Uma entrevista
Miquel Ramos
Miquel Ramos
Jornalista e autor Miquel Ramos. (Foto: Cristina Candel) |
Entrevista por
Ignacio Pato
Tradução / Nas últimas eleições gerais da Espanha em 2019, a extrema direita alcançou seu melhor resultado de todos os tempos. Com 3,7 milhões de votos (15%) e cinquenta e duas cadeiras, o Vox tornou-se o terceiro maior partido do Congresso e não parou de avançar. No início deste ano, juntou-se ao governo em Castilla y León, a maior região da Espanha. Se há uma década o Vox não existia, hoje seus líderes aparecem em programas de comédia no horário nobre – e com eleições gerais marcadas para 2023, eles poderão em breve ocupar o governo.
Tudo isso foi uma surpresa para um certo mantra do mainstream. Durante décadas, esse mantra pintou a Espanha como um oásis de democracia, até mesmo o único país da Europa sem extrema direita, só porque não apareciam no dia das eleições. Mas reconhecer o poder dessas forças hoje também é enfrentar a realidade. A extrema direita espanhola não está apenas de volta: ela nunca foi embora. Vox não é seu único nome. Isso é algo que os antifascistas mais comprometidos sabem há mais de três décadas.
Assim como para muitos de sua geração, o antifascismo é um assunto pessoal para o jornalista Miquel Ramos, nascido em Valência em 1979. Um mês antes de Miquel completar 14 anos, o ativista Guillem Agulló, de 18 anos, foi morto a facadas por militantes da extrema direita. Ramos conheceu Agulló por causa de sua presença em manifestações da esquerda e nos espaços políticos. De fato, os anos 1990 foram anos em que os adolescentes viram o aumento da violência fascista nas ruas. Em um ano e meio, a mulher trans Sonia Rescalvo em Barcelona, a trabalhadora migrante de origem dominicana Lucrecia Pérez em Madri e Agulló foram mortas.
Desde então, Ramos começou a colecionar recortes de imprensa sobre o assunto, dando continuidade ao trabalho que agora publica, sobre 30 anos de oposição militante aos movimentos de extrema direita, fascistas e neonazistas na Espanha, intitulado Antifascistas: así se combatió a la extrema derecha española desde los años 90 [Antifascistas: assim se combateu a extrema direita espanhola nos anos 90].
Ignacio Pato conversou com Ramos sobre os movimentos de rua de extrema direita na Espanha, sua relação com a direita parlamentar e como eles podem ser combatidos.
Ignacio Pato
Comparado às gerações mais velhas, o relacionamento de sua geração com o antifascismo parece ter uma característica distinta e mais pessoal.
Miquel Ramos
Minha geração não viveu a Transição do final dos anos 1970, período marcado pela continuidade do franquismo em estruturas estatais como a polícia, e por grupos que ainda defendiam a ditadura.
Mas em nossa adolescência na década de 1990, vimos as manifestações de uma extrema direita que não estava tão presente antes. Eles agiram nas ruas com violência e impunidade. O conto de fadas afirmava que o fascismo havia morrido com Francisco Franco. Talvez parte da geração anterior que lutou contra ela não se sentiu atraída por esses novos grupos. Mas a nossa geração, aquela que começou a ter preocupações políticas no início dos anos 1990, sim.
Ignacio Pato
Tradução / Nas últimas eleições gerais da Espanha em 2019, a extrema direita alcançou seu melhor resultado de todos os tempos. Com 3,7 milhões de votos (15%) e cinquenta e duas cadeiras, o Vox tornou-se o terceiro maior partido do Congresso e não parou de avançar. No início deste ano, juntou-se ao governo em Castilla y León, a maior região da Espanha. Se há uma década o Vox não existia, hoje seus líderes aparecem em programas de comédia no horário nobre – e com eleições gerais marcadas para 2023, eles poderão em breve ocupar o governo.
Tudo isso foi uma surpresa para um certo mantra do mainstream. Durante décadas, esse mantra pintou a Espanha como um oásis de democracia, até mesmo o único país da Europa sem extrema direita, só porque não apareciam no dia das eleições. Mas reconhecer o poder dessas forças hoje também é enfrentar a realidade. A extrema direita espanhola não está apenas de volta: ela nunca foi embora. Vox não é seu único nome. Isso é algo que os antifascistas mais comprometidos sabem há mais de três décadas.
Assim como para muitos de sua geração, o antifascismo é um assunto pessoal para o jornalista Miquel Ramos, nascido em Valência em 1979. Um mês antes de Miquel completar 14 anos, o ativista Guillem Agulló, de 18 anos, foi morto a facadas por militantes da extrema direita. Ramos conheceu Agulló por causa de sua presença em manifestações da esquerda e nos espaços políticos. De fato, os anos 1990 foram anos em que os adolescentes viram o aumento da violência fascista nas ruas. Em um ano e meio, a mulher trans Sonia Rescalvo em Barcelona, a trabalhadora migrante de origem dominicana Lucrecia Pérez em Madri e Agulló foram mortas.
Desde então, Ramos começou a colecionar recortes de imprensa sobre o assunto, dando continuidade ao trabalho que agora publica, sobre 30 anos de oposição militante aos movimentos de extrema direita, fascistas e neonazistas na Espanha, intitulado Antifascistas: así se combatió a la extrema derecha española desde los años 90 [Antifascistas: assim se combateu a extrema direita espanhola nos anos 90].
Ignacio Pato conversou com Ramos sobre os movimentos de rua de extrema direita na Espanha, sua relação com a direita parlamentar e como eles podem ser combatidos.
Ignacio Pato
Comparado às gerações mais velhas, o relacionamento de sua geração com o antifascismo parece ter uma característica distinta e mais pessoal.
Miquel Ramos
Minha geração não viveu a Transição do final dos anos 1970, período marcado pela continuidade do franquismo em estruturas estatais como a polícia, e por grupos que ainda defendiam a ditadura.
Mas em nossa adolescência na década de 1990, vimos as manifestações de uma extrema direita que não estava tão presente antes. Eles agiram nas ruas com violência e impunidade. O conto de fadas afirmava que o fascismo havia morrido com Francisco Franco. Talvez parte da geração anterior que lutou contra ela não se sentiu atraída por esses novos grupos. Mas a nossa geração, aquela que começou a ter preocupações políticas no início dos anos 1990, sim.
Era impossível para muitas pessoas escapar dessa violência da extrema direita. Muita gente passou por isso, sejam militantes políticos, ou não: às vezes você tinha que ter cuidado só porque andava em certos lugares.
Ignacio Pato
Podemos ver diferentes fases nas estratégias de extrema-direita durante os últimos trinta anos?
Miquel Ramos
Sim. Primeiro, eles tinham algumas características mais tribais associadas a skinheads e hooligans – isso foi entre meados dos anos 1980 e os anos 2000. Depois disso, a extrema direita tentou formar partidos políticos regulares e suavizar seu discurso, jogando o jogo político.
A terceira fase foi a ascensão de movimentos sociais neofascistas influenciados pela ‘Nouvelle Droite’ francesa, como a ‘CasaPound’ da Itália – grupos que imitam diretamente as estratégias e símbolos da esquerda radical. O estágio atual é que temos, pela primeira vez na Espanha, um partido de extrema-direita, o Vox, presente nas instituições.
O lado bom da história é que o antifascismo também está se organizando. E esse movimento se une a outros como os movimentos de ocupações, antiglobalização e aqueles que lutam por bairros mais sociais e habitáveis. O militante antifascista geralmente não luta apenas contra o fascismo.
Ignacio Pato
Em Antifascistas, você identifica um ponto de virada por volta de 20 de novembro de 1988 – aniversário da morte de Franco - quando grupos de extrema direita tentaram atacar as barracas de movimentos de esquerda e anarquistas em El Rastro, o mercado ao ar livre mais popular de Madri.
Miquel Ramos
Até então, a ação da extrema direita era mais sobre represálias e confrontos ocasionais. No entanto, o ataque a El Rastro envolveu uma organização fascista atacando um espaço bastante simbólico para pessoas de esquerda em Madri. Eles já estavam em alerta e perceberam que tinham que se unir e enfrentar o problema.
Ignacio Pato
Os anos 1990 foram uma espécie de “anos de chumbo” de violência contínua. Isso começa com o assassinato do parlamentar de esquerda basco Josu Muguruza. Grupos como “Bases Autónomas” usaram violência nas ruas, e áreas de algumas cidades ficaram sob o controle da extrema direita. Para muitos, o antifascismo tornou-se algo mais do que uma posição política, pois tratava-se também de proteger a si mesmos e suas próprias vidas. Você acha que a sociedade de hoje está ciente das reais dimensões do que aconteceu então?
Miquel Ramos
Eu não acho que esteja. Dias como esses marcam as pessoas. Foi uma situação em que você não está procurando por nada – mas algo encontra você. Houveram assassinatos, pessoas gravemente feridas e outras que foram forçadas a implorar por suas vidas, revidar ou atacar preventivamente. Faz você ver o problema da extrema direita de uma certa maneira. Essa ameaça foi banalizada, por exemplo, quando a mídia falou sobre “tribos urbanas”. Claro, essas não eram lutas por território: a extrema direita queria matá-lo por causa de quem você era, como você pensava ou quem você amava. Ou quem eles pensavam que você era, porque às vezes as vítimas não tinham nenhum vínculo político. Bater os olhos era suficiente. Meu livro tenta explicar o que existia, como as pessoas viviam com isso e o que elas fizeram a respeito. Seus testemunhos são baseados em sua própria experiência.
Ignacio Pato
Naqueles anos, a retórica da grande mídia retratava principalmente a lógica de “confrontos entre diferentes tribos”. Pela primeira vez, os nazistas foram notícia no horário nobre. Essa presença fez soar o alarme antifascista entre os cidadãos comuns ou acabou por implodir a verdade?
Miquel Ramos
A mídia apresentava uma extrema direita caricatural – muitas vezes como um skinhead bêbado, enquanto o problema era obviamente muito maior. O problema também foi que algumas pessoas abraçaram essa caricatura. Muitos nazistas foram atraídos pelo movimento skinhead por meio do filme “American History X”, do livro “Diario de un skin”, ou de reportagens sensacionalistas sobre futebol. Alguns outros, é verdade, chegaram ao antifascismo através dessas imagens, mas também houve uma tentativa dentro do movimento de acabar com isso. Por exemplo, Brigadas Antifascistas (BAF) disse: “Você não pode ficar aqui, isso é político”.
Ignacio Pato
Um dos depoimentos do livro, da BAF, diz que esse coletivo foi “um rolo compressor” no início do milênio. Houve uma ofensiva antifascista naquela época. Quais foram seus elementos-chave?
Miquel Ramos
Ignacio Pato
Em Antifascistas, você identifica um ponto de virada por volta de 20 de novembro de 1988 – aniversário da morte de Franco - quando grupos de extrema direita tentaram atacar as barracas de movimentos de esquerda e anarquistas em El Rastro, o mercado ao ar livre mais popular de Madri.
Miquel Ramos
Até então, a ação da extrema direita era mais sobre represálias e confrontos ocasionais. No entanto, o ataque a El Rastro envolveu uma organização fascista atacando um espaço bastante simbólico para pessoas de esquerda em Madri. Eles já estavam em alerta e perceberam que tinham que se unir e enfrentar o problema.
Ignacio Pato
Os anos 1990 foram uma espécie de “anos de chumbo” de violência contínua. Isso começa com o assassinato do parlamentar de esquerda basco Josu Muguruza. Grupos como “Bases Autónomas” usaram violência nas ruas, e áreas de algumas cidades ficaram sob o controle da extrema direita. Para muitos, o antifascismo tornou-se algo mais do que uma posição política, pois tratava-se também de proteger a si mesmos e suas próprias vidas. Você acha que a sociedade de hoje está ciente das reais dimensões do que aconteceu então?
Miquel Ramos
Eu não acho que esteja. Dias como esses marcam as pessoas. Foi uma situação em que você não está procurando por nada – mas algo encontra você. Houveram assassinatos, pessoas gravemente feridas e outras que foram forçadas a implorar por suas vidas, revidar ou atacar preventivamente. Faz você ver o problema da extrema direita de uma certa maneira. Essa ameaça foi banalizada, por exemplo, quando a mídia falou sobre “tribos urbanas”. Claro, essas não eram lutas por território: a extrema direita queria matá-lo por causa de quem você era, como você pensava ou quem você amava. Ou quem eles pensavam que você era, porque às vezes as vítimas não tinham nenhum vínculo político. Bater os olhos era suficiente. Meu livro tenta explicar o que existia, como as pessoas viviam com isso e o que elas fizeram a respeito. Seus testemunhos são baseados em sua própria experiência.
Ignacio Pato
Naqueles anos, a retórica da grande mídia retratava principalmente a lógica de “confrontos entre diferentes tribos”. Pela primeira vez, os nazistas foram notícia no horário nobre. Essa presença fez soar o alarme antifascista entre os cidadãos comuns ou acabou por implodir a verdade?
Miquel Ramos
A mídia apresentava uma extrema direita caricatural – muitas vezes como um skinhead bêbado, enquanto o problema era obviamente muito maior. O problema também foi que algumas pessoas abraçaram essa caricatura. Muitos nazistas foram atraídos pelo movimento skinhead por meio do filme “American History X”, do livro “Diario de un skin”, ou de reportagens sensacionalistas sobre futebol. Alguns outros, é verdade, chegaram ao antifascismo através dessas imagens, mas também houve uma tentativa dentro do movimento de acabar com isso. Por exemplo, Brigadas Antifascistas (BAF) disse: “Você não pode ficar aqui, isso é político”.
Ignacio Pato
Um dos depoimentos do livro, da BAF, diz que esse coletivo foi “um rolo compressor” no início do milênio. Houve uma ofensiva antifascista naquela época. Quais foram seus elementos-chave?
Miquel Ramos
Grupos antifascistas não estavam apenas focados em autodefesa, mas nessa época, eles superaram uma atitude de “vítima”. A mentalidade mudou. Para coletivos como o BAF, a ideia era: “Não há necessidade de eles virem até nós; nós vamos atrás deles primeiro.”
As pessoas que tomaram essa iniciativa salvaram muitas outras, na minha opinião. Pode ser criticado à distância, e a discussão em torno das táticas violentas vêm de todo o livro, porque nunca houve um consenso sobre isso. Mas onde existiu uma ofensiva antifascista, onde as pessoas traçaram a linha, a violência da extrema direita diminuiu.
Ignacio Pato
O marco para outra geração de antifascistas foi o assassinato de Carlos Palomino, um jovem de dezesseis anos esfaqueado até a morte em um protesto contra um comício neonazista em 2007. Houve uma mudança na forma como o movimento se comunicava, e na forma como lutou para retratar a história na mídia. Algumas organizações começaram a mostrar seus rostos. De alguma forma, a imagem do antifascista como um jovem raivoso sob um capuz preto foi superada.
Miquel Ramos
Muitas vezes, sob esses capuzes, haviam indivíduos que ninguém imaginaria. O perfil dos antifascistas sempre foi diverso. O clichê que a mídia criou foi o de uma equipe violenta no estilo “black bloc” causando problemas. Durante anos, isso pesou muito.
Na época do assassinato de Carlos Palomino, não havia apenas a alegação de que mataram um menor, que tinha mãe e amigos. Alguns relatos insistiam na caricatura antifascista [de Palomino], e foi uma dupla vitimização. E o antifascismo foi muito esperto em mostrar seus rostos. Isso ajudou a desmantelar o mantra “ambos os lados” da mídia, mas não de forma completa, porque ainda persiste.
Ignacio Pato
Que papel a polícia desempenhou em relação ao problema da extrema direita?
Miquel Ramos
Não houve um expurgo efetivo das forças de segurança após a morte de Franco. Os policiais que torturaram pessoas continuaram seu trabalho até se aposentarem. Houve, especialmente na década de 1980, terrorismo de Estado que envolveu membros dessas forças. Alguns pagaram com pena de prisão, mas outros escaparam impunes ou até foram condecorados, como no caso conhecido de “Billy el Niño” [o torturador e policial mais conhecido da ditadura de Franco, que morreu de COVID sem nunca ir a julgamento]. Sempre vimos nazistas que são filhos de policiais ou que são presos, mas nem chegam às delegacias. E não se esqueça que seus esquadrões de informação ainda estão falando sobre “tribos urbanas” até hoje.
Ignacio Pato
Alguns comentaristas políticos associaram a ascensão do Vox a uma resposta ao processo de independência da Catalunha e ao referendo de outubro de 2017.
Miquel Ramos
O nacionalismo espanhol sempre foi um dos elementos básicos da extrema direita. Isso sempre existiu – não precisava do referendo para se excitar. A questão é por que a extrema direita conseguiu capitalizar a campanha contra a autodeterminação catalã.
Muitas vezes, sob esses capuzes, haviam indivíduos que ninguém imaginaria. O perfil dos antifascistas sempre foi diverso. O clichê que a mídia criou foi o de uma equipe violenta no estilo “black bloc” causando problemas. Durante anos, isso pesou muito.
Na época do assassinato de Carlos Palomino, não havia apenas a alegação de que mataram um menor, que tinha mãe e amigos. Alguns relatos insistiam na caricatura antifascista [de Palomino], e foi uma dupla vitimização. E o antifascismo foi muito esperto em mostrar seus rostos. Isso ajudou a desmantelar o mantra “ambos os lados” da mídia, mas não de forma completa, porque ainda persiste.
Ignacio Pato
Que papel a polícia desempenhou em relação ao problema da extrema direita?
Miquel Ramos
Não houve um expurgo efetivo das forças de segurança após a morte de Franco. Os policiais que torturaram pessoas continuaram seu trabalho até se aposentarem. Houve, especialmente na década de 1980, terrorismo de Estado que envolveu membros dessas forças. Alguns pagaram com pena de prisão, mas outros escaparam impunes ou até foram condecorados, como no caso conhecido de “Billy el Niño” [o torturador e policial mais conhecido da ditadura de Franco, que morreu de COVID sem nunca ir a julgamento]. Sempre vimos nazistas que são filhos de policiais ou que são presos, mas nem chegam às delegacias. E não se esqueça que seus esquadrões de informação ainda estão falando sobre “tribos urbanas” até hoje.
Ignacio Pato
Alguns comentaristas políticos associaram a ascensão do Vox a uma resposta ao processo de independência da Catalunha e ao referendo de outubro de 2017.
Miquel Ramos
O nacionalismo espanhol sempre foi um dos elementos básicos da extrema direita. Isso sempre existiu – não precisava do referendo para se excitar. A questão é por que a extrema direita conseguiu capitalizar a campanha contra a autodeterminação catalã.
A narrativa oficial, aquela que vinha das autoridades, se adequava bem à extrema direita. Nas manifestações, houve democratas contra o referendo catalão que não colocaram barreiras contra a extrema direita. Por que pessoas de partidos comunistas e socialistas estavam compartilhando faixas com o Vox? Talvez essa narrativa tenha sido um erro desde o início. Não havia uma alternativa para a polícia esmagar cabeças no dia da votação? Por que a mensagem “a por ellos” foi institucionalizada?
Ignacio Pato
O Vox tentou – mas até agora não conseguiu – fazer uma abordagem mais às preocupações da classe trabalhadora. Existe o perigo, na Espanha, de uma extrema direita com um discurso mais social do que o próprio Vox?
Miquel Ramos
Eu realmente não vejo isso agora em um nível político-partidário. Não vejo a Vox fazendo uma abordagem séria dos problemas sociais dos trabalhadores. No entanto, o Vox expandiu a janela de Overton para movimentos sociais que imitam a esquerda e tentam usar um discurso de “classe”, como fez a Nouvelle Droite francesa depois de maio de 68 – movimentos cuja narrativa passou de atacar os sem-teto para alimentá-los.
Ignacio Pato
O ex-vice-primeiro-ministro Pablo Iglesias é um dos entrevistados em Antifascistas. Esta é provavelmente a primeira vez na história recente da Espanha que uma figura do alto escalão do governo fala sobre esse assunto, a partir da experiência em primeira pessoa. O antifascismo foi um slogan bastante explícito para o ‘Podemos’ nas últimas eleições regionais de Madri.
Miquel Ramos
Algumas pessoas dentro do Podemos vêm de movimentos sociais e sofreram violência neonazista. Eles têm essa sensibilidade. Pablo Iglesias e a Ministra da Igualdade, Irene Montero, há muito tempo têm extremistas indo à porta de sua casa, até enviando balas pelo correio. Isso é algo que nunca tinha acontecido antes.
Ignacio Pato
Nos últimos dois anos, a saúde mental tornou-se um tema dominante na Espanha. Esta é uma questão com a qual a extrema direita pareceu nunca se importar, em vez disso, tiram sarro dos problemas emocionais das pessoas. A saúde mental é um espaço onde o antifascismo e a democracia podem avançar?
Miquel Ramos
A extrema direita é mais sobre bullying do que fazer política. Baseia-se em assediar e derrubar grupos vulneráveis. Seu programa econômico profundamente neoliberal tem custos sérios para a qualidade de vida das pessoas. Por mais que usem a batalha cultural como cortina de fumaça, a política de extrema direita não dá mais direitos às classes trabalhadoras. E isso tem um custo também a nível emocional. Defender nossa saúde – saúde mental, mas também outras – é uma bandeira que podemos erguer. A extrema direita não dá a mínima para a qualidade de vida dos desprivilegiados. O antifascismo é amplamente baseado no apoio mútuo e no cuidado mútuo. Claramente, temos uma vantagem moral nesta frente.
Ignacio Pato
O feminismo, antirracismo, movimentos LGBTQ, campanhas de moradia e sindicatos permitem uma espécie de antifascismo preventivo. No início do bloqueio do COVID-19, vimos grupos de ajuda mútua em muitos bairros, enquanto a extrema direita não fez nada para ajudar ninguém. Quais você acha que são os pontos fracos deles?
Miquel Ramos
O fascismo se aproveita do enfraquecimento neoliberal da consciência de classe. Eles se concentram não nessa consciência social, mas em outras identidades. Seu eleitor não é atraído pela economia, mas pela bandeira, pela masculinidade e pela branquitude.
O sentimento de pertencimento de classe, que continua difundido ainda hoje, costumava ser uma barreira contra o fascismo. Não estamos vivendo o melhor dos tempos para essa consciência; é verdade. Mas as lutas de base nos bairros, pelo direito à moradia, defendendo seus vizinhos, seus empregos e de seus amigos, talvez os empregos de outros trabalhadores, mesmo que estejam a centenas de quilômetros de você – tudo isso é absolutamente um muro de proteção contra a extrema direita.
Ignacio Pato
Qual é o seu diagnóstico da situação atual?
Miquel Ramos
O antifascismo ainda conta muito entre as pessoas de mentalidade democrática – faz parte de seu DNA. A Espanha foi um dos últimos países europeus onde a extrema direita entrou no parlamento, e acho que isso aumentou a conscientização.
Já me perguntaram, em outras entrevistas, se o antifascismo falhou. Eu te diria que não. A pergunta que precisa ser respondida é por que as pessoas, muitas delas muito jovens, que lutaram contra a extrema direita foram deixadas sozinhas – então, não se trata do que fizeram de errado, mas onde estava o resto da sociedade. Meu livro quer prestar homenagem a pessoas que muitas vezes lutaram sozinhas. Ainda hoje, há jornalistas que não conhecem os jogos que a extrema direita joga com a mídia. Pior ainda, há um certo tipo de esquerda que compra em enquadramentos de extrema direita.
O antifascismo tem muito trabalho a fazer, mas uma herança muito valiosa. Devemos insistir que o fascismo não é uma opção política nem uma opinião respeitável. Isso impacta a vida de muitas pessoas. Assim, cada um tem que escolher de que lado da história quer fazer parte.
Colaboradores
Ignacio Pato
O Vox tentou – mas até agora não conseguiu – fazer uma abordagem mais às preocupações da classe trabalhadora. Existe o perigo, na Espanha, de uma extrema direita com um discurso mais social do que o próprio Vox?
Miquel Ramos
Eu realmente não vejo isso agora em um nível político-partidário. Não vejo a Vox fazendo uma abordagem séria dos problemas sociais dos trabalhadores. No entanto, o Vox expandiu a janela de Overton para movimentos sociais que imitam a esquerda e tentam usar um discurso de “classe”, como fez a Nouvelle Droite francesa depois de maio de 68 – movimentos cuja narrativa passou de atacar os sem-teto para alimentá-los.
Ignacio Pato
O ex-vice-primeiro-ministro Pablo Iglesias é um dos entrevistados em Antifascistas. Esta é provavelmente a primeira vez na história recente da Espanha que uma figura do alto escalão do governo fala sobre esse assunto, a partir da experiência em primeira pessoa. O antifascismo foi um slogan bastante explícito para o ‘Podemos’ nas últimas eleições regionais de Madri.
Miquel Ramos
Algumas pessoas dentro do Podemos vêm de movimentos sociais e sofreram violência neonazista. Eles têm essa sensibilidade. Pablo Iglesias e a Ministra da Igualdade, Irene Montero, há muito tempo têm extremistas indo à porta de sua casa, até enviando balas pelo correio. Isso é algo que nunca tinha acontecido antes.
Ignacio Pato
Nos últimos dois anos, a saúde mental tornou-se um tema dominante na Espanha. Esta é uma questão com a qual a extrema direita pareceu nunca se importar, em vez disso, tiram sarro dos problemas emocionais das pessoas. A saúde mental é um espaço onde o antifascismo e a democracia podem avançar?
Miquel Ramos
A extrema direita é mais sobre bullying do que fazer política. Baseia-se em assediar e derrubar grupos vulneráveis. Seu programa econômico profundamente neoliberal tem custos sérios para a qualidade de vida das pessoas. Por mais que usem a batalha cultural como cortina de fumaça, a política de extrema direita não dá mais direitos às classes trabalhadoras. E isso tem um custo também a nível emocional. Defender nossa saúde – saúde mental, mas também outras – é uma bandeira que podemos erguer. A extrema direita não dá a mínima para a qualidade de vida dos desprivilegiados. O antifascismo é amplamente baseado no apoio mútuo e no cuidado mútuo. Claramente, temos uma vantagem moral nesta frente.
Ignacio Pato
O feminismo, antirracismo, movimentos LGBTQ, campanhas de moradia e sindicatos permitem uma espécie de antifascismo preventivo. No início do bloqueio do COVID-19, vimos grupos de ajuda mútua em muitos bairros, enquanto a extrema direita não fez nada para ajudar ninguém. Quais você acha que são os pontos fracos deles?
Miquel Ramos
O fascismo se aproveita do enfraquecimento neoliberal da consciência de classe. Eles se concentram não nessa consciência social, mas em outras identidades. Seu eleitor não é atraído pela economia, mas pela bandeira, pela masculinidade e pela branquitude.
O sentimento de pertencimento de classe, que continua difundido ainda hoje, costumava ser uma barreira contra o fascismo. Não estamos vivendo o melhor dos tempos para essa consciência; é verdade. Mas as lutas de base nos bairros, pelo direito à moradia, defendendo seus vizinhos, seus empregos e de seus amigos, talvez os empregos de outros trabalhadores, mesmo que estejam a centenas de quilômetros de você – tudo isso é absolutamente um muro de proteção contra a extrema direita.
Ignacio Pato
Qual é o seu diagnóstico da situação atual?
Miquel Ramos
O antifascismo ainda conta muito entre as pessoas de mentalidade democrática – faz parte de seu DNA. A Espanha foi um dos últimos países europeus onde a extrema direita entrou no parlamento, e acho que isso aumentou a conscientização.
Já me perguntaram, em outras entrevistas, se o antifascismo falhou. Eu te diria que não. A pergunta que precisa ser respondida é por que as pessoas, muitas delas muito jovens, que lutaram contra a extrema direita foram deixadas sozinhas – então, não se trata do que fizeram de errado, mas onde estava o resto da sociedade. Meu livro quer prestar homenagem a pessoas que muitas vezes lutaram sozinhas. Ainda hoje, há jornalistas que não conhecem os jogos que a extrema direita joga com a mídia. Pior ainda, há um certo tipo de esquerda que compra em enquadramentos de extrema direita.
O antifascismo tem muito trabalho a fazer, mas uma herança muito valiosa. Devemos insistir que o fascismo não é uma opção política nem uma opinião respeitável. Isso impacta a vida de muitas pessoas. Assim, cada um tem que escolher de que lado da história quer fazer parte.
Colaboradores
Miquel Ramos é jornalista e autor de "Antifascistas: Así se combatió a la extrema derecha española desde los años 90".
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