Ed McNally
Jacobin
O primeiro-ministro de Gana, Kwame Nkrumah, acenou para uma multidão que comemora o estabelecimento do novo país (Bettmann/Getty Images). |
Resenha de On the Scale of the World: The Formation of Black Anticolonial Though (Na Escala do Mundo: A Formação do Pensamento Anticolonial Negro), de Musab Younis (University of California Press, 2022).
Tradução / Nas últimas duas décadas, os historiadores nos deram uma visão cada vez mais completa do passado intelectual do anticolonialismo negro. Incluindo Freedom Dreams (Sonhos de Liberdade), de Robin D. G. Kelley, recentemente reeditado, In the Cause of Freedom (Na causa da Liberdade), de Minkah Makalani, e Worldmaking after Empire (Construção do Mundo Depois do Império), de Adom Getachew, esse conjunto de obras permitiu uma compreensão profunda da tradição do Atlântico Negro em particular.
Esses estudiosos nos mostraram que o horizonte político dos pensadores negros anticoloniais – desde os quadros comunistas que organizavam os trabalhadores portuários na Marselha do período entre guerras, até os estadistas pós-coloniais reformistas que planejavam a Nova Ordem Econômica Internacional – não se limitavam à libertação nacional em um sentido estritamente concebido, mas abrangiam formas de transformação que se estendiam por todo o globo.
Musab Younis, professor da Queen Mary University of London e ensaísta da London Review of Books, produziu um livro de estreia que contribuiu muito para enriquecer nossa compreensão dessa história. O título de seu estudo se concentrou no período entre guerras e foi baseado em pesquisas em arquivos franceses, britânicos e da África Ocidental, captando perfeitamente seu argumento central: o anticolonialismo negro foi concebido “na escala do mundo”.
Pensando globalmente
Em cinco capítulos, Younis pretendeu mostrar como “um foco de grande magnitude passou a dominar o pensamento político do Atlântico Negro nas décadas de 1920 e 1930”. Em seu relato, os anticolonialistas do período entre guerras subverteram as concepções imperiais de globalidade para forjar uma “contrapolítica de escala”. Como Younis escreveu:
Muitos intelectuais negros rejeitaram a noção de que o domínio global era restrito a uma elite imperial. Eles viam uma teoria da ordem global como necessária para a libertação da África e de suas diásporas. Ao pensar na escala do mundo, eles desenvolveram uma estratégia distinta para considerar o problema do domínio imperial.
Crucialmente, ele argumentou que o pensamento político nessa escala abrangente permitiria uma compreensão da “raça como uma forma de hierarquia global, em vez de uma divisão natural da humanidade”. Younis espera que a reconstrução dessa história intelectual subterrânea possa ajudar a “repensar o problema da agência humana na escala do mundo” em meio à nossa atual “situação planetária”.
On the Scale of the World inicia-se com uma releitura do movimento de Marcus Garvey, com Younis sugerindo que impulsos mais cosmopolitas e solidários moderaram ou se mantiveram lado a lado com suas dimensões racialistas, internas e chauvinistas – que foram criticadas por Paul Gilroy e outros. Ele extraiu alguns trechos intrigantes do arquivo impresso para fundamentar esse argumento.
Em um editorial de 1923 para o jornal Negro World, Garvey se concentrou nas tropas marroquinas e argelinas que estavam participando da ocupação da Alemanha.
Os norte-africanos haviam sido “desclassificados da negritude” pelo Estado francês, observou Garvey, apelando para que reconhecessem que seus destinos estavam “ligados a todos os outros homens de cor em todo o mundo”. Os marroquinos e argelinos precisavam apenas entender que “seu primeiro dever e interesse” estavam juntos com “os quatrocentos milhões de negros do mundo”.
Younis também apontou para o significado ambíguo da bandeira tricolor – vermelho, preto e verde – que a Universal Negro Improvement Association (UNIA) de Garvey adotou, o que aparentemente, foi intencional. Em pelo menos uma ocasião, Garvey explicou sua lógica da seguinte forma: “O vermelho mostrava sua simpatia pelos “vermelhos” do mundo, o verde sua simpatia pelos irlandeses em sua luta pela liberdade e o preto - o negro”.
Isso refletia a influência de Hubert Harrison, o radical nascido nas Índias Ocidentais que editava o jornal da UNIA. Harrison apontou Sinn Féin da Irlanda e o movimento Swadeshi da Índia, como exemplos para a luta pela liberdade dos negros.
Younis parece estar fazendo duas afirmações distintas sobre o Garveyismo. Primeiro, ele pretendeu localizar “uma vertente poderosa, anticulturalista e profundamente política de pensamento crítico sobre raça dentro da casca de uma aparente adesão à ideologia racial”. Mas, a julgar pelas evidências de arquivo que ele apresentou com lucidez neste capítulo, essa linha de pensamento antiessencialista parece ter sido mais ocasional – um vestígio da influência inicial de Harrison e de outros sobre Garvey – do que fundamental.
Por outro lado, Younis argumentou que o nacionalismo garveyista – deixando de lado a questão das inflexões cosmopolitas – implicava uma rejeição da “hierarquia internacional naturalizada” por meio de sua insistência na possibilidade imediata da soberania negra. Essa segunda afirmação parece muito mais convincente.
Antes da teoria da dependência
No segundo capítulo, Younis traçou as concepções de mundo no pensamento anglófono da África Ocidental, concentrando-se em particular na virada para a compreensão do papel da região na “engrenagem da ordem global”. Isso significava transcender as narrativas que buscavam valorizar o passado africano e reivindicar os africanos como atores históricos, avançando para o reconhecimento de que eles também tinham de enfrentar o mundo “no qual a liberdade deveria ser obtida”.
O ponto central do argumento de Younis seria que o pensamento “estruturalista” estava muito presente na África Ocidental no entre guerras. Esse pensamento dizia respeito ao lugar subordinado da região na hierarquia do “sistema mundial”, bem como à centralidade da exploração econômica racializada no domínio colonial em todo o mundo. Portanto, ele fez questão de enfatizar que essas ideias não foram um presente intelectual para a África dado pelos teóricos da dependência da América Latina várias décadas depois.
Destacamos o estudo de caso de J. W. De Graft-Johnson, intelectual da Costa do Ouro que estudou Direito em Londres antes de escrever Towards Nationhood in West Africa, em 1928. Nessa avaliação, Younis demonstrou que De Graft-Johnson adotou uma concepção global de raça e de dominação imperial, a partir de sua leitura dos supremacistas brancos Lothrop Stoddard e Maurice Muret – com a noção de um mundo definido por um “desequilíbrio nos destinos humanos”.
E. Casely Hayford, editor do Gold Coast Leader, também desempenhou um papel de destaque na reconstrução feita por Younis. Hayford, escreveu ele, apontou para “a trágica impossibilidade de acumulação econômica sob um sistema manipulado” e expôs “as doutrinas racistas propostas na Europa e implementadas na África”.
Younis insiste que as análises apresentadas por pessoas como De Graft-Johnson e Hayford não refletiam simplesmente o pensamento do movimento comunista internacional da época. Ele argumentou que esses pensadores da África Ocidental se distinguiam por “praticamente sempre [enfatizarem] a importância da raça no sistema geral de exploração”. Como declarou o African Morning Post em 1938, depois de analisar as condições de trabalho na Jamaica e na Costa do Ouro: “Em todo o mundo, o destino da raça negra é idêntico... Impotente diante do capitalismo com cabeças de hidra, inexorável e autocentrado”.
Não há razão para duvidar que essa escola de pensamento da África Ocidental tenha sua própria origem intelectual. No entanto, Younis não demonstrou realmente que ela atribuía maior importância à raça do que, por exemplo, uma figura como George Padmore, de Trinidad, enquanto ele era membro da Internacional Comunista (Comintern).
Independentemente da tendência na África Ocidental ser ou não distinta nesse aspecto, ela ainda é de considerável interesse por si só. O fato de que pensadores marxistas e não marxistas de diferentes lugares pareciam chegar a conclusões semelhantes em paralelo seria notável por si só e nos diz algo sobre a história do capitalismo colonial e a forma como ele foi teorizado.
Mundo branco, trabalho negro
Em outro capítulo, Younis relatou como os intelectuais negros que viviam em Paris desafiaram os argumentos sobre a possibilidade de progresso e assimilação dentro do sistema imperial francês, concentrando-se na raça como uma estrutura global. Esses críticos rejeitaram a ideia de que o sistema “poderia possivelmente evoluir para incluir suas populações racializadas em termos iguais”.
Mais uma vez, os intelectuais negros obtiveram percepções políticas subversivas a partir da leitura de textos supremacistas brancos. La Race Nègre, o jornal fundado por Lamine Senghor, do Senegal, depois que ele rompeu com o Partido Comunista Francês, interpretou os escritos de Stoddard como um reflexo da centralidade da dominação branca no imperialismo ocidental, em todas as suas formas.
Younis destacou que uma nova concepção de escala era fundamental para essa forma de política. Esses intelectuais negros argumentavam que os “limites espaciais de uma ordem racial e colonial” eram “impossíveis de serem contidos em qualquer sistema imperial individual” e enfatizavam as “afinidades transnacionais” entre diferentes impérios. Isso significava que era vital pensar e praticar o anticolonialismo na mesma escala global que os impérios que ele pretendia negar.
No quarto capítulo, que talvez seja o mais criativo do livro, Younis argumenta que pensadores como Senghor, Tiemoko Garan Kouyaté e outros da La Race Nègre “conceituaram como o mundo era ordenado pela raça” na forma de uma “dialética corpo-mundo”. Isso envolveu duas proposições: “Primeiro, a ideia de que o colonialismo era eliminacionista, levando inevitavelmente à destruição dos negros; e segundo, a ideia de que o corpo negro era definido ao mesmo tempo por sua solidão e seu trabalho”.
Portanto, não havia contradição entre pensar na escala íntima do corpo humano e na grande escala do mundo. De fato, os dois eram inseparáveis.
Paul Gilroy argumentou em seu livro fundacional de 1993, The Black Atlantic, que um ponto-chave de divergência entre a tradição do Atlântico Negro e o marxismo era que “no pensamento crítico dos negros no Ocidente, a autocriação social por meio do trabalho não é a peça central das esperanças emancipatórias”. No entanto, isso certamente não era verdade para Padmore e C. L. R. James, nem para os pensadores da África Ocidental, segundo Younis.
De fato, ainda há muito a ser escrito sobre o quanto as concepções de proletarização racializada (e o sujeito trabalhador emancipatório que ela produziu) eram centrais para muitas visões da política anticolonial negra. On the Scale of the World representa uma contribuição útil para essa empreitada.
Passado vs. Presente
Há uma tensão ao longo do livro, entre os imperativos da história intelectual e as exigências da teoria política orientada para o presente, que ficaria difícil evitar a sensação de que Younis estivesse selecionando fragmentos de arquivos e, retrospectivamente, impregnando-os de coerência e unidade para que a história funcione melhor para sua intervenção teórica.
Ele argumentou, por exemplo, que embora Senghor e Kouyaté não estivessem “escrevendo diretamente sobre o corpo”, o pensamento deles antecipou “uma leitura da soberania colonial considerada como necropolítica”. Em um sentido, esse seria um enquadramento útil: mostrar como os pensadores do período entre guerras podem ter prenunciado os temas dos teóricos de hoje, chama atenção para antecedentes intelectuais negligenciados.
No entanto, há o perigo de esvaziar os conceitos de seus significados e de suas especificidades históricas. Em sua sugestão de que os pensadores que desenvolveram teorias sobre a centralidade do trabalho negro na ordem global do período entre guerras estavam, na verdade, escrevendo sobre o corpo, prenunciando o trabalho contemporâneo de Achille Mbembe, Younis correria o risco de ocultar algo da história intelectual.
Em decorrência desses dilemas metodológicos, nem sempre fica nítido se Younis está argumentando que a escala mundial do colonialismo era a pré-condição do pensamento político do Atlântico Negro no entre guerras, ou se o pensamento em si era global em sua amplitude. Na maioria das vezes, ele conseguiu demonstrar a segunda hipótese, reconstruindo com elegância as mudanças de escala no pensamento anticolonial.
Às vezes, porém, o discurso sobre escala desliza para o primeiro desses argumentos e, portanto, parece tautológico. Por exemplo, ele escreveu que o mundo não foi “diretamente invocado” no Gold Coast Leader, “mas essa escala implicitamente tornou todo o argumento possível”.
De modo geral, essas foram pequenas ressalvas em um estudo excelente. A originalidade da construção do livro torna-se ainda mais impressionante, se considerarmos a quantidade de investigações sobre o pensamento do Atlântico Negro que já temos em mãos. No final das contas, a missão de Younis em – “peneirar os globalismos” do passado e em “localizar aqueles que podem formar a base de uma ação coletiva que englobe o mundo” – parece valer mais a pena, do que um projeto de reconstrução histórica rígido e literal.
Por fim, vale a pena perguntar até que ponto o arquivo do período entre guerras pode ser útil para o nosso novo momento de colapso ecológico e de ressurgimento da rivalidade entre as “grandes potências” – e se, como David Scott considerou, podemos ainda pensar em conceber o futuro por meio dos termos desenvolvidos por militantes anticoloniais do passado.
Sem dúvida, há muito “tesouro intelectual enterrado” a ser escavado na história do anticolonialismo. Mas esse trabalho não pode substituir a tarefa mais árdua e desafiadora que consiste em enfrentar e pensar novamente sobre a nossa ordem global – uma ordem que, ao contrário do passado que produziu Kwame Nkrumah e Fidel Castro, não tem horizontes emancipatórios claros ou alternativas sistêmicas mundiais.
Colaborador
Ed McNally é doutorando na Universidade de Oxford e político sindical.
On the Scale of the World inicia-se com uma releitura do movimento de Marcus Garvey, com Younis sugerindo que impulsos mais cosmopolitas e solidários moderaram ou se mantiveram lado a lado com suas dimensões racialistas, internas e chauvinistas – que foram criticadas por Paul Gilroy e outros. Ele extraiu alguns trechos intrigantes do arquivo impresso para fundamentar esse argumento.
Em um editorial de 1923 para o jornal Negro World, Garvey se concentrou nas tropas marroquinas e argelinas que estavam participando da ocupação da Alemanha.
Os norte-africanos haviam sido “desclassificados da negritude” pelo Estado francês, observou Garvey, apelando para que reconhecessem que seus destinos estavam “ligados a todos os outros homens de cor em todo o mundo”. Os marroquinos e argelinos precisavam apenas entender que “seu primeiro dever e interesse” estavam juntos com “os quatrocentos milhões de negros do mundo”.
Younis também apontou para o significado ambíguo da bandeira tricolor – vermelho, preto e verde – que a Universal Negro Improvement Association (UNIA) de Garvey adotou, o que aparentemente, foi intencional. Em pelo menos uma ocasião, Garvey explicou sua lógica da seguinte forma: “O vermelho mostrava sua simpatia pelos “vermelhos” do mundo, o verde sua simpatia pelos irlandeses em sua luta pela liberdade e o preto - o negro”.
Isso refletia a influência de Hubert Harrison, o radical nascido nas Índias Ocidentais que editava o jornal da UNIA. Harrison apontou Sinn Féin da Irlanda e o movimento Swadeshi da Índia, como exemplos para a luta pela liberdade dos negros.
Younis parece estar fazendo duas afirmações distintas sobre o Garveyismo. Primeiro, ele pretendeu localizar “uma vertente poderosa, anticulturalista e profundamente política de pensamento crítico sobre raça dentro da casca de uma aparente adesão à ideologia racial”. Mas, a julgar pelas evidências de arquivo que ele apresentou com lucidez neste capítulo, essa linha de pensamento antiessencialista parece ter sido mais ocasional – um vestígio da influência inicial de Harrison e de outros sobre Garvey – do que fundamental.
Por outro lado, Younis argumentou que o nacionalismo garveyista – deixando de lado a questão das inflexões cosmopolitas – implicava uma rejeição da “hierarquia internacional naturalizada” por meio de sua insistência na possibilidade imediata da soberania negra. Essa segunda afirmação parece muito mais convincente.
Antes da teoria da dependência
No segundo capítulo, Younis traçou as concepções de mundo no pensamento anglófono da África Ocidental, concentrando-se em particular na virada para a compreensão do papel da região na “engrenagem da ordem global”. Isso significava transcender as narrativas que buscavam valorizar o passado africano e reivindicar os africanos como atores históricos, avançando para o reconhecimento de que eles também tinham de enfrentar o mundo “no qual a liberdade deveria ser obtida”.
O ponto central do argumento de Younis seria que o pensamento “estruturalista” estava muito presente na África Ocidental no entre guerras. Esse pensamento dizia respeito ao lugar subordinado da região na hierarquia do “sistema mundial”, bem como à centralidade da exploração econômica racializada no domínio colonial em todo o mundo. Portanto, ele fez questão de enfatizar que essas ideias não foram um presente intelectual para a África dado pelos teóricos da dependência da América Latina várias décadas depois.
Destacamos o estudo de caso de J. W. De Graft-Johnson, intelectual da Costa do Ouro que estudou Direito em Londres antes de escrever Towards Nationhood in West Africa, em 1928. Nessa avaliação, Younis demonstrou que De Graft-Johnson adotou uma concepção global de raça e de dominação imperial, a partir de sua leitura dos supremacistas brancos Lothrop Stoddard e Maurice Muret – com a noção de um mundo definido por um “desequilíbrio nos destinos humanos”.
E. Casely Hayford, editor do Gold Coast Leader, também desempenhou um papel de destaque na reconstrução feita por Younis. Hayford, escreveu ele, apontou para “a trágica impossibilidade de acumulação econômica sob um sistema manipulado” e expôs “as doutrinas racistas propostas na Europa e implementadas na África”.
Younis insiste que as análises apresentadas por pessoas como De Graft-Johnson e Hayford não refletiam simplesmente o pensamento do movimento comunista internacional da época. Ele argumentou que esses pensadores da África Ocidental se distinguiam por “praticamente sempre [enfatizarem] a importância da raça no sistema geral de exploração”. Como declarou o African Morning Post em 1938, depois de analisar as condições de trabalho na Jamaica e na Costa do Ouro: “Em todo o mundo, o destino da raça negra é idêntico... Impotente diante do capitalismo com cabeças de hidra, inexorável e autocentrado”.
Não há razão para duvidar que essa escola de pensamento da África Ocidental tenha sua própria origem intelectual. No entanto, Younis não demonstrou realmente que ela atribuía maior importância à raça do que, por exemplo, uma figura como George Padmore, de Trinidad, enquanto ele era membro da Internacional Comunista (Comintern).
Independentemente da tendência na África Ocidental ser ou não distinta nesse aspecto, ela ainda é de considerável interesse por si só. O fato de que pensadores marxistas e não marxistas de diferentes lugares pareciam chegar a conclusões semelhantes em paralelo seria notável por si só e nos diz algo sobre a história do capitalismo colonial e a forma como ele foi teorizado.
Mundo branco, trabalho negro
Em outro capítulo, Younis relatou como os intelectuais negros que viviam em Paris desafiaram os argumentos sobre a possibilidade de progresso e assimilação dentro do sistema imperial francês, concentrando-se na raça como uma estrutura global. Esses críticos rejeitaram a ideia de que o sistema “poderia possivelmente evoluir para incluir suas populações racializadas em termos iguais”.
Mais uma vez, os intelectuais negros obtiveram percepções políticas subversivas a partir da leitura de textos supremacistas brancos. La Race Nègre, o jornal fundado por Lamine Senghor, do Senegal, depois que ele rompeu com o Partido Comunista Francês, interpretou os escritos de Stoddard como um reflexo da centralidade da dominação branca no imperialismo ocidental, em todas as suas formas.
Younis destacou que uma nova concepção de escala era fundamental para essa forma de política. Esses intelectuais negros argumentavam que os “limites espaciais de uma ordem racial e colonial” eram “impossíveis de serem contidos em qualquer sistema imperial individual” e enfatizavam as “afinidades transnacionais” entre diferentes impérios. Isso significava que era vital pensar e praticar o anticolonialismo na mesma escala global que os impérios que ele pretendia negar.
No quarto capítulo, que talvez seja o mais criativo do livro, Younis argumenta que pensadores como Senghor, Tiemoko Garan Kouyaté e outros da La Race Nègre “conceituaram como o mundo era ordenado pela raça” na forma de uma “dialética corpo-mundo”. Isso envolveu duas proposições: “Primeiro, a ideia de que o colonialismo era eliminacionista, levando inevitavelmente à destruição dos negros; e segundo, a ideia de que o corpo negro era definido ao mesmo tempo por sua solidão e seu trabalho”.
Portanto, não havia contradição entre pensar na escala íntima do corpo humano e na grande escala do mundo. De fato, os dois eram inseparáveis.
Paul Gilroy argumentou em seu livro fundacional de 1993, The Black Atlantic, que um ponto-chave de divergência entre a tradição do Atlântico Negro e o marxismo era que “no pensamento crítico dos negros no Ocidente, a autocriação social por meio do trabalho não é a peça central das esperanças emancipatórias”. No entanto, isso certamente não era verdade para Padmore e C. L. R. James, nem para os pensadores da África Ocidental, segundo Younis.
De fato, ainda há muito a ser escrito sobre o quanto as concepções de proletarização racializada (e o sujeito trabalhador emancipatório que ela produziu) eram centrais para muitas visões da política anticolonial negra. On the Scale of the World representa uma contribuição útil para essa empreitada.
Passado vs. Presente
Há uma tensão ao longo do livro, entre os imperativos da história intelectual e as exigências da teoria política orientada para o presente, que ficaria difícil evitar a sensação de que Younis estivesse selecionando fragmentos de arquivos e, retrospectivamente, impregnando-os de coerência e unidade para que a história funcione melhor para sua intervenção teórica.
Ele argumentou, por exemplo, que embora Senghor e Kouyaté não estivessem “escrevendo diretamente sobre o corpo”, o pensamento deles antecipou “uma leitura da soberania colonial considerada como necropolítica”. Em um sentido, esse seria um enquadramento útil: mostrar como os pensadores do período entre guerras podem ter prenunciado os temas dos teóricos de hoje, chama atenção para antecedentes intelectuais negligenciados.
No entanto, há o perigo de esvaziar os conceitos de seus significados e de suas especificidades históricas. Em sua sugestão de que os pensadores que desenvolveram teorias sobre a centralidade do trabalho negro na ordem global do período entre guerras estavam, na verdade, escrevendo sobre o corpo, prenunciando o trabalho contemporâneo de Achille Mbembe, Younis correria o risco de ocultar algo da história intelectual.
Em decorrência desses dilemas metodológicos, nem sempre fica nítido se Younis está argumentando que a escala mundial do colonialismo era a pré-condição do pensamento político do Atlântico Negro no entre guerras, ou se o pensamento em si era global em sua amplitude. Na maioria das vezes, ele conseguiu demonstrar a segunda hipótese, reconstruindo com elegância as mudanças de escala no pensamento anticolonial.
Às vezes, porém, o discurso sobre escala desliza para o primeiro desses argumentos e, portanto, parece tautológico. Por exemplo, ele escreveu que o mundo não foi “diretamente invocado” no Gold Coast Leader, “mas essa escala implicitamente tornou todo o argumento possível”.
De modo geral, essas foram pequenas ressalvas em um estudo excelente. A originalidade da construção do livro torna-se ainda mais impressionante, se considerarmos a quantidade de investigações sobre o pensamento do Atlântico Negro que já temos em mãos. No final das contas, a missão de Younis em – “peneirar os globalismos” do passado e em “localizar aqueles que podem formar a base de uma ação coletiva que englobe o mundo” – parece valer mais a pena, do que um projeto de reconstrução histórica rígido e literal.
Por fim, vale a pena perguntar até que ponto o arquivo do período entre guerras pode ser útil para o nosso novo momento de colapso ecológico e de ressurgimento da rivalidade entre as “grandes potências” – e se, como David Scott considerou, podemos ainda pensar em conceber o futuro por meio dos termos desenvolvidos por militantes anticoloniais do passado.
Sem dúvida, há muito “tesouro intelectual enterrado” a ser escavado na história do anticolonialismo. Mas esse trabalho não pode substituir a tarefa mais árdua e desafiadora que consiste em enfrentar e pensar novamente sobre a nossa ordem global – uma ordem que, ao contrário do passado que produziu Kwame Nkrumah e Fidel Castro, não tem horizontes emancipatórios claros ou alternativas sistêmicas mundiais.
Colaborador
Ed McNally é doutorando na Universidade de Oxford e político sindical.
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