Thales Zamberlan Pereira
Doutor em economia pela FEA (Universidade de São Paulo) e professor da Escola de Economia de São Paulo (FGV-EESP).
[RESUMO] A Revolução Gloriosa, em 1688, tornou-se um marco na história mundial ao instaurar a monarquia constitucional na Inglaterra, iniciando um ciclo de crescimento econômico sustentado incompatível com o modelo absolutista anterior. A mudança institucional, contudo, não basta para assegurar prosperidade para todos se não vier acompanhada de maior igualdade na representação política dos interesses da sociedade, ressalta professor.
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Qual é o papel de um monarca? Atualmente, reis e rainhas são com frequência figuras decorativas, atrações turísticas das sociedades em que o poder político se encontra em instituições, não em indivíduos. Por alguns séculos, contudo, a Coroa representava um sistema político que gerava incentivos contrários ao que hoje entendemos como crescimento econômico moderno.
Essa denominação serve para separar do período de expansão não sustentada, a norma até o século 18. Após o início da Revolução Industrial, diversas sociedades começaram a conhecer o crescimento concomitante da renda e da população, prenunciando o atual padrão de vida global.
Qual é o papel de um monarca? Atualmente, reis e rainhas são com frequência figuras decorativas, atrações turísticas das sociedades em que o poder político se encontra em instituições, não em indivíduos. Por alguns séculos, contudo, a Coroa representava um sistema político que gerava incentivos contrários ao que hoje entendemos como crescimento econômico moderno.
Essa denominação serve para separar do período de expansão não sustentada, a norma até o século 18. Após o início da Revolução Industrial, diversas sociedades começaram a conhecer o crescimento concomitante da renda e da população, prenunciando o atual padrão de vida global.
O rei Charles 1º (1600-1649), da Inglaterra, decapitado por traição à pátria e por governar como tirano - Anthony van Dyck/Wikimedia Commons/Reprodução |
Esse padrão, embora ainda insuficiente para milhões de pessoas, é dezenas de vezes mais amplo que o existente nas sociedades prósperas antes da Era Moderna. De uma maneira que não é automática nem simples, há uma ligação importante entre essas duas transformações: a econômica, com o surgimento do crescimento sustentado, e a política, com o fim do absolutismo.
As previsões sobre o futuro feitas antes da Era Moderna talvez ajudem a entender o tamanho e a importância dessas transformações. Gregory King, estatístico que publicou no final do século 17 projeções sobre o crescimento da população inglesa, considerava que a Inglaterra não possuía terras suficientes para alimentar muito mais que 11 milhões de pessoas.
A escassez de recursos não representava um problema urgente, de toda forma, porque, segundo King, esse limite populacional chegaria apenas no ano 3.500. Essa projeção se mostrou bastante equivocada.
A Inglaterra ultrapassou o limite estimado pelo estatístico nos anos 1820. Esse rápido crescimento populacional simboliza uma revolução que não era apenas material.
Com estagnação, não existe futuro, existe apenas uma continuação do passado. Com crescimento, as pessoas passavam a considerar a possibilidade de que a sua vida seria melhor que a da geração dos seus antepassados. Os incentivos econômicos não eram mais os mesmos.
A origem do crescimento econômico moderno é fonte de grande debate na historiografia, mas algo fundamental para entender essa mudança é o problema econômico do absolutismo. Com poderes absolutos, o monarca não possui limites claros aos seus gastos e, com isso, subjuga a sociedade à sua "vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária", como resumiu John Locke em 1689.
O impacto econômico negativo desse sistema ocorre porque o autocrata pode extrair recursos da sociedade de forma predatória, com empréstimos forçados e confisco de propriedade. Essa arbitrariedade fiscal, ao desrespeitar direitos de propriedade, não gera incentivos para investimentos de longo prazo.
Essa é a explicação da literatura institucionalista para o fato de que uma economia moderna, com crescimento contínuo da renda, não pode surgir em um regime absolutista.
Dentro dessa lógica, a revolução econômica precisa ser precedida por uma revolução política. O problema, naturalmente, é que ninguém renuncia ao seu poder de forma voluntária em um regime absolutista.
Foi assim que, após uma sequência de guerras, regicídio e um experimento republicano, em 1688 a chamada Revolução Gloriosa se tornou o marco do declínio do poder real na Inglaterra. Isso decorreu da ascensão do poder parlamentar e da instauração da independência formal do Poder Judiciário.
Entre as atribuições do Parlamento que enfraqueceram a Coroa estavam a autorização para a criação de novos impostos e a avaliação dos gastos do governo. Com a mudança no controle fiscal, os calotes e as expropriações, recorrentes durante a dinastia Stuart (que só acabou com a morte da rainha Anne, em 1714), pararam de ocorrer. A credibilidade fiscal permitiu ao governo aumentar substancialmente os seus gastos de forma não inflacionária, através de empréstimos via dívida pública.
O fortalecimento dos direitos de propriedade, em conjunto com a estabilidade política e social, abriu um novo caminho econômico para a Inglaterra. Existe evidência de que a melhora no ambiente regulatório ocorrida depois da Revolução Gloriosa elevou substancialmente o investimento em infraestrutura, especialmente no transporte por estradas e rios.
Grande parte desses investimentos foi feita pelo setor privado, mas pesquisas recentes demonstram que o papel do Estado na oferta de bens públicos também foi importante.
O exemplo mais saliente é o dos gastos militares. A maior capacidade arrecadatória foi decisiva para a superioridade inglesa nas guerras, cada vez mais custosas durante o século 18. O sucesso militar também assegurou a superioridade naval da Inglaterra, crucial para a expansão do comércio. A ascensão da capacidade fiscal com o declínio do absolutismo, portanto, gerou uma nova forma de crescimento do Estado.
Existem diversas críticas à interpretação que relaciona o crescimento econômico moderno ao surgimento de um governo representativo, especialmente o fato de que, segundo estimativas de renda da época, a Revolução Gloriosa não representou uma descontinuidade na trajetória econômica da Inglaterra.
É inegável que parlamentos, ao expandirem o escopo de representações para além dos interesses do rei, significaram um avanço político e ampliaram possibilidades econômicas. O que indícios históricos sugerem, no entanto, é que a transição para a monarquia constitucional não é condição suficiente para gerar melhoras contínuas no padrão de vida de uma sociedade.
A trajetória econômica de regiões do Leste Europeu, como a Polônia, que tinham parlamentos fortes durante o século 18, mas possuíam o regime de servidão, demonstra que o caso britânico pode levar a simplificações em relação ao modo como essas mudanças ocorrem.
Ou seja, ao analisarmos um caso de sucesso, corremos o risco de esquecer que a relação entre o que chamamos de instituições e crescimento econômico ocorre através da interação de diversos componentes que não são necessariamente iguais ao caso inglês.
Uma exceção notável é o Brasil. O período imperial brasileiro deixa claro que há limites quando se trata de tirar conclusões sobre processos de longo prazo a partir de exemplos específicos do passado.
Após a Independência, a monarquia constitucional representou um avanço político evidente quando comparada ao período absolutista de dom João 6º, mas isso não se traduziu em crescimento econômico. As estimativas que temos sobre a renda per capita mostram um cenário de estagnação durante o século 19.
Uma provável razão para esse desempenho é a possibilidade de o Parlamento ter sido capturado por grupos cujos interesses eram incompatíveis com o bem-estar da maior parte da sociedade. No caso brasileiro, a forte presença de grupos que dependiam economicamente da escravidão resultou em um Parlamento que tinha incentivos para barrar políticas que poderiam promover crescimento.
A interpretação institucionalista recente sobre os efeitos da Revolução Gloriosa considera que o conjunto de interesses que acaba sendo representado no poder parlamentar importa. As mudanças após 1688 não ocorreram necessariamente porque o Parlamento ganhou força, mas porque um grupo político específico, os whigs, que defendia mais atuação do Estado, conquistou espaço no debate legislativo. Esse grupo político tinha interesses em investimentos que viabilizaram um crescimento econômico mais amplo.
Além disso, a base de interesses do Parlamento não era concentrada, o que permitiu que diversos grupos com poder político tivessem incentivos para respeitar o acordo constitucional, mesmo com visões econômicas divergentes.
A conclusão é que conflitos sobre a distribuição de recursos moldam se instituições atenderão às demandas da sociedade ou representarão privilégios de poucos.
A Revolução Gloriosa nos lembra de que monarcas devem ter, no máximo, um papel decorativo em sociedades que buscam o progresso social. Também serve para nos advertir que mudanças formais são insuficientes na presença de desigualdades de poder político e econômico.
As previsões sobre o futuro feitas antes da Era Moderna talvez ajudem a entender o tamanho e a importância dessas transformações. Gregory King, estatístico que publicou no final do século 17 projeções sobre o crescimento da população inglesa, considerava que a Inglaterra não possuía terras suficientes para alimentar muito mais que 11 milhões de pessoas.
A escassez de recursos não representava um problema urgente, de toda forma, porque, segundo King, esse limite populacional chegaria apenas no ano 3.500. Essa projeção se mostrou bastante equivocada.
A Inglaterra ultrapassou o limite estimado pelo estatístico nos anos 1820. Esse rápido crescimento populacional simboliza uma revolução que não era apenas material.
Com estagnação, não existe futuro, existe apenas uma continuação do passado. Com crescimento, as pessoas passavam a considerar a possibilidade de que a sua vida seria melhor que a da geração dos seus antepassados. Os incentivos econômicos não eram mais os mesmos.
A origem do crescimento econômico moderno é fonte de grande debate na historiografia, mas algo fundamental para entender essa mudança é o problema econômico do absolutismo. Com poderes absolutos, o monarca não possui limites claros aos seus gastos e, com isso, subjuga a sociedade à sua "vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária", como resumiu John Locke em 1689.
O impacto econômico negativo desse sistema ocorre porque o autocrata pode extrair recursos da sociedade de forma predatória, com empréstimos forçados e confisco de propriedade. Essa arbitrariedade fiscal, ao desrespeitar direitos de propriedade, não gera incentivos para investimentos de longo prazo.
Essa é a explicação da literatura institucionalista para o fato de que uma economia moderna, com crescimento contínuo da renda, não pode surgir em um regime absolutista.
Dentro dessa lógica, a revolução econômica precisa ser precedida por uma revolução política. O problema, naturalmente, é que ninguém renuncia ao seu poder de forma voluntária em um regime absolutista.
Foi assim que, após uma sequência de guerras, regicídio e um experimento republicano, em 1688 a chamada Revolução Gloriosa se tornou o marco do declínio do poder real na Inglaterra. Isso decorreu da ascensão do poder parlamentar e da instauração da independência formal do Poder Judiciário.
Entre as atribuições do Parlamento que enfraqueceram a Coroa estavam a autorização para a criação de novos impostos e a avaliação dos gastos do governo. Com a mudança no controle fiscal, os calotes e as expropriações, recorrentes durante a dinastia Stuart (que só acabou com a morte da rainha Anne, em 1714), pararam de ocorrer. A credibilidade fiscal permitiu ao governo aumentar substancialmente os seus gastos de forma não inflacionária, através de empréstimos via dívida pública.
O fortalecimento dos direitos de propriedade, em conjunto com a estabilidade política e social, abriu um novo caminho econômico para a Inglaterra. Existe evidência de que a melhora no ambiente regulatório ocorrida depois da Revolução Gloriosa elevou substancialmente o investimento em infraestrutura, especialmente no transporte por estradas e rios.
Grande parte desses investimentos foi feita pelo setor privado, mas pesquisas recentes demonstram que o papel do Estado na oferta de bens públicos também foi importante.
O exemplo mais saliente é o dos gastos militares. A maior capacidade arrecadatória foi decisiva para a superioridade inglesa nas guerras, cada vez mais custosas durante o século 18. O sucesso militar também assegurou a superioridade naval da Inglaterra, crucial para a expansão do comércio. A ascensão da capacidade fiscal com o declínio do absolutismo, portanto, gerou uma nova forma de crescimento do Estado.
Existem diversas críticas à interpretação que relaciona o crescimento econômico moderno ao surgimento de um governo representativo, especialmente o fato de que, segundo estimativas de renda da época, a Revolução Gloriosa não representou uma descontinuidade na trajetória econômica da Inglaterra.
É inegável que parlamentos, ao expandirem o escopo de representações para além dos interesses do rei, significaram um avanço político e ampliaram possibilidades econômicas. O que indícios históricos sugerem, no entanto, é que a transição para a monarquia constitucional não é condição suficiente para gerar melhoras contínuas no padrão de vida de uma sociedade.
A trajetória econômica de regiões do Leste Europeu, como a Polônia, que tinham parlamentos fortes durante o século 18, mas possuíam o regime de servidão, demonstra que o caso britânico pode levar a simplificações em relação ao modo como essas mudanças ocorrem.
Ou seja, ao analisarmos um caso de sucesso, corremos o risco de esquecer que a relação entre o que chamamos de instituições e crescimento econômico ocorre através da interação de diversos componentes que não são necessariamente iguais ao caso inglês.
Uma exceção notável é o Brasil. O período imperial brasileiro deixa claro que há limites quando se trata de tirar conclusões sobre processos de longo prazo a partir de exemplos específicos do passado.
Após a Independência, a monarquia constitucional representou um avanço político evidente quando comparada ao período absolutista de dom João 6º, mas isso não se traduziu em crescimento econômico. As estimativas que temos sobre a renda per capita mostram um cenário de estagnação durante o século 19.
Uma provável razão para esse desempenho é a possibilidade de o Parlamento ter sido capturado por grupos cujos interesses eram incompatíveis com o bem-estar da maior parte da sociedade. No caso brasileiro, a forte presença de grupos que dependiam economicamente da escravidão resultou em um Parlamento que tinha incentivos para barrar políticas que poderiam promover crescimento.
A interpretação institucionalista recente sobre os efeitos da Revolução Gloriosa considera que o conjunto de interesses que acaba sendo representado no poder parlamentar importa. As mudanças após 1688 não ocorreram necessariamente porque o Parlamento ganhou força, mas porque um grupo político específico, os whigs, que defendia mais atuação do Estado, conquistou espaço no debate legislativo. Esse grupo político tinha interesses em investimentos que viabilizaram um crescimento econômico mais amplo.
Além disso, a base de interesses do Parlamento não era concentrada, o que permitiu que diversos grupos com poder político tivessem incentivos para respeitar o acordo constitucional, mesmo com visões econômicas divergentes.
A conclusão é que conflitos sobre a distribuição de recursos moldam se instituições atenderão às demandas da sociedade ou representarão privilégios de poucos.
A Revolução Gloriosa nos lembra de que monarcas devem ter, no máximo, um papel decorativo em sociedades que buscam o progresso social. Também serve para nos advertir que mudanças formais são insuficientes na presença de desigualdades de poder político e econômico.
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