Principais economias não estão propondo redução de carga tributária sobre os mais ricos como medida de recuperação econômica
Não há dúvidas de que o aumento da proteção social será necessário no Brasil. O governo federal vem sinalizando a intenção de expansão do Bolsa Família, que, no entanto, tem esbarrado em restrições do nosso arcabouço fiscal.
Nesta semana, o governo parece ter encontrado a solução: irá propor ajuste na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2021 para que o novo Bolsa Família, mais amplo em termos de valor e famílias beneficiadas, seja criado a partir da previsão de recursos oriundos da reforma no Imposto de Renda, ainda em discussão no Congresso. O financiamento viria dos recursos arrecadados com a tributação de lucros e dividendos proposta na reforma do Imposto de Renda.
Essa proposta poderia ser, enfim, festejada pelos progressistas. O impacto econômico negativo da tributação de dividendos, ao reduzir a renda disponível dos mais ricos, potencialmente, seria mais que compensado pelo impacto positivo das transferências aos mais pobres, dada a maior propensão a consumir da base da distribuição, como estudos recentes do grupo de pesquisa que integro, o Nemea-Cedeplar, têm mostrado.
O investimento das empresas, parece, segundo evidências empíricas mais recentes, não responde negativamente à tributação de dividendos.
O diabo, no entanto, mora nos detalhes, e a proposta de reforma do IR, após o texto substitutivo do relator, tem problemas sérios.
Originalmente, a proposta apontava na direção correta, mas tinha problemas de calibragem. Eis que então vem a emenda, que saiu pior que o soneto. No texto substitutivo, bastante influenciado pela reação negativa do empresariado, a taxação de dividendos seria mantida em 20%, mas a redução do IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) seria ampliada de 5 para 12,5 pontos percentuais. Os rendimentos de fundos de investimentos imobiliários e os dividendos distribuídos entre subsidiárias de uma mesma holding ficariam isentos.
Nesta semana, o governo parece ter encontrado a solução: irá propor ajuste na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2021 para que o novo Bolsa Família, mais amplo em termos de valor e famílias beneficiadas, seja criado a partir da previsão de recursos oriundos da reforma no Imposto de Renda, ainda em discussão no Congresso. O financiamento viria dos recursos arrecadados com a tributação de lucros e dividendos proposta na reforma do Imposto de Renda.
Essa proposta poderia ser, enfim, festejada pelos progressistas. O impacto econômico negativo da tributação de dividendos, ao reduzir a renda disponível dos mais ricos, potencialmente, seria mais que compensado pelo impacto positivo das transferências aos mais pobres, dada a maior propensão a consumir da base da distribuição, como estudos recentes do grupo de pesquisa que integro, o Nemea-Cedeplar, têm mostrado.
O investimento das empresas, parece, segundo evidências empíricas mais recentes, não responde negativamente à tributação de dividendos.
O diabo, no entanto, mora nos detalhes, e a proposta de reforma do IR, após o texto substitutivo do relator, tem problemas sérios.
Originalmente, a proposta apontava na direção correta, mas tinha problemas de calibragem. Eis que então vem a emenda, que saiu pior que o soneto. No texto substitutivo, bastante influenciado pela reação negativa do empresariado, a taxação de dividendos seria mantida em 20%, mas a redução do IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) seria ampliada de 5 para 12,5 pontos percentuais. Os rendimentos de fundos de investimentos imobiliários e os dividendos distribuídos entre subsidiárias de uma mesma holding ficariam isentos.
Apesar das medidas de compensação definidas para o corte do IRPJ, estima-se uma queda de R$ 30 bilhões na arrecadação, que, segundo o relatório, seria compensada com aumento da atividade econômica, o que é incerto, diga-se de passagem.
As medidas propostas no texto substitutivo vão em direção contrária ao critério de progressividade do IR, que está no bojo da Constituição Federal. Tamanha redução da tributação nos rendimentos de capital aumentaria a assimetria com a renda do trabalho, incentivaria ainda mais a pejotização e reduziria os recursos disponíveis para os estados e os municípios, uma vez que a arrecadação do IRPJ é partilhada com esses entes via FPE (Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal) e FPM (Fundo de Participação dos Municípios).
A redução dos recursos transferidos a esses entes se refletiria na redução da provisão para saúde e educação, o que pioraria a desigualdade, visto que os gastos para a oferta desses serviços afetam, principalmente, os mais pobres. O rombo fiscal acabaria, inevitavelmente, sendo coberto por um aumento da tributação sobre consumo, o que é regressivo.
Parece justo que no Brasil pós-pandemia nós reduzamos a carga tributária sobre os mais ricos, aqueles que detêm renda do capital, atualmente subtributados, à custa de prejuízo à oferta de educação e saúde pública?
Parece justo e producente que um programa de transferência, que poderia ter impactos importantes, seja acompanhado por aumento de carga tributária sobre as classes baixa e média?
Parece justo que esse programa seja implementado ao custo da redução dos recursos para educação e saúde, áreas prioritárias para nossa recuperação com inclusão social?
Não, não parece. Aliás, não parece uma boa ideia para economistas de renome internacional, como o Nobel Angus Deaton e Jan Kregel, que, coincidentemente, tocaram no assunto recentemente.
Mais uma vez estamos na contramão do mundo. As principais economias não estão propondo redução de carga tributária sobre os mais ricos como medida de recuperação econômica. O Brasil, está.
As medidas propostas no texto substitutivo vão em direção contrária ao critério de progressividade do IR, que está no bojo da Constituição Federal. Tamanha redução da tributação nos rendimentos de capital aumentaria a assimetria com a renda do trabalho, incentivaria ainda mais a pejotização e reduziria os recursos disponíveis para os estados e os municípios, uma vez que a arrecadação do IRPJ é partilhada com esses entes via FPE (Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal) e FPM (Fundo de Participação dos Municípios).
A redução dos recursos transferidos a esses entes se refletiria na redução da provisão para saúde e educação, o que pioraria a desigualdade, visto que os gastos para a oferta desses serviços afetam, principalmente, os mais pobres. O rombo fiscal acabaria, inevitavelmente, sendo coberto por um aumento da tributação sobre consumo, o que é regressivo.
Parece justo que no Brasil pós-pandemia nós reduzamos a carga tributária sobre os mais ricos, aqueles que detêm renda do capital, atualmente subtributados, à custa de prejuízo à oferta de educação e saúde pública?
Parece justo e producente que um programa de transferência, que poderia ter impactos importantes, seja acompanhado por aumento de carga tributária sobre as classes baixa e média?
Parece justo que esse programa seja implementado ao custo da redução dos recursos para educação e saúde, áreas prioritárias para nossa recuperação com inclusão social?
Não, não parece. Aliás, não parece uma boa ideia para economistas de renome internacional, como o Nobel Angus Deaton e Jan Kregel, que, coincidentemente, tocaram no assunto recentemente.
Mais uma vez estamos na contramão do mundo. As principais economias não estão propondo redução de carga tributária sobre os mais ricos como medida de recuperação econômica. O Brasil, está.
Sobre a autora
Doutora em economia, é professora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG
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