Luke Savage
A man receives a COVID-19 vaccine at a hospital in Khartoum, Sudan. (Ebrahim Hamid / AFP via Getty Images) |
Tradução / Do ponto de vista logístico, a distribuição de vacinas em alguns países do ocidente tem sido incrível. Porém, em quase qualquer outro quesito, a resposta global a essa pandemia — uma resposta formulada e conduzida por esses mesmos países — tem sido uma catástrofe moral.
À medida que a distribuição de vacinas no Canadá dispara, o ritmo de vida pré-pandemia é retomado em algumas cidades dos Estados Unidos, o Reino Unido recua suas últimas restrições contra a COVID e oferece um sentimento palpável de que a normalidade retorna, gradualmente, aos países desenvolvidos. O maior motivo, simples e diretamente, é que as vacinações em massa funcionam: tanto em termos de minimizar a ocorrência de doenças graves como também para limitar a propagação do vírus.
Provavelmente, muitas pessoas do ocidente estão vagamente cientes de que a realidade é bem diferente fora da Europa e da América do Norte. Porém, até uma sondagem superficial dos dados torna claro o quão significativa é essa diferença entre os países subdesenvolvidos e os desenvolvidos. 88% de todas as vacinas, até o momento, foram distribuídas em países ricos, enquanto que a distribuição nos países mais pobres totaliza 0,3%.
De acordo com a antiga Ministra da Saúde do Equador, Carina Vance Mafla, que recentemente co-presidiu uma cúpula sobre o internacionalismo da vacina, quase cem países ainda não receberam nem a primeira dose. Conforme observou após a cúpula Varsha Gandikota-Nellutla, da Internacional Progressista, a União Europeia conseguiu fechar acordos para receber quase 2 bilhões de ampolas para a segunda dose, apesar de haver lugares que precisam delas urgentemente, já que ainda não conseguiram nem a primeira dose — como a África, que possui mais de um bilhão de habitantes e cujos habitantes quase não foram vacinados. No ritmo atual, disse Gandikota-Nellutla ao The Intercept, levaria quase sessenta anos para alçarmos a imunização global, uma realidade que ela corretamente chama de nacionalista, imperialista e racista.
Cálculos recentes, feitos pela People’s Vaccine Alliance, demonstram o quão parcial o estado de nossa situação atual realmente é:
Nos países do G7, são vacinadas 4.630.533 pessoas por dia. Nesse ritmo, levaria 227 dias para vacinar toda a população; mais especificamente, até o dia 8 de janeiro de 2022, assumindo que todos recebam as duas doses. Enquanto isso, nos países de baixa renda, são vacinadas 62.772 pessoas por dia. Nesse ritmo, levará 57 anos para vacinar toda a população, isto é, até o dia 7 de outubro de 2078, assumindo que todos recebam as duas doses.
As implicações que o apartheid da vacina trazem vão além de um lockdown abrangente e outros fatores que interrompem um estilo de vida normal. Os números de mortos em países pobres e em países de renda média correspondem agora a, respectivamente, 43% e 42% do total mundial, comparados a 15% nos países ricos. Visto que os dados mundiais de mortes por COVID ultrapassam os 4 milhões, há todos os motivos para acreditar que essa curva ficará ainda maior nos próximos meses (e potencialmente nos próximos anos).
Apesar das esperanças de que o encontro mais recente do G7 possa pelo menos levar ao começo de uma resposta global devidamente coordenada, o bilhão de doses prometido pelos países ricos não chega nem perto dos 11 bilhões necessários para vacinar 70% da população mundial até o final do ano que vem. Agora, esse esforço mundial existe mais no papel do que na vida real, podendo ser descrito como um remendo confuso de filantropia e produção desigual, dominado por uma porção de empresas privadas cuja prioridade é atender a demanda de vacinas de países desenvolvidos. Até que essa dinâmica mude, os casos continuarão aumentando nos países mais pobres e novas variantes continuarão afligindo até mesmo populações do ocidente totalmente vacinadas. Mesmo seguindo estritamente o interesse próprio, e ainda que a vida esteja voltando ao normal na Europa e na América do Norte, os governos ocidentais podem, certamente, ser considerados um fracasso.
E não foi, entretanto, um fracasso por falta de imaginação ou por uma série de erros nascidos da falta de experiência com pandemias desta escala. Foi, ao menos em partes, um fracasso de sistemas políticos aparentemente democráticos, tão respeitosos com o poder das corporações que têm sido incapazes e relutantes em buscar uma cooperação internacional genuína que fuja da lógica do lucro privado.
A livre troca de tecnologias relacionadas à COVID, a capacidade regulatória e de fabricação compartilhada e a produção globalmente coordenada aumentariam o número de doses disponíveis, reduziriam o número de mortes e trariam a pandemia ao fim de forma mais rápida em todas as partes do mundo.
A menos que o monopólio das Grandes Farmacêuticas seja quebrado e o reinado do apartheid da vacina acabe, tal coordenação continuará impossível e a COVID-19 vai continuar conosco por muitos anos.
Sobre o autor
Luke Savage is a staff writer at Jacobin.
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