2 de junho de 2021

Os comunistas no centro da política chilena

Após as eleições de maio, o Partido Comunista Chileno voltou com força ao centro da vida política. Para aproveitar a oportunidade histórica, deve fazer um balanço de seus sucessos e fracassos nas últimas décadas.

Claudio Aguayo

Jacobin

Juventudes Comunistas de Chile (JJCC).

Durante décadas, a esquerda chilena representou uma pequena porcentagem do eleitorado. Considerado "testemunhal" pela impossibilidade de escolher cargos de representação popular, foi reduzido a percentuais que nunca chegaram a dois dígitos, tornando-se gradativamente um eixo de contenção da direita neoliberal.

O slogan "deter a direita da direita" tinha âncoras não apenas políticas, mas também psicológicas nas massas chilenas e, sobretudo, em sua franja popular de esquerda. O Partido Comunista do Chile, com suas raízes no proletariado mineiro e nos bairros operários de Santiago, ainda poderia, por mais de 30 anos, ser aquela estrutura política definidora para impedir que governos de direita chegassem ao poder. Muitas vezes votando em um centro neoliberal ambíguo e descafeinado, os comunistas chilenos esperavam evitar o retorno da violência traumática associada à oligarquia fascista-neoliberal do Chile, cujo principal sinal é o anticomunismo delirante.

Durante a prova de fogo da década de 1990, os comunistas tentaram, de várias maneiras, reconstituir uma ampla aliança de esquerda enquanto disputavam incessantemente as velhas estruturas sindicais e de organização social da classe trabalhadora chilena e as camadas profissionais precárias e centrais dos trabalhadores, sindicatos, associações de bairro e sindicatos - e as posições de representação popular. Sempre comprometidos com uma estratégia de enfrentamento radical ao neoliberalismo, lideraram a criação do primeiro "Podemos chileno", que pode ser considerado a última tentativa completa do comunismo crioulo para estruturar uma força de esquerda alternativa, anticapitalista, com capacidade eleitoral e de mobilização social antes da insurreição popular de 2019.

Esta aliança eleitoral, cujo eixo central era a unidade entre os comunistas e o Partido Humanista, não alcançou os resultados esperados. Não conseguiu quebrar o sistema eleitoral binominal e não obteve nenhum cargo de representação parlamentar apesar de representar parcela significativa do eleitorado (cerca de 8%).

Com o apelo direto ao voto na candidatura de Michelle Bachelet em 2005, o "Juntos Podemos" se desintegraram e o PC iniciou uma política de dupla acumulação: por um lado, dentro da institucionalidade neoliberal, tentando quebrar o "cadeado" do binominalismo, recuando das experiências anteriores de frentes de esquerda radicais. Por outro lado, empreendeu uma crescente atividade de massa que o levou a liderar a maioria das federações estudantis agrupadas na Confech - que estiveram na vanguarda dos grandes protestos nacionais de 2011 - e as organizações operárias radicais, como a Central dos Trabalhadores do Cobre, que liderou a violenta greve de trabalhadores terceirizados em 2007.

Ao ingressar no governo de Michelle Bachelet, o Partido Comunista deixa, no fundo, o que poderia ser considerado uma caixa vazia no cenário político-institucional chileno. O surgimento da Frente Amplio, produto da unidade de uma série de forças fundamentalmente estudantis que surgiram no início de 2011 no Chile, de fato passou a ocupar um lugar de oposição crítica aos governos do centro neoliberal e a se converter em expressão programática, simbólica e midiática de uma forma de antineoliberalismo inveterada há décadas nas classes médias empobrecidas e novos jovens profissionais sem acesso à estabilidade no emprego.

Sem medo de exageros, podemos dizer que a entrada no governo da Nova Maioria - nome que tenta reciclar a velha "Concertación de Partidos por la Democracia" - pelos comunistas chilenos significou uma recomposição do panorama e da conjuntura política em termos de classes. A Frente Ampla não só teve que enfrentar e questionar uma coalizão neoliberal com algumas intenções transformadoras possibilitadas pela irrupção em massa de agosto de 2011 (e, obviamente, também pela presença do PC no governo, como um partido de esquerda lutando dentro da coalizão), mas também para lidar com uma organização sindical que foi, por quase um século, a referência mais importante da esquerda chilena: antes, durante e depois da Unidade Popular (1970-1973), e então formar a organização paramilitar de esquerda mais poderoso da história do Chile, o FPMR (1980-1986).

No final das contas, os comunistas ficaram isolados pelas forças neoliberais dentro do governo Bachelet. Reduzidos a poucos ministérios e exaustos com as tarefas burocráticas do Estado, tiveram a possibilidade, porém, de fortalecer alguns governos locais, como o de Recoleta (de onde surge a figura central do prefeito Daniel Jadue). Isso implicou não apenas algumas perdas eleitorais, mas também um forte sentimento de descontentamento: a "burocratização" da esquerda já estava consumada.

O giro à esquerda

A insurreição de 2019 afetou profundamente essa realidade social burocratizada e dissociada. Ela compôs uma cena da irrupção das massas que não foi contemplada nos movimentos reformistas do frenteamplismo ou nas intenções de disputa interna do comunismo chileno. Embora os dois conglomerados estivessem comprometidos com a construção de uma frente política de tendência antineoliberal, a ausência do fator operário e da luta de classes - os únicos capazes de explodir em pedaços a sociedade burocratizada - fez com que os passos dados parecessem desconexos de uma realidade, afetiva e material mais ou menos invisível que, para as classes populares, consistia no caráter insuportável do capitalismo chileno, da exploração e da burocracia estatal.

Em seu famoso livro História da Revolução Russa, Trotsky apontou que as massas correm para o redemoinho revolucionário sem qualquer prognóstico elevado sobre o futuro: apenas com um poder que consiste na incapacidade de continuar apoiando o estado atual de coisas. Nesse sentido, o turbilhão revolucionário de 2019 impôs às forças de esquerda institucionalizadas a necessidade de se posicionar. Foi a poderosa tradição da classe trabalhadora, mas, acima de tudo, a dura década de 90, com seu vendaval de slogans antineoliberais, repressão e manifestações de rua, que motivou os comunistas chilenos a rever - consciente ou inconscientemente - a evolução burocrática de sua última década de história, tornando-se a ala esquerda da institucionalidade e voltando seu aparato partidário (constituído para além da franja parlamentar e estatal de seus líderes públicos) para as formas de poder local e dual que se deram embrionárias enquanto durou a revolta.

Nesse sentido, a rejeição pelos comunistas ao acordo de novembro de 2019, que selou as aspirações burocratizantes do reformismo, implicou uma reconciliação com uma velha franja de comunistas históricos distantes do "partido de Recabarren", por um lado, e a possibilidade de reeditar um caminho que leve toda a esquerda a uma irrupção eleitoral com cunho antineoliberal e anticapitalista. Uma leitura adequada da situação obrigou líderes visíveis do PC a comparecerem às ruas para enfrentar a polícia e restaurou a tradição de luta que caracterizou os comunistas chilenos em seu século de história. É somente a partir dessa virada para a esquerda que o PC consegue se consolidar como a organização mais forte da esquerda institucional.

Mesmo levando em consideração o forte crescimento eleitoral da Revolução Democrática - o partido das classes médias descontentes - o Partido Comunista ainda tem um músculo próprio que o resto da esquerda (especialmente o frenteamplismo) tem difículdade de replicar. Isso foi demonstrado pelo fato de que muitas das candidaturas do frenteamplismo tiveram sucesso devido à habilidade dos comunistas em renunciar à possibilidade de trazer candidatos (como em Maipú, onde um candidato comunista local cedeu seu lugar a RD). Este "músculo próprio" é definido não só por uma base eleitoral, mas também e sobretudo orgânica: centenas de células distribuídas por todo o país, uma disciplina política férrea e uma importante capacidade de inserção das massas via conselhos, ollas comuns ou organizações paraestatais.

A evolução completa do PC chileno em sua história recente é caracterizada então, por esse movimento que vai da luta popular no isolamento político do pós-Guerra Fria à progressiva institucionalização burocrática e às ilusões de disputa interna dentro da concertação e dos governos quase reformistas de Michelle Bachelet. Por fim, sua trajetória se detém no surgimento de uma virada à esquerda possibilitada pelo que, seguindo o filósofo Alain Badiou, poderíamos caracterizar como certa fidelidade ao acontecimento da insurreição chilena de 2019, confirmada pela rejeição dos acordos com a repressão burguesa e a reativação de seu próprio caminho na política delineada na candidatura presidencial de Daniel Jadue.

No novo cenário, o discurso que nos anos 90 parecia um drama delirante e diletante de um 4% nacional torna-se senso comum. A hegemonia comunista na política institucional é, desde então, possível —ou pelo menos não impossível—, especialmente considerando a existência material do partido nos bairros operários e nas organizações de massa.

A vitória eleitoral do PC nas eleições de 15 e 16 de maio se explica por esses fatores e não pela presença vazia ou fantasmagórica de um populismo sem precedentes personificado na figura de Daniel Jadue. Jadue é um nome com duplas consequências: ao mesmo tempo que seduz para além dos comunistas chilenos, é o efeito da recomposição da luta de classes e da possibilidade de uma hegemonia comunista na política institucional. Com todo o seu carisma pessoal, Jadue continua sendo o nome próprio de uma âncora profunda na política chilena, de um significante que, ao contrário do que teria dito Ernesto Laclau, não tem nada de "vazio", mas está conectado a uma rede de interpelação simbólica na história recente do Chile: o significante comunista.

Ou seja, por mais ressonância que Jadue provoque, por sua atuação como prefeito em Recoleta e pelas credenciais que mostra, ao mesmo tempo provoca a energia destrutiva com que os comunistas chilenos foram demonizados. Se apesar disso emergiu como uma liderança, é porque definitivamente algo do velho Chile anticomunista, com sua folhagem oligárquica e suas estúpidas manhãs, não funciona mais. O triunfo do comunista Irací Hassler na prefeitura mais importante do Chile (Santiago, importante não só em termos simbólicos, mas também pelo tamanho de seu eleitorado), coroado por ter se dado ao mesmo tempo contra a direita neoliberal fascista e o pseudo centro reformista da ex-Concertación, reflete esta nova condição que os comunistas chilenos devem saber ler com uma inteligência que reside de onde vêm: a classe operária chilena e seu desejo de transformação social.

Os independentes e as dificuldades táticas

No entanto, ainda há um ponto a esclarecer e avaliar. Quando dizemos que a "hegemonia comunista" na política institucional chilena é possível hoje - após uma jornada de três fases de marginalidade contra-institucional (1990-2005), burocratização (2012-2018) e virada para a esquerda (2019) - dizemos política "Institucional" porque um ator contra-institucional, com características dispersas mas delineado como um setor, irrompeu nas eleições constituintes, vencendo 27 eleições convencionais.

Nos referimos à "A Lista do Povo". Embora devamos ser rigorosos em não medir a política nacional de acordo com os resultados da constituinte, cabe perguntar por que esse ator irrompe com tanta força e o que lhe permite conquistar uma minoria tão significativa (quase equivalente ao pacto FA-PC). Uma das características negativas do PC chileno tem sido a subestimação contínua das forças que se localizam à sua esquerda em determinados períodos, seja por fatores de classe - como aconteceu com a Frente Ampla, que foi desconsiderada por conta de sua ancoragem pequena burguesa universitária - ou por causa de seu óbvio anticomunismo constitutivo.

A chamada “Lista do Povo” constitui um último chamado à atenção das massas eleitorais para a burocratização da esquerda chilena. Um dos sintomas dessa atitude antiburocrática é o quão bem o termo "classe política" - que mascara como classe uma série de segmentos políticos às vezes radicalmente opostos - se popularizou na psicologia de massa popular, com sua consequente rejeição dos "políticos" e dos "partidos" subsumidos sob a mesma aura de despeito social e retirada anti-parlamentar.

Desse modo, a “Lista do Povo” é a irrupção do afeto de massas reforçada por uma ética institucional anti-parlamentar e anticomunista herdada da ditadura, mas também possibilitada pela burocratização dos partidos de esquerda, pela ausência de alternativas e o isolamento da sociedade política. A psicologia de massa que reage contra "os políticos" é ao mesmo tempo uma expressão legítima de descontentamento e a possibilidade de um uso radical e anticapitalista de uma mentalidade antipartido e antiparlamentar.

Como força eleitoral, a “Lista do Povo” tem se destacado pela capacidade de engajar essa estruturação simbólica, e seu sucesso expressa um momento de descontentamento com os partidos tradicionais que poderia até ter sido capitalizado pela extrema direita. Felizmente, não foi. Porque o descrédito do Estado e da burocracia, o novo culto do "independente" contra o "partidário", a narrativa do povo contra a instituição, não são apenas efeito da máquina motriz do neoliberalismo, mas também da obsessão com a democracia republicana e os gargarejos institucionalistas da esquerda.

Em meio à irrupção desse setor contra-institucional com marcas radicais, o Partido Comunista continua a ser a organização sindical mais forte do Chile. O seu sucesso eleitoral, para além do bom número de constituintes que obteve (refletido nos municípios e nos seus conselhos), é produto da virada exitosa do ano passado: uma tendência de ruptura aberta com a institucionalidade herdada da ditadura e a exaltação simbólica de formas de luta popular que há uma década eram inaceitáveis ​​para as mesmas massas que hoje deram uma composição de esquerda anti-pinochetista à Convenção Constituinte.

Além disso, como é óbvio, é o resultado de uma luta de sedimentação e legitimação política muito paradoxal, porque foi o processo de aproximação da própria estrutura parlamentar e institucional do Estado que lhe permitiu dotar-se de uma existência política institucional visível (ao mesmo tempo em que esse processo alienou os comunistas de um setor da população prestes a explodir com toda a sua fúria em 2019).

Os comunistas chilenos, com suas novas prefeituras conquistadas, com apoio de massas sem precedentes desde o retorno à democracia pactuada, também possuem o dom de uma organização cujos fundamentos orgânicos e cujo conteúdo histórico imaginário - o que se costuma chamar de "místico" no Chile - os colocam em uma posição de responsabilidade crucial. Consolidar a aliança com os setores médios insatisfeitos com o capitalismo chileno representado no frenteamplismo e construir uma ponte que permita não só compreender, mas também convencer o novo setor contra-institucional que, literalmente, tomou o constituinte, podem ser as tarefas centrais do CP no período atual.

Se algo caracterizou a atitude do mais importante dirigente comunista do século XX, Luis Corvalán, foi uma revisão profunda dos conceitos que sempre foram utilizados na elaboração da "linha", desde a denominado "via pacífica" (que defendeu com fervor) à "rebelião popular". Essa revisão conceitual consolidou os êxitos, transformou-os em formas de intervenção na conjuntura e contribuiu para o fortalecimento do movimento popular chileno. Depois de maio, nada mais será o mesmo: as massas de outubro voltaram a intervir e mostram, entre sobresaltos, erros e imprecisões, um caminho no qual o comunismo chileno tem um papel, senão principal, pelo menos um papel fundamental.

Sobre o autor

Bacharel em Educação e Filosofia UMCE, candidato ao Doutorado em Estudos Latino-Americanos pela Universidade de Michigan. Autor do livro "Los tiempos y las cosas, Ontología y política en Nicolás Maquiavelo".

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