11 de agosto de 2022

Desde os atos pelas Diretas Já não se via tantos opostos reunidos

Discursaram em manifestação pela democracia sindicalistas, empresários, professores e representantes de movimentos sociais. Governo aproveitou para anunciar novo corte no preço do diesel

Maria Cristina Fernandes



Andre Penner/AP

Se as três horas que duraram o ato pela democracia na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da USP, tivessem que ser resumidas em dois minutos estes seriam aqueles em que Miguel Torres, da Força Sindical, subiu à tribuna. Disse que, como todo sindicalista, ele também tinha mania de assembleia e de votação. Que todos que estivessem de acordo que só a luta faz a lei se dessem as mãos e levantassem os braços sob um grito de ordem: “A sociedade unida jamais será vencida.”

Sob suas ordens, moveram-se de Horácio Lafer Piva (Klabin) a Bruna Brelaz (UNE), de Arminio Fraga (Gávea) a Canindé Pegado (UGT), de Neca Setubal (Fundação Tide Setubal) a Beatriz Nascimento (Coalizão Negra), de Josué Gomes (Fiesp) a João Pedro Stédile (MST), de Isaac Sidney (Febraban) a Carlos Gilberto Carlotti (USP).

A ideia dos organizadores era reprisar a “Carta aos Brasileiros” lida naquela faculdade pelo jurista Goffredo da Silva Telles, noutro 11 de agosto, em 1977, no que é considerado o ato inaugural da abertura. “Aquele foi um ato só de classe média. Hoje é o povo que está aqui”, resumiu o ex-ministro da Justiça, José Gregori, presente ao ato de 45 anos atrás e ao de ontem. Pelo mosaico ali representado, mais pareceu o Diretas Já, de 1984.

Com pelo menos uma diferença: a incorporação da identidade de cor, gênero e credo aos discursos políticos. A professora da faculdade Zumbi dos Palmares, Eunice Prudente, ao se descrever para os portadores de deficiência visual identificou o amarelo de sua roupa como a cor de Oxum, numa referência às religiões de matriz africana atacadas pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

José Carlos Dias, velho jurista que também estava presente no ato de 1977, definiu o de ontem em uma frase — “Capital e trabalho estão juntos em defesa da democracia”. A maturidade não moderou os discursos. Se a presidente da UNE repudiou o golpismo “que flerta com o esgoto mais sombrio da nossa história”, o diretor da faculdade, Celso Campilongo, repudiou a interferência das Forças Armadas — “A única força que pode dizer alguma coisa sobre o processo eleitoral é a força do eleitor.”

Se a presidente do centro acadêmico 11 de Agosto, Manuela Moraes, repudiou “a democracia da fome e das chacinas”, o professor da FGV, Oscar Vilhena, acrescentou que todos estavam ali porque a soberania popular estava sendo atacada. O ex-ministro do Superior Tribunal Militar, Flavio Bierrenbach, representando os signatários da carta de 1977, comparou as ameaças sobre o Brasil àquelas ocorridas no Capitólio americano em 6/1/2021: “Se lá não tiveram êxito, aqui também não terão”.

Tímidos ao subirem à tribuna pela plateia tão distinta daquelas que estavam acostumados a enfrentar, Arminio Fraga e Horácio Lafer Piva acabaram por se soltar. O fundador do Gávea, que preferiu se identificar no ato pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, se disse emocionado por participar de um ato com pessoas que, no passado, lutaram em polos opostos — “Não tem sociedade próspera que não seja democrática.”

Lafer Piva, que preferiu o crachá do Instituto Brasileiro de Árvores, confessou-se inicialmente intimidado pelo convite. Disse que a democracia precisa se reconectar com a população que mais precisa, mas já “lindamente carregada de lutas e de conquistas”. A intimidação tinha sumido: “Todos os que estão aqui hoje lutam contra a apatia, o populismo, as ameaças e contra o risco de deixar de lado o melhor de nós mesmos.”

No momento em que o ato se iniciou, a carta pela democracia tinha 940 mil assinaturas, a faculdade estava tomada e o largo em frente também, mas Canindé Pegado, da UGT, preferiu outra medida. Disse que os signatários somados, já davam 70 mil metros, e comparou a medida com os 16 mil metros da Esplanada dos Ministérios.

Enquanto tocava o hino do Brasil, presidente Jair Bolsonaro deu sua resposta ao ato. Pipocou o noticiário em tempo real com a segunda redução do diesel em uma semana. É como se dissesse: enquanto vocês ficam falando de democracia, nós operamos com a vida real. E vamos ver quem chega primeiro ao eleitor.

E, de fato, logo veio seu tuíte: “Hoje aconteceu um ato muito importante em prol do Brasil e de grande relevância para o povo: a Petrobras reduziu, mais uma vez, o preço do diesel.” O combinado era que o ato não fosse partidarizado. Até porque, além de ter oito candidatos à Presidência como signatários (Lula, Ciro ,Tebet, Luis Felipe d’Avila, Soraya Thronicke, Leonardo Pericles, Sofia Manzano e José Maria Eymael ), havia ali políticos como Fernando Haddad (PT), Paulo Teixeira (PT) Marina Silva (Rede), Guilherme Boulos (Psol), Márcio França (PSB), Luiza Erundina, (PSB), Bruno Araújo (PSDB), Joice Hasselmann (PSDB) e Coronel Tadeu (PL), bolsonarista que circulou sem ser hostilizado.

No fim da segunda parte, porém, quando o ato se espremia no pátio, escapou um salve para Lula e um rotundo “Fora Bolsonaro”.

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