4 de abril de 2023

O autoritário por trás do massacre de manifestantes no Peru

Mais de 60 peruanos já foram mortos em protestos após o impeachment de Pedro Castillo. A presidente Dina Boluarte e o primeiro-ministro Alberto "o Açougueiro" Otárola devem ser levados à justiça.
Oscar Apaza


A presidente do Peru, Dina Boluarte, fala ao lado do primeiro-ministro Alberto Otárola durante coletiva de imprensa no Palácio Presidencial de Lima em 10 de fevereiro de 2023. (Ernesto Benavides / AFP via Getty Images)

Não se pode falar do governo de Dina Boluarte no Peru e dos mais de sessenta assassinatos cometidos por policiais em protestos sem mencionar o atual primeiro-ministro Alberto Otárola. O caráter autoritário do atual governo deve-se, em grande parte, à influência de Otárola “o Açougueiro”, como agora às vezes é conhecido.

A rápida ascensão de Otárola começou em 7 de dezembro, quando o presidente Pedro Castillo, diante de mais uma tentativa de impeachment do Congresso, tentou, sem sucesso, dissolver a instituição. As forças armadas e a polícia não o apoiaram e, uma vez aprovado o impeachment, o vice-presidente Boluarte assumiu a presidência naquele mesmo dia. Em vez de se distanciar da oposição de Castillo, a nova presidente se aproximaria dos elementos de direita e ultradireita do governo.

Otárola fez parte do primeiro gabinete de ministros do governo Boluarte, assumindo o cargo de ministro da Defesa. Como comandante das Forças Armadas do Peru, Otárola foi o responsável direto pelo massacre de Ayacucho perpetrado por militares em 15 de dezembro, no qual dez pessoas foram baleadas e mortas. Apesar das claras violações de direitos humanos, Otárola, longe de levantar dúvidas em Boluarte, aproximou-se do presidente. O cinismo com que Otárola justificava os abusos das forças armadas somava-se à total relutância de Boluarte em reconhecer tais abusos, lançando dúvidas sobre sua capacidade de liderar como presidente.

A partir daí, em todas as coletivas de imprensa, Otárola podia ser visto ao lado de Boluarte, reflexo de como começou a relação dos dois. Em 2022, como vice-presidente e ministro, Boluarte contratou Otárola como seu advogado para se defender das acusações de administrar empresa privada enquanto ocupava cargo público. Para Boluarte, Otárola continua a ocupar esse papel de escudeiro.

Mas talvez mais surpreendente seja o fato de Otárola ter participado de movimentos políticos de esquerda e ter usado sua experiência para defender os direitos humanos - os mesmos direitos agora sendo esmagados sob seu comando. Otárola tornou-se ministro da Defesa no governo do ex-presidente Ollanta Humala entre 2011 e 2012, e permaneceu ativo no Partido Nacionalista Peruano de Humala até 2021. Em 2020, na campanha eleitoral, Otárola apoiou e defendeu uma das bandeiras da esquerda peruana: a redação de uma nova constituição por uma assembléia constituinte. Agora, porém, ele rejeita a ideia de um processo constituinte, atualmente uma das principais reivindicações dos manifestantes.

Esse é outro ponto fundamental que explica a estreita relação de Otárola com Boluarte. Ambos têm demonstrado compromissos políticos voláteis e imprevisíveis que adaptam em função de seu próprio benefício e sobrevivência política. Abandonaram as propostas de reformas sociais para abraçar as iniciativas das elites econômicas. Eles se distanciaram das organizações progressistas para se aproximar das forças políticas da ultradireita. Tendo feito essa transição juntos, Boluarte e Otárola estreitaram o vínculo.

Não surpreende, portanto, que, em 21 de dezembro do ano passado, Boluarte nomeasse Otárola, o grande responsável por um dos maiores assassinatos dos últimos anos, chefe de seu gabinete de ministros. Com esta nomeação, ela confirmou que a violenta repressão do governo aos protestos não diminuiria, mas aumentaria de intensidade.

E, infelizmente, foi exatamente isso que aconteceu. Em 9 de janeiro, em Juliaca, na região de Puno, o atual governo realizou seu segundo maior massacre. Vinte perderam a vida após serem atingidos por balas e outros projéteis. Entre os mortos figuravam pessoas que nem participavam dos protestos.

Nesse mesmo dia, Otárola fez seu primeiro discurso à nação sem a presença do presidente Boluarte. Divergindo das mentiras anteriores sobre o movimento de protesto, Otárola não falou de grupos violentos realizando protestos, mas culpou o ex-presidente Pedro Castillo por estar por trás deles. Sem expressar culpa ou remorso pelos assassinados naquele dia, Otárola afirmou que o governo continuará respondendo aos protestos com a mesma determinação. Percebendo a insensibilidade com que Otárola assimilou o assassinato de inocentes, observadores envolvidos nos protestos e nas redes sociais passaram a se referir a Otárola como "o Açougueiro".

A ascensão de um regime cívico-militar

In its repression of protests and the opposition movement, the cabinet directed by Otárola has incorporated three classic components of civic-military regimes: the fabrication of an enemy from which the population must be protected, violent physical repression during protests, and the persecution and criminalization of citizens who oppose the regime.

The government’s explanations of the origins of the protests have been inconsistent, changing on at least five occasions. Boluarte and Otárola began by speaking of groups of criminals organizing the protests in order to loot. Then Otárola accused Castillo of having organized everything. Days later, the government spoke of a resurgence of Shining Path, a terrorist group that carried out attacks in the ’80s. Officials also pointed to foreign meddling and, based on a groundless publication of a Bolivian congressman, said that groups close to former Bolivian president Evo Morales were providing arms and organizing the marches. Finally, they accused illegal mining companies of financing everything. The government could not provide evidence for any of its hypotheses.

On the other hand, the violent repression of protests has been well documented in hundreds of videos. Police have used tear gas on peaceful marchers, mercilessly beaten subjects they encounter already incapacitated, and shot unarmed people that posed no threat. Furthermore, they’ve physically attacked journalists and street medics. Though mainstream media at the beginning attempted to conceal authorities’ unjustified killings, the evidence was overwhelming. Both national and international media investigations have now demonstrated the brutal repression of protests alongside authorities’ extrajudicial killings.

In addition to the brute repression of protests, the government has also persecuted and criminalized participants. Hundreds have been arbitrarily detained without evidence, held in cells for various days. These arrests have often occurred outside of protests, always justified under the rubric of “intelligence against violent actors,” but generally without any evidence supporting allegations of violence. Some of those arrested have denounced practices of torture and even sexual violence, having been forced to strip naked for searches in situations that didn’t merit such measures. Additionally, citizens’ footage has shown police planting evidence to justify arrests and detentions of protest participants. At the height of absurdity, they’ve detained and incarcerated people alleging that they financed subversive acts for carrying sums of cash less than $500.

Fora Boluarte, Fora Otárola

A situação no Peru é grave. Ainda que os argumentos do governo Boluarte para justificar suas ações sejam cada vez mais absurdos, a cada dia Otárola "o Açougueiro" parece ter mais poder, exibido nas ações cada vez mais autoritárias do atual governo. O vínculo entre Boluarte e Otarola agora parece baseado no medo que eles compartilham de que, uma vez fora do poder, terão que enfrentar a justiça pela violação sistêmica dos direitos humanos de seu governo.

Essa administração encontra cada vez menos apoio. A grande imprensa não consegue diminuir seus crimes e abusos, e alguns setores da direita chegaram a considerar insustentável a presidência de Boluarte.

As Nações Unidas enviaram uma carta ao governo em 2 de março, dando ao poder executivo sessenta dias para investigar e responder ao uso excessivo da força pelas autoridades e às mortes de manifestantes. E o procurador-geral do Peru abriu uma investigação preliminar contra Boluarte e Otárola pelo crime de genocídio, pelo qual ambos foram interrogados. Por sua vez, o governo dos Estados Unidos, por meio de seu subsecretário de Estado para assuntos do Hemisfério Ocidental, expressou seu desejo de que o Peru avance as eleições.

Enquanto isso, a maioria dos peruanos, como claramente expressou nas ruas e nas pesquisas, deseja a renúncia imediata de Dina Boluarte - e com ela, a queda e julgamento do infame primeiro ministro Alberto "o Açougueiro" Otárola.

Colaborador

Oscar Apaza é um arquiteto e ativista urbano peruano.

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