UMA ENTREVISTA COM
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Soldados de Operações Especiais realizam uma demonstração na Holland Drop Zone para Donald Trump em 10 de junho de 2025, em Fort Bragg, Carolina do Norte. (Anna Moneymaker / Getty Images) |
UMA ENTREVISTA DE
Branko Marcetic
Existem livros importantes e existem livros populares. Infelizmente, raramente há uma intersecção entre os dois. The Fort Bragg Cartel: Drug Trafficking and Murder in the Special Forces [O Cartel de Fort Bragg: Tráfico de Drogas e Assassinatos nas Forças Especiais], de Seth Harp, uma exposição da criminalidade e da violência perpetradas por militares das Forças Especiais que retornam às comunidades estadunidenses, é uma rara exceção. O livro disparou para a lista de mais vendidos do New York Times e agora está prestes a virar uma série da HBO.
Seu impacto parece quase feito sob medida para este momento. O livro de Harp está causando repercussão no momento em que Donald Trump usa uma suposta repressão à criminalidade violenta e ao tráfico de drogas como pretexto para mobilizar ilegalmente o exército nas ruas estadunidenses e expandir o ímpeto militar dos EUA de maneiras novas e radicais.
Branko Marcetic, da Jacobin, conversou com Harp, jornalista investigativo e veterano militar, sobre a evolução das intervenções militares dos Estados Unidos, as formas menos conhecidas como elas repercutem em solo estadunidenses e novos detalhes sobre suas reportagens que não foram incluídos no livro. A entrevista foi editada para maior clareza.
Branko Marcetic
Como você descreveria a imagem popular dos membros das Forças Especiais conforme ela foi divulgada ao público e como isso contrasta com o que você descobriu ao longo de sua reportagem?
SETH HARP
O que o público imagina como agentes especiais é em grande parte moldado por programas de TV e filmes que retratam esses caras como heróis de ação. Acabei de assistir a um episódio de uma série chamada A Lista Terminal, e é bem típico na forma como retrata esses durões cabeludos, anti-heróis marrentos e valentes que lutam contra terroristas. A realidade em torno das Forças Especiais é muito mais complexa.
As Forças Especiais têm uma função específica. As Forças Especiais do Exército têm uma função de nicho, que surgiu nos tempos de Vietnã, que era treinar exércitos estrangeiros para agir em países onde os Estados Unidos percebiam interesses de segurança nacional e criar forças de apoio para servir a esses interesses. Eles são instrutores. Eles se reúnem com forças locais em um país como o Afeganistão, por exemplo, e seu trabalho é criar uma força capaz de se manter por conta própria. Então, muitas das coisas que eles fazem são equipar esses caras com armas, conseguir dinheiro, treiná-los para lutar e, em seguida, liderá-los em batalha.
Branko Marcetic
Muitos deles acabam se arrependendo do que fizeram, apesar da imagem de heróis, e isso leva a essas disfunções pessoais que você aborda em detalhes.
SH
Sim, Sebastian Junger escreveu um livro há alguns anos, Tribe, no qual fala sobre grupos de caçadores-coletores que participaram de guerras tribais, muitos dos quais matavam pessoas e eram expostos a violências horríveis em lugares como Papua Nova Guiné ou a Amazônia. O ponto dele era que, nesses ambientes, não existe Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Ele não existe.
Ele contrasta isso com a experiência de lutar nas forças armadas modernas de um Estado-nação massivo como os EUA, capitalista, alienado e atomizado, onde há uma divergência entre os interesses da elite e o povo. Sua hipótese básica, que considero interessante, é que é a falta de integração das razões para lutar uma guerra que faz com que as pessoas sofram e lutem com suas consciências posteriormente. É porque elas estão lutando por interesses alienados, e não por sua tribo.
Branko Marcetic
Existem livros importantes e existem livros populares. Infelizmente, raramente há uma intersecção entre os dois. The Fort Bragg Cartel: Drug Trafficking and Murder in the Special Forces [O Cartel de Fort Bragg: Tráfico de Drogas e Assassinatos nas Forças Especiais], de Seth Harp, uma exposição da criminalidade e da violência perpetradas por militares das Forças Especiais que retornam às comunidades estadunidenses, é uma rara exceção. O livro disparou para a lista de mais vendidos do New York Times e agora está prestes a virar uma série da HBO.
Seu impacto parece quase feito sob medida para este momento. O livro de Harp está causando repercussão no momento em que Donald Trump usa uma suposta repressão à criminalidade violenta e ao tráfico de drogas como pretexto para mobilizar ilegalmente o exército nas ruas estadunidenses e expandir o ímpeto militar dos EUA de maneiras novas e radicais.
Branko Marcetic, da Jacobin, conversou com Harp, jornalista investigativo e veterano militar, sobre a evolução das intervenções militares dos Estados Unidos, as formas menos conhecidas como elas repercutem em solo estadunidenses e novos detalhes sobre suas reportagens que não foram incluídos no livro. A entrevista foi editada para maior clareza.
Branko Marcetic
Como você descreveria a imagem popular dos membros das Forças Especiais conforme ela foi divulgada ao público e como isso contrasta com o que você descobriu ao longo de sua reportagem?
SETH HARP
O que o público imagina como agentes especiais é em grande parte moldado por programas de TV e filmes que retratam esses caras como heróis de ação. Acabei de assistir a um episódio de uma série chamada A Lista Terminal, e é bem típico na forma como retrata esses durões cabeludos, anti-heróis marrentos e valentes que lutam contra terroristas. A realidade em torno das Forças Especiais é muito mais complexa.
As Forças Especiais têm uma função específica. As Forças Especiais do Exército têm uma função de nicho, que surgiu nos tempos de Vietnã, que era treinar exércitos estrangeiros para agir em países onde os Estados Unidos percebiam interesses de segurança nacional e criar forças de apoio para servir a esses interesses. Eles são instrutores. Eles se reúnem com forças locais em um país como o Afeganistão, por exemplo, e seu trabalho é criar uma força capaz de se manter por conta própria. Então, muitas das coisas que eles fazem são equipar esses caras com armas, conseguir dinheiro, treiná-los para lutar e, em seguida, liderá-los em batalha.
Branko Marcetic
Muitos deles acabam se arrependendo do que fizeram, apesar da imagem de heróis, e isso leva a essas disfunções pessoais que você aborda em detalhes.
SH
Sim, Sebastian Junger escreveu um livro há alguns anos, Tribe, no qual fala sobre grupos de caçadores-coletores que participaram de guerras tribais, muitos dos quais matavam pessoas e eram expostos a violências horríveis em lugares como Papua Nova Guiné ou a Amazônia. O ponto dele era que, nesses ambientes, não existe Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Ele não existe.
Ele contrasta isso com a experiência de lutar nas forças armadas modernas de um Estado-nação massivo como os EUA, capitalista, alienado e atomizado, onde há uma divergência entre os interesses da elite e o povo. Sua hipótese básica, que considero interessante, é que é a falta de integração das razões para lutar uma guerra que faz com que as pessoas sofram e lutem com suas consciências posteriormente. É porque elas estão lutando por interesses alienados, e não por sua tribo.
A ausência de um objetivo legítimo ao qual a violência esteja a serviço é o que impulsiona o TEPT e a lesão moral observáveis nas Forças Especiais.
Os Navy SEALs se chamam de irmãos, mas não são irmãos no sentido em que caçadores-coletores são literalmente irmãos e primos lutando. Acho que isso tem muito a ver com a situação, agravado pelo fato de a maioria dos veteranos achar que as guerras no Iraque e no Afeganistão não valeram a pena. A ausência de um objetivo legítimo no fundamento da violência é o que impulsiona a epidemia de TEPT e danos morais observáveis nas Forças Especiais.
Branko Marcetic
Estamos no meio de uma crise política em que o papel das Forças Armadas está sendo radicalmente expandido, inclusive na vida doméstica dos EUA, tudo com base no combate ao crime e às drogas, sendo as drogas uma ameaça à segurança nacional. No entanto, parece que grande parte da reação negativa dessas operações das Forças Especiais se deve ao fato de os soldados afetados acabarem cometendo crimes e violência em casa, além de se envolverem com o tráfico de drogas.
Quanto do tráfico interno de drogas pode ser atribuído às Forças Armadas dos EUA? E quando se trata dos crimes e da violência cometidos por agentes especiais em suas comunidades, até que ponto podemos dizer que são exceções?
SH
Não creio que se possa dizer que são apenas maçãs podres ou casos isolados, porque são muitos.
Meu livro se concentra principalmente em dois agentes especiais que foram encontrados mortos em Fort Bragg em 2020: Timothy Dumas e Billy LaVigne. Eles morreram em 2020, e a investigação de suas mortes durou três anos. Nos anos seguintes, surgiram muitos outros casos em Fort Bragg sobre os quais não tenho detalhes tão precisos, mas ainda estou acompanhando.
Todd Michael Fulkerson, um Boina Verde treinado em Bragg, foi condenado no início deste ano por tráfico de narcóticos com o cartel de Sinaloa, passando pela fronteira do Arizona e trazendo drogas para Ohio. Outro sujeito, Jorge Esteban Garcia, que foi o principal conselheiro de carreira em Fort Bragg por vinte anos — sua função era orientar e guiar soldados aposentados sobre suas perspectivas de carreira — estava literalmente recrutando para um cartel e foi condenado por tráfico de metanfetamina e apoio a uma organização extremista violenta. E então um grupo de soldados da 44ª Brigada Médica em Fort Bragg — todos esses soldados estão em Fort Bragg — foram condenados por tráfico de grandes quantidades de cetamina de Camarões, na África Ocidental, para os EUA, pelo correio.
Esses três casos ocorreram apenas nos últimos dezoito meses, mais ou menos, e em apenas uma base militar. Quando você analisa esses casos de perto, percebe quantas vezes esses fatos são encobertos e como é raro que se chegue a um julgamento completo pelo sistema de justiça criminal a ponto de se obter uma condenação. Estou falando apenas dos casos em que esses soldados foram condenados. Muitos outros casos são silenciosamente enterrados e nunca vêm à tona.
Branko Marcetic
Estamos no meio de uma crise política em que o papel das Forças Armadas está sendo radicalmente expandido, inclusive na vida doméstica dos EUA, tudo com base no combate ao crime e às drogas, sendo as drogas uma ameaça à segurança nacional. No entanto, parece que grande parte da reação negativa dessas operações das Forças Especiais se deve ao fato de os soldados afetados acabarem cometendo crimes e violência em casa, além de se envolverem com o tráfico de drogas.
Quanto do tráfico interno de drogas pode ser atribuído às Forças Armadas dos EUA? E quando se trata dos crimes e da violência cometidos por agentes especiais em suas comunidades, até que ponto podemos dizer que são exceções?
SH
Não creio que se possa dizer que são apenas maçãs podres ou casos isolados, porque são muitos.
Meu livro se concentra principalmente em dois agentes especiais que foram encontrados mortos em Fort Bragg em 2020: Timothy Dumas e Billy LaVigne. Eles morreram em 2020, e a investigação de suas mortes durou três anos. Nos anos seguintes, surgiram muitos outros casos em Fort Bragg sobre os quais não tenho detalhes tão precisos, mas ainda estou acompanhando.
Todd Michael Fulkerson, um Boina Verde treinado em Bragg, foi condenado no início deste ano por tráfico de narcóticos com o cartel de Sinaloa, passando pela fronteira do Arizona e trazendo drogas para Ohio. Outro sujeito, Jorge Esteban Garcia, que foi o principal conselheiro de carreira em Fort Bragg por vinte anos — sua função era orientar e guiar soldados aposentados sobre suas perspectivas de carreira — estava literalmente recrutando para um cartel e foi condenado por tráfico de metanfetamina e apoio a uma organização extremista violenta. E então um grupo de soldados da 44ª Brigada Médica em Fort Bragg — todos esses soldados estão em Fort Bragg — foram condenados por tráfico de grandes quantidades de cetamina de Camarões, na África Ocidental, para os EUA, pelo correio.
Esses três casos ocorreram apenas nos últimos dezoito meses, mais ou menos, e em apenas uma base militar. Quando você analisa esses casos de perto, percebe quantas vezes esses fatos são encobertos e como é raro que se chegue a um julgamento completo pelo sistema de justiça criminal a ponto de se obter uma condenação. Estou falando apenas dos casos em que esses soldados foram condenados. Muitos outros casos são silenciosamente enterrados e nunca vêm à tona.
Não creio que se possa dizer que os soldados traficantes de drogas são apenas maçãs podres ou casos isolados, porque são muitos.
Quanto à proporção de drogas trazidas para os Estados Unidos por militares, acho que é impossível quantificar por uma série de razões. Mas o que se pode dizer é que, ao analisar cada região do mundo que é um grande centro de produção de drogas — que na verdade não são muitas —, é possível perceber que, em todos os casos, a intervenção militar estadunidense precedeu a transformação do país em um narcoestado, e não o contrário.
Estamos falando do México, Colômbia, Peru e Bolívia, em certa medida, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Afeganistão, além do que hoje é chamado de Mianmar. Esses países respondem pela maior parte de todas as drogas produzidas no mundo e todos têm um longo histórico de intervenção militar e de inteligência dos EUA, anterior à sua transformação em narcoestados.
Branko Marcetic
Grande parte da imprudência e violência militar que você descreve no livro e das justificativas para isso me lembram o que está acontecendo em Gaza. Sabemos que há planejadores de guerra estadunidenses por aí que querem fazer do que ocorre em Gaza e seu descarado desrespeito às leis e normas da guerra o novo normal, não apenas para Israel, mas também para os operadores militares estadunidenses. Há alguma preocupação de que a violência extrema que você descreve sendo praticada pelas Forças Especiais no livro não permaneça apenas como uma parte obscura da máquina militar dos EUA, mas sim como a maneira como todos começam a operar?
SH
As coisas estão mudando como nunca antes. É difícil prever. Nos dois primeiros anos do ataque israelense a Gaza, uma coisa ficou clara: as Forças de Defesa de Israel (FDI) fazem com que as Forças Armadas dos EUA pareçam muito boazinhas em comparação. E não é uma comparação clara, porque, por exemplo, os EUA mataram centenas de milhares de pessoas no Iraque, possivelmente até um milhão, certamente mais do que as que foram mortas em Gaza.
No entanto — e isso não é intencional, e ninguém que leu meu livro confundiria isso com um pedido de desculpas — os militares estadunidenses, ao travar a guerra no Iraque, se comportaram de acordo com um certo tipo de legalidade. Eles estavam, em geral, seguindo processos legais em que a guerra havia sido autorizada pelo Congresso e sancionada pelo presidente. E, a partir daí, havia combatentes inimigos que eram designados como combatentes e que podiam ser legalmente mortos. Havia esforços conjuntos para treinar tropas a fim de minimizar as baixas civis.
Na unidade em que servi, no Iraque, quando um soldado matou civis injustamente — o que aconteceu bem na minha frente — outros soldados da unidade relataram que não ficaram felizes com isso e, na verdade, tentaram deixa-lo em maus lençóis. Ele nunca foi [responsabilizado], mas isso ainda demonstra uma certa intenção de cumprir as leis da guerra.
As Forças de Defesa de Israel (IDF) não se importam com nada disso. São apenas assassinos e terroristas que matam qualquer um que se mova: matam crianças, matam mulheres, praticam assassinatos. Vimos os piores horrores que alguém já viu na memória recente, cometidos pelas Forças de Defesa de Israel (IDF). A questão que mais me preocupa nesse sentido é se os EUA seguirão os israelenses nesse caminho e agirão da mesma forma.
Vimos os piores horrores já vistos na memória viva, cometidos pelas IDF.
Certamente, o ataque a um barco venezuelano outro dia sugere que é possível que avancemos nessa direção, porque eles não tornaram públicas suas informações de inteligência mostrando que eram membros de cartel. Mesmo que fossem membros de cartel, não são combatentes em uma guerra, então atacá-los é totalmente contra as leis de guerra. E eles estão fazendo isso abertamente. Isso é semelhante aos israelenses nesse aspecto. Estou realmente preocupado que nosso país possa seguir o mesmo modelo e se tornar ainda mais parecido com as IDF.
Branko Marcetic
Você escreve sobre o Comando Conjunto de Operações Especiais (JSOC). Ele foi criado quase como uma forma de contornar as medidas tomadas na década de 1970 para controlar a CIA. E então você combina isso com o fato de que, mesmo com autoridades estadunidenses afirmando que não haverá tropas em lugares como a Ucrânia, como relata, Forças Especiais foram enviadas ao país.
Estamos caminhando para que isso se torne a nova versão de tropas no terreno, onde tropas estadunidenses estão sendo mobilizadas, apenas em pequena escala e sem conhecimento público?
SH
Certamente. Acho que isso é preocupante. Um ponto a ter em mente é que o JSOC é uma organização altamente adaptável, e você os vê se tornarem uma versão muito diferente de si mesmos em conflitos armados sucessivos. Então, eles entraram na Guerra do Iraque como uma organização de nicho que existia para caçar ex-oficiais do regime e procurar por armas de destruição em massa, que acabaram não existindo. Mas, ao longo da guerra, o JSOC evoluiu para uma organização muito maior e mais sangrenta, com um conjunto de alvos muito maior e mais amplo; em 2007, 2008, eles estavam simplesmente liquidando qualquer um que tivesse qualquer conexão com a insurgência.
Eu uso a expressão “esquadrão da morte” para descrever as operações do JSOC no Iraque. Um modelo semelhante foi então aplicado à guerra no Afeganistão quando o presidente [Barack] Obama assumiu o cargo; novamente, a Força Delta e o JSOC funcionaram como uma espécie de esquadrão da morte no Afeganistão, onde se dedicam a missões diárias de assassinato.
A situação desacelerou porque o Afeganistão era um tipo de guerra muito diferente em termos de terreno, composição do inimigo e tamanho populacional em relação ao Iraque. Então, a guerra evoluiu lá, e o ritmo das operações é menor. E na África Ocidental e em todo o Norte da África, o JSOC é um tipo de organização muito diferente. Sabe-se menos sobre o que eles estão fazendo lá. Certamente, há missões cinéticas e letais em que eles estão envolvidos. Mas não está totalmente claro para mim em que consistem as operações do JSOC lá. Sei que eles estão fazendo muitas patrulhas, muita vigilância e ataques ocasionais, particularmente na Somália.
Eles também são muito ativos na Líbia, mas é difícil saber exatamente o que estão fazendo lá. A mesma história com a Ucrânia. Sabemos que eles estão lá. Sabemos que estão realizando operações. E também vemos muitas sabotagens e assassinatos acontecendo dentro das fronteiras russas: generais sendo mortos por carros-bomba, fábricas explodindo, depósitos de armas pegando fogo. Até que ponto as tropas estadunidenses em serviço ativo são responsáveis por executar essas operações em comparação com o trabalho por meio de agentes ucranianos? É mais difícil dizer. Há um atraso nessas informações porque elas levam anos para serem divulgadas.
Quando eu reportava no Iraque, não estava acompanhando completamente o que a Força Delta fazia, porque eles são muito sigilosos e é muito difícil penetrar na organização para obter detalhes operacionais sobre o que eles estão fazendo. Mas devemos ficar de olho em suas ações. E em Gaza, sabemos que a Força Delta tem uma célula de ligação permanente em Tel Aviv e que sempre há pessoal da Força Delta em Israel colaborando com as IDF. Eles também estão fazendo coisas no Iêmen. Então, é algo para ficar de olho. Mas, novamente, esta é uma organização adaptável que pode se transformar e mudar bem diante dos seus olhos e se tornar algo totalmente diferente do que era há alguns anos.
Branko Marcetic
Logo após a publicação, você recebeu a dica e conseguiu uma autobiografia inédita escrita por William LaVigne, um dos personagens centrais do seu livro: um operador da Força Delta que retorna do Afeganistão e acaba se envolvendo com o tráfico de drogas, matando o próprio amigo. Estou curioso para saber o que você encontrou nas memórias dele.
SH
Na primeira vez que li, fiquei extremamente atento para ver se havia errado. Na verdade, era muito mais pesado do que eu imaginava. O que LaVigne admite é realmente de cair o queixo. Ele fala não apenas sobre as operações e o combate da Força Delta, mas também sobre suas atividades criminosas na Carolina do Norte. Há muitas informações ali que, na minha opinião, seriam relevantes para a investigação de sua morte também, para atribuir responsabilidade por seu assassinato e pelo assassinato de Timothy Dumas.
Cito fontes no livro que afirmam que LaVigne trabalhava para um cartel e traficava drogas em alto nível. Era algo bem difícil de definir. Mas ele admite isso diretamente no livro e detalha minuciosamente seu trabalho para esse cartel, dizendo que tudo começou logo depois que ele foi expulso da Força Delta, após sua sexta prisão por crime grave. Ele não foi expulso depois de assassinar o amigo. Ele permaneceu na ativa. Mas, depois de várias prisões subsequentes, eles finalmente se cansaram.
Ele fala sobre fazer viagens internacionais de drogas até a América Central e usar saltos de paraquedas em grandes altitudes para contrabandear pacotes de drogas para os EUA.
Estamos falando do México, Colômbia, Peru e Bolívia, em certa medida, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Afeganistão, além do que hoje é chamado de Mianmar. Esses países respondem pela maior parte de todas as drogas produzidas no mundo e todos têm um longo histórico de intervenção militar e de inteligência dos EUA, anterior à sua transformação em narcoestados.
Branko Marcetic
Grande parte da imprudência e violência militar que você descreve no livro e das justificativas para isso me lembram o que está acontecendo em Gaza. Sabemos que há planejadores de guerra estadunidenses por aí que querem fazer do que ocorre em Gaza e seu descarado desrespeito às leis e normas da guerra o novo normal, não apenas para Israel, mas também para os operadores militares estadunidenses. Há alguma preocupação de que a violência extrema que você descreve sendo praticada pelas Forças Especiais no livro não permaneça apenas como uma parte obscura da máquina militar dos EUA, mas sim como a maneira como todos começam a operar?
SH
As coisas estão mudando como nunca antes. É difícil prever. Nos dois primeiros anos do ataque israelense a Gaza, uma coisa ficou clara: as Forças de Defesa de Israel (FDI) fazem com que as Forças Armadas dos EUA pareçam muito boazinhas em comparação. E não é uma comparação clara, porque, por exemplo, os EUA mataram centenas de milhares de pessoas no Iraque, possivelmente até um milhão, certamente mais do que as que foram mortas em Gaza.
No entanto — e isso não é intencional, e ninguém que leu meu livro confundiria isso com um pedido de desculpas — os militares estadunidenses, ao travar a guerra no Iraque, se comportaram de acordo com um certo tipo de legalidade. Eles estavam, em geral, seguindo processos legais em que a guerra havia sido autorizada pelo Congresso e sancionada pelo presidente. E, a partir daí, havia combatentes inimigos que eram designados como combatentes e que podiam ser legalmente mortos. Havia esforços conjuntos para treinar tropas a fim de minimizar as baixas civis.
Na unidade em que servi, no Iraque, quando um soldado matou civis injustamente — o que aconteceu bem na minha frente — outros soldados da unidade relataram que não ficaram felizes com isso e, na verdade, tentaram deixa-lo em maus lençóis. Ele nunca foi [responsabilizado], mas isso ainda demonstra uma certa intenção de cumprir as leis da guerra.
As Forças de Defesa de Israel (IDF) não se importam com nada disso. São apenas assassinos e terroristas que matam qualquer um que se mova: matam crianças, matam mulheres, praticam assassinatos. Vimos os piores horrores que alguém já viu na memória recente, cometidos pelas Forças de Defesa de Israel (IDF). A questão que mais me preocupa nesse sentido é se os EUA seguirão os israelenses nesse caminho e agirão da mesma forma.
Vimos os piores horrores já vistos na memória viva, cometidos pelas IDF.
Certamente, o ataque a um barco venezuelano outro dia sugere que é possível que avancemos nessa direção, porque eles não tornaram públicas suas informações de inteligência mostrando que eram membros de cartel. Mesmo que fossem membros de cartel, não são combatentes em uma guerra, então atacá-los é totalmente contra as leis de guerra. E eles estão fazendo isso abertamente. Isso é semelhante aos israelenses nesse aspecto. Estou realmente preocupado que nosso país possa seguir o mesmo modelo e se tornar ainda mais parecido com as IDF.
Branko Marcetic
Você escreve sobre o Comando Conjunto de Operações Especiais (JSOC). Ele foi criado quase como uma forma de contornar as medidas tomadas na década de 1970 para controlar a CIA. E então você combina isso com o fato de que, mesmo com autoridades estadunidenses afirmando que não haverá tropas em lugares como a Ucrânia, como relata, Forças Especiais foram enviadas ao país.
Estamos caminhando para que isso se torne a nova versão de tropas no terreno, onde tropas estadunidenses estão sendo mobilizadas, apenas em pequena escala e sem conhecimento público?
SH
Certamente. Acho que isso é preocupante. Um ponto a ter em mente é que o JSOC é uma organização altamente adaptável, e você os vê se tornarem uma versão muito diferente de si mesmos em conflitos armados sucessivos. Então, eles entraram na Guerra do Iraque como uma organização de nicho que existia para caçar ex-oficiais do regime e procurar por armas de destruição em massa, que acabaram não existindo. Mas, ao longo da guerra, o JSOC evoluiu para uma organização muito maior e mais sangrenta, com um conjunto de alvos muito maior e mais amplo; em 2007, 2008, eles estavam simplesmente liquidando qualquer um que tivesse qualquer conexão com a insurgência.
Eu uso a expressão “esquadrão da morte” para descrever as operações do JSOC no Iraque. Um modelo semelhante foi então aplicado à guerra no Afeganistão quando o presidente [Barack] Obama assumiu o cargo; novamente, a Força Delta e o JSOC funcionaram como uma espécie de esquadrão da morte no Afeganistão, onde se dedicam a missões diárias de assassinato.
A situação desacelerou porque o Afeganistão era um tipo de guerra muito diferente em termos de terreno, composição do inimigo e tamanho populacional em relação ao Iraque. Então, a guerra evoluiu lá, e o ritmo das operações é menor. E na África Ocidental e em todo o Norte da África, o JSOC é um tipo de organização muito diferente. Sabe-se menos sobre o que eles estão fazendo lá. Certamente, há missões cinéticas e letais em que eles estão envolvidos. Mas não está totalmente claro para mim em que consistem as operações do JSOC lá. Sei que eles estão fazendo muitas patrulhas, muita vigilância e ataques ocasionais, particularmente na Somália.
Eles também são muito ativos na Líbia, mas é difícil saber exatamente o que estão fazendo lá. A mesma história com a Ucrânia. Sabemos que eles estão lá. Sabemos que estão realizando operações. E também vemos muitas sabotagens e assassinatos acontecendo dentro das fronteiras russas: generais sendo mortos por carros-bomba, fábricas explodindo, depósitos de armas pegando fogo. Até que ponto as tropas estadunidenses em serviço ativo são responsáveis por executar essas operações em comparação com o trabalho por meio de agentes ucranianos? É mais difícil dizer. Há um atraso nessas informações porque elas levam anos para serem divulgadas.
Quando eu reportava no Iraque, não estava acompanhando completamente o que a Força Delta fazia, porque eles são muito sigilosos e é muito difícil penetrar na organização para obter detalhes operacionais sobre o que eles estão fazendo. Mas devemos ficar de olho em suas ações. E em Gaza, sabemos que a Força Delta tem uma célula de ligação permanente em Tel Aviv e que sempre há pessoal da Força Delta em Israel colaborando com as IDF. Eles também estão fazendo coisas no Iêmen. Então, é algo para ficar de olho. Mas, novamente, esta é uma organização adaptável que pode se transformar e mudar bem diante dos seus olhos e se tornar algo totalmente diferente do que era há alguns anos.
Branko Marcetic
Logo após a publicação, você recebeu a dica e conseguiu uma autobiografia inédita escrita por William LaVigne, um dos personagens centrais do seu livro: um operador da Força Delta que retorna do Afeganistão e acaba se envolvendo com o tráfico de drogas, matando o próprio amigo. Estou curioso para saber o que você encontrou nas memórias dele.
SH
Na primeira vez que li, fiquei extremamente atento para ver se havia errado. Na verdade, era muito mais pesado do que eu imaginava. O que LaVigne admite é realmente de cair o queixo. Ele fala não apenas sobre as operações e o combate da Força Delta, mas também sobre suas atividades criminosas na Carolina do Norte. Há muitas informações ali que, na minha opinião, seriam relevantes para a investigação de sua morte também, para atribuir responsabilidade por seu assassinato e pelo assassinato de Timothy Dumas.
Cito fontes no livro que afirmam que LaVigne trabalhava para um cartel e traficava drogas em alto nível. Era algo bem difícil de definir. Mas ele admite isso diretamente no livro e detalha minuciosamente seu trabalho para esse cartel, dizendo que tudo começou logo depois que ele foi expulso da Força Delta, após sua sexta prisão por crime grave. Ele não foi expulso depois de assassinar o amigo. Ele permaneceu na ativa. Mas, depois de várias prisões subsequentes, eles finalmente se cansaram.
Ele fala sobre fazer viagens internacionais de drogas até a América Central e usar saltos de paraquedas em grandes altitudes para contrabandear pacotes de drogas para os EUA.
Isso o destruiu, porque ele vivia para a carreira e era totalmente obcecado em ser um membro da Força Delta. Era toda a sua identidade. Quando perdeu isso, perdeu completamente o controle, e seu problema com drogas se tornou realmente extremo. Ele fala sobre conhecer traficantes de baixo escalão e, em seguida, conhecer pessoas acima deles. Ele ascendeu gradualmente neste mundo, porque todos sabiam quem ele era e o que fez, e todos estavam ansiosos para usar suas habilidades.
Ele fala sobre ter se envolvido com alguns dos maiores traficantes de drogas da Carolina do Norte, representantes de organizações mexicanas que estavam lá e que queriam mais de seus conhecimentos e habilidades, não apenas em termos de espancar e ameaçar pessoas que lhes deviam dinheiro, acompanhá-las como guarda-costas e ensiná-las a fazer segurança, mas também treiná-las sobre como funciona a vigilância. Porque, como membro da Força Delta, ele realmente entendia de segurança operacional e do que é seguro e do que não é, das capacidades e limitações da aplicação da lei.
Ele estava treinando esses caras. Ele até fala em fazer operações internacionais de tráfico de drogas na América Central e usar saltos de paraquedas em grandes altitudes para contrabandear pacotes de drogas para os Estados Unidos, o que, eu acho, é o modus operandi de oficiais de alto escalão das Forças Especiais que se voltam para o tráfico de drogas. Com grandes cargas de cocaína, é uma maneira muito eficaz de driblar as inspeções alfandegárias.
Branko Marcetic
O que ele escreveu sobre as coisas que fez quando foi enviado para o exterior?
SH
Os relatos mais detalhados das operações da Força Delta que já li vêm deste livro de memórias. Anos atrás, um sujeito, um repórter chamado Sean Naylor, escreveu um ótimo livro sobre o JSOC chamado Relentless Strike [Ofensiva Implacável]. E esse foi o relato mais detalhado de como o JSOC opera que já li. Porque você precisa ter em mente: há um vácuo total de informações em torno desta organização, apesar de sua centralidade para o governo dos EUA e o esforço de guerra.
Mas o de Billy Lavigne é uma visão muito mais interna de como, em um nível tático passo a passo, eles realizam o assassinato de, digamos, um sujeito em um carro em movimento ou um sujeito em um complexo fortificado cercado por milhares de combatentes. Uma das cenas mais incríveis em suas memórias, que são surpreendentemente bem escritas, é quando ele fala sobre um ataque ocorrido em 2015, na Síria, que teve como alvo um comandante do ISIS chamado Abu Sayyaf. Esse sujeito estava cercado por milhares de combatentes do ISIS em uma vila que estava completamente ocupada pelo ISIS. Lendo seu relato de como eles agiram cirurgicamente — quero dizer, de maneira relativamente cirúrgica, eles provavelmente mataram cem pessoas naquele dia. Mas a maneira como ele descreve exatamente como eles realizaram essa operação e não perderam ninguém de suas próprias forças, sua precisão e planejamento são realmente incríveis.
Eles estão apenas filmando seus próprios crimes de guerra e o secretário de Estado os publica no Twitter.
Ele fala sobre ter se envolvido com alguns dos maiores traficantes de drogas da Carolina do Norte, representantes de organizações mexicanas que estavam lá e que queriam mais de seus conhecimentos e habilidades, não apenas em termos de espancar e ameaçar pessoas que lhes deviam dinheiro, acompanhá-las como guarda-costas e ensiná-las a fazer segurança, mas também treiná-las sobre como funciona a vigilância. Porque, como membro da Força Delta, ele realmente entendia de segurança operacional e do que é seguro e do que não é, das capacidades e limitações da aplicação da lei.
Ele estava treinando esses caras. Ele até fala em fazer operações internacionais de tráfico de drogas na América Central e usar saltos de paraquedas em grandes altitudes para contrabandear pacotes de drogas para os Estados Unidos, o que, eu acho, é o modus operandi de oficiais de alto escalão das Forças Especiais que se voltam para o tráfico de drogas. Com grandes cargas de cocaína, é uma maneira muito eficaz de driblar as inspeções alfandegárias.
Branko Marcetic
O que ele escreveu sobre as coisas que fez quando foi enviado para o exterior?
SH
Os relatos mais detalhados das operações da Força Delta que já li vêm deste livro de memórias. Anos atrás, um sujeito, um repórter chamado Sean Naylor, escreveu um ótimo livro sobre o JSOC chamado Relentless Strike [Ofensiva Implacável]. E esse foi o relato mais detalhado de como o JSOC opera que já li. Porque você precisa ter em mente: há um vácuo total de informações em torno desta organização, apesar de sua centralidade para o governo dos EUA e o esforço de guerra.
Mas o de Billy Lavigne é uma visão muito mais interna de como, em um nível tático passo a passo, eles realizam o assassinato de, digamos, um sujeito em um carro em movimento ou um sujeito em um complexo fortificado cercado por milhares de combatentes. Uma das cenas mais incríveis em suas memórias, que são surpreendentemente bem escritas, é quando ele fala sobre um ataque ocorrido em 2015, na Síria, que teve como alvo um comandante do ISIS chamado Abu Sayyaf. Esse sujeito estava cercado por milhares de combatentes do ISIS em uma vila que estava completamente ocupada pelo ISIS. Lendo seu relato de como eles agiram cirurgicamente — quero dizer, de maneira relativamente cirúrgica, eles provavelmente mataram cem pessoas naquele dia. Mas a maneira como ele descreve exatamente como eles realizaram essa operação e não perderam ninguém de suas próprias forças, sua precisão e planejamento são realmente incríveis.
Eles estão apenas filmando seus próprios crimes de guerra e o secretário de Estado os publica no Twitter.
Eles esperam semanas pela oportunidade certa para atacar em uma noite de tempo claro. A ausência de lua é um fator importante para eles, pois assim podem operar na escuridão total, sem nuvens obscurecendo seus próprios drones de vigilância. O que eles fazem constantemente é minimizar riscos, controlar contingências e, em seguida, avançar e, de forma muito metódica, eliminar todos os que estão em sua lista de alvos, mantendo um perímetro seguro constantemente sob ataque. É de cair o queixo ver isso de dentro.
A propósito, o papel dele era de adestrador de cães. Nunca percebi até que ponto a unidade usa cães. Eles usam cães em todas as operações. É algo que não é realmente representado em filmes e TVs. Uma coisa significativa que ele reconhece: seu cachorro arrastou para ele um prisioneiro desarmado que eles haviam dilacerado, e ele descreve como tirou o cabelo do sujeito do rosto, porque ele tinha cabelo comprido. E quando ele viu que não era Abu Sayyaf, o alvo que eles estavam tentando sequestrar, ele simplesmente atirou nele à queima-roupa. Simplesmente explodiu seus miolos ali mesmo. Então, a maneira como ele casualmente descreveu o ato de matar prisioneiros confirmou o que escrevi no livro sobre como esses ataques tendem a ser massacres totais. Em todos os ataques que Lavigne descreve, não há sobreviventes do sexo masculino.
Branko Marcetic
O tráfico de drogas relacionado às forças armadas hoje está em uma escala diferente em comparação, digamos, à década de 1980, quando sabemos que havia alguma cooperação com o tráfico de drogas enquanto os Estados Unidos apoiavam os contras?
SH
Eu diria que a cumplicidade dos EUA no tráfico internacional de drogas nunca foi tão substancial quanto na guerra do Afeganistão, ou tão abertamente. Não há dúvida, na verdade. Gary Webb fez uma ótima reportagem sobre como os rebeldes Contra na Nicarágua, que tinham apoio secreto dos EUA, estavam sendo tacitamente autorizados a traficar cocaína para os Estados Unidos através do México. Mas, por pior que tenha sido a epidemia de crack nos EUA, que isso alimentou, não é nada comparada à crise da heroína que vimos nos Estados Unidos em 2010.
O problema das drogas nos EUA piorou muito desde a década de 1980, e a maior parte dessa heroína vinha do Afeganistão, embora a DEA tenha encoberto esse fato. Mas isso se aplica ao mundo todo: a Europa e a Austrália passaram por crises de heroína nessa época, impulsionadas por um suprimento incrivelmente abundante e de alta potência de heroína, praticamente toda proveniente do Afeganistão. Praticamente toda ela era produzida por senhores da guerra, chefes de polícia e altos funcionários estatais — todos com o apoio aberto do exército estadunidense, e muitos dos quais estavam secretamente a serviço da CIA.
Assim, os EUA criaram o Afeganistão como um narcoestado, protegendo-o e armando-o por vinte anos, enquanto injetavam heroína nas veias do mundo inteiro. E a falta de consideração em torno disso é verdadeiramente impressionante, assim como o nível de silenciamento da elite em torno desse enorme crime global que todo o governo dos EUA cometeu, e que teve consequências tão desastrosas para nós como país e para o mundo inteiro.
Branko Marcetic
No entanto, agora, vemos os militares sendo mobilizados como uma forma de combater o tráfico de drogas, apesar de ser sabido até mesmo dentro do governo dos EUA que os militares são uma das principais causas disso.
SH
Faz pouco sentido. A Venezuela nem sequer é um grande país produtor de drogas. Eles estão apenas contando com a ignorância dos estadunidenses para pensar: “Bem, fica na América do Sul. Deve ser um narcoestado”. Mas, na verdade, não é o caso. A Venezuela não tem terras propícias para o cultivo de coca. Ela é cultivada na Colômbia, Bolívia e Peru, países vizinhos da Venezuela.
A propósito, o papel dele era de adestrador de cães. Nunca percebi até que ponto a unidade usa cães. Eles usam cães em todas as operações. É algo que não é realmente representado em filmes e TVs. Uma coisa significativa que ele reconhece: seu cachorro arrastou para ele um prisioneiro desarmado que eles haviam dilacerado, e ele descreve como tirou o cabelo do sujeito do rosto, porque ele tinha cabelo comprido. E quando ele viu que não era Abu Sayyaf, o alvo que eles estavam tentando sequestrar, ele simplesmente atirou nele à queima-roupa. Simplesmente explodiu seus miolos ali mesmo. Então, a maneira como ele casualmente descreveu o ato de matar prisioneiros confirmou o que escrevi no livro sobre como esses ataques tendem a ser massacres totais. Em todos os ataques que Lavigne descreve, não há sobreviventes do sexo masculino.
Branko Marcetic
O tráfico de drogas relacionado às forças armadas hoje está em uma escala diferente em comparação, digamos, à década de 1980, quando sabemos que havia alguma cooperação com o tráfico de drogas enquanto os Estados Unidos apoiavam os contras?
SH
Eu diria que a cumplicidade dos EUA no tráfico internacional de drogas nunca foi tão substancial quanto na guerra do Afeganistão, ou tão abertamente. Não há dúvida, na verdade. Gary Webb fez uma ótima reportagem sobre como os rebeldes Contra na Nicarágua, que tinham apoio secreto dos EUA, estavam sendo tacitamente autorizados a traficar cocaína para os Estados Unidos através do México. Mas, por pior que tenha sido a epidemia de crack nos EUA, que isso alimentou, não é nada comparada à crise da heroína que vimos nos Estados Unidos em 2010.
O problema das drogas nos EUA piorou muito desde a década de 1980, e a maior parte dessa heroína vinha do Afeganistão, embora a DEA tenha encoberto esse fato. Mas isso se aplica ao mundo todo: a Europa e a Austrália passaram por crises de heroína nessa época, impulsionadas por um suprimento incrivelmente abundante e de alta potência de heroína, praticamente toda proveniente do Afeganistão. Praticamente toda ela era produzida por senhores da guerra, chefes de polícia e altos funcionários estatais — todos com o apoio aberto do exército estadunidense, e muitos dos quais estavam secretamente a serviço da CIA.
Assim, os EUA criaram o Afeganistão como um narcoestado, protegendo-o e armando-o por vinte anos, enquanto injetavam heroína nas veias do mundo inteiro. E a falta de consideração em torno disso é verdadeiramente impressionante, assim como o nível de silenciamento da elite em torno desse enorme crime global que todo o governo dos EUA cometeu, e que teve consequências tão desastrosas para nós como país e para o mundo inteiro.
Branko Marcetic
No entanto, agora, vemos os militares sendo mobilizados como uma forma de combater o tráfico de drogas, apesar de ser sabido até mesmo dentro do governo dos EUA que os militares são uma das principais causas disso.
SH
Faz pouco sentido. A Venezuela nem sequer é um grande país produtor de drogas. Eles estão apenas contando com a ignorância dos estadunidenses para pensar: “Bem, fica na América do Sul. Deve ser um narcoestado”. Mas, na verdade, não é o caso. A Venezuela não tem terras propícias para o cultivo de coca. Ela é cultivada na Colômbia, Bolívia e Peru, países vizinhos da Venezuela.
Está totalmente ausente qualquer capacidade de reflexão, humanidade, senso de justiça ou sabedoria — qualquer coisa que você queira ver em um general ou estadista de alta patente.
Este exemplo do ataque ao barco é realmente um mau presságio para o futuro. E as mentiras não são tão boas, nem tão sofisticadas como costumavam ser. Eles estão apenas filmando seus próprios crimes de guerra e o Secretário de Estado os publica no Twitter.
A propósito, li o artigo da Jacobin sobre o General Michael Kurilla [comandante aposentado do CENTCOM]. Tenho o currículo completo dele. Sei tudo o que ele fez na carreira. Estávamos falando antes sobre como as pessoas dentro dessas instituições se veem como atores que operam eticamente dentro de uma estrutura legal. Isso é um fator limitante para a gravidade dos crimes de guerra que eles cometerão.
Mas uma tendência realmente negativa em torno da presidência de Trump é que, quanto mais tempo ele permanece no cargo — vimos isso durante seu primeiro mandato, e não tenho motivos para acreditar que não vá acontecer novamente — esse tipo de pessoa tende a sair das Forças Armadas porque não gosta da falta de seriedade e profissionalismo de pessoas como Trump e alguns de seus principais aliados. Quanto mais centristas e sóbrios os militares, menos presentes estarão, e as pessoas mais bajuladoras, mais dispostas a bajular os preconceitos e instintos de violência de Trump, bem como as pessoas ao seu redor que estão apoiando Israel — são elas que estão ascendendo na hierarquia militar.
Kurilla era um deles: alguém que percebeu, no ambiente atual, que Israel é quem lhe garantirá a próxima honraria que almeja em sua carreira militar. Totalmente ausente está qualquer capacidade de reflexão, humanidade, senso de justiça ou sabedoria — qualquer coisa que se queira ver em um general ou estadista de alta patente. É realmente preocupante ver essas pessoas ascendendo na hierarquia militar.
Colaboradores
Branko Marcetic é escritor da redação da Jacobin e mora em Toronto, Canada.
Seth Harp é autor de The Fort Bragg Cartel: Drug Trafficking and Murder in the Special Forces e editor colaborador da Rolling Stone.
A propósito, li o artigo da Jacobin sobre o General Michael Kurilla [comandante aposentado do CENTCOM]. Tenho o currículo completo dele. Sei tudo o que ele fez na carreira. Estávamos falando antes sobre como as pessoas dentro dessas instituições se veem como atores que operam eticamente dentro de uma estrutura legal. Isso é um fator limitante para a gravidade dos crimes de guerra que eles cometerão.
Mas uma tendência realmente negativa em torno da presidência de Trump é que, quanto mais tempo ele permanece no cargo — vimos isso durante seu primeiro mandato, e não tenho motivos para acreditar que não vá acontecer novamente — esse tipo de pessoa tende a sair das Forças Armadas porque não gosta da falta de seriedade e profissionalismo de pessoas como Trump e alguns de seus principais aliados. Quanto mais centristas e sóbrios os militares, menos presentes estarão, e as pessoas mais bajuladoras, mais dispostas a bajular os preconceitos e instintos de violência de Trump, bem como as pessoas ao seu redor que estão apoiando Israel — são elas que estão ascendendo na hierarquia militar.
Kurilla era um deles: alguém que percebeu, no ambiente atual, que Israel é quem lhe garantirá a próxima honraria que almeja em sua carreira militar. Totalmente ausente está qualquer capacidade de reflexão, humanidade, senso de justiça ou sabedoria — qualquer coisa que se queira ver em um general ou estadista de alta patente. É realmente preocupante ver essas pessoas ascendendo na hierarquia militar.
Colaboradores
Branko Marcetic é escritor da redação da Jacobin e mora em Toronto, Canada.
Seth Harp é autor de The Fort Bragg Cartel: Drug Trafficking and Murder in the Special Forces e editor colaborador da Rolling Stone.
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