18 de julho de 2021

O empresariado peruano diante da vitória de Pedro Castillo

Os grandes grupos econômicos do Peru optaram por apoiar abertamente a candidatura de Keiko Fujimori. E como se não bastasse, desenvolveram sua própria campanha independente, "contra o comunismo", com grandes investimentos publicitários.

Uma entrevista com
Francisco Durand



No Peru, a disputa eleitoral ainda não foi decidida. O país continua em suspenso devido à situação institucional, onde deve ser decidido se Pedro Castillo pode ou não assumir o governo. Para o sociólogo Francisco Durand, não há dúvida de que os grupos hegemônicos da economia peruana estão envolvidos na situação atual e têm participado da campanha para deter Castillo. Por isso, conversamos com ele para falar sobre como os grupos empresariais estão atuando no cenário tenso que vive o Peru.

Francisco Durand é sociólogo e acadêmico da Pontificia Universidad Católica del Perú, tem trabalhado em suas pesquisas sobre a ideia da captura do Estado por grupos econômicos tanto no Peru como na América Latina.

Jorge Ayala e Pablo Toro 

O que está acontecendo na disputa eleitoral entre Keiko Fujimori e Pedro Castillo?

Francisco Durand

Acho que a vitória já está definida por uma pequena margem, do professor Pedro Castillo. Apesar das tentativas de Fujimori de denunciar uma suposta fraude e outras tentativas do resto da direita, que inclui a direita social, militar, religiosa e econômica. Também tem havido tentativas senão de organizar um golpe de estado, mas algum tipo de intervenção para criar uma espécie de parêntese que impeça a vitória de Castillo, semelhante à da Bolívia quando os resultados foram questionados.

Essa curiosa situação de prolongamento do conflito eleitoral, de levantar dúvidas sobre como foram registrados os votos, foi superada. Hoje podemos dizer que falta rever algumas atas pelo Júri Eleitoral Nacional, órgão encarregado de fiscalizar a eleição, e o resultado será anunciado muito em breve, elegendo Pedro Castillo como presidente.

Jorge Ayala e Pablo Toro

Quase trinta anos se passaram desde a Constituição de Fujimori de 1992. Como você analisa a possibilidade de mudança ou continuidade? E como você vê o cenário econômico do país?

Francisco Durand

De certa forma, o Chile e o Peru são semelhantes neste período, porque Alberto Fujimori tem sido o nosso Pinochet. Mudou a Constituição e depois teve que sair em um processo de democratização pactuado que não alterou o modelo econômico.

Chegamos a um ponto em que se questiona a Constituição, esse questionamento ocorre em um momento em que a economia passa por uma série de problemas, e com isso se altera a correlação de forças, surgem novos partidos e novas figuras e há fortes mudanças na opinião pública.

Vivemos uma desaceleração econômica desde 2014, a isso se soma o efeito da Lavo Jato, que paralisou grandes obras, acentuando a tendência de queda. Então a pandemia chegou até nós de uma forma bastante brutal, que abalou o aparato econômico.

Somos um país predominantemente extrativista, embora tenhamos uma cesta diversificada de produtos de exportação: vários tipos de minérios, exportamos gás, temos exportações agrícolas e madeireiras, o que torna o Peru menos dependente de um único produto, mas ainda dependemos do que acontece com as matérias-primas.

Agora estamos em uma situação onde a luz no fim túnel pode ser vista, com a vacinação em massa que está em andamento. Portanto, haverá uma recuperação do ponto baixo em que estamos e, ao mesmo tempo, há grandes expectativas para um novo superciclo de commodities. O desenvolvimento de novas tecnologias produzirá alta demanda por cobre - principal produto de exportação do Peru - e por outros minerais como ferro e, talvez, lítio. Há, portanto, boas perspectivas para os preços internacionais, de alguma forma surgem luzes um pouco mais intensas que indicariam que o ciclo econômico está mais positivo do que há dois ou três anos.

Jorge Ayala e Pablo Toro 

Do ponto de vista social, quais são as consequências territoriais e econômicas de o Peru se basear em um modelo exportador?

Francisco Durand

Acho que o que se chamou de segundo extrativismo, que é o que vive o Peru, é muito mais forte do que o anterior. Isso envolve centros extrativos em uma série de produtos, alguns novos e outros antigos. Um exemplo de produto antigo é o petróleo - que tínhamos pouco - mas produzíamos, e um novo seria a exploração do gás. Isso também acontece com produtos agrícolas, como o açúcar, que tem uma trajetória sustentada ao longo do tempo. Um produto novo seria a uva, o que significa que empresas chilenas estão entrando no Peru, já que aqui existem vantagens climáticas.

Mas também existem exportações de outros tipos de produtos. O Peru é o segundo maior produtor mundial de cocaína e pasta base. Antes só se produzia coca e pasta base, mas hoje a exportação de cocaína atinge um patamar elevado. A mineração ilegal é um grande problema, um exemplo claro disso é a área de Madre de Dios que faz fronteira com o Brasil e a Bolívia.

Em suma, é uma situação bastante complexa, o que nos faz pensar num efeito muito diferente nos diferentes centros extrativos, que têm um efeito enorme na reorganização da economia em torno dessas bases primárias de exportação.

Jorge Ayala e Pablo Toro

Qual é a atuação do grande empresariado peruano diante da situação atual?

Francisco Durand

Eles escolheram apoiar os partidos de direita e opor-se abertamente aos partidos de esquerda. De certa forma, eles contribuíram para a polarização desde o primeiro turno, deram suporte financeiro e se interessaram pelos partidos de centro. O centro vem encolhendo desde o início da disputa eleitoral, e assim chegamos a um segundo turno bastante polarizado.

A partir do segundo turno, me parece que a maioria dos grandes grupos de potências econômicas nacionais optou por apoiar abertamente a candidatura de Keiko Fujimori, mas também desenvolveram sua própria campanha, independente dela, uma campanha contra o comunismo, com grandes investimentos publicitários em todos os meios de comunicação possíveis, televisão, escritos, internet, letreiros luminosos caríssimos que foram colocados em Lima para tentar assustar as pessoas, especialmente as de classe média, e buscando alterar a correlação de forças a favor de Fujimori. O que eles quase conseguiram, mas não o suficiente para obter uma vitória.

Parece-me que outros grupos de poder, principalmente os mais transnacionalizados, por exemplo as AFPs, que são basicamente um capital internacional, e também as grandes multinacionais, que são muito fortes no setor da mineração, assumiram uma atividade mais prudente, a de "esperar e ver." As empresas chinesas, por exemplo, não se manifestaram ou participaram ativamente da campanha. É importante lembrar que as empresas chinesas são hoje o principal investidor na economia peruana. Principal produtor de cobre, com três grandes jazidas, e em ferro também são importantes. Há muito comércio com o país asiático, ao qual se soma a construção do megaporto em Chancay, que fica a cargo deles. Dada a natureza das empresas chinesas, que são estatais, elas tomaram uma atitude mais cautelosa.

Nos setores de médio capital e nos emergentes nota-se uma atitude mais neutra, mais expectante em relação a Castillo, não se voltaram maciçamente para Fujimori. E os setores da pequena e média empresa, por sua origem provinciana e popular, que Castillo conseguiu articular com tanta eficácia, tendem a apoiar amplamente a candidatura do professor. Os comportamentos foram diferenciados nos diferentes grupos econômicos que habitam o Peru.

Os que mais se preocuparam foram os grandes grupos de poder econômico, junto com a direita militar, a direita religiosa, a direita cultural, para colocar nessa categoria Mario Vargas Llosa e companhia, que tentaram formar um bloco. Mas esse bloco não conseguiu derrotar Castillo e agora está encolhendo.

Jorge Ayala e Pablo Toro

Em relação a Pedro Castillo e seu possível governo, para onde se orienta seu programa econômico? Como o senhor interpreta Castillo ao anunciar sua intenção de que o presidente do Banco Central do Peru, Julio Velarde, continue em seu cargo?

Francisco Durand

Diante da campanha anticomunista de medo e das tentativas de apoiar Keiko, mesmo depois da eleição, pela direita e por um setor do grande capital peruano, o professor Castillo parece tentar conter essa ofensiva movendo-se para a centro-esquerda, o que se expressa na aliança com Verónika Mendoza e o grupo que ela representa (Juntos pelo Peru), que também têm a vantagem de ser uma esquerda mais profissional, mais ligada ao mundo acadêmico, das ONGs, ao contrário de Castillo que é mais popular e provincial.

Verónika Mendoza tinha não apenas votos para contribuir, mas também bons técnicos capazes de administrar ministérios e redesenhar o programa econômico de Castillo. Aliar-se a Mendoza moderou seu programa e Castillo começa a ter perfis mais claros, começa a tomar decisões importantes sobre quem seria o encarregado da política econômica. Não lhe custou distanciar-se, sem romper, com o chefe do Peru Libre, Vladimir Cerrón.

Neste contexto, foi muito importante reduzir o impacto da sabotagem econômica em curso, fruto da campanha do medo, que provocou a fuga de capitais e pressionou o mercado cambial, elevando o preço da moeda nacional. O anúncio feito por Pedro Francke, seu principal assessor econômico, queria dizer: “no campo monetário não temos problemas com a política que o senhor Julio Velarde tem feito. Tem sido uma política prudente, tem permitido moderar a valorização do dólar e nos oferecemos para continuar”. Isso acalmou os mercados, dando uma vantagem política imediata de curto prazo, o que certamente gerou um debate dentro da esquerda, sobre se ela não está se movendo, não para o centro, mas para a direita. Acho que isso não pode ser afirmado dessa forma, na medida em que vai depender da decisão final que tome, mas pelo menos a equipe que ele tem agora é firme em uma série de áreas como Saúde, Justiça, Economia e Finanças e Mineração e Energia.

Então, se Velarde quiser continuar por alguns meses - que é o resultado mais provável - não importa; o reitor da economia do Peru é o Ministério da Economia e Finanças. Desse modo, desacelerou os problemas econômicos gerados, deu um pouco mais de espaço e gerou tranquilidade, e vamos ver como esse clima gera as decisões finais de mudança de governo.

Jorge Ayala e Pablo Toro

Em um provável governo de Pedro Castillo, quais seriam as medidas mais urgentes que ele deve tomar nos primeiros cem dias?

Francisco Durand

Isso é exatamente o que está em discussão hoje em dia, e já está começando a ser definido. O governo deve tomar medidas para estreitar seus laços com as bases sociais que o apoiaram durante a campanha. Priorizará medidas político-econômicas que permitam o apoio e a reativação de pequenas e médias empresas na cidade. O Peru tem um setor informal gigante, mas precisa de suporte técnico e de crédito. Proteger também alguns setores do campo que não estão protegidos pelo Acordo de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos, e em certos casos utilizará mecanismos de crédito financeiro, para inicialmente apoiar e gerar uma reativação desses setores.

Ao mesmo tempo, acho que no caso da mineração vai começar um processo de mudanças na política tributária, vinculado aos super-lucros que a mineração está gerando, e assim captar mais recursos para apoiar as políticas redistributivas.

No campo da pandemia ele tem uma boa cabeça, uma boa liderança. Acredito que haverá um forte investimento público aí, que se manifestará em programas específicos para a melhoria da saúde pública, o mesmo na Educação, além de destinar mais recursos orçamentários para essas duas áreas.

Provavelmente vai anunciar um Ministério das Ciências e Tecnologias, que é uma proposta muito popular e que conta com o apoio de membros importantes da comunidade científica, que é pequena mas muito ativa, e que veem neste governo uma oportunidade de conectar a ciência e a tecnologia com a educação e o mundo produtivo.

Parece-me que os primeiros cem dias de Pedro Castillo vão por aí, que talvez não sejam cem, mas sessenta. A oposição da mídia e do Congresso será muito forte, mas pelo menos terá a oportunidade de dizer: “isso é o que eu quero fazer e o que define a orientação do meu governo”. Claro, não acho que possa colocar de imediato, a menos que seja apenas declaratório, a mudança constitucional.

Jorge Ayala e Pablo Toro

O que se percebe de fora é que o Peru é um país que vem se polarizando nessa disputa eleitoral. Como as grandes empresas agirão quando o novo governo tomar posse?

Francisco Durand

Tendo sido derrotada Keiko Fujimori, e tendo um resultado inesperado, menos do que eles previam com a campanha anticomunista, a primeira reação, com exceção de alguns empresários muito envolvidos na mídia e muito comprometidos com uma ideologia de Direita, será tentar se acomodar ao governo Castillo da melhor maneira possível.

Isso vai gerar diferentes tipos de iniciativas. A primeira é estabelecer contato com Castillo e sua equipe, para ver o que exatamente ele vai propor e, a partir disso, eles irão definindo uma estratégia que, a princípio, será de diálogo e relativa moderação. Mas se em algum momento as medidas de Castillo tocarem seus interesses, eles abandonarão essa prudência e optarão por uma oposição enérgica.

No caso da mineração, há indícios dos empresários peruanos (as grandes multinacionais são silenciosas, é a regra em países com forte presença internacional). O rosto do empresário mineiro é Roque Benavides Ganoza, que é um dos principais produtores de ouro, prata e outros minerais, e o principal parceiro das multinacionais, veio a público dizer que não houve fraude. Portanto, ele tentou abrir um diálogo e nesse diálogo tentará colocar sua gente no Estado com a intenção de moderar as posições de Castillo. À medida que o preço do cobre sobe, parece-me que eles não estão tão preocupados, então há espaço para negociação. Tudo depende do que o governo Castillo decidir sobre impostos aos superlucros.

Sobre os entrevistadores

Jorge Ayala C. é sociólogo com mestrado em Sociologia da Modernização pela Universidade do Chile, em História pela Universidade de Santiago do Chile e doutorando em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica do Chile.

Pablo Toro F. é jornalista e mestre em comunicação pela Universidade de Santiago do Chile.

Sobre o entrevistado

Sociólogo, acadêmico da Pontifícia Universidade Católica do Peru. Ele tem se dedicado a investigar a captura do Estado por grandes grupos econômicos, entre suas publicações estão Doce Apóstoles de la Economía Peruana e Odebrecht, la Empresa que Capturaba Gobiernos.

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