Modelo pode combinar fim da recondução, mandato mais longo e quarentena para outros cargos
Fábio Kerche
O procurador-geral da República é uma das figuras mais importantes do cenário político brasileiro. Com assento, literalmente, no Supremo Tribunal Federal, opina sobre matérias constitucionais levadas a julgamento, tem o monopólio da acusação criminal do presidente e dos políticos de alto escalão e é o procurador-geral eleitoral, o chefe do Ministério Público da União e o presidente do Conselho Nacional do Ministério Público. A entrada do PGR na pauta eleitoral, sendo um dos temas das entrevistas com presidenciáveis no Jornal Nacional, é bem-vinda.
Há dois modelos de indicação, e recondução, em disputa. Um, previsto na Constituição, diz que é o presidente que escolhe um integrante do Ministério Público da União para que seu nome seja aprovado pelo Senado para um mandato de dois anos. Não há limites para a renovação desse mandato, desde que o processo se repita. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, reconduziu seu PGR por três vezes.
Modelo alternativo, adotado sem qualquer alteração na legislação por Luiz Inácio Lula da Lula e Dilma Rousseff, se baseava numa lista tríplice votada por pouco mais de mil procuradores da República. Os presidentes petistas indicavam para a sabatina no Senado o nome mais votado pelos colegas de Ministério Público Federal, deixando de lado os outros ramos do Ministério Público da União, como procuradores do Trabalho. Na prática, os presidentes petistas delegaram o direito de escolher o chefe do Ministério Público da União para servidores públicos não eleitos, estimulando uma pauta corporativa para aquele que é o Ministério Público mais caro do mundo em termos de PIB. Michel Temer (MDB), em sua rápida passagem pelo Planalto, escolheu o segundo nome mais votado da lista tríplice.
Os dois modelos de escolha são ruins e incentivam comportamentos questionáveis. Um estimula um PGR excessivamente atrelado ao presidente, e o outro, um chefe do Ministério Público que não presta contas à sociedade e que dificilmente poderá ser responsabilizado por seus atos. O maior problema, contudo, é a possibilidade da recondução.
No modelo constitucional, o PGR precisa agradar o presidente para ter seu mandato renovado ou até ser indicado para postos mais importantes, como o STF. O responsável por acusar o presidente e seus ministros junto à Suprema Corte para crimes comuns só terá sua recondução assegurada se agradar justamente àquele que deve ser fiscalizado. O engavetador-geral da República de FHC e o excessivamente cauteloso Augusto Aras são frutos desse modelo institucional.
No caso da lista tríplice, o procurador-geral, para ter o seu mandato renovado, deve agradar aos seus próprios colegas. O direito de que servidores públicos possam escolher uma figura central na República não assegura que o processo seja mais democrático do que aquela que passa pelo presidente eleito pelo voto popular. Um PGR poderoso e excessivamente independente da prestação de contas a terceiros é tão problemático quanto um excessivamente atrelado ao chefe do Executivo. Rodrigo Janot, o PGR da Lava Jato, fez tão mal a democracia brasileira quanto Aras.
É preciso buscar uma alternativa. Seria um ganho se conseguíssemos equilibrar autonomia do PGR, mas sem desconsiderar a legitimidade dos políticos eleitos. A saída pode ser um modelo que combine o fim da recondução, mandato mais longo e uma quarentena para outros cargos —tudo isso passando pela indicação do presidente e pela aprovação do Senado.
Essa fórmula não estimularia o PGR a agradar seu eleitor, seja o presidente, sejam os demais procuradores, justamente por não poder ser reconduzido ao cargo. A quarentena extensa desestimularia que o PGR buscasse uma recompensa para outras vagas no Executivo, Legislativo ou Judiciário. Um mandato longo e, talvez, de forma que um procurador-geral indicado em um mandato presidencial ainda sirva em uma parte do próximo, assegura tempo para a condução de investigações e de processos.
No laboratório da política, as experiências adotadas em diferentes momentos se mostraram equivocadas em relação à indicação do PGR. Que o futuro permita o debate sobre alternativas ao que não funcionou.
Sobre o autor
Doutor em ciência política pela USP, é professor da Unirio e membro do Observatório das Eleições INCT/IDDC; coautor do livro "A Política no Banco dos Réus: a Operação Lava Jato e a erosão da democracia no Brasil" (ed. Autêntica)
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