Maya Jasanoff
Professora de história na Universidade Harvard, autora de três livros sobre o Império Britânico
The New York Times
Professora de história na Universidade Harvard, autora de três livros sobre o Império Britânico
The New York Times
Frank Augstein |
Tradução / "O final de uma era" será uma observação repetida amplamente por comentaristas analisando o reinado da rainha Elizabeth 2ª, que bateu tantos recordes. Como todos os monarcas, ela foi ao mesmo tempo um indivíduo e uma instituição.
Elizabeth tinha um aniversário diferente para cada papel: o aniversário real de seu nascimento, em abril, e um aniversário oficial, em junho —e, apesar de conservar seu nome pessoal como rainha, ostentou títulos diferentes dependendo de onde em seus domínios se encontrava.
Elizabeth era tão destituída de opiniões e emoções em público quando suas bolsas onipresentes seriam destituídas de objetos comuns como carteira, chaves e telefone. Sabemos pouco sobre sua vida interior, exceto por seu amor por cavalos e cães —fato que deu a Helen Mirren, Olivia Colman e Claire Foy plateias fascinadas com os insights que encenaram.
A rainha encarnou um engajamento profundo e sincero com seus deveres —seu derradeiro ato público foi nomear sua 15ª primeira-ministra—, e será justamente chorada pela constância incansável com que os cumpriu. Ela tem sido um monumento de estabilidade, e sua morte, que ocorreu em tempos já turbulentos, vai transmitir ondas de tristeza por todo o mundo.
Mas não devemos romantizar sua era. Pois a rainha foi também uma imagem: o rosto de uma nação que, ao longo de seu reinado, assistiu à dissolução do Império Britânico quase inteiro e tendo sua influência global fortemente reduzida. Tanto intencionalmente quanto pelo acaso de sua vida longa, sua presença como chefe de Estado e da Commonwealth ergueu uma fachada tradicionalista impávida ocultando décadas de turbulência violenta. Desse modo, a rainha ajudou a obscurecer uma história sangrenta de descolonização cujas proporções e legados ainda não foram plenamente reconhecidos.
Elizabeth tornou-se rainha no pós-guerra, quando o açúcar era racionado e escombros ainda estavam sendo removidos. Jornalistas descreveram a jovem de 25 anos como uma fênix que se erguia numa nova era elizabetana. Uma analogia inevitável e significativa: a primeira era elizabetana, no século 16, assinalou a emergência da Inglaterra, de Estado de segundo grau para potência ultramarina. Elizabeth 1ª expandiu a Marinha e deitou as bases de um império transcontinental.
Elizabeth 2ª cresceu numa família real cujo significado no império crescera ao mesmo tempo que a autoridade política em casa encolhia. A monarquia reinava sobre uma lista sempre crescente de colônias, incluindo Hong Kong (1842), Índia (1858) e Jamaica (1866). Membros da família real faziam lautas viagens cerimoniais percorrendo as colônias e presenteando governantes asiáticos e africanos com uma sopa de letrinhas de ordens e condecorações.
Em 1947 a então princesa festejou seu 21º aniversário numa tour real na África do Sul, proferindo um discurso muito citado em que prometeu que sua vida inteira, "longa ou curta", seria dedicada ao serviço dos súditos e da "grande família imperial". Ela estava em outra tour real, no Quênia, quando foi informada da morte do pai.
No dia da coroação, em 1953, The Times divulgou orgulhosamente a notícia da primeira escalada bem-sucedida até o pico do monte Everest como "um presságio feliz e vigoroso de outra era elizabetana". Não obstante o tom imperialista da notícia, a rainha Elizabeth 2ª herdou e sustentou uma monarquia imperial ao assumir o título de chefe da Commonwealth.
"A Commonwealth não guarda semelhança com os impérios do passado", ela insistiu em sua mensagem de Natal de 1953. Sua história sugere o contrário. Imaginado como coalizão de colônias "brancas" promovida pelo então premiê sul-africano Jan Smuts, o grupo nasceu de uma concepção racista e paternalista do domínio britânico como forma de tutela, educando as colônias para que pudessem assumir as responsabilidades plenas da autonomia. Reconfigurada em 1949 para incluir repúblicas asiáticas recém-independentes, a Commonwealth foi a sequência do império e um veículo para preservar a influência internacional da Grã-Bretanha.
Em fotos das conferências de líderes, a rainha branca está sentada ao centro, entre dezenas de premiês em sua maioria não brancos. Ela levava seu papel muito a sério, às vezes chegando a entrar em conflito com ministros para apoiar interesses da Commonwealth em detrimento de imperativos políticos mais limitados —como nos anos 1960, quando ela propôs a realização de cerimônias religiosas ecumênicas para celebrar o Dia da Commonwealth e incentivou a adoção de uma linha mais dura em relação ao regime do apartheid na África do Sul.
O que não se imaginaria pelas fotos —e é parcialmente esse o objetivo delas— é a violência que ocultam. Em 1948, o governador colonial da então Malásia Britânica declarou estado de emergência para combater a guerrilha comunista, e tropas de Londres usaram táticas de contrainsurgência que os americanos emulariam no Vietnã.
Em 1952, o governador do Quênia impôs estado de emergência para reprimir um movimento colonial conhecido como Mau-Mau; os britânicos encurralaram dezenas de milhares de quenianos em campos de concentração e os submeteram a torturas brutais e sistematizadas. No Chipre, em 1955, e em Áden, no Iêmen, em 1963, governadores britânicos novamente declararam estados de emergência para enfrentar ataques anticoloniais; mais uma vez, torturaram civis.
Enquanto isso, na Irlanda, um conflito levou a dinâmica da emergência ao Reino Unido. Numa reviravolta cármica, em 1979 o IRA assassinou lorde Louis Mountbatten, parente da rainha e último vice-rei da Índia, além de arquiteto do casamento dela com o príncipe Philip.
É possível que nunca saibamos o que a rainha soube ou deixou de saber sobre os crimes cometidos em seu nome. (O que é discutido nas reuniões semanais do monarca com o primeiro-ministro permanece em uma caixa-preta.) Seus súditos não necessariamente têm conhecimento de tudo. Autoridades coloniais destruíram muitos documentos que, segundo um despacho do secretário de Estado para as colônias, "poderiam causar constrangimento ao governo de Sua Majestade" e ocultaram outros intencionalmente em um arquivo secreto cuja existência só foi revelada em 2011.
Apesar de alguns ativistas como a parlamentar trabalhista Barbara Castle terem divulgado e denunciado atrocidades britânicas, as denúncias não tiveram grande repercussão.
E sempre havia mais viagens reais para a imprensa cobrir. Quase todos os anos até a década de 2000 a rainha percorreu países da Commonwealth –boa aposta para atrair multidões entusiasmadas e imagens lisonjeiras. Os quilômetros percorridos e países visitados eram contabilizados como se tivessem sido visitados heroicamente a pé, não por iate real e Rolls-Royce: 71 mil quilômetros e 13 territórios para comemorar sua coroação, 90 mil quilômetros e 14 países para o Jubileu de Prata; outros 64 mil quilômetros por Jamaica, Austrália, Nova Zelândia e Canadá para o de Ouro. O Império Britânico fora em grande medida descolonizado, mas a monarquia, não.
Nos últimos anos, ela acompanhou o Reino Unido lutando para se adaptar à posição pós-imperial. Tony Blair promoveu o multiculturalismo e levou a autonomia administrativa a País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte, mas também reativou o discurso imperial vitoriano quando aliou o Reino Unido às invasões lideradas pelos EUA no Afeganistão e no Iraque.
A desigualdade social e regional cresceu, e Londres virou um paraíso para oligarcas riquíssimos. Apesar de a popularidade pessoal da rainha ter se recuperado da baixa que sofreu com a morte da princesa Diana, a família real se dividiu em torno das acusações de racismo feitas por Harry e Meghan.
Em 1997, Elizabeth derramou lágrimas com a desativação do iate real Britannia, pago pelos contribuintes, meses depois de escoltar o último governador britânico de Hong Kong. Boris Johnson aventou a ideia de construir um novo iate real.
O Estado e as instituições britânicas têm estado sob pressão pública crescente para reconhecer e reparar os legados do império, da escravidão e da violência colonial. Em 2013, em resposta a uma ação judicial movida por vítimas de tortura no Quênia, o governo concordou em pagar quase 20 milhões de libras em danos a sobreviventes. Outro pagamento foi feito em 2019 a sobreviventes no Chipre. Há esforços em curso para reformar currículos escolares, remover monumentos públicos que glorificam o império e alterar a apresentação de locais históricos ligados ao imperialismo.
Mas a xenofobia e o racismo vêm crescendo, alimentados pela política tóxica do brexit. Aproveitando uma aposta feita há anos por eurocéticos (de esquerda e de direita) na Commonwealth como alternativa liderada pelo Reino Unido à integração europeia, o governo Boris, com a agora primeira-ministra Liz Truss como chanceler, promoveu uma visão encharcada de meias-verdades e nostalgia imperial de uma suposta "Grã-Bretanha global".
A própria longevidade da rainha facilitou a persistência das fantasias ultrapassadas sobre uma segunda era elizabetana. Ela representava um vínculo vivo com a Segunda Guerra e o mito patriótico segundo o qual a Grã-Bretanha sozinha teria salvado o mundo do fascismo.
Elizabeth teve um relacionamento pessoal com Winston Churchill, o primeiro de seus 15 premiês, que Boris defendeu ardorosamente contra críticas bem fundamentadas de seu imperialismo retrógrado. E, é claro, ela era um rosto branco em todos os selos postais, moedas e cédulas em circulação em uma nação que se diversificava rapidamente: na época em que Elizabeth ascendeu ao trono havia uma pessoa não branca em cada 200 britânicos, mas o censo de 2011 revelou que essa proporção subira para sete.
Agora que ela se foi, a monarquia imperial também precisa acabar. Já passou da hora, por exemplo, de mudar o nome da Ordem do Império Britânico, condecoração que ela deu a centenas de britânicos. A rainha foi chefe de Estado de mais de uma dúzia de países da Commonwealth, muitos dos quais agora possivelmente sigam o exemplo de Barbados, que em 2021 decidiu "deixar nosso passado colonial plenamente para trás" e tornar-se uma república.
A morte da rainha também pode beneficiar uma nova campanha pela independência da Escócia —algo a que, ao que consta, Elizabeth se opunha.
Os que anunciaram uma segunda era elizabetana esperavam que Elizabeth 2ª prorrogasse a grandeza britânica; em vez disso, foi a era da implosão do império. A rainha será recordada por sua dedicação incansável a seu trabalho, cujo futuro ela tentou garantir, destituindo o príncipe Andrew, caído em desonra, de seus papéis públicos e resolvendo a questão do título da rainha Camilla.
Mas era uma posição tão estreitamente ligada ao Império Britânico que os mitos da benevolência imperial persistiram, ao mesmo tempo que o mundo à volta de Elizabeth se transformava. O novo rei agora tem uma oportunidade de exercer um impacto histórico real, enxugando a pompa e modernizando a monarquia para torná-la mais semelhante às escandinavas. Esse seria um fim a ser comemorado .
Elizabeth tinha um aniversário diferente para cada papel: o aniversário real de seu nascimento, em abril, e um aniversário oficial, em junho —e, apesar de conservar seu nome pessoal como rainha, ostentou títulos diferentes dependendo de onde em seus domínios se encontrava.
Elizabeth era tão destituída de opiniões e emoções em público quando suas bolsas onipresentes seriam destituídas de objetos comuns como carteira, chaves e telefone. Sabemos pouco sobre sua vida interior, exceto por seu amor por cavalos e cães —fato que deu a Helen Mirren, Olivia Colman e Claire Foy plateias fascinadas com os insights que encenaram.
A rainha encarnou um engajamento profundo e sincero com seus deveres —seu derradeiro ato público foi nomear sua 15ª primeira-ministra—, e será justamente chorada pela constância incansável com que os cumpriu. Ela tem sido um monumento de estabilidade, e sua morte, que ocorreu em tempos já turbulentos, vai transmitir ondas de tristeza por todo o mundo.
Mas não devemos romantizar sua era. Pois a rainha foi também uma imagem: o rosto de uma nação que, ao longo de seu reinado, assistiu à dissolução do Império Britânico quase inteiro e tendo sua influência global fortemente reduzida. Tanto intencionalmente quanto pelo acaso de sua vida longa, sua presença como chefe de Estado e da Commonwealth ergueu uma fachada tradicionalista impávida ocultando décadas de turbulência violenta. Desse modo, a rainha ajudou a obscurecer uma história sangrenta de descolonização cujas proporções e legados ainda não foram plenamente reconhecidos.
Elizabeth tornou-se rainha no pós-guerra, quando o açúcar era racionado e escombros ainda estavam sendo removidos. Jornalistas descreveram a jovem de 25 anos como uma fênix que se erguia numa nova era elizabetana. Uma analogia inevitável e significativa: a primeira era elizabetana, no século 16, assinalou a emergência da Inglaterra, de Estado de segundo grau para potência ultramarina. Elizabeth 1ª expandiu a Marinha e deitou as bases de um império transcontinental.
Elizabeth 2ª cresceu numa família real cujo significado no império crescera ao mesmo tempo que a autoridade política em casa encolhia. A monarquia reinava sobre uma lista sempre crescente de colônias, incluindo Hong Kong (1842), Índia (1858) e Jamaica (1866). Membros da família real faziam lautas viagens cerimoniais percorrendo as colônias e presenteando governantes asiáticos e africanos com uma sopa de letrinhas de ordens e condecorações.
Em 1947 a então princesa festejou seu 21º aniversário numa tour real na África do Sul, proferindo um discurso muito citado em que prometeu que sua vida inteira, "longa ou curta", seria dedicada ao serviço dos súditos e da "grande família imperial". Ela estava em outra tour real, no Quênia, quando foi informada da morte do pai.
No dia da coroação, em 1953, The Times divulgou orgulhosamente a notícia da primeira escalada bem-sucedida até o pico do monte Everest como "um presságio feliz e vigoroso de outra era elizabetana". Não obstante o tom imperialista da notícia, a rainha Elizabeth 2ª herdou e sustentou uma monarquia imperial ao assumir o título de chefe da Commonwealth.
"A Commonwealth não guarda semelhança com os impérios do passado", ela insistiu em sua mensagem de Natal de 1953. Sua história sugere o contrário. Imaginado como coalizão de colônias "brancas" promovida pelo então premiê sul-africano Jan Smuts, o grupo nasceu de uma concepção racista e paternalista do domínio britânico como forma de tutela, educando as colônias para que pudessem assumir as responsabilidades plenas da autonomia. Reconfigurada em 1949 para incluir repúblicas asiáticas recém-independentes, a Commonwealth foi a sequência do império e um veículo para preservar a influência internacional da Grã-Bretanha.
Em fotos das conferências de líderes, a rainha branca está sentada ao centro, entre dezenas de premiês em sua maioria não brancos. Ela levava seu papel muito a sério, às vezes chegando a entrar em conflito com ministros para apoiar interesses da Commonwealth em detrimento de imperativos políticos mais limitados —como nos anos 1960, quando ela propôs a realização de cerimônias religiosas ecumênicas para celebrar o Dia da Commonwealth e incentivou a adoção de uma linha mais dura em relação ao regime do apartheid na África do Sul.
O que não se imaginaria pelas fotos —e é parcialmente esse o objetivo delas— é a violência que ocultam. Em 1948, o governador colonial da então Malásia Britânica declarou estado de emergência para combater a guerrilha comunista, e tropas de Londres usaram táticas de contrainsurgência que os americanos emulariam no Vietnã.
Em 1952, o governador do Quênia impôs estado de emergência para reprimir um movimento colonial conhecido como Mau-Mau; os britânicos encurralaram dezenas de milhares de quenianos em campos de concentração e os submeteram a torturas brutais e sistematizadas. No Chipre, em 1955, e em Áden, no Iêmen, em 1963, governadores britânicos novamente declararam estados de emergência para enfrentar ataques anticoloniais; mais uma vez, torturaram civis.
Enquanto isso, na Irlanda, um conflito levou a dinâmica da emergência ao Reino Unido. Numa reviravolta cármica, em 1979 o IRA assassinou lorde Louis Mountbatten, parente da rainha e último vice-rei da Índia, além de arquiteto do casamento dela com o príncipe Philip.
É possível que nunca saibamos o que a rainha soube ou deixou de saber sobre os crimes cometidos em seu nome. (O que é discutido nas reuniões semanais do monarca com o primeiro-ministro permanece em uma caixa-preta.) Seus súditos não necessariamente têm conhecimento de tudo. Autoridades coloniais destruíram muitos documentos que, segundo um despacho do secretário de Estado para as colônias, "poderiam causar constrangimento ao governo de Sua Majestade" e ocultaram outros intencionalmente em um arquivo secreto cuja existência só foi revelada em 2011.
Apesar de alguns ativistas como a parlamentar trabalhista Barbara Castle terem divulgado e denunciado atrocidades britânicas, as denúncias não tiveram grande repercussão.
E sempre havia mais viagens reais para a imprensa cobrir. Quase todos os anos até a década de 2000 a rainha percorreu países da Commonwealth –boa aposta para atrair multidões entusiasmadas e imagens lisonjeiras. Os quilômetros percorridos e países visitados eram contabilizados como se tivessem sido visitados heroicamente a pé, não por iate real e Rolls-Royce: 71 mil quilômetros e 13 territórios para comemorar sua coroação, 90 mil quilômetros e 14 países para o Jubileu de Prata; outros 64 mil quilômetros por Jamaica, Austrália, Nova Zelândia e Canadá para o de Ouro. O Império Britânico fora em grande medida descolonizado, mas a monarquia, não.
Nos últimos anos, ela acompanhou o Reino Unido lutando para se adaptar à posição pós-imperial. Tony Blair promoveu o multiculturalismo e levou a autonomia administrativa a País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte, mas também reativou o discurso imperial vitoriano quando aliou o Reino Unido às invasões lideradas pelos EUA no Afeganistão e no Iraque.
A desigualdade social e regional cresceu, e Londres virou um paraíso para oligarcas riquíssimos. Apesar de a popularidade pessoal da rainha ter se recuperado da baixa que sofreu com a morte da princesa Diana, a família real se dividiu em torno das acusações de racismo feitas por Harry e Meghan.
Em 1997, Elizabeth derramou lágrimas com a desativação do iate real Britannia, pago pelos contribuintes, meses depois de escoltar o último governador britânico de Hong Kong. Boris Johnson aventou a ideia de construir um novo iate real.
O Estado e as instituições britânicas têm estado sob pressão pública crescente para reconhecer e reparar os legados do império, da escravidão e da violência colonial. Em 2013, em resposta a uma ação judicial movida por vítimas de tortura no Quênia, o governo concordou em pagar quase 20 milhões de libras em danos a sobreviventes. Outro pagamento foi feito em 2019 a sobreviventes no Chipre. Há esforços em curso para reformar currículos escolares, remover monumentos públicos que glorificam o império e alterar a apresentação de locais históricos ligados ao imperialismo.
Mas a xenofobia e o racismo vêm crescendo, alimentados pela política tóxica do brexit. Aproveitando uma aposta feita há anos por eurocéticos (de esquerda e de direita) na Commonwealth como alternativa liderada pelo Reino Unido à integração europeia, o governo Boris, com a agora primeira-ministra Liz Truss como chanceler, promoveu uma visão encharcada de meias-verdades e nostalgia imperial de uma suposta "Grã-Bretanha global".
A própria longevidade da rainha facilitou a persistência das fantasias ultrapassadas sobre uma segunda era elizabetana. Ela representava um vínculo vivo com a Segunda Guerra e o mito patriótico segundo o qual a Grã-Bretanha sozinha teria salvado o mundo do fascismo.
Elizabeth teve um relacionamento pessoal com Winston Churchill, o primeiro de seus 15 premiês, que Boris defendeu ardorosamente contra críticas bem fundamentadas de seu imperialismo retrógrado. E, é claro, ela era um rosto branco em todos os selos postais, moedas e cédulas em circulação em uma nação que se diversificava rapidamente: na época em que Elizabeth ascendeu ao trono havia uma pessoa não branca em cada 200 britânicos, mas o censo de 2011 revelou que essa proporção subira para sete.
Agora que ela se foi, a monarquia imperial também precisa acabar. Já passou da hora, por exemplo, de mudar o nome da Ordem do Império Britânico, condecoração que ela deu a centenas de britânicos. A rainha foi chefe de Estado de mais de uma dúzia de países da Commonwealth, muitos dos quais agora possivelmente sigam o exemplo de Barbados, que em 2021 decidiu "deixar nosso passado colonial plenamente para trás" e tornar-se uma república.
A morte da rainha também pode beneficiar uma nova campanha pela independência da Escócia —algo a que, ao que consta, Elizabeth se opunha.
Os que anunciaram uma segunda era elizabetana esperavam que Elizabeth 2ª prorrogasse a grandeza britânica; em vez disso, foi a era da implosão do império. A rainha será recordada por sua dedicação incansável a seu trabalho, cujo futuro ela tentou garantir, destituindo o príncipe Andrew, caído em desonra, de seus papéis públicos e resolvendo a questão do título da rainha Camilla.
Mas era uma posição tão estreitamente ligada ao Império Britânico que os mitos da benevolência imperial persistiram, ao mesmo tempo que o mundo à volta de Elizabeth se transformava. O novo rei agora tem uma oportunidade de exercer um impacto histórico real, enxugando a pompa e modernizando a monarquia para torná-la mais semelhante às escandinavas. Esse seria um fim a ser comemorado .
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