19 de julho de 2021

As Olimpíadas são uma fraude

Os melhores atletas do mundo reunidos no espírito de uma competição amigável é uma bela imagem. Mas as Olimpíadas se transformaram em uma máquina implacável para extração de lucros às custas da classe trabalhadora.

Uma entrevista com
Jules Boykoff


O presidente do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach, em Lausanne, Suíça, 2020. (Denis Balibouse / AFP via Getty Images)

Tradução / As Olimpíadas estão aqui novamente. É uma coisa linda ver os melhores atletas do mundo se reunindo na principal vitrine das realizações atléticas. O espirito esportivo é poderoso e não há demonstração maior deste poder incrível do que os jogos olímpicos.

Mas com esse poder vem uma grande responsabilidade, “e o Comitê Olímpico Internacional (COI) não cumpriu essa responsabilidade”, diz Jules Boykoff, ex-jogador profissional de futebol olímpico e pesquisador que se concentra na política dos jogos.

As Olimpíadas são um excelente exemplo do que Boykoff chama de “capitalismo de celebração”. O COI, os políticos poderosos e as megacorporações usam a ocasião como pretexto para canalizar quantias maciças de dinheiro para as elites locais e internacionais, enquanto endurece o trato com atletas e prejudica a classe trabalhadora em todas as cidades olímpicas sedes. Os jogos são um intensificador extremo de desigualdade: as casas de algumas pessoas são demolidas para dar lugar a estruturas temporárias, enquanto alguns ganham milhões e vivem permanentemente em hotéis cinco estrelas.

Jules Boykoff é professor de política na Universidade Pacific. Ele é o autor de Power Games: A Political History of the Olympics [Jogos poderosos: uma história política das Olimpíadas] e NOlympians: Inside the Fight Against Capitalists Mega Sports in Los Angeles, Tokyo and Beyond [NOlimpianos: por dentro da luta contra os mega sports capitalistas em Los Angeles, Tóquio e outros lugares]. A jornalista da Jacobin, Meagan Day, entrevistou Boykoff sobre quem fica rico com as Olimpíadas, quem se ferra e o que os ativistas estão fazendo para impedir essa furada.

Meagan Day

Primeiro, vamos falar sobre Tóquio. Qual é a história por trás dos jogos de Tóquio, e por que você escreveu um artigo de opinião no New York Times argumentando que eles deveriam ser cancelados?

Jules Boykoff

A história por trás das Olimpíadas de Tóquio é que, essencialmente, ela foi construída em uma dupla mentira.

Em 2013, quando o então primeiro-ministro Shinzo Abe estava diante dos membros votantes do Comitê Olímpico Internacional (COI) defendendo Tóquio para as Olimpíadas de 2020, ele foi questionado sobre Fukushima, que em 2011 experimentou um triplo golpe, com um terremoto, um tsunami e um vazamento nuclear. Ele disse na época que tudo estava “sob controle” e assim os membros votantes escolheram Tóquio. Mas as coisas não estavam “sob controle” no Japão. Essa foi a primeira mentira.

A segunda mentira foi que eles lançaram as Olimpíadas de Tóquio com a ideia de serem os “jogos da recuperação”, o que significa que as Olimpíadas seriam uma forma de auxílio na recuperação das áreas afetadas pelo desastre. Nada disso aconteceu. Entrevistei pessoas no Japão, incluindo o professor da Universidade Kansai, Satoko Itani, que afirmou que sediar as Olímpiadas na verdade tirou materiais e máquinas das áreas afetadas.

Quando Comitê Olímpico Internacional entregou a competição para Tóquio, eles o fizeram porque a viam como “um par de mãos seguras”. Mas, desde então, os organizadores em Tóquio têm feito a tocha olímpica capengar. Foi um desastre desde o início, desde a contratação da famosa arquiteta Zaha Hadid para projetar um estádio que não saiu do papel por ser muito caro até o escândalo de plágio com o primeiro logotipo que eles lançaram para o evento – sem mencionar que há alegações confiáveis correndo nos tribunais franceses que Tóquio subornou com propina para sediar este evento.

Em meu artigo para o New York Times, falei principalmente sobre o fato de que as autoridades médicas dentro e fora do Japão clamavam pelo cancelamento dos jogos. Simplesmente não faz sentido realizar um espetáculo esportivo opcional durante uma pandemia global. Além disso, a população em geral do Japão era contra a realização das Olimpíadas. Naquela época, havia pesquisas que mostravam que cerca de 80% dos japoneses não queriam as Olimpíadas no verão.

Mas acho que o mais importante sobre o momento de Tóquio é que ele removeu o verniz do projeto olímpico e permitiu que as pessoas o vissem como ele realmente é, essencialmente um exercício de economia progressiva, onde o dinheiro flui para entidades bem estabelecidas, como o Comitê Olímpico Internacional, e elites políticas e econômicas bem localizadas.

Quando escrevi esse artigo, também esperava abrir uma discussão mais ampla sobre o que são as Olímpiadas no século XXI e como, de fato, elas se tornaram uma forma de prejudicar os trabalhadores em todas as cidades-sede e, ao mesmo tempo, ajudar aqueles que já estão indo muito bem economicamente.

Meagan Day

Como as Olimpíadas evoluíram para uma marca global ávida por lucros?

Jules Boykoff

As Olimpíadas foram iniciadas por um aristocrata francês chamado Barão Pierre de Coubertin, que construiu o evento sobre um leito de contradições. Uma é que, desde o início, ele disse que os jogos deveriam ser sobre a paz, mas ao mesmo tempo um dos motivos pelos quais ele achou que as Olimpíadas seriam uma boa ideia é que ele sentiu que fortaleceria os jovens para a guerra. A França acabara de ser derrotada na Guerra Franco-Prussiana e ele era um velho barão excêntrico que acreditava que era porque os jovens eram muito “fracos”.

Outra contradição era que as Olimpíadas deveriam ser uma demonstração universal de proezas para o mundo, mas as mulheres foram excluídas desde o início. O barão era um notório sexista que dizia que o trabalho das mulheres nas Olimpíadas era colocar os louros na cabeça dos campeões ou produzir meninos que um dia poderiam chegar aos jogos Olímpicos. Ele falou sobre trazer países da África para os jogos, mas porque os africanos eram “preguiçosos” e os jogos os ajudariam.

Para avançar, houve um pivô em direção ao que você pode chamar de disneyficação das Olimpíadas. A maioria dos acadêmicos olímpicos dirá que o pivô aconteceu em 1984, mas eu diria algo um pouco diferente. Acho que 1976 é na verdade o ano-chave para compreender como as Olimpíadas têm se desenrolado.

Duas coisas aconteceram em 1976. Primeiro, os jogos Olímpicos de verão de 1976, em Montreal, ultrapassaram o orçamento. O prefeito de Montreal na época disse que custaria 125 milhões de dólares. Acabou custando um bilhão e meio. Eles não pagaram por trinta anos. Isso realmente colocou o temor em muitas dessas outras grandes cidades que não queriam algo que saísse do controle nesses termos.

A outra coisa que aconteceu nas Olimpíadas de inverno de 1976 é que Denver deveria sediar o evento. Mas não houve uma Olimpíada de Denver em 1976, e isso porque pessoas de todo o espectro político se levantaram e disseram não.

Havia ambientalistas preocupados com os danos de sediar uma Olimpíada de inverno em suas pistas de esqui, e também havia conservadores fiscais que não queriam gastar dinheiro de uma forma que não fizesse sentido. Eles uniram essa coalizão interessante que conseguiu que uma medida eleitoral fosse aprovada dizendo que o Eestado do Colorado não gastaria dinheiro público nas Olimpíadas. E o COI sabia que, se não houvesse dinheiro público, não haveria os jogos, então eles mudaram para Innsbruck, na Áustria.

Esses dois momentos de 1976 estabeleceram o paradigma para o que então aconteceu em 1984 nas Olimpíadas de Los Angeles, que é o ano em que a maioria das pessoas que estudam os jogos apontaram como o momento de transição.

Em Los Angeles, o prefeito Tom Bradley se lembrava vivamente do que aconteceu em Montreal e não queria colocar dinheiro público nos jogos. Isso foi durante a era Reagan, e eles estavam neoliberalizando tudo com o pulso firme. Então, o empresário do esporte Peter Ueberroth decidiu que esta seria uma boa oportunidade para mostrar a todos como era grandiosa a privatização e a neoliberalização, e eles essencialmente privatizaram os jogos.

A fim de conseguir mais dinheiro para as Olimpíadas de Los Angeles em 1984, Ueberroth criou um programa de quem na época arrecadava milhões de dólares entre os empresários para se tornarem patrocinadores corporativos. Antes disso, centenas de corporações colocavam um pouco cada uma, mas Ueberroth o transformou em um clube mais exclusivo.

O COI assistiu Ueberroth em Los Angeles e percebeu que isso realmente funcionava, então ele começou seu próprio programa, o Programa Parceiro Olímpico. Hoje, esse programa tem grandes entidades como Coca-Cola, Airbnb, Dow Chemical, Alibaba e assim por diante. Foi esse pivô nos anos 1980 que nos moveu em direção ao que vemos hoje, essa fusão de dinheiro corporativo e esse desejo das elites de usar as Olimpíadas para refazer uma cidade à sua própria imagem.

Meagan Day

Quem fica rico com as Olimpíadas e como?

Jules Boykoff

Há muito dinheiro circulando no sistema olímpico. O problema é que ele tende a se espalhar para o bolso daqueles que já são ricos.

Vamos começar com o COI, o grupo que supervisiona o evento, com sede em Lausanne, na Suíça. Eles têm em suas reservas cerca de um bilhão de dólares ou mais, de acordo com os registros públicos. E eles se saem muito bem nas Olimpíadas. Cada vez que os jogos acontecem, 73% das receitas do COI vêm de emissoras, como a NBC nos Estados Unidos. Outros 18% vêm de patrocinadores corporativos. No geral, eles recebem uma infusão de bilhões de dólares toda vez que há jogos olímpicos. E há uma total falta de responsabilidade com relação a como esse dinheiro circula. O COI é a infraestrutura esportiva mais abrangente, porém menos confiável no mundo.

As emissoras também se saem extraordinariamente bem. A NBC anunciou na semana passada que teve vendas recordes de anúncios para as Olimpíadas de Tóquio. Portanto, embora haja descontentamento com os jogos, isso não impede a venda de anúncios. As emissoras ganham milhões e milhões com as Olimpíadas.

Depois, há as elites políticas e econômicas locais que estão bem posicionadas. As Olimpíadas criam um Estado de exceção na cidade-sede que, no passado, chamei de capitalismo de celebração, uma espécie invertida do capitalismo de desastre de Naomi Klein. Você tem um Estado exceção, exceto que é uma celebração social das Olimpíadas e envolve parcerias público-privadas que são massivamente desequilibradas em favor das entidades privadas.

Tóquio, por exemplo, insistiu em uma nova regra antes dos jogos Olímpicos que dizia que você poderia construir até oitenta metros de altura em um distrito histórico específico. Anteriormente, a altura máxima era de quinze metros. Para construir o estádio nacional neste distrito eles precisavam ir mais alto do que isso, então eles precisavam de uma nova lei, e essa nova lei também beneficia incorporadoras imobiliárias privadas.

Muitas pessoas pensam que outro grupo que beneficia são os atletas, mas isso é questionável na melhor das hipóteses. Houve uma pesquisa muito boa feita apenas no ano passado pela Universidade Ryersone e pelo grupo liderado por atletas chamado Global Athlete. Eles compraram a National Basketball Association, a National Football League e a Premier League inglesa de futebol. Em todas essas ligas, os atletas tinham entre 45% e 60% da receita. Para os jogos olímpicos, é de 4,1%. Então o dinheiro não vai para os atletas trabalhadores. Está indo para essas outras entidades.

Embora os atletas possam não se beneficiar, os membros individuais do COI estão vivendo uma vida de luxo. São eles que vivem sem pagar aluguel em um hotel cinco estrelas na Suíça. Se você estiver na diretoria executiva, receberá 900 dólares por dia. Henry Kissinger, indiscutivelmente um dos maiores violadores de direitos humanos da história do mundo, é um “membro de honra” do COI.

Outro grupo beneficiado é a indústria de segurança. Cada anfitrião olímpico usa o evento como seu caixa eletrônico particular, obtendo todo o dinheiro de que precisa para comprar armas especiais com o suposto propósito de garantir os jogos. Mas eles não encaixotam as armas depois que os jogos acabam. Essas armas passam a fazer parte do policiamento diário na cidade olímpica. Em Los Angeles, em 1984, eles receberam todas essas armas especiais para as Olimpíadas que depois municiaram a chamada Guerra às Drogas – a guerra contra a classe trabalhadora de Los Angeles.

Meagan Day

Mas não é apenas o caso de algumas pessoas se enriquecerem com as Olimpíadas. Também é o caso daqueles que acabam em uma situação pior que antes dos jogos. Quem se ferra e porquê?

Jules Boykoff

Simplificando, a classe trabalhadora não se beneficia com as Olimpíadas. É dito que haverá benefícios na fase de licitação, na tentativa de atrair a população local, mas é tudo sempre muito exagerado.

Sei disso porque, ao contrário de outras pessoas que escrevem sobre as Olimpíadas, como parte do meu trabalho, eu realmente me mudei para a cidade olímpica e morei lá por muito tempo, conversando com os trabalhadores locais sobre como os jogos afetam suas vidas. Morei no Brasil em 2015 e 2016 e em Londres em 2012. Nas minhas pesquisas e nos meus artigos, avalio as Olimpíadas por todos os ângulos.

Quando converso com trabalhadores, as histórias são angustiantes, para ser honesto. Existem quatro tendências negativas quando se trata das Olimpíadas, o que nos leva a uma imagem muito clara de quem não se beneficia.

A primeira tendência é gastos excessivos. Eles sempre dizem que as Olimpíadas vão custar apenas alguns bilhões e sempre custam exponencialmente mais. Eles perdem o controle. A partir de 1960, cada uma das Olimpíadas teve custos extras, e os contribuintes tendem a pagar isso. A segunda é a militarização do espaço público. Como eu disse antes, o policiamento diário após os jogos sempre envolve alta tecnologia e mais armamento para a repressão policial.

A terceira tendência é a gentrificação e o deslocamento, o despejo forçado dos trabalhadores para abrir caminho para as instalações olímpicas. Em Pequim, 1,5 milhão de pessoas foram deslocadas. No Rio de Janeiro, onde morei, 77 mil pessoas foram deslocadas para dar lugar às Olimpíadas.

E por trás dos números existem histórias incríveis. No Rio, conheci algumas pessoas que foram despejadas, suas vidas inteiras viraram de cabeça para baixo. Uma delas é uma mulher chamada Heloisa Helena Costa Berto, uma negra brasileira praticante de Candomblé. Ela era uma grande parte da comunidade da Vila Autódromo, uma favela ao longo da lagoa de Jacarepaguá que foi demolida para os jogos no Rio de Janeiro em 2016.

Seu orixá, ou deusa se preferir, morava ao longo da água perto de sua casa. Portanto, não foi fácil para ela se levantar e se mudar para outra parte da cidade. Toda a sua vida, sua vida espiritual e sua vida comunitária, estavam ali na Vila Autódromo. Antes do início das Olimpíadas, ficamos juntos e espiamos através de uma cerca de arame onde antes ficava a casa dela, e era um estacionamento de uma base de cobertura jornalística. Sua vida inteira virou de cabeça para baixo por causa de um estacionamento temporário.

E a quarta tendência é o greenwashing, virtudes ambientalistas que nunca se concretizam. Voltando ao Rio, as pessoas com quem conversei ficaram emocionadas com a possibilidade de que as Olimpíadas realmente levassem à limpeza da notória sujeira da Baía de Guanabara. Alguns eventos olímpicos seriam realizados lá, e os promotores olímpicos disseram que 80% da água que fluía para a baía seria tratada. Nada disso aconteceu: 169 milhões de galões de esgoto não tratado fluíam para a baía todos os dias quando as Olimpíadas começaram.

Então, novamente, quem perde é a classe trabalhadora – as pessoas que acreditam que o meio ambiente ficará mais limpo e seguro após os jogos. Mesmo que eles não pudessem pagar um ingresso para as Olimpíadas, deveria haver o que eles chamam de um “legado” para a cidade. Infelizmente, esse legado acabou se revelando falso, um grande engano por parte dos organizadores do evento.

Existem tantos que perdem. Por exemplo, em Atlanta, antes das Olimpíadas de 1996, a cidade aproveitou a oportunidade para destruir habitações públicas. O primeiro projeto de habitação pública subsidiado pelo governo federal do país, chamado Techwood Homes e estabelecido durante o New Deal, foi demolido para dar lugar às Olimpíadas.

Outro exemplo é que a mentalidade das forças de segurança muitas vezes é “limpar” a cidade para o consumo público da mídia global, e isso muitas vezes envolve a repressão às trabalhadoras do sexo, tornando suas vidas ainda menos seguras. E, para algumas cidades, também implica maus tratos aos sem-teto. Novamente em Atlanta, eles prenderam 90 mil pessoas desabrigadas. A mesma coisa aconteceu em Vancouver para as Olimpíadas de 2010, a ponto de os ativistas chamarem de “Lei do Sequestro Olímpico”.

Eric Garcetti, o prefeito de Los Angeles, disse que trazer as Olimpíadas ajudaria a cidade a eliminar o problema dos sem-teto até 2028. Isso é ridículo; definitivamente não está acontecendo. Ele aponta mais uma vez para as falsas promessas em torno das Olimpíadas que são endêmicas ao projeto, e também para o fato de que há um enorme déficit democrático.

As pessoas que assinam o contrato da cidade-sede no início dão enorme poder ao COI e cedem enorme poder à cidade. E então eles somem quando as Olimpíadas começam. Garcetti não será prefeito de Los Angeles em 2028, quando vão ocorrer as Olimpíadas. Isso sempre acontece. Eles usam o evento como um trampolim político e depois passam para a próxima etapa, deixando para trás os problemas para os próximos resolverem.

Os preços de moradia sobem cidade após cidade, mesmo nas chamadas histórias de sucesso. Em Barcelona, os preços da habitação subiram. Em Londres, nos bairros próximos às Olimpíadas de 2012, os preços das moradias dispararam. Entrevistei pessoas quando morava lá que tiveram que se mudar. A população de rua aumentou em Londres nesses mesmos bairros por causa desses processos de que estamos falando. As Olimpíadas são o único motivo? Não, mas definitivamente contribui de forma importante para esses problemas sociais.

Meagan Day

À medida que as cidades clamam e se prostram pela oportunidade de sediar os jogos, os contra-movimentos locais estão surgindo com mais frequência. Onde eles começaram e onde estão mais fortes agora?

Jules Boykoff

O ativismo anti-olimpíadas existe há décadas. A primeira vez que Los Angeles sediou as Olimpíadas em 1932, a Grande Depressão estava no auge e havia muitos manifestantes lá com cartazes que diziam “Comida, não jogos”, apontando os gastos e custos envolvidos nas Olimpíadas.

Nas décadas de 1920 e 1930, as pessoas criaram jogos alternativos. As Olimpíadas Femininas foram anunciadas porque as mulheres queriam mostrar que eram perfeitamente capazes de participar e se destacar nos esportes. Houve também as Olimpíadas dos Trabalhadores, organizadas em grande parte por socialistas e comunistas na Europa.

Eram casos enormes, não apenas como ir ao parque com seus amigos. Estamos falando de umas 200 mil pessoas comparecendo aos eventos Olimpíadas dos Trabalhadores, por exemplo. Elas eram uma alternativa muito organizada às Olimpíadas que poderia ser interpretada como um protesto ao que eles chamavam na época de “jogos burgueses”.

Os preparativos para 1976 em Denver foram um momento crítico para o ativismo anti-olímpico, como mencionei antes. Certamente houve campanhas nos anos 1990: em Chicago e Toronto houve movimentos bem-sucedidos para evitar que as Olimpíadas viessem à sua cidade. Mas acho que o ponto principal em termos de levar ao estado atual de ativismo anti-olímpico foi Vancouver nos preparativos para 2010, onde uma coalizão vibrante e fascinante de todos, grupos indígenas a anarquistas e advogados, se reuniu. Eles fizeram um acordo de diversidade de táticas, onde concordaram em nunca dizer nada negativo sobre as táticas de outras pessoas na coalizão para a imprensa. E eles foram tremendamente bem-sucedidos em lutar contra as Olimpíadas.

O movimento anti-olímpico de cada cidade tem seu próprio caráter. Em Londres, antes dos jogos de 2012, os ativistas enfatizaram a política anticorporativa, pois as corporações estavam assumindo esses novos papéis no projeto olímpico – como, por exemplo, a British Petroleum chegando como um “parceiro de sustentabilidade” dos jogos de Londres.

Quando Sochi sediou as Olimpíadas de 2014, muitas pessoas ficaram extremamente descontentes com a ridícula lei anti-LGBTQ aprovada na Rússia, que era terrível à primeira vista e também conflitava fortemente com a Carta Olímpica. Eles não podiam protestar em Sochi. Houve uma ação do grupo Pussy Riot e foi rápida e fortemente reprimida. Então, as pessoas protestaram em cidades do mundo todo.

No Rio, antes dos jogos de 2016, você tinha um grupo muito organizado, o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas. Eles tiveram muitos eventos, muita educação política acontecendo e muitos protestos de rua, incluindo um protesto muito vibrante durante as Olimpíadas, que teve uma grande presença policial e muito gás lacrimogêneo.

Isso nos traz até o presente com Tóquio e Los Angeles. Até julho de 2019, o ativismo anti-olimpíadas era basicamente um jogo rápido, o que significa que um grupo surgia em uma cidade-sede e depois desaparecia. Eram ativistas que já estavam ocupados com questões de moradia e segurança. Quando os jogos chegaram, eles formaram um grupo maior porque as Olimpíadas pioraram todos esses problemas. Mas quando os jogos acabarem, eles voltarão à sua organização normal e, na maioria das vezes, não se preocuparem mais com as Olimpíadas.

Isso mudou em julho de 2019, em grande parte por causa do trabalho do NOlympics LA, bem como seus colegas de Tóquio, dois grupos chamados Hangorin no Kai e OkotowaLink. Eles decidiram que, para lutar contra a máquina peripatética conhecida das Olimpíadas, eles precisavam se tornar mais transnacionais e móveis. E então eles organizaram em julho de 2019 a primeira cúpula transnacional anti-olímpica.

Houve palestras, protestos de rua, debates de tática e de estratégia – que duraram uma semana inteira. E também as pessoas passaram a se conhecer melhor. Estavam lá pessoas de Tóquio, Paris, Rio de Janeiro, Pyeongchang, Seul e Londres. Havia pessoas de cidades futuras, passadas e Tóquio, a atual cidade-sede.

A ideia era pegar o momento e transformá-lo em um movimento, que tenha pernas que vão de uma Olimpíada a outra. E é isso que estamos testemunhando agora. Estamos nos estágios iniciais, mas parece muito promissor.

Meagan Day

A ideia dos melhores atletas do mundo se unirem em espírito de cooperação e competição amigável para mostrar o auge das realizações atléticas humanas é realmente bela. Podemos ter algo assim sem criar um monstro parecido com as Olimpíadas?

Jules Boykoff

Bem, é verdade que, se você ler a Carta Olímpica, ela contém muitas ideias lindas e maravilhosas. O problema sempre foi que, na medida em que são percebidas, elas aconteceram em meio a todas essas outras extremidades negativas de que falamos.

Pratiquei esportes com muita seriedade durante grande parte da minha vida. Não sou um acadêmico excêntrico que odeia esportes e fica pensando em maneiras de arruiná-los. Acredito profundamente no poder do esporte e acredito que com esse poder vem grandes responsabilidades, e o Comitê Olímpico Internacional não as cumpriu.

Acho que existem alternativas, e vimos isso nos anos 1920 e 1930 com os jogos alternativos que mencionei. Aqueles que permitiam que todas as pessoas participassem e não tinham questões externas. No momento, os benefícios econômicos não permanecem na comunidade. Os economistas chamam isso de vazamento, onde todo o dinheiro acaba vazando, direto para a sede da empresa. Se você pudesse criar um evento em que os benefícios econômicos permanecessem dentro da comunidade, isso seria algo muito poderoso.

Colaboradores

Jules Boykoff é o autor de Power Games: A Political History of the Olympics. Ele é professor na Pacific University em Oregon.

Meagan Day faz parte da equipe de articulistas da Jacobin.

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