7 de junho de 2021

Como a extrema direita alemã está construindo partidos anti-imigrantes nos Bálcãs

Quando a extrema direita Alternative für Deutschland for reeleita para o parlamento alemão neste outono, sua fundação partidária receberá até € 80 milhões por ano em financiamento estatal. O partido já tem aliados nacionalistas e fascistas na ex-Iugoslávia - e agora, vai usar fundos federais para apoiar suas organizações reacionárias.

Aleksandar Matković

Jacobin
Os delegados levantam seus cartões de voto no congresso estadual do partido de extrema direita Alternativa para Alemanha (AfD). (Axel Heimken / via Getty Images)


Tradução / Hoje, o principal partido de oposição de direita da Sérvia, Dveri Sprske (literalmente, “As portas Sérvias”) é também o maior aliado do partido de extrema direita alemão Alternative für Deutschland (AfD) nos Balcãs. Por muitos anos, voltado à Rússia para seu apoio financeiro e político, recentemente o Dveri realinhou sua postura pró-Kremlin com seu aliado alemão após as vitórias da AfD nas eleições federais de 2017.

O Dveri não tem presença parlamentar – embora tenha elegido deputados em 2016, a maioria dos partidos de oposição boicotou o pleito de 2020, que os colocou no fundo do poço. No entanto, mesmo de fora, seus membros visitaram altas lideranças do AfD, incluindo parlamentares do Bundestag alemão. É um exemplo de como os partidos alemães e suas fundações podem ajudar a construir aliados nos Balcãs – inclusive no campo da extrema direita.

Criando o Dveri

Diferente das guerras da secessão iugoslavas da década de 1990, o nacionalismo sérvio no século XXI não foi avaliado com seriedade. De acordo com Srđan Mladenov Jovanović, um pesquisador sérvio que vive na China, este nacionalismo contemporâneo “se concentra em torno de certos grupos de extrema direita, principalmente o Dveri Sprske”.

O Dveri foi fundado em 1999 como uma organização juvenil da direita cristã, composta principalmente por alunos da Universidade de Belgrado. Em 2013, a organização tinha 16 escritórios na capital e 82 distribuídos pelos 143 municípios sérvios. Fez uma aliança em 2016 com o Partido Democrático da Sérvia, o chamado Bloco Patriótico, que obteve 5% de apoio (190.530 votos) e sete cadeiras no parlamento sérvio.

Este foi um marco para um grupo que começou como um movimento estudantil underground, defendendo as visões clericais-nacionalistas de seu objeto central de veneração, um certo Nikolaj Velimirović. Um padre sérvio ortodoxo do início do século XX, que certa vez ele elogiou Hitler como um “gênio e herói” e ­– depois de restaurar um cemitério militar alemão em Bitola, hoje Macedônia do Norte – foi inclusive condecorado pelo próprio ditador nazista em 1935.

De acordo com Jovanović, “Velimirović era conhecido por suas inclinações racistas, opiniões anti-emitas e declarações como: ‘Somos da raça ariana pelo sangue, nosso sobrenome é eslavo, nossos nomes sérvio, nosso coração e almas cristão.’” Esta devoção aproximou o movimento Dveri da Igreja Ortodoxa Sérvia (que canonizou Velimirović em 2003) e, após a queda do ditador Slobodan Milošević nos anos 2000, do novo governo sérvio.

Além de seus amigos na Igreja Ortodoxa, o Dveri também começou a chamar a atenção do então primeiro-ministro Vojislav Koštunica (2004-8), que elogiou Nikolaj Velimirović como “nosso líder” que “estará sempre conosco”. Diante desse cenário, não é de se estranhar que tanto o governo quanto a igreja – por meio do Ministério da Diáspora e de um líder eclesiástico – começaram a financiar o movimento Dveri (que adotou esse nome em 2013). Portanto, o Dveri pisoteava a suposta separação de poderes entre a Igreja e o Estado.

De neofascista à oposição “democrática”

Entre essas instituições, surgiu uma nova imagem do movimento Dveri. Depois de um período de lutas internas, ele assumiu um novo rosto eleitoral na forma de Boško Obradović, um ex-bibliotecário que hoje está na linha de frente da oposição ao Partido Progressista da Sérvia, no poder, e seu líder Aleksandar Vučić.

Depois de ser eleito para o parlamento em 2016, Obradović também liderou os protestos em massa de 2018-2019 como o líder de toda a oposição. Ele também é uma figura pró-AfD, com uma origem de extrema direita. Além do ex-padre ortodoxo pró-Hitler Velimirović, seu outro herói pessoal é um ideólogo fascista antissemita do mesmo período, chamado Dimitrije Ljotić – seguidor do protofascista francês e ideólogo da Action Française, Charles Maurras.

Esta admiração causou algum escândalo na mídia sérvia. Isso se deve principalmente às declarações de Obradović “Eu gosto de Ljotić, e daí?” – uma paráfrase das infames “Eu gosto de Vichy” ou “Eu gosto de Oswald Mosley, e daí?”. Na década de 1940, o movimento nacionalista e abertamente antissemita de Ljotić, o Zbor, participou do regime fantoche sérvio sob ocupação alemã. Ele ficou encarregado de selecionar judeus e mais tarde ficou sob controle direto do líder da SS, August Meyszner.

No entanto, depois que Obradović se tornou um parlamentar, ele e o Dveri começaram a suavizar sua postura. Ele adotou um comportamento de “estadista”, de acordo com seu papel como membro do parlamento. Mas ele também pressionou a agenda da Igreja em relação ao Kosovo: a Igreja Ortodoxa Sérvia foi excluída do diálogo entre Belgrado e Pristina sobre a secessão do Kosovo em 2008, mas considera este um território sérvio e tem interesse direto nos status de monges, igrejas e outras propriedades financeiras e físicas.

Antes das eleições marcadas para o final de 2021, Boško e o Dveri estão tentando promover sua imagem. Mesmo depois que o Dveri perdeu seu papel parlamentar devido ao boicote da oposição nas últimas eleições, ele continuou sua transformação promovendo o ativismo verde e uma retórica de solidariedade econômica.

Isso é evidente em seu novo programa “Mudança de Sistema – Seguranças para Todos!”, incluindo pontos sobre “patriotismo verde” (sob o título “Você protege!”), responsabilidade legal (sob o título “Você controla!”) e até mesmo a democracia participativa (sob o título “Você decide!”). Na cidade de Subotica, ao norte, o Dveri chegou a propor a introdução de um “orçamento solidário”, enquanto Obradović se gabava no Instagram por ter lido Thomas Piketty, Naomi Klein e similares. Tudo isso serve para fazer com que o Dveri se pareça com uma força democrático-cristã politicamente correta.

Ajuda de Berlim

Uma longa “evolução” de duas décadas levou o Dveri de seus primórdios como um grupo antissemita e homofóbico de amigos do fascismo alemão e sérvio para se transformar em uma força política aceita – e até importante – na Sérvia hoje. No entanto, o principal motivo de preocupação é mais contemporâneo e menos uma questão de história. De muitas maneiras, a transformação do Dveri ocorreu em paralelo ao processo dentro da AfD.

A mudança política do movimento veio em um momento em que a facção de extrema direita do AfD “Der Flügel” [A asa] foi proibida pelo Escritório de Proteção da Constituição da Alemanha e quando as tensões sobre uma possível aliança entre a AfD e os democratas-cristão (CDU) da Alemanha ainda estavam frescos.

Quando o CDU foi derrotado pelo AfD nas eleições estaduais de 2020 em Turíngia, 17 políticos do CDU escreveram uma carta pedindo um levante do “cordon sanitaire” contra o partido de extrema direita, enquanto na Saxônia-Anhalt, o primeiro-ministro da CDU Reiner Haseloff rejeitou uma aliança com a AfD no início deste ano. No entanto, por mais que a AfD e o Dveri tenham tentado esconder seus elementos mais extremos, o fato de trabalharem em conjunto é em si motivo de preocupação.

Um dos principais líderes do partido – Dragana Trifković, contato do Dveri em Moscou e Berlim – também é uma das figuras por trás do “Centro Alemão de Estudos Eurasianos”. Outros fundadores incluem Markus Frohnmaier, um parlamentar do AfD nascido na Romênia e pró-Rússia, que também é ex-presidente da “Alternativa Jovem para Alemanha”. Outro exemplo é um dos principais economistas do Dveri e ex-membro de seu comitê principal, Predrag Mitrović, que estudou na Escola de Finanças e Administração de Frankfurt e também trabalhou no HypoVereinsbank, como afirma sua biografia pessoal.

Mas o mais importante, o próprio Obradović tem visitado o AfD desde pelo menos 2017, quando conheceu Jörg Meuthen, figura importante do AfD, durante uma visita ao parlamento de Baden-Württemberg, onde o AfD obteve 15% dos votos em 2017. Obradović se apresentou como vindo do “AfD da Sérvia” e discutiu suas ideias em comum. Meuthen e Obradović estavam na mesma página sobre os valores da família e sua “luta contra os comissários de Bruxelas”, bem como sobre a proteção das fronteiras e a crise dos migrantes.

Então, em 2020, Obradović e Trifković visitaram a Alemanha novamente. Em seu Twitter, Obradović se gabou de ter “uma cooperação de longa data” com o AfD e, especialmente, com Meuthen. Mas, ele acrescentou “hoje tivemos a chance de encontrar o co-presidente do AfD, Tin Kurpalla, bem como seu grupo parlamentar no Bundestag”.

Durante suas “visitas de trabalho” ao Bundestag, segundo a mídia sérvia reportou, a mensagem era uma “defesa de nossa pátria cristã na complexa questão da crise migratória”; Obradović agradeceu ao AfD pelo seu apoio à Sérvia no Kosovo e pelas suas críticas à campanha de bombardeamentos da OTAN em 1999.

O AfD critica há muito as fundações partidárias estatais da Alemanha, cada uma associada à um partido que foi eleito para o Bundestag alemão por pelo menos duas vezes seguidas (por exemplo, a Fundação Friedrich-Ebert está associada aos socialdemocratas do SPD, a Fundação Konrad-Adenauer com o CDU). No entanto, antes das eleições gerais alemãs de setembro, a própria Fundação Desiderius-Erasmus, de propriedade da AfD, parece determinada a acessar fundos federais.

De acordo com o Die Zeit, se a AfD entrar no Bundestag pela segunda vez, sua fundação poderá receber até 80 milhões de euros por ano. Esse dinheiro seria usado para promover “os interesses alemães no mundo” junto com os contatos internacionais do partido, segundo o site da fundação.

O resultado seria bastante paradoxal: parte dos fundamentos políticos da Alemanha, reconstruída e ampliada após a derrota do regime nazista em nome do combate às forças “antidemocráticas”, se tornaria assim um fato de instabilidade política, tanto por meio de seu desenvolvimento na Alemanha quanto na exportação de sua mensagem. Em uma Europa pós-Merkel, isso poderia significar mais apoio para Obradović e o Dveri na Sérvia.

Hedging e suas apostas

O Dveri pode ser o aliado mais forte do AfD na Sérvia, mas é apenas a ponta do iceberg. Vale a pena enfatizar o quão ativo o AfD tem estado em contatar vários outros movimentos de direita ao longo dos anos. A Sérvia tem sido visitada pelo menos uma vez por ano por um dos membros mais controversos do AfD – Frohnmaier, um dos iniciadores do Der Flügel em Erfurt (agora supostamente dissolvido por acusações de fascismo), da Alternativa Jovem e também o membro mais jovem do Bundestag alemão.

Este esforço também envolve o assistente de Frohnmaier, também ex-membro do Der Flügel, Dubravko Mandić. Segundo o Balkan Insight, “Mandić e Frohnmaier têm tentado espalhar a mensagem do AfD da Croácia à Sérvia: ‘Nós somos a voz deles’, disse Mandić, ‘mesmo se aqui sejamos considerados direitistas, racistas e contra os estrangeiros.’”

Na Croácia, Mandić se reuniu com dois parlamentares de extrema direita – o ex-ministro da cultura Zlatko Hasanbegović (conhecido por sua repressão às organizações culturais de esquerda) e o general aposentado Željko Glasanović. Este último admitiu à Deutsche Welle que tinha membros neonazistas alemães do NPD sob seu comando durante as guerras iugoslavas na década de 1990. Dado que os membros do Golden Dawn [Aurora dourada] da Grécia estiveram envolvidos no massacre de Srebrenica, não deveria ser surpresa que as antigas ligações entre organizações fascistas europeias ainda estivessem ativas, incluindo o AfD. Os velhos hábitos são difíceis de morrer.

Entretanto, Frohnmaier e Mandić não são apenas as “vozes” da direita alemã na Sérvia – eles também atuam na linha de frente. Por exemplo, Frohnmaier trabalhou com Miroslav Pavorić, e Pavorić também foi convidado para as sessões do parlamento alemão. Com todo esse movimento, mais extremistas de direita na Alemanha estão prestes a chegar.

Um deles é Götz Kubitschek, o jornalista e editor de extrema direita de Ravensburg, que durante a eleição federal de 2017 deu uma palestra na fundação cultural Matica Srpska intitulada “As demandas mínimas da direita na Alemanha”. Devido à pressão de organizações ciganas da sociedade civil, o Ministério da Cultura e Informação sérvio teve que perguntar publicamente se a fundação cultural mais antiga do Estado estava promovendo o fascismo – eles naturalmente negaram.

Durante sua palestra, Kubitscheck “enfatizou a importância do partido AfD para a Alemanha e a mudança do sistema neoliberal”. Para piorar as coisas, isso aconteceu depois que ele deu uma palestra no Instituto de Estudos Europeus sobre os “controversos anos de 1932 a 1936” do jurista nazista Carl Schmitt. Infelizmente, esta não foi uma relação unilateral, nem foi o último exemplo de acadêmicos sérvios fazendo contato com o AfD.

Em 2018, a mídia sérvia observou como o pesquisador do Instituto de Estudos Políticos de Belgrado, Dušan Dostanić, foi um palestrante convidado em seminários relacionados ao AfD, organizados pelo próprio Kubitschek na Alemanha. Leo Marić, um líder “identitário” croata, apareceu ao lado deles – abrindo um espaço para a extrema direita em toda a região.

Laços futuros

Se esse pacto de extrema direita se transforma no que Luigi Fabbri chamou de “contra-revolução preventiva”, ou se permanece no nível de conexões clandestinas, não podemos saber. Mas alguns fatos simplesmente não podem ser ignorados.

Mesmo a partir da escassa informação disponível em domínio público, podemos ver que o AfD já apoiou avidamente os candidatos presidenciais na Sérvia. E, além disso, não se pode negar a tentativa de formar alianças sob a égide do AfD por figuras como Zlatko Hasanbegović na Croácia e Obradović na Sérvia, bem como outros ex-participantes nas guerras iugoslavas.

Considerando que o AfD já está se reunindo ativamente com outros líderes na região (incluindo a Croácia, um Estado membro da União Europeia), parece que o partido está se preparando para um futuro pós-Merkel – incluindo a política externa alemã.

Notavelmente, o AfD apoia a Sérvia na questão de Kosovo, por sua vez colocando-a perto da Rússia (cujo poder de veto no Conselho de Segurança da ONU também depende dos nacionalistas sérvios). O interesse do AfD em uma cooperação econômica mais estreita com a Rússia também pode explicar por que ela quer construir laços estreitos com a Sérvia, onde o fluxo sul do gasoduto russo está localizado. Isso torna a Sérvia dependente do gigante de gás russo e um jogador potencialmente importante na exportação de gás para fora da Europa.

Finalmente, a visão de futuro do AfD, como a do NPD neonazista e seus homólogos nos Balcãs, é aquela em que Estados periféricos como a Sérvia e a Croácia voltam ao passado. Eles querem que esses Estados se tornem baluartes decisivos contra a “ameaça” dos imigrantes, em defesa da “Fortaleza Europa” – uma narrativa muito comum na Alemanha e no exterior.

Como disse um repórter: “Durante décadas, os Balcãs foram vistos como exportadores de instabilidade para a Europa Ocidental. Agora, a extrema direita alemã está tentando estender sua própria ideologia ao sudeste da Europa”. Embora não seja incomum para a direita alemã apoiar certos atores em Estados europeus periféricos (como o primeiro-ministro búlgaro Boyko Borissov), é certo que ainda não vimos o verdadeiro poder do apoio do partido AfD. Podemos esperar totalmente que o aumento de seus financiamentos após as eleições federais de setembro mude isso.

A pandemia de COVID-19 perturbou a extrema direita da Europa em favor de forças mais consolidadas – mas isso não significa que desaparecerá magicamente. Ao contrário, o apoio financeiro do AfD poderia se tornar um “estímulo fiscal” chegando na hora certa para seus co-pensadores dos Balcãs – tornando mais fácil formar um bloco de poder de extrema direita em toda a Europa.

Sobre o autor

Aleksandar Matković é pesquisador do Instituto de Ciências Econômicas de Belgrado

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