4 de junho de 2021

Povos indígenas frente às eleições peruanas

Os povos indígenas do Peru esperam ansiosamente pelas eleições de domingo. Dois projetos conflitantes podem significar coisas muito diferentes para o futuro das lutas indígenas e, com isso, o futuro do país.

Natalí Durand



No próximo dia 6 de junho, será realizado o segundo turno das eleições presidenciais no Peru, o que coloca frente a frente não apenas duas posições políticas, mas também duas formas diferentes de pensar e conceber o país.

Por um lado, o já tradicional partido da Força Popular, cujo candidata pela terceira vez consecutiva, Keiko Fujimori Higuichi, traz como bandeira principal a continuidade do modelo neoliberal imposto pela Constituição de 1993, reivindicando assim o governo de seu pai, o ex-presidente e prisioneiro por corrupção, Alberto Fujimori. Por outro lado, está o partido de esquerda Peru Libre, cujo candidato é o professor e rondero Pedro Castillo, que tem como proposta principal a mudança da Constituição de 93 e, com ele, o fim do modelo neoliberal que favoreceu um setor mínimo da população.

Entre as duas propostas - continuidade ou mudança - existe um ator muito importante: os "povos indígenas". Embora considerado por muitos como um setor minoritário em um país de mais de 33 milhões de habitantes no qual a maioria da população é considerada mestiça, este setor é fundamental: a maior parte dos recursos naturais se concentra ao longo do território indígena, que, em meio a crise econômica que atravessa o Peru, é o bem mais precioso.

Povos indígenas e suas demandas

Nos últimos anos, os povos andino e amazônico têm trabalhado em uma agenda conjunta cujas principais demandas são a titulação total de seu território, autonomia e autodeterminação, o fortalecimento dos mecanismos de processos de consulta prévia, educação e saúde intercultural, além de um plano focado de acordo com a diversidade cultural para enfrentar a pandemia. Nas últimas semanas, várias organizações indígenas levantaram sua voz em protesto em torno de dois temas: a "consulta prévia virtual" e a "Plenária Ambiental no Congresso".

Em 2020, em meio à pandemia, o Ministério de Minas e Energia (MINEM) apresentou uma proposta para acelerar as concessões de mineração que foram paralisadas por falta de acordo. A proposta era simples: a "consulta prévia e informada", que se faz com as comunidades da área de influência direta, seria realizada virtualmente, para que os projetos extrativistas não ficassem paralisados. Esta proposta foi feita de costas para as comunidades atingidas, que não possuíam sinal de internet nem as informações necessárias para poderem decidir com justiça. Após vários protestos de organizações indígenas, este projeto foi arquivado.

Porém, na primeira semana de abril o MINEM trouxe novamente esta proposta, gerando novamente desconforto nas organizações indígenas. Melania Canales, presidente do ONAMIAP, explica: "Em uma pandemia, o Estado tem promovido uma consulta virtual; sabemos que não é intercultural de forma alguma e que o diálogo não seria horizontal, porque nas comunidades indígenas a virtualidade não faz parte do costume nem há conectividade." O que as organizações indígenas exigem é uma consulta presencial em que sejam garantidos todos os protocolos necessários, além da vacinação dos povos que dela participam.

Em 6 de maio, mais de cem organizações andinas, amazônicas e afro-peruanas protestaram cara a cara fora do Congresso exigindo, por meio da "Carta Abierta de los Pueblos Originarios y Afroperuanos al Estado Peruano y entidades de vigilancia internacional de Derechos Humanos", que uma sessão exclusiva do Congresso seja dedicada às demandas ambientais.

O ponto principal desta carta é exigir que o Congresso da República tenha uma sessão exclusiva sobre Povos Indígenas e Meio Ambiente, onde os três projetos que ainda estão pendentes sejam analisados ​​de forma multipartidária: 1) Titulação da Propriedade Territorial dos Povos, 2) Coordenação Intercultural e 3) Anistia de autoridades e membros de povos perseguidos e exigência de que a Comissão dos Povos seja a Comissão Julgadora Principal (além de observar a lei de reconhecimento do CAD). Diante dessa reivindicação, foi decidido por unanimidade dedicar uma sessão plenária ao Congresso para debater as demandas das organizações indígenas.

As propostas da Fuerza Popular e do Peru Libre

Agora, no contexto eleitoral, quais são as propostas ambientais vinculadas aos povos indígenas? O partido Força Popular (FP), liderado por Keiko Fujimori, nasceu, como diz seu plano de governo, "sob o espírito da Constituição de 1993", reconhecendo o Peru como um país multicultural onde coexistem muitas culturas e onde cada pessoa possui o direito de sua identidade étnica e cultural. O plano do governo da Força Popular menciona os povos indígenas e camponeses para trabalhar em três temas: a emergência sanitária, a cultura e as desigualdades.

No entanto, há uma grande lacuna nas questões que são prioritárias para os povos indígenas e que têm sido objeto de protestos nos últimos anos, como a titulação ou consulta prévia vinculativa de seus territórios (solo e subsolo), principalmente ligados a atividades extrativistas como mineração, petróleo e gás. No debate realizado no dia 1º de maio em Cajamarca - Chota, a candidata propôs ceder diretamente às pessoas da área de influência 40% do cânone mineiro, mas essa proposta não consta de seu Plano de Governo nem foi formalizada.

Dos 18 partidos políticos que concorreram nas eleições de abril de 2021, apenas dois partidos levaram como bandeira a mudança da Constituição: Juntos por el Perúz, liderado por Verónika Mendoza, e Peru Libre, liderado por Pedro Castillo. Além disso, ambas as coalizões buscam passar de um Estado Pluricultural para um Plurinacional. Essa é uma demanda importante do movimento indígena em todo o mundo, pois permite aos povos indígenas a possibilidade de representação, participação e autonomia territorial.

Quanto às empresas extrativas, o plano governamental do Peru Libre propõe a "consumação" ou o fim das concessões dadas pelo Estado às empresas privadas. Na página 43 pode-se ler:

Para garantir a consumação da concessão em várias ocasiões, o Estado impôs à força os seus contratos legais, ordenando o genocídio dos povos que resistem à ingerência, como o que aconteceu em Conga, Espinar, Las Bambas, Bagua, Tía María, etc., reprimindo as comunidades que defendem seu território, favorecendo os danos ambientais e impondo a mineração à agricultura e à água, o negócio ao povo, o mercado ao homem. A maioria dos afetados fica muito mais pobre quando o recurso não renovável se esgota, como aconteceu com o guano, a pesca, a borracha, o mercúrio, entre outros.

Além disso, alega que o solo e o subsolo são um direito comunal, e para explorar e administrar seus recursos deve ser submetido a consulta prévia, que será vinculativa e incluirá direito de veto, demanda que os povos indígenas e as organizações têm exigido por décadas. Dando continuidade às atividades extrativas, no que se refere à empresa privada, o Perú Libre propõe um compromisso ambiental e que cumpra rigorosamente as políticas do Programa de Adequação Ambiental, Estudo de Impacto Ambiental e Plano de Encerramento de Atividades.

O novo cenário e os povos indígenas

Nesse cenário com vistas ao voto, o debate sobre o funcionamento do modelo neoliberal voltou a ganhar força, gerando críticas ao aumento das desigualdades sociais e à diminuição dos direitos dos cidadãos. A necessidade de uma mudança que vá além de modificar algumas leis e regulamentos torna-se urgente. É necessário um novo pacto social, uma Nova Constituição com representação e participação de todos os atores sociais, entre os quais os povos indígenas devem ter um papel fundamental, para que se expressem suas demandas históricas sobre o território e suas vidas.

Nos trinta anos que vivemos sob esse modelo neoliberal, os povos indígenas não tiveram o pleno reconhecimento de seus direitos. Eles foram sistematicamente obrigados a protestar contra a imposição de megaprojetos como em Conga, Espinar, Bagua, entre outros, onde o Estado, exercendo violência, violou o direito à soberania territorial. Graças aos levantes indígenas, não só a paralisação de muitos projetos de mineração foi alcançada, mas também o reconhecimento, em 2011, da lei do direito de consulta prévia aos povos indígenas ou nativos, reconhecido na Convenção 169 da Organização do Trabalho Internacional ( OIT). A lei vem sendo criticada por apoiadores do Fuerza Popular, que desde 2016 buscam sua revogação.

O debate em torno de uma Nova Constituição coloca em pauta uma demanda histórica das organizações andinas, amazônicas e afro-peruanas: o reconhecimento do Peru como país plurinacional. Isso implica, por sua vez, uma nova distribuição territorial e o reconhecimento dos diversos povos que compõem o país como nações, como fizeram a Bolívia, o Equador ou a Espanha. No Peru este processo já começou: o caso mais proeminente é o do Governo Territorial Autônomo da Nação Wamp, mas também povos como os Ashaninka, Awajún e Shipibo aderiram a este pedido de reconhecimento.

Poucos dias antes das eleições, as organizações indígenas começaram a fazer uma série de pronunciamentos. A ONAMIAP (Organização Nacional das Mulheres Indígenas Andinas e Amazônicas do Peru), por exemplo, mostrou sua rejeição total a Fujimori, convocando suas bases para apoiar vigilantemente o candidato Pedro Castillo. Outras organizações vêm conversando para conhecer as propostas de ambas as partes e buscando a assinatura de compromissos para que seus direitos não continuem sendo violados.

Poucos meses depois de cumprido o Bicentenário de nossa independência, é urgente que as demandas dos povos indígenas sejam reconhecidas e atendidas: Estado plurinacional, qualificação, educação, justiça e saúde intercultural, consulta prévia e vinculativa. Só então os 200 anos de colonialismo no Peru poderá se dar por terminado e entrar em uma época com maior igualdade social.

Colaboradora

Doutoranda em antropologia social pela Universidade IBERO (México) e professora de antropologia da Universidade Nacional de San Marcos (Peru).

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