José Almino de Alencar
Doutor em sociologia pela Universidade de Chicago e sócio-titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, foi presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa
Folha de S.Paulo
[RESUMO] Preocupações sobre o que pensam os militares foram constantes na vida política brasileira ao longo do século passado e voltam hoje com o mesmo vigor, o que indica o peso da pretensão das Forças Armadas de tutelar a ordem republicana. A formulação astuciosamente ambígua do artigo 142 da Constituição de 1988 abre espaço para que oficiais abandonem o recalque a respeito de uma eventual intervenção militar e acreditem que podem dirigir o Brasil, o que torna indispensável para a democracia brasileira enfrentar esse desacerto.
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A questão militar é a denominação dada a uma sucessão de conflitos entre oficiais do Exército Brasileiro e a monarquia, que culminou com o fortalecimento da campanha republicana entre os oficiais e cadetes na década de 1880. Foi um dos fatores que assinalaram a crise do regime imperial no Brasil, conduzindo ao golpe militar que implantou a República em 15 de novembro de 1889, cujo primeiro presidente foi um marechal do Exército.
Esse tipo de ação militar marca uma importante mudança em relação à fase monárquica, que não conheceu golpes, diferentemente do que ocorria na maioria dos países sul-americanos à época. Ao proclamá-lo, as Forças Armadas se tornaram, ao mesmo tempo, as fiadoras e defensoras do novo regime.
"Je sais bien que M. de Lafayette nous protège, mais qui nous protégera de M. de La Fayette?"
Maria Antonieta
A questão militar é a denominação dada a uma sucessão de conflitos entre oficiais do Exército Brasileiro e a monarquia, que culminou com o fortalecimento da campanha republicana entre os oficiais e cadetes na década de 1880. Foi um dos fatores que assinalaram a crise do regime imperial no Brasil, conduzindo ao golpe militar que implantou a República em 15 de novembro de 1889, cujo primeiro presidente foi um marechal do Exército.
Esse tipo de ação militar marca uma importante mudança em relação à fase monárquica, que não conheceu golpes, diferentemente do que ocorria na maioria dos países sul-americanos à época. Ao proclamá-lo, as Forças Armadas se tornaram, ao mesmo tempo, as fiadoras e defensoras do novo regime.
A presença dos militares na cena política passou a ser natural, "inevitável", mesmo na elaboração da Constituição de 1891, no dizer de Felisberto Freire, deputado por Sergipe quando dá notícia da importância de militares entre os constituintes:
"Dos 205 deputados (havia ainda 63 senadores), 46 eram militares. Como classe armada, não podia deixar de ser por sua vez objeto de prescrições constitucionais. O direito público havia de prescrever preceitos que as afetassem e então é bem visível a falta de liberdade de que se ressentiram todas as discussões que afetaram a classe, por parte do elemento civil do Congresso. Não é que os que nele tiveram assento impusessem essa restrição à liberdade de discussão. Não. Ela veio como uma consequência inevitável da situação política, que bem se pôde definir pelo predomínio da classe militar sobre qualquer outra, baixando consideravelmente a cotação política do jurista. E isto constitui um dos fatos mais expressivos da vida do governo republicano".
A nossa primeira Constituição republicana, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891, assim define as Forças Armadas brasileiras:
"Art. 14. As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da pátria no exterior e à manutenção das leis no interior.
A força armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos, e obrigada a sustentar as instituições constitucionais".
O seu artigo 48, parágrafo terceiro especificava:
"Compete privativamente ao Presidente da Republica exercer ou designar quem deva exercer o comando supremo das forças de terra e mar dos Estados Unidos do Brasil, quando forem chamadas ás armas em defesa interna ou externa da União".
A defesa interna da União e a manutenção das leis no interior —essencialmente uma função exercida pela forças policiais— ganha a mesma legitimidade e importância, entre as atribuições das Forças Armadas, que a sua defesa externa.
Note-se, sobretudo, a expressão "obediência dentro dos limites da lei". Em "Forças Armadas e Política no Brasil", José Murilo de Carvalho assinala que, "redigida por Rui Barbosa para conter o Executivo, serviu posteriormente para justificar todos os intervencionismos, pois parecia dar aos militares o poder de julgar a legalidade das ações do governo. Criou a República o que a Constituição Imperial buscou a todo o custo evitar: uma força armada deliberante".
Maria Celina de Araújo que nos diz em "O Segundo Governo Vargas (1951-1954)" que, desde o estabelecimento do novo regime, "frente às manifestações monarquistas que apareciam ou eram temidas, [...] um novo inimigo entra em cena: os inimigos da República".
Estabelece-se um "precedente que só fará se acentuar ao longo do século: a participação das Forças Armadas na manutenção da segurança interna, que hoje se chama garantia da lei e da ordem". A Constituição de 1934 e a Constituição de 1946, nos seus artigos 17 e 77, respectivamente, retomaram os mesmo princípios da Constituição de 1891 no que se referia ao papel dos militares.
Essa função tutelar sobre a "ordem republicana", ou seja, uma espécie de mandato autodesignado de poder moderador emprestou naturalmente às Forças Armadas uma importância referencial dentro dos conflitos, acomodações e mudanças na história do país.
Se, por um lado, a participação política para uma parte do oficialato era tida como algo apropriado e legítimo, por outro, os militares vieram também a ser o alvo de conspirações por grupos civis, que viam nessa eventual aliança um caminho para chegar ao poder. Esses personagens foram celebrizados em uma frase do marechal Castelo Branco: "São as vivandeiras alvoroçadas que vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e causar extravagâncias ao poder militar".
De todo modo, "o que pensam os militares?" e "como reagirão os militares?" foram indagações frequentes e aflitas entre os principais atores da vida pública brasileira no curso do século passado, que retornam agora com praticamente o mesmo vigor. Interrogativas, aliás, sempre justificadas, tal a importância que as Forças Armadas tiveram de fato em grandes mudanças ou agitações políticas e institucionais do nosso século 20.
Ao procurar agir como uma corporação na esfera pública, as Forças Armadas eram inevitavelmente suscetíveis às divisões e conflitos trazidos pela política, o que explica a grande quantidade de iniciativas frustradas de levantes nas duas décadas que se seguiram à Constituição de 1946 até o golpe vitorioso de 1964, quando elas se apresentam enfim unidas.
Incluam-se aí, para os mais novos ou esquecidos, as revoltas tenentistas dos anos 1920, a Revolução de 1930, a instituição do Estado Novo, em 1937, o restabelecimento do regime republicano democrático em 1946, o manifesto dos coronéis do início de 1954, o papel da República do Galeão e da agitação em torno das acusações de corrupção que antecederam o suicídio de Vargas, o entrevero antes da posse de Juscelino Kubitschek, em 1955, que deu lugar ao "contragolpe preventivo" do general Lott, a insurreição contra a posse de Jango, que resultou em um regime parlamentarista improvisado e brevíssimo em 1961—insurreição, aliás, que já preconizava o golpe de 1964—, e, "last but not least", o processo de abertura política, iniciativa do general Ernesto Geisel arrematado pela anistia de setembro de 1979, durante o mandato de seu sucessor, o general João Figueiredo.
Os Poderes são independentes ou, melhor, separados, o que implica a existência de mecanismos de controle mútuo, como o veto executivo, o controle de constitucionalidade pelo Judiciário ou o impeachment pelo Legislativo para impedi-los de desenvolver uma lógica de expansão isolacionista, no dizer de Mário Brockmann Machado em "O Judiciário na Atual Estrutura Constitucional".
No caso em que o chefe de Estado, o presidente, suspende por um período temporário a atuação dos Poderes Legislativo e Judiciário, a medida tem de ser aprovada por maioria de votos no Legislativo. Só o poder controla o poder.
Embora sendo comandadas pelo chefe do Executivo, de acordo com o artigo 142, as Forças Armadas poderão ser convocadas por qualquer um dos Poderes para intervir em defesa da lei e da ordem.
Se, por um lado, elas se veem explicitamente definidas como força executora, um instrumento eventual dos três Poderes, a ausência de mecanismos de controle ou de meios de revisão dessa convocação poderá conduzir a impasses. O mais óbvio é se os abalos da lei e da ordem venham a tomar também a forma de um conflito entre Poderes, como assistimos no ano que terminou. Prevalece a função do comandante-geral das Forças Armadas sem o elemento de um controle como o previsto pelo instituto do estado de sítio?
De todo modo, se mantém o principio da intervenção militar com uma áurea de imprecisão quanto a sua ultima instância de responsabilidade. Abre-se um vácuo pronto a ser ocupado pela "vocação" de poder moderador, alimentada dentro da corporação pelo tempo e pela lembrança de numerosas intervenções desde 1889, cuja possibilidade vem inscrita em todos os textos republicanos, e acasalada pela prática secular de pensar a segurança do país nas suas escolas e centros de reflexão como um elemento de sua estrutura socioeconômica, cujo equilíbrio e orientação a corporação teria os meios de pastorear e dirigir.
Desnecessário dizer que um texto de lei não abolirá golpes militares, apenas daria legitimidade aos que a elas se opuserem, inclusive dentro das próprias Forças Armadas.
Durante os 34 anos desta ultima fase democrática, os militares guardaram em uma espécie de silêncio obsequioso a crença nessa capacidade legítima de intervir (excepcionalmente) direta e, em última instância, unilateralmente no governo da República. Nesse sentido, a fórmula astuciosamente ambígua encontrada por Afonso Arinos favorece essa pretensão que tem sua origem na própria origem de nossa República.
Este parece ser o nó górdio da "questão militar" contemporânea. No mesmo período, o mundo civil a denegava, reprimindo-a na memória e na linguagem política.
Agora, pelo menos por um instante intenso, as forças que mantinham o recalque e o não dito explodiram subitamente. Tudo se passa como se os militares acreditassem que sabem e podem dirigir o Brasil e o mundo político civil não tem ideia, de igual monta, do que fazer com os militares. Acertar esse desacerto é trabalho longo, incerto, mas necessário para que um horizonte democrático mais estável seja possível.
Note-se, sobretudo, a expressão "obediência dentro dos limites da lei". Em "Forças Armadas e Política no Brasil", José Murilo de Carvalho assinala que, "redigida por Rui Barbosa para conter o Executivo, serviu posteriormente para justificar todos os intervencionismos, pois parecia dar aos militares o poder de julgar a legalidade das ações do governo. Criou a República o que a Constituição Imperial buscou a todo o custo evitar: uma força armada deliberante".
Maria Celina de Araújo que nos diz em "O Segundo Governo Vargas (1951-1954)" que, desde o estabelecimento do novo regime, "frente às manifestações monarquistas que apareciam ou eram temidas, [...] um novo inimigo entra em cena: os inimigos da República".
Estabelece-se um "precedente que só fará se acentuar ao longo do século: a participação das Forças Armadas na manutenção da segurança interna, que hoje se chama garantia da lei e da ordem". A Constituição de 1934 e a Constituição de 1946, nos seus artigos 17 e 77, respectivamente, retomaram os mesmo princípios da Constituição de 1891 no que se referia ao papel dos militares.
Essa função tutelar sobre a "ordem republicana", ou seja, uma espécie de mandato autodesignado de poder moderador emprestou naturalmente às Forças Armadas uma importância referencial dentro dos conflitos, acomodações e mudanças na história do país.
Se, por um lado, a participação política para uma parte do oficialato era tida como algo apropriado e legítimo, por outro, os militares vieram também a ser o alvo de conspirações por grupos civis, que viam nessa eventual aliança um caminho para chegar ao poder. Esses personagens foram celebrizados em uma frase do marechal Castelo Branco: "São as vivandeiras alvoroçadas que vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e causar extravagâncias ao poder militar".
De todo modo, "o que pensam os militares?" e "como reagirão os militares?" foram indagações frequentes e aflitas entre os principais atores da vida pública brasileira no curso do século passado, que retornam agora com praticamente o mesmo vigor. Interrogativas, aliás, sempre justificadas, tal a importância que as Forças Armadas tiveram de fato em grandes mudanças ou agitações políticas e institucionais do nosso século 20.
Ao procurar agir como uma corporação na esfera pública, as Forças Armadas eram inevitavelmente suscetíveis às divisões e conflitos trazidos pela política, o que explica a grande quantidade de iniciativas frustradas de levantes nas duas décadas que se seguiram à Constituição de 1946 até o golpe vitorioso de 1964, quando elas se apresentam enfim unidas.
Incluam-se aí, para os mais novos ou esquecidos, as revoltas tenentistas dos anos 1920, a Revolução de 1930, a instituição do Estado Novo, em 1937, o restabelecimento do regime republicano democrático em 1946, o manifesto dos coronéis do início de 1954, o papel da República do Galeão e da agitação em torno das acusações de corrupção que antecederam o suicídio de Vargas, o entrevero antes da posse de Juscelino Kubitschek, em 1955, que deu lugar ao "contragolpe preventivo" do general Lott, a insurreição contra a posse de Jango, que resultou em um regime parlamentarista improvisado e brevíssimo em 1961—insurreição, aliás, que já preconizava o golpe de 1964—, e, "last but not least", o processo de abertura política, iniciativa do general Ernesto Geisel arrematado pela anistia de setembro de 1979, durante o mandato de seu sucessor, o general João Figueiredo.
Não é espantoso que esse cabedal de intervenções históricas, algumas de longa duração, faça parte do inventário de referências que reforçam a legitimidade do que tem sido percebido pela classe militar como uma licença constitucional para a condução do país em períodos de crise.
Vale lembrar que a provisão do artigo 14 da Constituição de 1881 foi retomado pelo artigo 177 na Constituição de 1946 e ganhou lugar no artigo 142 da Constituição de 1988, embora, nesta, esteja formulada de maneira talvez mais ambígua pelas circunstâncias e maneira como foi introduzida.
A data é relativamente recente e há testemunhos do processo de elaboração da última Carta.
A Assembleia Nacional Constituinte iniciou seus trabalhos em fevereiro de 1987. Em setembro de 1986, uma comissão criada pelo Executivo, a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, concluiu a elaboração de um anteprojeto de Constituição. As Forças Armadas participaram das discussões da Comissão Afonso Arinos, como ficou conhecido pela imprensa o grupo redator do anteprojeto que emprestara o nome de seu presidente, e tiveram papel decisivo na redação do artigo 142.
Vale lembrar que vigorava então a Constituição de 1967, obra do regime militar que, no seu artigo 92, parágrafo 1 fazia das forças armadas fiadoras da manutenção das instituições governamentais:
Vale lembrar que a provisão do artigo 14 da Constituição de 1881 foi retomado pelo artigo 177 na Constituição de 1946 e ganhou lugar no artigo 142 da Constituição de 1988, embora, nesta, esteja formulada de maneira talvez mais ambígua pelas circunstâncias e maneira como foi introduzida.
A data é relativamente recente e há testemunhos do processo de elaboração da última Carta.
A Assembleia Nacional Constituinte iniciou seus trabalhos em fevereiro de 1987. Em setembro de 1986, uma comissão criada pelo Executivo, a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, concluiu a elaboração de um anteprojeto de Constituição. As Forças Armadas participaram das discussões da Comissão Afonso Arinos, como ficou conhecido pela imprensa o grupo redator do anteprojeto que emprestara o nome de seu presidente, e tiveram papel decisivo na redação do artigo 142.
Vale lembrar que vigorava então a Constituição de 1967, obra do regime militar que, no seu artigo 92, parágrafo 1 fazia das forças armadas fiadoras da manutenção das instituições governamentais:
"Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constituídos, a lei e a ordem".
José Murilo de Carvalho nos informa que, iniciada a discussão na Comissão Afonso Arinos e em torno desta,
"os ministros militares, particularmente o ministro do Exército [general Leônidas Pires Gonçalves], já se manifestaram mais de uma vez insistindo na manutenção do texto atual. A comissão propõe três mudanças importantes. A primeira é uma volta parcial ao texto de 1891, mantido em 1946. Trata-se de restaurar a doutrina de que os militares devem defender os poderes (ou instituições) constitucionais, e não os poderes constituídos, como consta do texto de 1967. A pertinência da mudança é óbvia. Só governos de fato, como o que perdurou de 1964 a 1985, defenderiam a redação de 1967".
Representantes das Forças Armadas participaram das negociações do anteprojeto da Comissão Afonso Arinos sobre o papel dos militares a ser definido pela nova Constituição. Em "Militares e a Política na Nova República", de Maria Celina d’Araújo e Celso de Castro, o almirante Mário César Flores, então chefe do Estado-Maior da Armada, dá o seu testemunho:
Havia constituintes que não queriam admitir a hipótese do uso das forças para manter a lei e a ordem, hipótese que as forças, em especial o Exército, queriam constitucionalizada. O ministro almirante Sabóia [almirante Henrique Sabóia, ministro da Marinha de José Sarney] mandou-me conversar com o senador Afonso Arinos. Depois de duas horas de conversa agradabilíssima, ele me perguntou qual a razão da visita. Expliquei-lhe que, embora todos preferíssemos não ter que usar a hipótese de intervenção interna, as forças achavam necessário consigná-las para esse fim porque ninguém poderia ter certeza de que isso nunca seria necessário. Ele prontamente rascunhou a fórmula adotada: "e por iniciativa de um dos poderes constitucionais, da lei e da ordem", fórmula aceita sem problema pelas forças".
Assim a encontramos no artigo 142 da Constituição de 1988:
"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".
O ponto sensível permanece: as Forças Armadas se destinam à garantia da lei e da ordem, inovando ao atribuir a iniciativa de convocá-las a qualquer dos Poderes constitucionais: Executivo, Legislativo ou Judiciário.
Os Poderes são independentes ou, melhor, separados, o que implica a existência de mecanismos de controle mútuo, como o veto executivo, o controle de constitucionalidade pelo Judiciário ou o impeachment pelo Legislativo para impedi-los de desenvolver uma lógica de expansão isolacionista, no dizer de Mário Brockmann Machado em "O Judiciário na Atual Estrutura Constitucional".
No caso em que o chefe de Estado, o presidente, suspende por um período temporário a atuação dos Poderes Legislativo e Judiciário, a medida tem de ser aprovada por maioria de votos no Legislativo. Só o poder controla o poder.
Embora sendo comandadas pelo chefe do Executivo, de acordo com o artigo 142, as Forças Armadas poderão ser convocadas por qualquer um dos Poderes para intervir em defesa da lei e da ordem.
Se, por um lado, elas se veem explicitamente definidas como força executora, um instrumento eventual dos três Poderes, a ausência de mecanismos de controle ou de meios de revisão dessa convocação poderá conduzir a impasses. O mais óbvio é se os abalos da lei e da ordem venham a tomar também a forma de um conflito entre Poderes, como assistimos no ano que terminou. Prevalece a função do comandante-geral das Forças Armadas sem o elemento de um controle como o previsto pelo instituto do estado de sítio?
De todo modo, se mantém o principio da intervenção militar com uma áurea de imprecisão quanto a sua ultima instância de responsabilidade. Abre-se um vácuo pronto a ser ocupado pela "vocação" de poder moderador, alimentada dentro da corporação pelo tempo e pela lembrança de numerosas intervenções desde 1889, cuja possibilidade vem inscrita em todos os textos republicanos, e acasalada pela prática secular de pensar a segurança do país nas suas escolas e centros de reflexão como um elemento de sua estrutura socioeconômica, cujo equilíbrio e orientação a corporação teria os meios de pastorear e dirigir.
Desnecessário dizer que um texto de lei não abolirá golpes militares, apenas daria legitimidade aos que a elas se opuserem, inclusive dentro das próprias Forças Armadas.
Durante os 34 anos desta ultima fase democrática, os militares guardaram em uma espécie de silêncio obsequioso a crença nessa capacidade legítima de intervir (excepcionalmente) direta e, em última instância, unilateralmente no governo da República. Nesse sentido, a fórmula astuciosamente ambígua encontrada por Afonso Arinos favorece essa pretensão que tem sua origem na própria origem de nossa República.
Este parece ser o nó górdio da "questão militar" contemporânea. No mesmo período, o mundo civil a denegava, reprimindo-a na memória e na linguagem política.
Agora, pelo menos por um instante intenso, as forças que mantinham o recalque e o não dito explodiram subitamente. Tudo se passa como se os militares acreditassem que sabem e podem dirigir o Brasil e o mundo político civil não tem ideia, de igual monta, do que fazer com os militares. Acertar esse desacerto é trabalho longo, incerto, mas necessário para que um horizonte democrático mais estável seja possível.
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