Nelson Barbosa
Folha de S.Paulo
Em meio a balbúrdia orçamentária criada por Guedes e Bolsonaro, é natural que agentes do mercado cobrem um plano fiscal alternativo dos principais candidatos à presidência.
Também é natural que os principais candidatos deem respostas vagas, mais qualitativas do que quantitativas, pois Bolsonaro está deixando o tanque vazio, o motor fundido, os pneus furados e um papagaio enorme no posto de gasolina para o seu sucessor.
Fora das campanhas, já começaram a aparecer propostas. De um lado, para compensar o populismo fiscal de 2022, o pessoal de sempre pede superarrocho fiscal em 2023. Não aprenderam nada e não esqueceram nada com o fracasso do choque Levy e do teto Temer.
Do outro lado, um grupo de seis colegas sugeriu criar um gasto extra teto de 1% do PIB por ano, até que o governo a ser eleito apresente sua nova regra fiscal. Como já disse neste espaço, para evitar parada súbita em vários programas, será mesmo necessário que o governo eleito em outubro peça espaço fiscal adicional, para 2023, ao Congresso.
Porém, diante do passivo gerado por Bolsonaro, o valor será maior do que 1% do PIB. Nas contas do meu colega do IBRE/FGV, Braulio Borges, a conta já está em 2% do PIB e subindo. O valor final só será conhecido ao final do ano, quando tivermos presidente eleito e o Congresso votar o orçamento de 2023. Até lá, sugiro evitar traçar linha na areia, pois as ondas da realidade não respeitam desejos de economista.
Nesta semana o corpo técnico do Tesouro Nacional também se manifestou, sugerindo adotar regra orçamentária mais flexível, similar ao que já fazemos nas metas de inflação, só que usando a dívida bruta do governo como meta fiscal. A proposta está na direção correta e, em 2012, já tinha gente no governo Dilma dizendo a mesma coisa: usar bandas para meta de resultado primário, com ajuste gradual quando o resultado efetivo ficasse fora do intervalo fixado pelo governo.
Só levou dez anos para o Tesouro se convencer do óbvio ululante, mas ainda assim a proposta dos técnicos tem um problema: no Brasil, seria um erro fixar meta rígida de endividamento público pois a dinâmica de nossa dívida é fortemente influenciada por fatores financeiros (exemplo: resultado de swaps cambiais), internacionais (exemplo: choque Putin nos prêmios de risco) e jurídicos (exemplo: geração de esqueletos pelo ativismo econômico do STF).
Toda regra fiscal deve ter cenário de dívida, mas o valor da dívida não deve ser o gatilho para paradas ou retomadas súbitas no orçamento. Em vez de procurar um número mágico de dívida ótima, tenho uma sugestão mais simples: fixar uma meta de crescimento real do gasto primário e deixar o resultado primário flutuar de acordo com a evolução da receita efetiva, que pode desviar da projeção do governo.
A regra acima melhoraria a execução do gasto (acabando com contingenciamento), tornaria o déficit primário automaticamente anticíclico e, mais importante, poderia ser calibrada ano a ano de acordo com a evolução do resultado primário, com ajustes graduais caso o resultado efetivo desvie muito da expectativa do governo.
Os últimos anos mostraram que metas fiscais rígidas geram mudanças recorrentes na Constituição, risco de crise institucional quando o governo é de esquerda e orçamento secreto e incerto quando o governo é de direita.
Chegou a hora de mudar para metas fiscais flexíveis, compensando a flexibilidade com mais transparência na execução de um orçamento público. Já fazemos assim na política monetária e cambial. Falta fazer o mesmo no fiscal.
Folha de S.Paulo
Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro - Gabriela Biló/Folhapress |
Em meio a balbúrdia orçamentária criada por Guedes e Bolsonaro, é natural que agentes do mercado cobrem um plano fiscal alternativo dos principais candidatos à presidência.
Também é natural que os principais candidatos deem respostas vagas, mais qualitativas do que quantitativas, pois Bolsonaro está deixando o tanque vazio, o motor fundido, os pneus furados e um papagaio enorme no posto de gasolina para o seu sucessor.
Fora das campanhas, já começaram a aparecer propostas. De um lado, para compensar o populismo fiscal de 2022, o pessoal de sempre pede superarrocho fiscal em 2023. Não aprenderam nada e não esqueceram nada com o fracasso do choque Levy e do teto Temer.
Do outro lado, um grupo de seis colegas sugeriu criar um gasto extra teto de 1% do PIB por ano, até que o governo a ser eleito apresente sua nova regra fiscal. Como já disse neste espaço, para evitar parada súbita em vários programas, será mesmo necessário que o governo eleito em outubro peça espaço fiscal adicional, para 2023, ao Congresso.
Porém, diante do passivo gerado por Bolsonaro, o valor será maior do que 1% do PIB. Nas contas do meu colega do IBRE/FGV, Braulio Borges, a conta já está em 2% do PIB e subindo. O valor final só será conhecido ao final do ano, quando tivermos presidente eleito e o Congresso votar o orçamento de 2023. Até lá, sugiro evitar traçar linha na areia, pois as ondas da realidade não respeitam desejos de economista.
Nesta semana o corpo técnico do Tesouro Nacional também se manifestou, sugerindo adotar regra orçamentária mais flexível, similar ao que já fazemos nas metas de inflação, só que usando a dívida bruta do governo como meta fiscal. A proposta está na direção correta e, em 2012, já tinha gente no governo Dilma dizendo a mesma coisa: usar bandas para meta de resultado primário, com ajuste gradual quando o resultado efetivo ficasse fora do intervalo fixado pelo governo.
Só levou dez anos para o Tesouro se convencer do óbvio ululante, mas ainda assim a proposta dos técnicos tem um problema: no Brasil, seria um erro fixar meta rígida de endividamento público pois a dinâmica de nossa dívida é fortemente influenciada por fatores financeiros (exemplo: resultado de swaps cambiais), internacionais (exemplo: choque Putin nos prêmios de risco) e jurídicos (exemplo: geração de esqueletos pelo ativismo econômico do STF).
Toda regra fiscal deve ter cenário de dívida, mas o valor da dívida não deve ser o gatilho para paradas ou retomadas súbitas no orçamento. Em vez de procurar um número mágico de dívida ótima, tenho uma sugestão mais simples: fixar uma meta de crescimento real do gasto primário e deixar o resultado primário flutuar de acordo com a evolução da receita efetiva, que pode desviar da projeção do governo.
A regra acima melhoraria a execução do gasto (acabando com contingenciamento), tornaria o déficit primário automaticamente anticíclico e, mais importante, poderia ser calibrada ano a ano de acordo com a evolução do resultado primário, com ajustes graduais caso o resultado efetivo desvie muito da expectativa do governo.
Os últimos anos mostraram que metas fiscais rígidas geram mudanças recorrentes na Constituição, risco de crise institucional quando o governo é de esquerda e orçamento secreto e incerto quando o governo é de direita.
Chegou a hora de mudar para metas fiscais flexíveis, compensando a flexibilidade com mais transparência na execução de um orçamento público. Já fazemos assim na política monetária e cambial. Falta fazer o mesmo no fiscal.
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