De Marx e Engels até os dias atuais, os socialistas estiveram profundamente engajados com o mundo da ciência. Com o fornecimento de vacinas que salvam vidas refém do lucro corporativo, entender a história desse relacionamento é mais importante do que nunca.
Uma entrevista com
O monumento de Marx e Engels em Berlim. (Getty Images) |
Entrevistada por
Daniel Finn
Tradução / A pandemia de COVID-19 pode ter sido um desastre para a humanidade, mas foi uma grande bênção para as empresas líderes do setor farmacêutico. Nossa dependência em relação à Big Pharma para obtermos vacinas que salvam vidas nos lembra o quão profundamente devemos entender as conexões entre ciência, política e interesses comerciais.
Para os marxistas no final do século XIX e início do século XX, essas eram as questões mais importantes com as quais seus trabalhos lidavam. O intercâmbio entre marxismo e ciência teve grandes implicações para o desenvolvimento de ambos.
Helena Sheehan é professora emérita da Dublin City University (DCU) e autora de Marxism and the Philosophy of Science, livro que delineia a história desse encontro.
Esta é uma transcrição editada do podcast Long Reads, da Jacobin. Você pode ouvir o episódio completo aqui (em inglês).
Daniel Finn
Que conexões Karl Marx e Friedrich Engels detectam entre o próprio trabalho e os desenvolvimentos nas ciências naturais do seu século?
Helena Sheehan
Marx e Engels eram finamente sintonizados com a ciência de seus dias. Eles a viam como um tipo de constante revelação do mundo. Eles estavam constantemente trocando correspondências entre si sobre as várias descobertas — que chegavam em alta velocidade no século XIX — e o que elas significavam. Três descobertas os impressionaram acima de quaisquer outras.
Uma delas foi a descoberta da estrutura celular, na qual viram demonstrada a unidade do mundo orgânico. Além dela, havia a descoberta da lei de conservação e transformação de energia, que eles acreditavam ter revelado o caráter dinâmico e contínuo dos processos da natureza. Contudo, acima de tudo, estava a descoberta da evolução das espécies, na qual viram uma demonstração da origem natural da história natural. Eles estavam particularmente entusiasmados sobre o darwinismo e as implicações da evolução tanto no mundo natural quanto no terreno histórico.
Isso se deu em meio a uma gigantesca mudança de estado de espírito, conforme o século XIX testemunhava uma transição geral da visão do mundo como uma ordem estática e atemporal da natureza para uma visão da natureza como um processo temporal e em constante desenvolvimento. Como parte disso, e no interior dessa atmosfera, Marx e Engels impulsionaram a teoria da evolução das espécies rumo a uma teoria da evolução de tudo. Eles exploraram as implicações disso na formulação da filosofia que viria a ser chamada materialismo dialético.
Daniel Finn
Quais foram os argumentos mais importantes que Engels desenvolveu em seu trabalho Dialética da Natureza?
Helena Sheehan
Dialética da Natureza foi um manuscrito não finalizado de Engels e publicado postumamente no qual ele vislumbrava um importante trabalho de elucidação das implicações filosóficas das ciências naturais. Quando ele morreu, partes desse manuscrito estavam completamente escritas, enquanto outras eram apenas rascunhos. Certos elementos da ciência a qual ele se dirigia já são obsoletos. Por outro lado, algo do que Engels escreveu antecipa descobertas científicas que viriam apenas depois.
O núcleo de Dialética da Natureza foi sua metodologia, que era uma epistemologia e uma ontologia de um novo materialismo — um materialismo que era fluido e dinâmico, que via o mundo como uma totalidade interconectada, oposta a um materialismo antigo que era estático, mecanicista e reducionista. A epistemologia e a ontologia também estavam em contraste com várias tendências idealistas.
Daniel Finn
Há dois argumentos distintos que poderiam ser feitos — e têm sido feitos — sobre a tentativa de Engels de estender o escopo do marxismo para além dos limites da história humana. O primeiro é que você simplesmente não pode trazer qualquer princípio geral que possa ser aplicado tanto para a história do universo e, ao mesmo tempo, para a história humana. O segundo é que o conjunto de princípios particulares que Engels elaborou eram inúteis e mal concebidos. Qual sua opinião sobre esses dois argumentos?
Helena Sheehan
Discordo de ambos. Acredito que é impossível pensar coerentemente ou mesmo viver coerentemente sem que se elabore uma visão de mundo compreensiva que abarque tudo. Marx e Engels acreditavam nisso. Eles repudiaram a ideia de que havia um princípio para a ciência e outro para a vida.
Embora alguns marxistas tardios tenham tentado fundir o marxismo com várias outras filosofias, tais como o neo-kantismo, com uma linha divisória bem delimitada entre natureza e história, as principais correntes do marxismo com as quais eu me identifico mantém uma aproximação mais holística no que diz respeito a forma de pensar tanto o mundo natural quanto a história humana. Aqueles que orientaram-se na outra direção — me refiro aos austro-marxista, à escola de Frankfurt, à escola Práxis iugoslava e muito da Nova Esquerda da década de 1960 — tenderam a associar as ciências naturais com o positivismo e a deixar as ciências naturais a cargo dos positivistas.
Todavia, creio que o melhor do marxismo, de Marx e Engels em diante, desenvolveu uma crítica do positivismo bem como uma filosofia não positivista da ciência. Eu acredito que a política precisa ser enraizada em uma visão de mundo que seja coerente, compreensiva, empírica e acredito também que a ciência é crucial para isso, estando à dianteira do conhecimento empiricamente estabelecido.
Claro, pessoas às vezes se envolvem em política com base em questões particulares, bem como nós podemos trabalhar com pessoas com quem discordamos em uma série de pontos. Mas eu penso que precisamos de uma tradição intelectual e um movimento político capaz de vincular todo o conjunto. Conforme descobri em minha própria jornada, e assim espero ter transmitido em Marxism and the Philosophy of Science, existe uma tradição intelectual brilhante ligada a movimentos políticos que tem feito isso, que é o marxismo.
Daniel Finn
Quais foram as principais tendências na filosofia e na ciência soviéticas durante a primeira década da revolução e como elas interagiram?
Helena Sheehan
Eu achei esse período muito estimulante quando o descobri e comecei a pesquisá-lo. Na primeira década da revolução, haviam debates sobre absolutamente tudo: sobre estratégia de industrialização e sua relação com a coletivização da agricultura; sobre políticas nacionalizantes; sobre a natureza do estado e o status da lei sob o socialismo. sobre a liberação das mulheres, o futuro da família e o amor livre; sobre arte de vanguarda e arquitetura; sobre várias teorias educacionais; sobre a ideia da cultura proletária.
Haviam debates no interior de toda disciplina acadêmica, o que obviamente envia debates sobre filosofia, ciência e sobre filosofia a ciência. Os debates mais interessantes de todos foram aqueles que se davam entre os próprios bolcheviques. O debate sobre filosofia da ciência era um confronto político e filosófico complexo, com riscos muito mais sérios do que a maioria dos debates intelectuais.
Em certo nível, havia o debate sobre a ênfase relativa em Hegel e à história da filosofia de forma geral em oposição à importância das ciências naturais. Haviam acusações, por um lado, de reversão ao idealismo ou, por outro lado, de reversão ao materialismo mecanicista, ambos suplantados pelo marxismo.
Sempre houve uma tensão na filosofia marxista ao longo da história do marxismo, mas esse debate foi sobrecarregado por suas implicações nas complexas correntes histórias e complexas disputas por poder no interior na URSS. Em 1931, houve um arremate desses debates e uma propensão a aceitar uma posição em todas essas diferentes discussões como A posição marxista. Não era apenas uma questão de quem faria os argumentos mais convincentes ou quem conseguiria uma posição universitária ou em corpos editoriais. Era também a respeito de quem poderia ser expurgado.
Na filosofia, um grupo de jovens filósofos conduziram-se a Joseph Stalin. Suas posições eram um tipo de síntese entre duas posições, as quais eu acredito que fazem sentido filosoficamente. Mas houveram complicações por causa de ambição e oportunismo, como geralmente acontece. Quando eu estava fazendo minha pesquisa em Moscou sobre isso, entrevistei Mark Mitin, que foi o mais proeminente desses jovens filósofos. Segundo ele, os debates filosóficos não geravam nenhuma consequência política, embora minha pesquisa me afirme o contrário.
Mas o que é importante sobre esses debates é observá-los em um contexto maior. No meu livro, lido com toda uma miríade de debates, particularmente com esse na área da filosofia, assim como outros os outros debates nas ciências naturais, os quais envolviam muitos fatores girando ao redor uns dos outros. Certamente, o debate que ocorreu na biologia foi particularmente intenso e marcante.
Daniel Finn
Que impacto a vinda da delegação Soviética à Londres, em 1931, para uma conferência científica teve no desenvolvimento da ciência britânica?
Helena Sheehan
A primeira aparição de uma delegação soviética em um grande congresso acadêmico internacional foi no Segundo Congresso Internacional de História da Ciência em Londres, em 1931. Por si só, isso causou certa comoção, não apenas no congresso, mas também na mídia da época. Um livro chamado Science at the Crossroads (Ciência na Encruzilhada) também foi resultado disso, no qual os papers soviéticos foram publicados. Foi traduzido para muitas línguas e muitas edições circularam por todo o mundo. Ele ainda pode ser lido hoje em dia.
A delegação era liderada por Nikolai Bukharin, outrora candidato a sucessor de Vladimir Lenin. Sua aparição no congresso de 1931 deu-se no meio do caminho de sua trajetória, em termos de sua posição na estrutura de poder soviética. Nesse congresso, Bukharin e os outros trouxeram renovadas e vigorosas proclamações do marxismo como uma filosofia integradora que dava mais sentido à ciência do que qualquer outra coisa no horizonte.
Teve um impacto duradouro, particularmente na esquerda. Alguns cientistas que estavam presentes, tais como J. D. Bernal, Joseph Needham e outros, foram figuras de destaque, não apenas no cenário científico britânico da época, mas também internacionalmente.
Daniel Finn
O que J. D. Bernal e J. B. S. Haldane, particularmente, absorvem do marxismo em seus trabalhos científicos? Como eles compreendem a relação entre política, filosofia e ciência?
Helena Sheehan
Eles absorveram a integralidade filosófica e o propósito social, baseados no marxismo como uma chave para integrar os vários resultados das ciências sociais para formar um quadro coerente do mundo natural e dessa forma, além disso, para conectar natureza com história e ciência com economia política. Tanto Bernal quando Haldane escreveram extensos trabalhos filosóficos e históricos sobre ciência, bem como mantiveram um papel proeminente na pesquisa científica básica e na organização de um movimento por responsabilidade social na ciência.
Bernal via o marxismo como a extensão do método científico para toda uma gama de fenômenos, da minúscula partícula a toda história humana. Ele via a ciência como uma atividade social que estava integralmente conectada a todo espectro das outras atividades sociais: econômicas, políticas, culturais, filosóficas. Ele verificou o contraste entre a ciência sob o capitalismo e a ciência sob o socialismo. Bernal acreditava que a frustração da ciência era um aspecto inescapável do modo capitalista de produção e que a ciência só conseguiria alcançar todo seu potencial sob o socialismo.
Haldane também possuía uma abordagem de síntese que se estendia além da ciência, alcançando uma teoria de tudo, do começo dos tempos ao fim do mundo. E isso ele encontrou no marxismo. Ele via o marxismo como um método científico aplicado à sociedade, expandindo sua unidade a todo o conhecimento, analisando os mesmos processos básicos na natureza e na sociedade. Para Haldane, assim como para Bernal, não havia fronteiras hermenêuticas entre ciência e política. Ele acreditava que aqueles que pensavam o contrário estavam iludidos. Em certa ocasião, ele disse que mesmo se os professores deixassem a política de lado, os políticos não deixariam os professores em paz.
Daniel Finn
Você afirmou que Christopher Caudwell, que não era um cientista profissional, fez contribuições surpreendentemente originais à filosofia da ciência em seu livro The Crisis in Physics. Quais foram os pontos chave que Caudwell discutiu?
Helena Sheehan
Caudwell era um autodidata. Ele não era um cientista profissional, tampouco um acadêmico e sequer cursou uma universidade. Ele foi um solitário pela maior parte de sua curta vida, mas leu avidamente e buscou incansavelmente uma visão de mundo coerente e compreensiva, algo que ele igualmente encontrou no marxismo. Não foi algo que ele simplesmente tirou da estante: ele se apropriou de uma maneira inovadora e original, atravessando várias áreas, não apenas a ciência, mas também a filosofia e a cultura.
Ele também ingressou no partido comunista e empenhou-se no trabalho do partido. Ele lutou na Guerra Civil Espanhola, onde morreu. Foi uma perda terrível para o marxismo que essa figura brilhante tenha morrido tão cedo. Me sinto muito triste toda vez que penso sobre ele, o que acontece bastante.
Caudwell escreveu com muita clareza, paixão, profundidade e com a mesma espécie de integralidade que Bernal e Haldane. Ele lidou com a fragmentação teórica que encontrou em todas as disciplinas e demonstrou que ela estava enraizada na crise da cultura burguesa. Ele disse que na raiz dos padrões de pensamento mais básicos dessa cultura estava a dicotomia sujeito-objeto, que tem sua base na divisão social do trabalho — na separação da classe que engendra a ideologia dominante da classe que se engaja ativamente com a natureza.
Caudwell pensava que isso distorcia a arte, a ciência, a psicologia, a filosofia, a economia e, decerto, todas as relações sociais. Segundo ele, ao passo que houveram grandes avanços empíricos na genética, na evolução, na mecânica quântica e em outros campos, ao mesmo tempo, contudo, havia uma inabilidade de sintetizar o significado dessas descobertas.
Ele analisou a crise na física em termos da metafísica da física. Caudwell exibia uma compreensão aguda da física teórica — sobretudo as tensões entre a relatividade e a teoria quântica. Ele afirmava que a física avançava no front empírico e gerava um corpo de conhecimento que não poderia ser encaixado em molduras teóricas existentes e que ela era cindida pelos mesmos dualismos que vigoravam em todas as outras disciplinas intelectuais.
Com o mesmo brilhantismo, ele também analisou a crise na biologia e as tensões entre genética e evolução, entre hereditariedade e desenvolvimento. Ele era realmente uma figura extraordinária.
Daniel Finn
Que impactos os expurgos realizados por Stalin produziram na comunidade acadêmica, incluindo parte dos que estiveram em Londres em 1931?
Helena Sheehan
Foi trágico para a ciência e para a sociedade soviética. A sociedade soviética foi engolida por uma terrível espiral onde a severidade na busca pela verdade foi tragada por compulsão, paranóia, ignorância, calúnia, vingança, fraude e, evidentemente, uma disputa brutal por poder político. Muitos daqueles que tão fervorosamente posicionaram-se pelo Marxismo no congresso de 1931 — Bukharin, Boris Hessen, Nikolai Vavilov — foram enquadrados como conspiradores contra a revolução e pereceram nos expurgos.
Os expurgos são geralmente atribuídos ao fato de Stalin ter se tornado um megalomaníaco, o que eu não nego. Mas eu não acredito que seja uma explicação suficiente. Eu acredito que é necessário entender as complexas forças em movimento, a natureza monumental do que a União Soviética estava tentando alcançar, sobretudo no período do primeiro plano de cinco anos, os obstáculos gigantescos no caminho e o frenesi que resultou dessa intensa agitação.
Daniel Finn
Qual era a natureza da infame controvérsia Lysenko na biologia soviética?
Helena Sheehan
Foi parte daquela monumental disputa e daquele frenesi. A controvérsia Lysenko é muitas vezes descrita como uma história exemplar contra a interferência ideológica na ciência, mas eu não a vejo assim. A relação da ideologia com a ciência é complexa: eliminar a ideologia para chegar a uma ciência pura não é possível e sequer desejável, na minha opinião.
A controvérsia tem que ser compreendida em termos das forças que estavam em movimento no período. Em primeiro lugar, havia as tensões na ciência internacional hegemônica entre genética e evolução. A síntese contemporânea entre genética e evolução, que é um paradigma hoje em dia, não estava ainda estabelecida. Bem como as tensões e problemas particulares na ciência internacional de 1920 a 1930, havia uma questão persistente e mais ampla entre hereditariedade e ambiente. Era uma questão a respeito de quanto do que somos é devido à hereditariedade e quanto é determinado por nosso ambiente — natureza versus aprendizado — o que ainda é um debate em curso.
Também havia toda a história, que teve um papel nesse conjunto particular de debates, das posições ideológicas, associando a Direita com um polo e a Esquerda com outro. Isso se deu de forma muito marcante na União Soviética. No topo dessas tensões intelectuais internacionais, havia tensões específicas na vida intelectual soviética. Havia a necessidade de criar uma intelligentsia soviética, o problema de como lidar com a expertise burguesa, o desafio de atingir os ambiciosos objetivos do primeiro plano de cinco anos — especialmente a questão de como aumentar a produtividade da agricultura soviética.
Trofim Lysenko atravessou esse caminho espinhoso. Ele era um agrônomo que ganhou proeminência como uma técnica agrícola chamada “vernalização” que permitia que o plantio no verão gerasse colheitas no inverno. Elaborando a partir disso, ele articulou toda uma teoria da biologia, que era basicamente uma teoria da transmissão hereditária de características adquiridas e uma condenação da genética. Em termos de ciência internacional, era essencialmente uma posição Lamarckista versus uma Mendeliana.
Isso coincidiu com o frenesi dos expurgos e as autoridades soviéticas proclamaram que a posição Lysenkoista era a posição correta do marxismo no campo da biologia, com trágicas consequências para a ciência e para os cientistas, particularmente para a genéticas e os geneticistas. Vavilov, a quem mencionei anteriormente, foi um geneticista renomado internacionalmente e um dos que veio ao congresso em Londres em 1931. Ele morreu nos expurgos.
Daniel Finn
Quais você considera os legados mais importantes desse período para a forma que pensamos sobre ciência sobre política hoje?
Helena Sheehan
Eu creio que o que resistiu a todas as tempestades foram os conceitos centrais do marxismo em sua aproximação à ciência. Muitos debates têm sido travados sobre o marxismo vis-à-vis outras abordagens, mas, após investigar todos esses debates, tanto aqueles que aconteceram antes das minhas incursões quanto os que se desenrolaram durante minha própria vida, compreendo que nenhum dá mais sentido à da ciência do que o marxismo. De fato, nada dá mais sentido a tudo do que o marxismo.
Eu quero deixar bem claro o que é distintivo em relação ao marxismo como uma filosofia da ciência. É materialista, no sentido de explicar o mundo natural em termos de forças naturais, não poderes sobrenaturais. É dialético, no sentido de ser evolucionário, processual e desenvolvimental. É radicalmente contextual e relacional, pois vê tudo que existe no interior de uma teia de forças interativas no contexto em que está inserido. É empirista sem ser positivista nem reducionista. É racionalista sem ser idealista. É coerente e compreensivo ao mesmo tempo em que é empiricamente fundamentado.
É uma filosofia integral. É uma forma de ver o mundo em termos de um complexo padrão de uma intercessão de processos, onde outros vêem apenas casos isolados desconectados e estáticos. É uma forma de revelar como todas as forças em movimento são produto de um padrão de desenvolvimento histórico moldado por um modo de produção. Ele enxerga a ciência como algo socialmente construído, mas ao mesmo tempo como uma revelação empiricamente fundamentada do mundo natural.
Durante todo o período de sua história, o marxismo teve altos e baixos em seu prestígio e em sua influência. O período atual não é exatamente um ponto alto. Contudo, eu acho que existe uma reanimação da filosofia marxista da ciência em reação às exigências da crise ecológica e também em resposta à pandemia, que ainda está em curso. Falando nisso, embora haja uma atmosfera de que a pandemia acabou, não é o caso. Algo que é reforçado por qualquer um que lide seriamente com essa pandemia, a maioria deles marxistas, é que as condições ainda são propícias para futuras pandemias.
Eu acho que o marxismo é relevante e que é tão importante hoje quanto sempre foi — talvez mais ainda. Penso que o marxismo precisa ser constantemente atualizado e desenvolvido para que avance. Sempre pensei que houvesse áreas onde ele fosse fraco, tal como a psicologia, embora as fundações estivessem lá para fazê-la superior a qualquer outra posição concorrente na psicologia. Mas mesmo em áreas onde foi muito desenvolvido, tal como a economia política, o mundo está constantemente mudando — e o faz agora em um ritmo cada vez mais veloz. Ainda há muito que fazer. Eu creio que o marxismo demonstrou possuir esse tipo de capacidade dinâmica e que a incrementa progressivamente. Acho que em seus conceitos básicos, ele ainda é a filosofia mais coerente, compreensiva e bem fundamentada que existe no horizonte. Seja ou não popular, ele é correto e eu ainda o vejo como a filosofia incontornável de nosso tempo.
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Helena Sheehan é professora emérita na Dublin City University. Ela é autora de Marxism and the Philosophy of Science e Navigating the Zeitgeist.
Daniel Finn é editor adjunto da New Left Review. Ele é autor de "One Man’s Terrorist: A Political History of the IRA".
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