André Roncaglia
Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
Folha de S.Paulo
A busca pela autossuficiência em petróleo motivou Getúlio Vargas a fundar a Petróleo Brasileiro S/A em 1953. Desde sua criação até 2016, a Petrobras, sob controle estatal, induziu a criação de uma rede de fornecedoras nacionais (serviços, engenharia, e bens industriais) e construiu capacidades tecnológicas e geológicas em exploração de petróleo e gás em águas profundas.
A descoberta do pré-sal brasileiro em 2007 alçou o país à autossuficiência: 90% do petróleo utilizado nas refinarias brasileira são extraídos no território nacional e 77% da produção total da Petrobras vêm do pré-sal. Alcançada graças aos investimentos em P&D e em exploração e produção de petróleo, a elevada produtividade do pré-sal implicou forte expansão da oferta nacional com queda do custo de extração.
Paradoxalmente, a partir de 2016, a população brasileira deixou de se beneficiar dos baixos preços da gasolina e do diesel. No governo Temer, a Petrobras adotou a política de preço por paridade de importação (PPI). O preço dos derivados foi definido como se todos os derivados consumidos internamente fossem importados (incluindo-se custo de frete e imposto de importação).
Logo da Petrobras - Sergio Moraes/Reuters |
Entre 2019 e 2022, a combinação de PPI com redução dos custos de produção levou a enormes lucros (R$ 342 bilhões) e geração de caixa (R$ 708 bilhões) para a Petrobras. Os resultados não estimularam os investimentos; ao contrário, a Petrobras investiu menos do que a depreciação do capital.
Em vez de se posicionar para enfrentar a transição energética, a empresa cortou sistematicamente seus investimentos em capacidade produtiva, desistiu da produção de fertilizantes (reforçando a dolarização dos preços de alimentos para consumo interno) e alienou cerca de 46 ativos (campos de petróleo, a BR Distribuidora, a Refinaria Landulpho Alves - RLAM), promovendo a desintegração vertical da empresa.
Em contraste, a petroleira norueguesa Equinor vem seguindo uma estratégia de longo prazo, ampliando investimentos em energia renovável, ainda que, no curto prazo, esses investimentos tenham menores taxas de retorno.
A racionalidade curto-prazista que guiou a Petrobras a partir de 2016 levou à desorganização intertemporal do abastecimento interno. No curto prazo, expôs o preço interno à volatilidade da taxa de câmbio e do preço internacional do petróleo. No longo prazo, abdicou de construir relevante capacidade de refino e de distribuição (escassez de gasodutos) e de aproveitar as mudanças tecnológicas referentes à redução dos custos das energias renováveis.
Pesquisa liderada por Isabella Weber (UMass) mostra que a inflação pós-pandemia tem sido pressionada por corporações em "setores sistemicamente relevantes" (sobretudo energia), que elevam preços para engordar suas margens de lucro, em meio a calamidades e guerras.
O PPI institucionalizou a majoração dos lucros da Petrobras e das empresas importadoras de petróleo e automatizou o repasse da inflação externa (pandemia e guerra na Ucrânia). Entre 2019 e 2022, a Petrobras distribuiu R$ 332,5 bilhões em dividendos (isentos de IR) ao setor privado nacional e estrangeiro (mais de 60% das ações da empresa). Quando parou no caixa do governo, os lucros não elevaram investimentos públicos; devido ao teto de gastos, pagaram o serviço dos juros da dívida pública.
A extinção do PPI reduz a ingerência do rentismo na gestão da Petrobras e, por isso, amplia o horizonte e diversifica os interesses envolvidos na governança da Petrobras (fica a dica ao Banco Central). No curto prazo, a mudança pode facilitar o controle da inflação, sobretudo com investimentos nas fábricas de fertilizantes (FAFENs). A atenção às fontes de energia limpa (como hidrogênio verde) pode juntar a empresa aos esforços de transição energética.
A posteridade agradece.
A posteridade agradece.
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