Nelson Barbosa
Gabriel Cabral/Folhapress |
O relator da reforma do Imposto de Renda apresentou suas sugestões, com boas e más notícias. Do lado bom, estão mantidos o fim da dedução de juros sobre capital próprio (JCP) no cálculo de IR e o retorno da tributação de lucros distribuídos, em 20%.
As duas medidas corrigem erros do governo Fernando Henrique, que promoveu grande desoneração do capital para atrair recursos externos e sustentar a âncora cambial. A âncora cambial acabou em 1999, mas as jabuticabas tributárias sobrevivem até hoje.
Acabar com o atual benefício tributário do JCP (que paga 15%, em vez da alíquota geral 34% sobre lucros) e voltar a tributar dividendos está em linha com as melhores práticas internacionais e deveria ter acontecido há algum tempo.
Os governos do PT discutiram o tema pelo menos três vezes, mas não avançamos devido a restrições políticas. Agora, como “somente Nixon poderia ter ido a China”, coube a Guedes corrigir os erros tucanos. Ponto para Guedes.
Onde está o problema? O projeto da Receita começou com a gordura usual, reduzindo apenas cinco pontos de IR sobre lucro retido em troca de mais 20 pontos sobre lucro distribuído.
Como apontei há duas semanas, considerando a alíquota de 9% de CSLL, o adicional de 10% de IR e a distribuição total dos lucros que excederem R$ 20 mil por mês, o resultado da proposta da Receita será uma alíquota efetiva de 43,2% (29% + 20% de 71%).
Houve grande chiadeira, o governo sinalizou espaço para negociação e o relator do projeto na Câmara resolveu mergulhar com a desoneração do lucro retido. Quanto? 12,5 pontos!
Na proposta do relator, a alíquota efetiva sobre o lucro que exceder R$ 20 mil por mês cairá para 37,2% (21,5% + 20% de 78,5%). O valor é maior do que os 34% atuais, mas precisamos levar em conta a tributação mais baixa sobre os primeiros R$ 20 mil de lucro mensal em micro e pequenas empresas, que pagariam apenas 2,5% de IR, ante 15% atualmente.
Traduzindo do economês, o relator propôs uma megadesoneração da alta classe média, profissionais de alta renda que prestam serviços via pessoa jurídica, grupo que não precisa de incentivo no Brasil de hoje.
Como alternativa, faço quatro sugestões aos congressistas.
Primeiro: em vez dos 5 pontos da Receita e dos 12,5 pontos do relator, redução da tributação sobre lucro retido em 10 pontos, a ser compensada com aplicação do adicional de 10% de IR sobre todo o lucro, não só a partir de R$ 20 mil por mês.
Segundo: elevação da alíquota de IR sobre JCP para 20%, alinhando a tributação ao que será cobrado sobre dividendos, que também não deve ter faixa de isenção de R$ 20 mil por mês.
Terceiro: manutenção da simplificação do IR retido sobre aplicações financeiras, mas com alíquota de 20%, em vez dos 15% propostos pelo governo e, prepare-se... fim da tributação periódica (come-cotas). O tributo incidiria apenas no resgate ou na realização do ganho, acabando com mais uma jaboticaba. Como isso gera perda de receita, a alíquota tem que ser maior, daí os 20%.
Quarto: dado que o governo brasileiro corretamente apoiou a proposta do G20 de alíquota mundial mínima de 15% sobre lucros de grandes empresas, sugiro colocar isso no projeto de lei em discussão no Congresso. Especificamente, sugiro que, após desonerações, créditos e outros benefícios tributários, nenhuma empresa pague menos do que 15% de tributo direto (9% de CSLL e 6% de IRPJ) sobre seu lucro retido.
Como sou otimista, ainda acho que o Congresso pode fazer uma boa proposta com a limonada da Receita e a salada gourmet do relator.
Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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