados pelo jovem Fritz Teufel foi preso com grande fanfarra para traçar bombas na visita do vice-presidente americano Hubert Humphrey. Quando foi descoberto que as “bombas” eram, na verdade, só iogurte e farinha, a imprensa os apelidou de “assassinos de pudim”. Depois, Teufel gravitaria pela RAF e se envolveria em violência política real. Porém, por enquanto, o incidente só gerou vergonha na polícia e popularizou ainda mais o movimento. A juventude da Alemanha ficou do lado da pegadinha e de seu líder, Teufel – que é a palavra alemã para “demônio”, melhorando a aura geral de travessura – sobre as autoridades ignorantes.

Em junho de 1967, a coisa ficou séria quando um estudante chamado Benno Ohnesorg foi assassinado por um policial em uma manifestação em Berlim Ocidental. Uma fotografia de uma jovem mulher manifestante de joelhos sobre o corpo de Ohnesorg – surpreendentemente semelhante à foto icônica de Kent State nos Estados Unidos alguns anos depois – inundou a imprensa, gerando simpatia popular pelos jovens dissidentes. As fileiras do movimento estudantil incharam, e seus protestos aumentaram em frequência e intensidade. Este foi o contexto político no qual o jovem Fassbinder chegou ao Teatro de Ação naquele verão.

"Parem o terror dos jovens vermelhos agora!"

Se o Fassbinder tivesse sido aceito na Academia de Filmes em Berlim, ele também teria cruzado o caminho de radicais de esquerda e futuros militantes.

“Em vez de se mostrarem dignos dessa concessão, os estudantes mais talentosos acabaram virando rebeldes esquerdistas”, afirmou o estudante de cinema Holger Meins que, ao contrário do Fassbinder, foi aceito para a classe inaugural da DFFB em 1966. A nova instituição, para a consternação de seus fundadores, começou a produzir obras como “A bandeira vermelha”, que retrata estudantes de cinema que atravessam o tráfego de Berlim Ocidental acenando (com naturalidade) bandeiras vermelhas enormes. Meins apareceu nesse filme e depois se juntou à RAF.

Em vez disso, a introdução do Fassbinder à esquerda radical veio na forma de Söhnlein, o primeiro líder do Teatro de Ação, e seus amigos Baader e Ensslin, que eram conhecidos por supostamente interromperem as performances do Grupo para exigir que ele escalasse uma ação política direta a partir do teatro experimental de confronto. Eventualmente, esse trio faria essa transição por conta própria.

Söhnlein e Fassbinder eram figuras intensas, inclinadas a manias criativas e ataques de raiva. No começo, eles se deram bem: em 1967, Fassbinder se mudou para o apartamento compartilhado por Söhnlein e sua esposa, co-fundadora do teatro, Ursula Strätz. À medida que o ano passava, todavia, Söhnlein ficava com ciúmes de Fassbinder, não só por causa de sua influência crescente no Teatro de Ação, mas porque Söhnlein suspeitava Fassbinder e Strätz estavam tendo um caso.

Uma noite, louco de ciúmes, Söhnlein destruiu o teatro. Segundo Thomsen:


Nenhuma uma única cadeira, vidro de cerveja ou tábua do palco foi deixada inteira. Söhnlein tentou dar uma justificativa política à sua destruição do Teatro de Ação. Não era exatamente correto para um ativista político ser acusado de uma emoção tão pequeno-burguesa como os ciúmes.

Após isso, o Fassbinder era o líder de fato do Teatro de Ação, enquanto Söhnlein passava cada vez mais tempo com Baader e Ensslin.

Fora do teatro, o conflito entre autoridades e manifestantes estava se intensificando rapidamente. Junto a Ulrike Meinhof, outra liderança surgiu na juventude de esquerda: Rudi Dutschke, membro do SDS alemão e um franco marxista que estudava a história do movimento trabalhista. Como Dutschke ficou mais proeminente no SDS e aos olhos públicos, ele começou a ter como alvo a imprensa capitalista. E a imprensa capitalista o visou de volta.

Na época, o império jornalístico pertencente ao magnata da mídia conservadora Axel Springer controlava 40% de toda a circulação de jornais na Alemanha. Por meses, os jornais de Springer publicaram manchetes espalhando rumores sobre os estudantes de esquerda. Logo, eles passaram a apontar o dedo em particular para Dutschke, publicando um artigo intitulado “Parem o terror dos jovens vermelhos agora!”. Em fevereiro de 1968, acompanhado pela fotografia de Dutschke. Em março, os jornais de Springer dobraram a aposta publicando a manchete “Parem Dutschke agora”, junto a cinco fotografias dele.

Em 2 de abril, duas grandes lojas de departamentos foram queimadas em Frankfurt como um ato de protesto contra o capitalismo e o imperialismo, um evento que aumentou drasticamente o conflito entre o movimento estudantil e o establishment da Alemanha Ocidental. As pessoas por trás do incêndio eram ninguém menos que Horst Söhnlein, Andreas Baader, e Gudrun Ensslin, que usaram bombas feitas no apartamento de Söhnlein. Se o assassinato de Benno Ohnesorg foi o primeiro tiro em uma guerra real entre jovens de esquerda e as autoridades, a bomba em Frankfurt era o contra-ataque.

Os segmentos da esquerda alemã-ocidental começaram a mostrar suas primeiras inclinações sérias à violência política. Pode não ter sido a orientação dominante do movimento estudantil, mas ela não foi empurrada para as margens. O diretor Klaus Lemke começou a trabalhar em um longa-metragem – Os incendiários – inspirado pela bomba em Frankfurt, que se concentrou em um grupo de jovens terroristas de esquerda que pareciam glamourosos em maquiagens sensuais e jaquetas de couro. O estudante de cinema Student Holger Meins produziu um filme instrucional sobre como fazer coquetéis Molotov.

O SPD e os sindicatos ficaram assustados com esse novo teor e começaram a se distanciar do movimento estudantil. Por sua vez, Rudi Dutschke era contrário a essas táticas. Na verdade, foi Dutschke – não Antonio Gramsci, como é muitas vezes alegado – que cunhou o termo “longa marcha através das instituições” para descrever sua estratégia preferida para ganhar o socialismo. Só que essa distinção política não impediu que um aspirante a assassino de se atentar ao chamado dos jornais para parar Dutschke em sua trajetória.

Em 11 de abril, um jovem zelote anticomunista chamado Josef Bachmann atirou em Dutschke na cabeça três vezes. Bachmann tinha em sua bolsa uma cópia de um jornal de Springer com um artigo sobre Dutschke e, quando sob custódia, afirmou que havia se inspirado no assassinato de Martin Luther King Jr. nos Estados Unidos uma semana antes. Dutschke milagrosamente sobreviveu, ainda que tenha sofrido uma lesão cerebral debilitante e morrido 11 anos depois dessas complicações.

A tentativa de assassinato provocou uma feroz resposta em 14 de abril, um domingo de Páscoa, quando os manifestantes atacaram a sede do Springer, quebrando suas janelas e incendiando carros.

O Teatro de Ação rapidamente elaborou e encenou uma peça chamada “Axel César Haarmann”, uma zombaria de Axel César Springer, que foi lançada em abril, já que os chamados distúrbios da Páscoa ainda seguiam acontecendo. Se lia no panfleto da peça: “Isso tem a ver com Springer! (e a democracia podre que permite que ele tenha poder)”. Diz Watson:





O panfleto de divulgação anunciou que o dinheiro da peça seria usado para ajudar a financiar os custos médicos para o líder estudantil radical Rudi Dutschke e para o apoio do Fundo de Direitos Legais [do SDS]. No fim da apresentação, Fassbinder subiu ao palco com uma mangueira de água, recordando o uso dela pela polícia contra manifestantes de rua. Uma voz dizendo ser da administração de teatro anunciava no alto-falante que a produção havia sido impedida e o público desapareceu; aqueles que não fizeram isso realmente estavam enlouquecidos.

Os distúrbios da Páscoa e suas reverberações, combinados à revolta dos jovens de maio de 1968 na vizinha França, inspiraram uma repressão aos manifestantes e seus pares ideológicos em todos os níveis de governo. Dramáticos decretos de emergência foram emitidos, reduzindo as liberdades civis. A polícia prendeu Söhnlein por seu papel no incêndio em Frankfurt e as autoridades de Munique fecharam o Teatro de Ação no mesmo dia. Oficialmente, eles culparam o perigo da fiação elétrica, mas o tempo tornou óbvio que o movimento tinha motivação política.

Em algum momento entre a peça sobre Springer e o fechamento do Teatro de Ação, Fassbinder foi para Paris, onde foi preso durante a revolta da juventude cataclísmica lá – “não sabemos se como participante ou testemunha”, escreve Watson, “não está claro”. Era uma metáfora adequada sobre a relação de Fassbinder com a esquerda pelo resto de sua vida e carreira.

"Alguns deles são meus amigos."

Em 1972, Thomsen perguntou a Fassbinder o que achava de fazer um filme sobre a RAF. Fassbinder respondeu: “Não faria um filme, pois alguns deles são meus amigos.” Talvez ele tivesse amizades mais próximas com Baader, Ensslin e Söhnlein do que parece. Afinal, este último pode ter sido seu rival criativo, mas ele também era seu colega de apartamento.

Ou talvez o Fassbinder quis dizer que, por conhecê-los e resistir à intensidade desse período político ao lado deles, ele abrigava alguma sensação de competição para os jovens radicais rebeldes – que eles não eram, para ele, uma mera fonte de fascinação e entretenimento sinistro, como eles eram para grande parte da sociedade alemã-ocidental. Esta última interpretação é sustentada em uma entrevista em 1974 na qual Fassbinder disse, por Watson, que “ainda que ele quisesse fazer um filme acerca dos membros da geração de 1968 que enveredaram no terrorismo, não podia fazer porque ele não sabia como retratar sua ‘força’, seu ‘grande potencial intelectual’ e seu desespero super-sensível”.

Independentemente de qualquer afeto que ele possa ter tido por seus pares radicais, Fassbinder escolheu não seguir seus passos. No momento em que a última das manifestações estudantis de massa aconteceu no fim de 1968, Fassbinder já tinha se mudado para escrever e dirigir apresentações experimentais sob o título de um novo projeto denominado “Anti-Teatro”. E quando, em 1970, Ulrike Meinhof libertou Andreas Baader da prisão, onde estava desde a explosão em Frankfurt, fundando aquilo que a imprensa apelidou do Grupo Baader-Meinhof e precipitando a formação da Fração do Exército Vermelho, Fassbinder já estava em ascensão como uma grande presença no cinema alemão com homenagens subversivas a filmes americanos de gênero.

Quando Fassbinder direcionou sua atenção a assuntos políticos durante alguns anos de sua carreira de cinema, o resultado apenas evidenciou como sua perspectiva havia divergido daquela de seus antigos camaradas. Apesar da RAF aumentar suas atividades no fim de 1971 e no começo de 1972 – publicando panfletos como “O conceito de guerrilha urbana” e pondo seus princípios em prática, roubando bancos e matando policiais em tiroteios – Fassbinder estava produzindo as bases para Oito horas não são um dia.

Ainda que o Fassbinder não fosse um militante político, suas atividades durante esse período eram muito mais fiéis “à filosofia original de animação do movimento juvenil alemão” do que suas contrapartes. Seu compromisso com o socialismo os levarou a racharem o SPD. Enquanto escrevia o roteiro de Oito horas não são um dia, Fassbinder promoveu reuniões laboratoriais e conduziu entrevistas extensas com os trabalhadores de fábrica a fim de sentir suas casas e vidas no trabalho. Era o tipo de atividade que alguém empreenderia caso buscasse refletir acerca das condições das pessoas de classe trabalhadora, para encorajá-las a se rebelarem. Sua abordagem, em outras palavras, era mais Rudi Dutschke que Baader-Meinhof.

Enquanto isso, a RAF, fortemente influenciada pelas insurgências anticoloniais armadas na periferia global que mapeavam com estranheza a situação da Alemanha Ocidental, tinha se voltado totalmente para uma estratégia de vigilantismo de extrema esquerda. Embora a minoritária RAF tenha focado principalmente em aterrorizar os inimigos às custas de construir alianças com potenciais amigos, o grupo conquistou de fato uma surpreendente quantidade de apoio público a princípio. Uma pesquisa até mostrou que uma em cada dez pessoas estariam dispostas a abrigar um fugitivo da RAF em sua casa.

A RAF, de certo, foi mais popular que os Weathermen nos Estados Unidos – uma organização contemporânea e análoga com filosofia semelhante, oriunda dos escombros do SDS americano – apesar dos Weathermen causarem muito menos morte e destruição. Ao contrário dos liberais americanos, os liberais alemães se lamentavam assombrosamente por eles ou seus pais não terem lutado o suficiente para evitar a ascensão do fascismo. Quando a RAF tomava uma ação extrema contra as injustiças, era mais difícil para alguns repudiarem. Mesmo assim, a simpatia popular diminuiu à medida que mais pessoas eram feridas e mortas nas campanhas da RAF.

Ironicamente, dadas as circunstâncias prováveis ​​de seu cancelamento, Oito horas não são um dia propunha uma visão estratégica alternativa para a correção das injustiças, que não confiava em uma pequena facção militante equipada com balas e bombas. Mesmo truncada, a série de Fassbinder articulou outro caminho: a participação em massa na luta de classes, sobretudo no ambiente de trabalho, mas também para além disso (há uma subtrama acerca de um esforço para estabelecer um jardim de infância em um bairro de classe trabalhadora), com ênfase na prática da solidariedade entre o diferente (outra subtrama trata da superação do preconceito contra um trabalhador imigrante). Contudo, distinções como essas foram perdidas na reação conservadora contra as bem elaboradas atividades de RAF.

Oito horas não são um dia é, às vezes, chocante em seu franco endosso às ideias marxistas. A série é apimentada de linhas de diálogo que ecoam o linguajar da esquerda, mas também soando perfeitamente natural no contexto. “Temos mais poder do que pensamos”, diz Marion, pedindo a Jochen para ligar para a administração da fábrica. “Você não tem ideia de quanto você possui”, diz um colega de trabalho de Jochen, Manfred – referindo-se, em um inteligente jogo duplo, para as posses de Jochen, já que ele está ajudando Jochen na mudança de apartamento, e levando a uma conversa explícita sobre trabalho e exploração.

A série mostra Fassbinder em uma rara forma idealista. Sua existência única é uma expressão de esperança genuína; não há realmente qualquer razão para abordar todos os problemas se a resistência é fútil. Oito horas não são um dia marca um momento no tempo em que a perspectiva política de Fassbinder amadureceu e quando ainda parecia possível para essa perspectiva moldar o mundo. Nos próximos anos, entretanto, Fassbinder viria a sentir que a janela das possibilidades havia se fechado.

O último episódio de Oito horas não são um dia foi ao ar em março de 1973. Nnaquele ano, um golpe apoiado pelos Estados Unidos no Chile derrubou o governo socialista de Salvador Allende, enquanto a crise do petróleo internacional deu o pretexto para uma reestruturação financeira global em favor do capital ocidental. À medida que os anos 1970 se passavam, todo o mundo passou a reconhecer a soberania fria do incipiente neoliberalismo. Na Alemanha Ocidental, a RAF se tornou a face pública da resistência, ofuscando o restante da esquerda – que, em qualquer caso, estava significativamente reduzida por duas sucessivas ondas de repressão em 1968 e 1972.

Em 1974, a chamada primeira geração da RAF – incluindo a popular ex-jornalista Ulrike Meinhof e os ex-teatrólogos vanguardistas Andreas Baader e Gudrun Ensslin – foram todos presos. O ex-aluno de cinema Holger Meins estava morto, tendo perecido durante uma greve de fome atrás das grades, e os outros não foram tão lembrados pelo mundo.

"Todos os esquerdistas são idiotas!"

Mamãe Kuster vai ao céu de Fassbinder foi lançado em 1975. Era claramente um filme sobre a esquerda que a esquerda odiava. Thomsen descreve sua resenha dessa maneira:

O público na premiére consistia precisamente dos grupos a quem o filme era dirigido, isto é, jornalistas e estudantes militantes. A atmosfera era tão volátil que o diálogo do filme nem sempre era possível entender, e o debate planejado entre Fassbinder e o público foi completamente ofuscado por vaias e insultos. Para a pergunta raivosa, por que o filme só tratou de idiotas à esquerda e não com suas tendências mais construtivas, Fassbinder respondeu mal – com mau temperamento, “todos os esquerdistas são idiotas!”. Houve uma comoção ensurdecedora no auditório, e o debate precisou ser interrompido.

Mamãe Kuster é, de fato, duro para um socialista. O filme gira em torno de uma velha mulher de classe trabalhadora, mãe Kuster, cujo marido mata seu gerente em uma fábrica e depois se mata. A vulnerável mãe Kuster divulga detalhes sobre a vida pessoal do marido para o jornalista de um tabloide, que distorce suas palavras para retratá-lo como um brutamontes terrível. Desesperada para entender, ela faz amizade com dois membros do Partido Comunista, um homem e uma mulher claramente de uma classe mais alta. Eles sugerem que as ações do marido surgiram realmente de um impulso igualitário, mas que ele expressou suas frustrações de uma forma errada. Ele deveria ter tomado uma ação política coletiva.

A mãe Kuster é recrutada pelo partido, chegando a falar em público em um evento político de esquerda. Porém, os comunistas a ignoram quando chega a época eleitoral. O foco deles muda rapidamente da divulgação da vida abismal dos trabalhadores da fábrica para a campanha eleitoral. Desolada e deixada à deriva, a mãe Kuster entra em contato com um jovem que ela conheceu em um comício, a quem os comunistas descrevem como anarquista. O anarquista explica que os comunistas são membros de um partido burguês e lhes falta coragem revolucionária. Se o objetivo dela é convencer o mundo da decência do marido, inocentando o caráter dele e expondo o sistema que o abateu, então o que ela precisa é de ação direta.

O anarquista fala para mãe Kuster a se juntar a ele e seus companheiros e promover uma ação direta no escritório do tabloide. Lá, os anarquistas retiram suas armas e levam os trabalhadores de escritório, ligando para as autoridades para exigir a libertação de todos os prisioneiros políticos na Alemanha Ocidental. A polícia chega, e a mãe Kuster é morta no fogo cruzado. Tudo dito, é reconhecidamente difícil vê-la como algo diferente da história de como os membros de uma louca esquerda negligente exploraram uma mulher trabalhadora e, por fim, a deixam ser morta.

Fassbinder deve ter previsto que Mamãe Kuster ofenderia a esquerda, mas, apesar da óbvia interpretação, ele aparentemente não via isso como um insulto. Segundo Thomsen, que conversou com ele depois, ele havia ficado surpreso com a dura resposta. Esse episódio remete a algo ocorrido no ano anterior: Fassbinder tinha escrito uma peça que procurava explorar a noção inebriante e desafiadora de como a dominação cega as pessoas em uma complexa relação de dependência mútua, a ponto de subverter as categorias de opressor e oprimido. Ao escrever um outro romance já publicado, sua obra contava com um personagem judeu que oprime os alemães – consciente e intencionalmente, como vingança pelo Holocausto. Ele foi subsequentemente acusado de antissemitismo.

A análise cuidadosa de Mamãe Kuster, sobretudo à luz de tudo que sabemos acerca dos pontos de vista e encontros políticos de Fassbinder, sugere que não se trata de uma acusação tanto como um lamento. Afinal, os comunistas são apresentados como bem racionais; o espectador é tão convencido quanto a mãe Kuster por seu raciocínio. O crime deles é que tal racionalidade os coloca em certas obrigações práticas burguesas, de que tratam obedientemente, enquanto não fazem nada pela pobre mulher. Os anarquistas, enquanto isso, são capazes de intervir rápida e dramaticamente onde os comunistas não podem, mas apenas porque sua irracionalidade os deixa totalmente livres.

Essa é uma meditação bem profunda no dilema da esquerda: ao agir decisivamente, é preciso arriscar a insanidade e agir com sensatez, é preciso arriscar a inação e a irrelevância. A mãe Kuster não é um retrato simpático da esquerda, tampouco uma condenação. É uma contemplação das limitações dessas duas opções disponíveis, entregues no momento histórico preciso quando ambas as estratégias se provaram desastrosamente ineficazes.

O título do filme remete a um filme alemão de 1929, A viagem da mãe Krause até a felicidade, favorito da geração de 1968 por seu otimismo revolucionário. A mãe Kuster é a dose de pessimismo servida pelo total fracasso dessa geração em impedir o avanço do neoliberalismo – ou, de fato, mudar grande parte de qualquer coisa. “Todos os esquerdistas são idiotas”, não porque alguma outra ideologia política era superior, mas porque a esquerda se recusou a apreciar a ligação presente dentro dela.

Quando o filme chegou à América em 1977, o New York Times o classificou:

Comédia política espirituosa, livre, belamente feita que, de acordo com uma primeira sinopse que tenho, deveria terminar com a sra. Kuster sendo morta pela polícia. Nada muito selvagem acontece – o que me faz pensar a respeito do sistema de freios e contrapesos que está no trabalho do artista.

Fassbinder havia mudado o final para o público americano. Em vez de morrer em uma chuva de balas, a mãe Kuster é abandonada quando os anarquistas perdem o interesse no imaturo plano deles. Ela conhece um guarda-noturno gentil e idoso e deixa o escritório do tabloide junto a ele, já sem quaisquer ilusões de que a política pode transformar sua vida, mas também não mais desesperadamente sozinha. Não houve pressão do estúdio ou da distribuidora para tal alteração. Fassbinder simplesmente decidiu suavizar o impacto.

"Um de nós?"

No decorrer da década, a RAF seguiu promovendo o caos, culminando naquilo que ficou conhecido como o outono alemão em 1977. Ulrike Meinhof havia se enforcado em sua cela no ano anterior, mas o resto da primeira geração ainda estava vivo na prisão de Stammheim, Incluindo Baader, Ensslin, e seus camarados Jan-Carl Raspe e Irmgard Möller, que viviam em uma comunidade urbana com velho assassino de pudim Fritz Teufel. Em abril de 1977, os três primeiros foram condenados à prisão perpétua.

Dois meses depois, a “segunda geração” da RAF matou o chefe de um grande banco alemão em uma tentativa fracassada de sequestrá-lo. Em setembro, eles sequestraram com sucesso a Hanns Martin Schlearer, o presidente da Confederação das Associações dos Empregadores Alemães – também um ex-oficial da SS, testemunha da inadequação da desnazificação – e o prenderam exigindo a liberação dos 11 membros da RAF, incluindo os quatro em Stammheim. As autoridades criaram um comitê de crise com poucos recursos para lidar com o assunto, mas não tinha intenção de ceder uma única polegada para a RAF.

Desde o princípio, a RAF teve um relacionamento próximo com a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP). Muitas das primeiras gerações fugiram para a Jordânia e receberam treinamento paramilitar do FPLP após serem brevemente libertadas depois da explosão em Frankfurt quase uma década antes. Agora, esse relacionamento próximo teve uma resposta: em outubro, quatro membros da FPLP sequestraram um voo de Maiorca para Frankfurt com 86 passageiros a bordo.

Os sequestradores foram com o avião para Roma para reabastecer. Durante a aterrissagem, divulgaram as demandas originais da RAF e publicaram algumas delas. O avião então voou no entorno do Mediterrâneo e do Oriente Médio, aterrissando em Chipre, Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Iêmen. No Iêmen, um membro da equipe de crise alemã embarcou no avião para negociar. Os sequestradores então voaram para Mogadíscio, na Somália, onde as autoridades alemãs esperavam para emboscá-los. Todos foram mortos ou presos, e os passageiros foram resgatados.

Quando a notícia do sequestro fracassado chegou até a segunda geração de membros da RAF, eles mataram seu refém, Schleyer.

Quando a primeira geração na descobriu isso na prisão, eles se mataram – supostamente com armas contrabandeadas em Stammheim por seus advogados, mesmo que muitos ainda suspeitem que Ensslin, Baader e Raspe tenham sido assassinados pelas autoridades alemãs e internacionais em um ato de retaliação (Möller sobreviveu às feridas de facas e nega ter tentado suicídio). Fassbinder acreditava supostamente que seus velhos conhecidos tinham sido assassinados.

No próximo ano, foi solicitado a Fassbinder a enviar um curta-metragem para a coletânea Alemanha no outono. Foi a resposta do cinema alemão às ações da RAF. Se o projeto da Escola de Cinema de Berlim “A bandeira vermelha” com Holger Meins anunciou o começo de uma determinada era na política de esquerda na Alemanha Ocidental, a Alemanha no outono marcou sua conclusão.

A contribuição do Fassbinder é dinâmica e estranha, consistindo de cenas em que ele, fazendo uma caricatura de si mesmo, conversa com sua mãe e seu amante, repreendendo o último por seu liberalismo complacente, enquanto procura a primeira para confessar seu desejo pela mão forte de um Führer. Isso estava bem distante da lucidez política e otimismo de Oito horas não são um dia, ou até mesmo a melancolia incompreendida de Mamãe Kuster vai ao céu. Até então, era bem sabido que Fassbinder teve um sério problema de abuso de substâncias e que ele recorrentemente se envolvia em birras temperamentais e até mesmo violência. Ele satirizou sua própria turbulência interna em Alemanha no outono, retratando a si mesmo usando drogas, bebendo em excesso e chorando.

O último filme político de Fassbinder, A terceira geração, foi lançado em 1979. A sequência de abertura apresenta uma citação do chanceler alemão-ocidental em agradecimento “aos legalistas da Alemanha por não desafiarem a legalidade constitucional de tudo. Refiro-me à operação em Mogadíscio, e talvez outras coisas relacionadas a Mogadíscio”, uma referência aparente às ações encobertas que o governo usou a fim de neutralizar a RAF.

A terceira geração encontra Fassbinder no seu lugar mais cínico. O filme é mais experimental do que suas obras políticas anteriores, com uma trilha sonora desorientadora que, por diversas vezes, torna o diálogo difícil de compreender. O enredo trata de um industrial descontente que pede ajuda à polícia da Alemanha Ocidental porque, com a diminuição no terrorismo de esquerda, a venda de seus computadores foi afetada. Com o apoio da polícia, ele envia sua ex-secretária para se infiltrar uma célula de dissidentes supostamente radicais, animada mais pelo tédio e mal-estar do que pelo zelo revolucionário, e os instiga à violência. O filme culmina com o grupo, vestido como palhaços, sequestrando o próprio industrial, inconsciente do seu papel. Eles fazem um vídeo do refém, e o industrial sorri.

Tal como aponta Watson, A terceira geração não é uma referência oblíqua aos estudantes de esquerda, nem mesmo aqueles estudantes interessados na violência política. É sobre “terroristas tardios da Alemanha Ocidental” que eram “ativos no fim dos anos 1970 e que, segundo Fassbinder, sabiam bem pouco sobre aquilo que motivaram os antecessores ​​de sua geração.”

“São precisamente aquelas pessoas que não têm uma motivação, qualquer desespero, qualquer utopia, que podem ser facilmente usadas pelos outros”, contou Fassbinder sobre A terceira geração. O filme não era um retrato condenatório das velhas assombrações de Fassbinder, mas um soco cruelmente cômico em seus sucessores e imitadores, além de uma reflexão sombria acerca dos ​​remanescentes lamentáveis de um movimento que buscava transformar o mundo. Trechos de discursos de Rudi Dutschke ecoam ao fundo do filme, torcendo a faca em uma ferida coletiva.

A maior parte daquilo que é escrito a respeito de Fassbinder tem pouco interesse sobre sua relação com a esquerda. Isso é compreensível, já que seus filmes vibrantes e provocantes estavam preocupados especialmente com outros assuntos. Contudo, quando os socialistas de hoje assistem à Oito horas não são um dia, Mamãe Kuster vai ao céu, a Alemanha no outono e A terceira geração – ou destacam trechos de retórica esquerdista e de comentário político em vários de seus outros filmes –, eles sem dúvida costumam se perguntar, de forma questionadora: “Seria Fassbinder um de nós?”

A resposta, sem dúvida, é que ele era. As múltiplas mensagens que recebemos dessas obras são explicadas não por compromissos políticos instáveis, mas pelo aspecto bombástico do Fassbinder seguido da redução de seu otimismo, uma vez nítido que seu lado havia perdido definitivamente a batalha – se não necessariamente a guerra.

Muitos na esquerda da Alemanha Ocidental pensaram naquele momento que o diretor, que até então era uma das figuras mais célebres da Alemanha, os tinha abandonado em seu pessimismo. Porém, talvez não. Rainer Werner Fassbinder morreu em 1982 com 37 anos de uma overdose de cocaína e barbitúricos. Em seu apartamento, cercando seu corpo, estavam notas para um novo projeto de filme: “Rosa L.”, sobre a vida da revolucionária socialista Rosa Luxemburgo.

Meagan Day faz parte da equipe de articulistas da Jacobin.

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