22 de setembro de 2022

Uma resposta de esquerda para a inflação

É hora de abandonar a escola de economia de Chicago.

Hadas Thier



Apesar do sonho americano de mobilidade social, econômica e geográfica (e sua propaganda, como este outdoor da década de 1930), a Grande Depressão trouxe para casa os ciclos de expansão e contração inerentes ao capitalismo americano. HERITAGE ART/HERITAGE IMAGES VIA GETTY IMAGES

Tradução / Na década de 1940, com a experiência da Grande Depressão ainda fresca na consciência coletiva americana, os economistas do livre mercado como Milton Friedman eram geralmente considerados como a "ala direita" por acreditarem que as intervenções governamentais – tais como o controlo das rendas, um salário mínimo, ou até mesmo os parques naturais nacionais – só prejudicavam a superior racionalidade do mercado.

As ideias e políticas que dominaram o discurso económico após a Grande Depressão eram decididamente de pendor mais à esquerda. O keynesianismo, assim apelidado devido ao nome do seu principal teórico, John Maynard Keynes, defendia um papel ativo para o governo em termos de despesa e crédito para manter o pleno emprego e manter a economia a funcionar. Mas em poucas décadas a economia conservadora ganhou hegemonia política(link is external). O próprio Friedman ganhou o Prémio Nobel da Economia em 1976 e aconselhou ou influenciou os mais importantes líderes de direita a nível global, desde Ronald Reagan a Margaret Thatcher e Augusto Pinochet. E as ideias da escola de Chicago, como ficou conhecida a marca da economia de Friedman, dominam agora a atual resposta à crise inflacionista.

Na perspetiva de Friedman(link is external), as despesas deficitárias keynesianas pressionam a Reserva Federal1 norte-americana a expandir a oferta de dinheiro, o que inevitavelmente causa a existência de "demasiado dinheiro" para comprar "bens insuficientes" – levando os consumidores a licitarem uns contra os outros, fazendo subir os preços(link is external).

Esta perspetiva defende assim que o objetivo dos Keynesianos de alcançar o pleno (ou elevado) emprego agrava a inflação. Os trabalhadores, com pouco medo de perderem os seus empregos numa economia florescente, exigem salários mais elevados. As empresas transferem então os custos da mão-de-obra para os consumidores através de mais aumentos de preços – e o resultado é uma espiral inflacionista, à medida que os preços dos bens e da mão-de-obra sobem. Assim, segundo esta perspetiva, a inflação tem de ser combatida através da restrição da oferta de dinheiro, da contenção das despesas governamentais e do aumento efetivo do desemprego de modo a diminuir e conter o poder de negociação dos trabalhadores.

Mas por detrás destes argumentos técnicos económicos está um princípio político de guerra de classes. Afinal de contas, porque têm os empresários de transferir o aumento de custos para os consumidores, através de aumentos de preços? Se os salários subissem e os preços se mantivessem os mesmos, isso significaria simplesmente que uma parte maior dos lucros iria para os trabalhadores e não para os capitalistas. A inflação é, por isso, um ponto de conflito de classes – uma batalha em que uma classe ganha à custa da outra.

Neste momento, a classe empresarial está a vencer alegremente esta luta. Muitas empresas estão a ter lucros altíssimos. O Wall Street Journal refere que as empresas S&P 500 aumentaram os preços cerca de 20% acima da taxa de inflação dos produtos do comércio grossista – o que significa que estão a adicionar uma margem de lucro enorme para além dos seus custos acrescidos. De facto, os lucros das empresas não financeiras são responsáveis por mais de metade(link is external) do crescimento recente dos preços, de acordo com o progressista Economic Policy Institute2.

A administração Biden, por pressão de grupos económicos progressistas, atribuiu alguma culpa pela inflação ao comportamento das empresas, criticando(link is external), por exemplo, a indústria monopolista de embalamento de carne pela manipulação de preços e a indústria petrolífera por conter a produção a fim de manter os lucros elevados. "A Exxon ganhou mais dinheiro do que Deus este ano", disse o presidente em junho(link is external).

No entanto, a teoria económica conservadora, como a apregoada por Friedman, continua a comandar a narrativa que ouvimos repetir ad nauseam nos principais debates sobre a inflação: a culpa é do aumento dos salários e da despesa governamental. Só a Reserva Federal pode vencer a inflação "arrefecendo" a economia. O único papel do governo é o de se abster de realizar gastos substanciais.

Joe Biden poderia ter invocado poderes executivos(link is external) para instituir o controlo de preços de determinados produtos e investir na produção, mas não o fez. Em vez disso, a Reserva Federal está a subir as taxas de juro(link is external), e a histórica Lei de Despesas Sociais da administração, Build Back Better3, foi reduzida e integrada na Lei de Redução da Inflação(link is external)4, que inclui alguns aspetos positivos (como impostos sobre as empresas e preços reduzidos dos medicamentos) mas funciona dentro dos limites das justificações monetárias conservadoras.

Para construir e lutar por uma solução alternativa à inflação, precisamos de deslocar radicalmente o discurso económico para a esquerda.

O que a classe dominante aprendeu nos anos 1970

Em 1982 Milton Friedman afirmou(link is external) que é preciso existirem "ideias que andem por aí", até que surja uma crise que torna "o politicamente impossível em politicamente inevitável". Para Friedman, essa oportunidade surgiu sob a forma de uma recessão de tipo "estagflação(link is external)" (assim chamada por combinar altas taxas de inflação com estagnação do crescimento económico) nos anos 70. A espiral da crise inflacionista e a sua eventual resolução através de uma restrição monetária drástica parecia dar razão às ideias de Friedman. A política económica keynesiana foi então definitivamente substituída por uma ortodoxia económica conservadora.

A década de 1970 constituiu uma mudança nas eras económicas nos Estados Unidos, à medida que o crescimento económico da Época de Ouro do pós-guerra terminava. As fábricas americanas enfrentaram a pressão competitiva da Europa Ocidental e do Japão; um embargo petrolífero(link is external) dos membros árabes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) contribuiu para o aumento enorme dos custos energéticos; e um movimento laboral vibrante nos EUA lutava com sucesso(link is external) por salários mais elevados e maior poder dos trabalhadores, assegurando um crescimento salarial superior aos ganhos de produtividade. À medida que os lucros de produção das empresas diminuíam, os capitalistas americanos reagiram aumentando os preços(link is external). Ao fazê-lo, desencadearam uma espiral inflacionista.

O presidente da Reserva Federal à época, Paul Volcker, engendrou uma subida sem precedentes nas taxas de juros, que ficou conhecida como o "choque Volcker(link is external)". Taxas mais elevadas abrandaram o investimento e fecharam muitas empresas, o que reduziu a procura por parte dos consumidores e desencadeou um desemprego massivo. Este desemprego não foi um acaso – Volcker pretendia, de facto, quebrar a confiança dos trabalhadores para que estes não exigissem salários mais altos. Entretanto, a presidência de Reagan fez a sua parte despedindo(link is external) em 1981 mais de 11.000 controladores de tráfego aéreo que estavam em greve, tornando claro de que lado da luta de classes o estava o governo.

O desemprego massivo – que atingiu um pico(link is external) de 10,8% em 1982, o mais elevado desde a Grande Depressão – e o medo de perderem os seus empregos assustou milhões de trabalhadores e empurrou-os para uma postura submissa. Tal como Tim Barker, historiador económico, descreveu(link is external) para a revista n+1, o choque Volcker transformou a “cintura industrial” numa “cintura da ferrugem”:

Em locais como Flint, Michigan e Youngstown, no Ohio, mais de um em cada cinco trabalhadores ficou desempregado. Em Akron, o banco de sangue comercial reduziu em 20% o preço que pagava devido ao excesso de trabalhadores despedidos da indústria de pneus que faziam fila para dar sangue. Na área em redor de Pittsburgh, as taxas de suicídio e alcoolismo dispararam, enquanto os residentes competiam por lugares em abrigos para as pessoas sem-abrigo. As taxas de desemprego dos afro-americanos foram ainda piores, atingindo um pico de 21,2% no início de 1983.

Os empregos na indústria transformadora haviam sido uma fonte crucial de sindicalização e a taxa de sindicalização diminuiu drasticamente(link is external) ao longo da década de 1980, caindo de 23% para 16% no final da década e continuando a diminuir desde então.

A classe dominante americana tem vencido desde então, capturando para si os ganhos de uma produtividade laboral e taxas de lucro cada vez mais elevadas. Os trabalhadores continuam a trabalhar mais(link is external) por menos dinheiro. As ideias de Friedman forneceram uma cobertura aparentemente técnica e apolítica para o restabelecimento da rentabilidade capitalista à custa da classe trabalhadora.

Nesta última década a Reserva Federal pareceu ter tido uma posição um pouco mais progressista, permitindo que a economia crescesse apesar das baixas taxas de desemprego. E, ao reduzir o custo da dívida pública, tornou possível a despesa social feita à custa de endividamento para combater a pandemia. Mas, como defendeu Barker(link is external), as baixas taxas de juro só foram permitidas na medida em que não provocassem inflação – um risco que foi evitado pela fraqueza do movimento dos trabalhadores que não pressionou no sentido de aumentar as exigências salariais, mesmo quando o desemprego caiu para menos de 5%(link is external) em 2016.

O processo de crescimento da economia foi acrescentando, em grande parte, empregos não sindicalizados(link is external) e mal remunerados. "A experiência atual", explicou Barker, "foi possível graças ao reconhecimento de que os trabalhadores tinham sofrido uma derrota secular – especificamente, que tinham perdido a capacidade de aumentar ou mesmo defender a sua parte do rendimento nacional".

A crise atual

Durante um breve momento no ano passado, a dimensão da crise económica provocada pela pandemia pareceu poder forçar uma abordagem económica mais progressista por parte da classe dominante norte-americana. O governo norte-americano aumentou o défice, alimentando as despesas de estímulo à recuperação económica. A Reserva Federal manteve o fluxo de dinheiro barato. Os níveis de pobreza de facto diminuíram no meio de uma grave crise económica, e o grande abismo da desigualdade de rendimentos nos EUA reduziu-se(link is external), ainda que apenas ligeiramente.

No início de 2021, quando a perspetiva da inflação apareceu pela primeira vez, as conversas sobre o recuo dos estímulos governamentais eram ainda uma exceção. O economista neoliberal Larry Summers saiu da sua hibernação para se manifestar(link is external) contra dar demasiada ajuda às famílias em dificuldades. Mas, durante algum tempo, os seus argumentos estiveram confinados a alguns editoriais dissidentes, aparentemente ignorados pelos que ocupavam o poder. Jerome Powell, presidente da Reserva Federal, defendeu que o aumento dos preços era um problema transitório de curto prazo(link is external) devido aos choques nas cadeias de abastecimento e à pandemia.

Mas, teimosamente, a inflação decidiu ficar, alimentada por um conjunto(link is external) de fatores(link is external). O armazenamento escasso motivado por métodos de produção just-in-time5 dificultou a satisfação de uma procura crescente. A invasão russa da Ucrânia contribuiu para os preços elevados do petróleo, que tiveram impacto em quase todos os setores da economia. Os benefícios durante a pandemia alimentaram modestamente a procura, devido ao facto de terem colocado mais dinheiro em circulação. E os CEOs das empresas tiraram partido do aumento da procura e dedicaram-se à manipulação dos preços(link is external), aumentando-os muito mais do que os seus custos de fornecimento.

No entanto, é exagerado dizer que o aumento dos salários esteja a desempenhar um papel na inflação – como aconteceu na década de 1970. De acordo com o Bureau of Labor Statistics6, os salários reais (ajustados à inflação) foram na realidade 3% mais baixos(link is external) no mês de julho face ao mês homólogo. O fracasso dos salários em acompanhar os preços está a causar um verdadeiro sofrimento económico. Tanto mais que as famílias com rendimentos mais baixos – que são maioritariamente(link is external) famílias racializadas – gastam pelo menos três quartos dos seus rendimentos em bens de primeira necessidade.

Apesar disso, as empresas receiam que a escassez de mão-de-obra no mercado de trabalho acabe por provocar um aumento dos salários. Um memorando(link is external) do Bank of America7, de junho, revelado pela revista The Intercept, lamentava ser "difícil inverter" a falta de mão-de-obra e as pressões salariais ascendentes. Para os trabalhadores isso seria uma boa notícia, uma vez que os efeitos da inflação seriam compensados por salários mais elevados. No entanto, para os responsáveis pela política orçamental, o controlo da inflação (em grande parte em benefício das empresas) é considerado mais importante do que a manutenção de um baixo desemprego (em benefício dos trabalhadores).

Com o aumento da inflação este ano, Powell e a Reserva Federal mudaram para o “modo de luta contra a inflação”. Desde março, aumentaram as taxas de juro cinco vezes(link is external), o maior aumento a seis meses em mais de 40 anos(link is external). Três outros aumentos são considerados prováveis este ano. Até agora, estas ações ficam muito aquém de um choque Volcker, mas Powell tem salientado repetidamente que a Reserva Federal continuará a aumentar as taxas de juro até que a inflação esteja controlada – mesmo que isso signifique causar uma recessão e elevado desemprego. Na sua intervenção na conferência do Banco Central Europeu (BCE), Powell afirmou(link is external): "Haverá um risco de irmos longe demais? Sim, certamente que existe um risco… Mas o maior erro a cometer – digamos assim – seria não conseguir restaurar a estabilidade dos preços". E acrescentou: "É muito provável que o processo envolva algum sofrimento, mas o pior sofrimento seria falhar em conter esta elevada inflação".

Larry Summers foi ainda mais explícito quanto ao efeito das políticas da Reserva Federal. "Não vejo como podemos fazer com que a inflação desacelere substancialmente sem que a inflação salarial diminua substancialmente", afirmou(link is external) ao Washington Post, "e não vejo qualquer razão para pensar que a inflação salarial irá cair substancialmente, a menos que haja uma diminuição substancial da pressão nos mercados de trabalho, o que significaria um maior desemprego". Não importa que a "inflação salarial" seja indubitavelmente inexistente; Summers prescreve ou cinco anos de desemprego acima de 5%, ou um ano acima de 10%.

Isso acalmaria os receios da classe capitalista. Quer os salários contribuam ou não para a inflação, um mercado de trabalho com maior oferta de mão-de-obra (ou seja, maior nível de desemprego) continua a ser uma prioridade para os capitalistas norte-americanos devido ao precedente que o aumento do poder de negociação dos trabalhadores poderia representar. Um mercado de trabalho com escassez de mão-de-obra abre caminho para maiores ganhos salariais e possibilidades de organização para os trabalhadores (como a vaga de ações sindicais ocorridas este ano na Starbucks). Como diz o já referido memorando(link is external) do Bank of America, revelado pela The Intercept: "Até ao final do próximo ano, esperamos que o ratio entre ofertas de emprego e desempregados se reduza para os níveis mais normais do último ciclo económico".

O Fed está no bom caminho para concretizar essa esperança.

Uma resposta de esquerda

Karl Marx defendia(link is external) que o capitalismo depende do desemprego – um "exército de reserva de mão-de-obra" – para manter os trabalhadores suficientemente desesperados de modo a concordarem com qualquer trabalho que recebam. O desemprego, por outras palavras, desempenha um papel crítico no capitalismo, impedindo o crescimento dos salários de ameaçar a rentabilidade do capital.

Por definição, o capitalismo mantém-nos reféns do objetivo de lucro do mercado. Mesmo em "tempos bons", as consequências são terríveis, dado que o investimento vai para os combustíveis fósseis em vez da sustentabilidade ecológica, por exemplo, ou para os lucros caídos do céu das farmacêuticas em vez da distribuição equitativa da vacinação. Mas em tempos maus as nossas vidas são lançadas no caos e no desespero, sujeitos como estamos aos caprichos e impactos da oferta e da procura.

O capitalismo entra ciclicamente em crises de inflação e recessão e, no momento atual em que uma nova crise está a surgir, a Reserva Federal e a Casa Branca estão determinadas em forçar os trabalhadores a carregar o fardo através de despedimentos, diminuição de salários e uma rede de segurança social inadequada. Se, em vez disso, esse fardo fosse colocado sobre os lucros capitalistas (por exemplo, através de impostos sobre a riqueza e as empresas, ou através de controlo de preços específicos), então poderiam ser postas em prática políticas em benefício dos trabalhadores (por exemplo, com apoios para diminuir os custos dos cuidados infantis, da habitação e dos cuidados de saúde).

Tais medidas há muito que foram definidas. As políticas de controlo do arrendamento, por exemplo, foram introduzidas pela primeira vez a nível nacional como parte da Lei de Controlo de Preços de Emergência(link is external)8 do Presidente Franklin D. Roosevelt, em 1942. A expansão do Medicare9 tem sido central desde há anos para a esquerda de Bernie Sanders. E o investimento público em habitação, transporte e educação contribuiria muito para reduzir as despesas diárias das pessoas da classe trabalhadora.

Impostos mais elevados reduziriam simultaneamente o défice governamental (a bête noire dos monetaristas) e a desigualdade. A Lei de Redução da Inflação(link is external) adota esta abordagem, com um imposto mínimo de 15% sobre as empresas que anula as lacunas fiscais e um imposto de 1% sobre as recompras de ações, visando as empresas que colhem os maiores lucros da inflação. Uma proposta do senador Bernie Sanders tê-lo-ia feito de forma mais eficaz, tributando a 95% os lucros das empresas que têm receitas maiores do que tinham antes da Covid-19.

Os controlos de preços são menos familiares ao movimento progressista atual, mas, de facto, são uma resposta necessária ao funcionamento do " livre mercado". Não há no mercado nada de "natural" ou "justo" que determine os preços – especialmente porque os vendedores simplesmente "escolhem o preço que querem" num mercado onde a oferta de bens é escassa (a descrição insípida dos economistas para "manipulação de preços").

E, de facto, os controlos de preços foram utilizados ao longo da história dos EUA. Como salientou(link is external) o cientista político Todd Tucker, Franklin D. Roosevelt empregou 160.000 funcionários federais no Gabinete de Administração de Preços para controlar os preços "de bens que iam desde sucata de aço a sapatos e leite". Até o Presidente Richard Nixon implementou durante um breve período o controlo de preços. Mais recentemente, o fornecimento de vacinas Covid gratuitas pelo governo dos EUA foi uma forma de controlo de preços, uma vez que o estado negociou diretamente o preço.

A limitação dos preços da energia e do combustível protegeria de forma imediata as despesas dos trabalhadores e reduziria os custos de produção para as empresas em toda a economia. Claro que tais medidas fariam uma mossa nos lucros da indústria petrolífera – mas isto deveria ser visto como parte de uma estratégia a mais longo prazo de abandono dos combustíveis fósseis. Um outro caminho a seguir imediatamente seria a prossecução de medidas agressivas anti-trust que ajudariam a contrariar os poderes de fixação de preços dos monopólios.

Em áreas onde o governo federal tem uma responsabilidade económica importante, como os cuidados de saúde e o ensino superior, esta autoridade deveria ser usada para fazer baixar os preços. Como a esquerda há muito defende, permitir que o Medicare negoceie preços justos para medicamentos sujeitos a receita médica baixaria drasticamente os custos, uma vez que os preços privados tendem a seguir o exemplo do Medicare. O financiamento federal para o ensino superior, que representa cerca de 14% da receita universitária(link is external), poderia estar vinculado a limites nos aumentos das propinas.

A par da intervenção estatal para controlar o aumento dos custos, o governo poderia desempenhar um papel mais importante na mitigação dos estrangulamentos das cadeias de abastecimento. Taxas de juro mais elevadas não irão, de facto, aumentar a capacidade produtiva para bens como automóveis ou leite para bebés. Pelo contrário, poderão funcionar como um impedimento a um maior investimento na capacidade produtiva. Em vez disso, o governo poderia invocar a Lei de Produção de Defesa(link is external)10 para apoiar investimentos na produção de bens específicos, tais como materiais para semicondutores e para a construção de habitações (que tiveram uma importância grande nos estrangulamentos das cadeias de abastecimento) e para investir na produção de energia verde.

Todos estes exemplos proporcionariam um alívio considerável às pressões inflacionistas, ao mesmo tempo que lançariam as bases para um controlo mais democrático da economia a longo prazo.

Na década de 1970, um forte movimento dos trabalhadores fez com que as taxas históricas de inflação prejudicassem mais o capital do que os trabalhadores, segundo os sociólogos Ho-fung Hung e Daniel Thompson(link is external). Os elevados salários e a existência de benefícios sociais vinculados à subida dos preços mitigaram os efeitos da inflação sobre os trabalhadores, tendo a desigualdade de rendimentos caído para o seu nível mais baixo na era do pós-guerra. Foi precisamente este equilíbrio de forças aquilo que a classe dominante se empenhou em inverter através do choque Volcker e da ofensiva contra o movimento laboral.

A economia neoclássica proporcionou quer uma ferramenta técnica quer uma cobertura política para a classe dirigente americana fazer retroceder os ganhos do New Deal e do crescimento do pós-guerra. As últimas quatro décadas de domínio neoliberal têm sido a sua dança da vitória.

A esquerda precisa urgentemente de uma resposta à inflação. A curto prazo, precisamos de articularmo-nos e organizarmo-nos para uma agenda económica que atenue os efeitos da crise para os trabalhadores, tributando os ricos, controlando os preços e socializando as grandes despesas. É essencial a esquerda apoiar as organizações do trabalho que lutam por salários mais elevados, e rejeitar as narrativas que afirmam que salários "demasiado elevados" são um problema.

A longo prazo – reconhecendo que o capitalismo é um sistema inerentemente instável que resolve as suas crises à custa dos trabalhadores – uma agenda económica de esquerda precisa de construir uma visão para um tipo diferente de economia, baseada na necessidade humana e não no lucro empresarial. Neste momento, até mesmo pequenos avanços no nível de vida da classe trabalhadora resultam em guinadas económicas devastadoras. Como pode um sistema ser defendido se entra em crise com a própria perspetiva de ligeiros aumentos salariais? Ou em resposta a um apoio governamental aos desempregados durante uma pandemia? Será o sistema atual realmente o melhor que podemos fazer?

Colaborador

Hadas Thier é jornalista, escritora, ativista e socialista de Nova Iorque, autora de A People’s Guide to Capitalism: An Introduction to Marxist Economics, e colaboradora regular da Revista Jacobin.

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