Matt Bruenig
Jacobin
Matt Yglesias publicou um artigo no Slow Boring argumentando que a Amazon não é um monopólio e que muito do que se passa por discurso antimonopólio é, na verdade, discurso anti-grandeza. Concordo com Yglesias nesse ponto. Nem todos os defensores do antimonopólio são motivados pela anti-grandeza em si, mas muitos são, e isso pode gerar alguma confusão na hora de entender o que eles tentam alcançar.
Tenho acompanhado a vertente intelectual dos que são contra a grandeza há muitos anos — especialmente Matt Stoller e Barry Lynn, cujos livros li e com quem interagi de diferentes maneiras ao longo dos anos — então pensei que seria útil explicar quais parecem ser suas motivações filosóficas.
Pessoas anti-grandeza não são anticapitalistas, mas seu diagnóstico do problema com o modo de produção atual é bastante semelhante ao dos diagnósticos anticapitalistas. Sob um sistema capitalista convencional, um grupo relativamente pequeno de pessoas ricas (a classe capitalista) possui e controla o aparato produtivo da sociedade, e um grupo muito maior de pessoas não ricas (a classe trabalhadora) deve se submeter trabalhando para o primeiro grupo, com o risco de, caso não se submeta, morrer por inanição. Esta é uma forma desigual e sem liberdade de organizar uma sociedade, repleta de coerção e de abusos potenciais e reais.
A solução socialista para esse problema é que a classe trabalhadora assuma coletivamente a propriedade e o controle do aparato produtivo da sociedade, retirando-o da classe capitalista. Em outras palavras, os socialistas querem substituir o governo de poucos (oligarquia) pelo governo de muitos (democracia), não apenas no âmbito da governança, mas também na economia.
A solução anti-grandeza para esse problema é transformar tanto a classe capitalista quanto a classe trabalhadora em pequenos proprietários individuais. Isso substitui o governo de poucos (oligarquia) pelo governo de ninguém, ou autogoverno, ou algo parecido.
Você pode encontrar essa abordagem básica espalhada pela filosofia econômica ao longo dos anos.
Existe a concepção de Thomas Jefferson sobre o pequeno agricultor, que é um proprietário de terras, não proprietário de escravos e que se dedica principalmente à agricultura de subsistência. Por um tempo, Jefferson acreditou que esse era o ideal econômico. Como o agricultor possui sua própria terra, não paga aluguel a um proprietário extrativista. Trabalha por conta própria e, portanto, não é coagido por um empregador capitalista. E produz em grande parte para seu próprio consumo, o que o isola dos mercados de consumo, onde também pode se ver explorado por outras pessoas, inclusive por intermediários varejistas.
Existe o distributismo católico, que se concentrou de forma semelhante na ideia de promover pequenas propriedades rurais familiares e, posteriormente, pequenos negócios e outras formas econômicas parecidas. A ideia do distributismo é fornecer uma terceira via entre o socialismo e o capitalismo, combinando o aspecto da propriedade privada do capitalismo com o aspecto da liberdade contra a dominação do socialismo. Isso se alcança através da pequenez: se todos trabalham por conta própria por meio de uma empresa unipessoal, ninguém está sob o jugo do capitalista. Quanto mais próximo disso, melhor. Assim pensam os distributistas.
Há também John Rawls. A teoria da justiça de Rawls é, segundo ele, compatível tanto com o socialismo quanto com a “democracia da propriedade”, mas incompatível com o capitalismo do Estado de bem-estar social. A democracia da propriedade refere-se a uma situação em que os meios de produção são amplamente dispersos, por exemplo, por meio de uma economia organizada por pequenas empresas. Rawls se destaca entre os que escrevem nessa área por sua capacidade de enxergar que tanto o capitalismo anti-grandeza quanto o socialismo são, pelo menos no papel, capazes de superar a natureza desigual e não livre do capitalismo convencional.
Uma vez que você entenda que isso é o que motiva muitos dos que se opõem ao monopólio (alguns conscientemente, outros de maneira inconsciente), muitas das tensões e confusões que circulam nesse mundo se dissipam. O termo “Mercados Abertos” de Lynn não se refere à concorrência ou à política tarifária, mas sim à ideia de garantir que os mercados estejam abertos às pequenas empresas. Uma de suas falas frequentes sobre isso é que a lei antitruste tem se concentrado demais na liberdade do consumidor e de menos na liberdade do produtor, ou seja, na liberdade dos pequenos empresários de ter e administrar um negócio. Essa liberdade é frustrada pela concorrência dos grandes, que torna inviável muitas pequenas empresas ineficientes.
Posso entender o apelo visceral dessa perspectiva. É o apelo do anarquismo em muitos aspectos: a igualdade do socialismo sem as instituições governamentais coletivistas — sejam conselhos cooperativistas, conselhos de trabalhadores ou parlamentos — que, para alguns, são veículos de controle e coerção inaceitáveis.
Mas, para mim, esse apelo visceral desaparece quando passamos da abstração para a realidade. Jefferson é o último sujeito cujas ideias sobre isso faziam algum sentido, porque Jefferson estava falando de uma propriedade rural autônoma, total ou quase totalmente isolada dos mercados de capital, de trabalho e de consumo. Um agricultor de subsistência operando dessa forma, na verdade, vive em uma ilha, não afetado pelos caprichos e desejos de outros atores econômicos.
Mas esse é o único arranjo que funciona assim. Após a industrialização, todos estão produzindo para os outros, até mesmo os pequenos empresários autônomos que não têm chefes formais, mas que, no fim das contas, são enganados por seus clientes e consumidores.
É difícil imaginar qualquer arranjo econômico baseado em nosso nível atual de tecnologia que não envolva a vasta maioria das pessoas trabalhando dentro de algum tipo de organização maior, em vez de serem proprietários-operadores de uma empresa unipessoal. Mesmo que aqueles engajados com a ideia de anti-grandeza fossem extremamente bem-sucedidos a ponto de quadruplicar o número de empresas no país e distribuir a produção entre elas, a vasta maioria dos trabalhadores seriam empregados, não proprietários.
Os defensores da anti-grandeza às vezes reconhecem isso e então tentam afirmar que esses trabalhadores, mesmo assim, seriam beneficiados por esse novo mundo em que trabalhariam para uma empresa menor, mas isso claramente não é verdade e também não aborda o ponto de que, pelo próprio raciocínio deles, esses trabalhadores estão vivenciando a falta de liberdade.
Por fim, quando se pensa na mecânica de governança que seria usada para alcançar a luta contra a grandeza, percebe-se que ela inevitavelmente depende de instituições democráticas coletivas — ou seja, o Estado — para se intrometer e, basicamente, microgerenciar a economia a fim de garantir que tudo permaneça pequeno. O charme da descentralização e do governo de ninguém/autogoverno é, portanto, um conceito construído sobre um Estado centralizado e implacável que precisa constantemente anular tudo em nome dos pequenos proprietários.
Isso não é um problema em si, mas no ponto em que você confia em um Estado central democrático para impor seu sistema, acaba confiando no próprio coletivismo — ou seja, o apoio do eleitorado — do qual o ideal anti-grandeza deveria nos resguardar, em relação ao socialismo.
Colaborador
Matt Bruenig é o fundador do People's Policy Project.
Jacobin
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(Dan Burton / Unsplash) |
Matt Yglesias publicou um artigo no Slow Boring argumentando que a Amazon não é um monopólio e que muito do que se passa por discurso antimonopólio é, na verdade, discurso anti-grandeza. Concordo com Yglesias nesse ponto. Nem todos os defensores do antimonopólio são motivados pela anti-grandeza em si, mas muitos são, e isso pode gerar alguma confusão na hora de entender o que eles tentam alcançar.
Tenho acompanhado a vertente intelectual dos que são contra a grandeza há muitos anos — especialmente Matt Stoller e Barry Lynn, cujos livros li e com quem interagi de diferentes maneiras ao longo dos anos — então pensei que seria útil explicar quais parecem ser suas motivações filosóficas.
Pessoas anti-grandeza não são anticapitalistas, mas seu diagnóstico do problema com o modo de produção atual é bastante semelhante ao dos diagnósticos anticapitalistas. Sob um sistema capitalista convencional, um grupo relativamente pequeno de pessoas ricas (a classe capitalista) possui e controla o aparato produtivo da sociedade, e um grupo muito maior de pessoas não ricas (a classe trabalhadora) deve se submeter trabalhando para o primeiro grupo, com o risco de, caso não se submeta, morrer por inanição. Esta é uma forma desigual e sem liberdade de organizar uma sociedade, repleta de coerção e de abusos potenciais e reais.
A solução socialista para esse problema é que a classe trabalhadora assuma coletivamente a propriedade e o controle do aparato produtivo da sociedade, retirando-o da classe capitalista. Em outras palavras, os socialistas querem substituir o governo de poucos (oligarquia) pelo governo de muitos (democracia), não apenas no âmbito da governança, mas também na economia.
A solução anti-grandeza para esse problema é transformar tanto a classe capitalista quanto a classe trabalhadora em pequenos proprietários individuais. Isso substitui o governo de poucos (oligarquia) pelo governo de ninguém, ou autogoverno, ou algo parecido.
Você pode encontrar essa abordagem básica espalhada pela filosofia econômica ao longo dos anos.
Existe a concepção de Thomas Jefferson sobre o pequeno agricultor, que é um proprietário de terras, não proprietário de escravos e que se dedica principalmente à agricultura de subsistência. Por um tempo, Jefferson acreditou que esse era o ideal econômico. Como o agricultor possui sua própria terra, não paga aluguel a um proprietário extrativista. Trabalha por conta própria e, portanto, não é coagido por um empregador capitalista. E produz em grande parte para seu próprio consumo, o que o isola dos mercados de consumo, onde também pode se ver explorado por outras pessoas, inclusive por intermediários varejistas.
Existe o distributismo católico, que se concentrou de forma semelhante na ideia de promover pequenas propriedades rurais familiares e, posteriormente, pequenos negócios e outras formas econômicas parecidas. A ideia do distributismo é fornecer uma terceira via entre o socialismo e o capitalismo, combinando o aspecto da propriedade privada do capitalismo com o aspecto da liberdade contra a dominação do socialismo. Isso se alcança através da pequenez: se todos trabalham por conta própria por meio de uma empresa unipessoal, ninguém está sob o jugo do capitalista. Quanto mais próximo disso, melhor. Assim pensam os distributistas.
Há também John Rawls. A teoria da justiça de Rawls é, segundo ele, compatível tanto com o socialismo quanto com a “democracia da propriedade”, mas incompatível com o capitalismo do Estado de bem-estar social. A democracia da propriedade refere-se a uma situação em que os meios de produção são amplamente dispersos, por exemplo, por meio de uma economia organizada por pequenas empresas. Rawls se destaca entre os que escrevem nessa área por sua capacidade de enxergar que tanto o capitalismo anti-grandeza quanto o socialismo são, pelo menos no papel, capazes de superar a natureza desigual e não livre do capitalismo convencional.
Uma vez que você entenda que isso é o que motiva muitos dos que se opõem ao monopólio (alguns conscientemente, outros de maneira inconsciente), muitas das tensões e confusões que circulam nesse mundo se dissipam. O termo “Mercados Abertos” de Lynn não se refere à concorrência ou à política tarifária, mas sim à ideia de garantir que os mercados estejam abertos às pequenas empresas. Uma de suas falas frequentes sobre isso é que a lei antitruste tem se concentrado demais na liberdade do consumidor e de menos na liberdade do produtor, ou seja, na liberdade dos pequenos empresários de ter e administrar um negócio. Essa liberdade é frustrada pela concorrência dos grandes, que torna inviável muitas pequenas empresas ineficientes.
Posso entender o apelo visceral dessa perspectiva. É o apelo do anarquismo em muitos aspectos: a igualdade do socialismo sem as instituições governamentais coletivistas — sejam conselhos cooperativistas, conselhos de trabalhadores ou parlamentos — que, para alguns, são veículos de controle e coerção inaceitáveis.
Mas, para mim, esse apelo visceral desaparece quando passamos da abstração para a realidade. Jefferson é o último sujeito cujas ideias sobre isso faziam algum sentido, porque Jefferson estava falando de uma propriedade rural autônoma, total ou quase totalmente isolada dos mercados de capital, de trabalho e de consumo. Um agricultor de subsistência operando dessa forma, na verdade, vive em uma ilha, não afetado pelos caprichos e desejos de outros atores econômicos.
Mas esse é o único arranjo que funciona assim. Após a industrialização, todos estão produzindo para os outros, até mesmo os pequenos empresários autônomos que não têm chefes formais, mas que, no fim das contas, são enganados por seus clientes e consumidores.
É difícil imaginar qualquer arranjo econômico baseado em nosso nível atual de tecnologia que não envolva a vasta maioria das pessoas trabalhando dentro de algum tipo de organização maior, em vez de serem proprietários-operadores de uma empresa unipessoal. Mesmo que aqueles engajados com a ideia de anti-grandeza fossem extremamente bem-sucedidos a ponto de quadruplicar o número de empresas no país e distribuir a produção entre elas, a vasta maioria dos trabalhadores seriam empregados, não proprietários.
Os defensores da anti-grandeza às vezes reconhecem isso e então tentam afirmar que esses trabalhadores, mesmo assim, seriam beneficiados por esse novo mundo em que trabalhariam para uma empresa menor, mas isso claramente não é verdade e também não aborda o ponto de que, pelo próprio raciocínio deles, esses trabalhadores estão vivenciando a falta de liberdade.
Por fim, quando se pensa na mecânica de governança que seria usada para alcançar a luta contra a grandeza, percebe-se que ela inevitavelmente depende de instituições democráticas coletivas — ou seja, o Estado — para se intrometer e, basicamente, microgerenciar a economia a fim de garantir que tudo permaneça pequeno. O charme da descentralização e do governo de ninguém/autogoverno é, portanto, um conceito construído sobre um Estado centralizado e implacável que precisa constantemente anular tudo em nome dos pequenos proprietários.
Isso não é um problema em si, mas no ponto em que você confia em um Estado central democrático para impor seu sistema, acaba confiando no próprio coletivismo — ou seja, o apoio do eleitorado — do qual o ideal anti-grandeza deveria nos resguardar, em relação ao socialismo.
Colaborador
Matt Bruenig é o fundador do People's Policy Project.
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