A morte de Refat Süleyman, empregado de limpeza, numa fábrica siderúrgica da Thyssenkrupp chamou a atenção para a exploração dos trabalhadores migrantes na Alemanha. A história da sua morte também é sobre desregulação laboral e como a subcontratação permite às empresas negligenciarem com impunidade as condições dos trabalhadores.
Polina Manolova
Metalúrgicos da Thyssenkrupp participam de um comício nacional da IG Metall em Duisburg, Alemanha. (Roland Weihrauch / aliança de imagens via Getty Images) |
Tradução / É o final da tarde de uma sexta-feira, 14 de outubro. Algumas pessoas reúnem-se em torno de uma pequena mesa de café, num apartamento de um primeiro andar em Bruckhausen, Alemanha. Já noite, a pilha de sapatos à entrada vai-se estendendo pelas escadas abaixo, à medida que mais e mais visitas chegam sem avisar, todas perguntando o mesmo: “Onde está o Refat?”.
Nesse dia, Refat Süleyman, 26 anos, trabalhador búlgaro da minoria turca do país, desapareceu enquanto trabalhava na fábrica siderúrgica da Thyssenkrupp em Duisburg-Bruckhausen, um dos vários locais de produção daquela região dirigidos pela maior produtora de aço da Alemanha. Era a terceira semana de Refat como empregado de limpeza industrial, subcontratado pela empresa Eleman Limited, de Oberhausen, e o seu terceiro dia na siderúrgica.
Tendo começado o seu turno às 5 horas da manhã com outros oito trabalhadores, Refat foi transferido nessa manhã para a Buchen Limited, outra das subempreiteiras a operar no local. Juntaram-no a um capataz e a um condutor para uma operação de limpeza perto do Portão 4. Esses dois homens foram os últimos a vê-lo vivo, antes dele aproveitar uma pausa no veículo da empresa, pelas 9h20. Refar nunca voltou.
Horas mais tarde, a Thyssenkrupp e a polícia de Duisburg deram início a uma operação de busca e salvamento em larga escala, cobrindo a totalidade dos dez quilómetros quadrados da fábrica siderúrgica com 16 cães, 56 pessoas, um drone, um helicóptero e várias câmaras de imagem térmica.
A família de Refat encara a operação de busca oficial como uma ação destinada, pelas autoridades e a administração da fábrica, a salvar as aparências. Vídeos partilhados alguns dias depois mostram alguns membros da equipa de busca da Thyssenkrupp a beber café e a conversar no chão da fábrica durante aquilo que deveria ser uma minuciosa operação de busca. Entretanto, para os donos da fábrica era um dia como os outros, pelo que a produção não parou e os seguranças da empresa ameaçavam, caso entrassem nas instalações, com multas os familiares de Refat.
A família de Refat encara a operação de busca oficial como uma ação destinada, pelas autoridades e a administração da fábrica, a salvar as aparências.
Ainda assim, a família e os amigos de Refat recusaram-se a desistir e lançaram uma operação de busca independente ao longo das vedações da fábrica e nas áreas verdes adjacentes. Alguns colegas procuraram-no noutros locais de trabalho, onde Refat já havia sido destacado. O seu corpo só foi encontrado três dias depois por um outro trabalhador búlgaro que notou um pedaço do seu equipamento de proteção num tanque de entulho meio vazio.
O tanque serve para manter resíduos tóxicos, com entulho e lama, subprodutos da produção de aço, e está localizado numa zona de segurança, protegida e gerida pela Buchen. O pequeno lago de desperdício industrial é diretamente supervisionado por um edifício de escritórios da Thyssenkrupp, a apenas alguns metros de distância.
O QUE ESTÃO A ESCONDER?
Um relatório de autópsia divulgado alguns dias depois confirmou oficialmente que a principal causa da morte foi asfixia. Desde aí que um lento trabalho policial e crescentes inconsistências do caso têm esgotado a paciência da família e dos amigos de Refat, e da comunidade búlgara em Duisburg. No domingo seguinte juntaram-se numa manifestação para exigir uma investigação justa e célere.
Os trabalhadores e as suas famílias afirmam que a Thyssenkrupp é negligente no seu dever de garantir a segurança nos locais de trabalho e que o setor das subempreitadas, que domina os serviços de limpeza industrial, nega direitos básicos aos trabalhadores, fomentando a insegurança laboral. Perguntam, também, porque razão Refat foi enviado para uma zona de alto risco no seu terceiro dia naquele trabalho, sem ter tido a necessária formação para aquelas funções e sem ter feito os exames médicos estipulados pelas normas de segurança.
Se Refat realmente caiu no tanque por acidente, como afirma a polícia, porque foi deixado sozinho enquanto limpava o entulho? As normas da fábrica estabelecem que deve haver constante supervisão dos trabalhos e que os trabalhadores devem sempre andar aos pares. Além disso, se o corpo de Refat esteve naquele tanque três dias seguidos; porque estavam apenas o rosto e o peito cobertos pela camada grossa e irremovível de entulho negro, como é visível numa fotografia não publicada?
Nesse dia, Refat Süleyman, 26 anos, trabalhador búlgaro da minoria turca do país, desapareceu enquanto trabalhava na fábrica siderúrgica da Thyssenkrupp em Duisburg-Bruckhausen, um dos vários locais de produção daquela região dirigidos pela maior produtora de aço da Alemanha. Era a terceira semana de Refat como empregado de limpeza industrial, subcontratado pela empresa Eleman Limited, de Oberhausen, e o seu terceiro dia na siderúrgica.
Tendo começado o seu turno às 5 horas da manhã com outros oito trabalhadores, Refat foi transferido nessa manhã para a Buchen Limited, outra das subempreiteiras a operar no local. Juntaram-no a um capataz e a um condutor para uma operação de limpeza perto do Portão 4. Esses dois homens foram os últimos a vê-lo vivo, antes dele aproveitar uma pausa no veículo da empresa, pelas 9h20. Refar nunca voltou.
Horas mais tarde, a Thyssenkrupp e a polícia de Duisburg deram início a uma operação de busca e salvamento em larga escala, cobrindo a totalidade dos dez quilómetros quadrados da fábrica siderúrgica com 16 cães, 56 pessoas, um drone, um helicóptero e várias câmaras de imagem térmica.
A família de Refat encara a operação de busca oficial como uma ação destinada, pelas autoridades e a administração da fábrica, a salvar as aparências. Vídeos partilhados alguns dias depois mostram alguns membros da equipa de busca da Thyssenkrupp a beber café e a conversar no chão da fábrica durante aquilo que deveria ser uma minuciosa operação de busca. Entretanto, para os donos da fábrica era um dia como os outros, pelo que a produção não parou e os seguranças da empresa ameaçavam, caso entrassem nas instalações, com multas os familiares de Refat.
A família de Refat encara a operação de busca oficial como uma ação destinada, pelas autoridades e a administração da fábrica, a salvar as aparências.
Ainda assim, a família e os amigos de Refat recusaram-se a desistir e lançaram uma operação de busca independente ao longo das vedações da fábrica e nas áreas verdes adjacentes. Alguns colegas procuraram-no noutros locais de trabalho, onde Refat já havia sido destacado. O seu corpo só foi encontrado três dias depois por um outro trabalhador búlgaro que notou um pedaço do seu equipamento de proteção num tanque de entulho meio vazio.
O tanque serve para manter resíduos tóxicos, com entulho e lama, subprodutos da produção de aço, e está localizado numa zona de segurança, protegida e gerida pela Buchen. O pequeno lago de desperdício industrial é diretamente supervisionado por um edifício de escritórios da Thyssenkrupp, a apenas alguns metros de distância.
O QUE ESTÃO A ESCONDER?
Um relatório de autópsia divulgado alguns dias depois confirmou oficialmente que a principal causa da morte foi asfixia. Desde aí que um lento trabalho policial e crescentes inconsistências do caso têm esgotado a paciência da família e dos amigos de Refat, e da comunidade búlgara em Duisburg. No domingo seguinte juntaram-se numa manifestação para exigir uma investigação justa e célere.
Os trabalhadores e as suas famílias afirmam que a Thyssenkrupp é negligente no seu dever de garantir a segurança nos locais de trabalho e que o setor das subempreitadas, que domina os serviços de limpeza industrial, nega direitos básicos aos trabalhadores, fomentando a insegurança laboral. Perguntam, também, porque razão Refat foi enviado para uma zona de alto risco no seu terceiro dia naquele trabalho, sem ter tido a necessária formação para aquelas funções e sem ter feito os exames médicos estipulados pelas normas de segurança.
Se Refat realmente caiu no tanque por acidente, como afirma a polícia, porque foi deixado sozinho enquanto limpava o entulho? As normas da fábrica estabelecem que deve haver constante supervisão dos trabalhos e que os trabalhadores devem sempre andar aos pares. Além disso, se o corpo de Refat esteve naquele tanque três dias seguidos; porque estavam apenas o rosto e o peito cobertos pela camada grossa e irremovível de entulho negro, como é visível numa fotografia não publicada?
Alguns trabalhadores sugerem que este seja o encobrimento de mais uma morte no local de trabalho causada pela violação de normas de segurança.
A recusa em divulgar outras provas, como imagens de câmaras de vigilância e testemunhos de outros trabalhadores, a que se junta uma investigação policial considerada desadequada pela comunidade turco-búlgara, alimentam as especulações sobre o que poderá ter acontecido a Refat. Uns acreditam que ele foi morto por um capataz da Buchen em retaliação por ter desfeito uma briga entre trabalhadores, uns dias antes. Outros culpam o supervisor da Eleman que colocou Refat na Buchen contra a sua vontade. A família rejeita esses rumores e sugere, por sua vez, que ele terá assistido, inadvertidamente, a alguma atividade ilegal levada a cabo por outros operadores de limpeza — e castigado por isso.
Os mais familiarizados com o historial de mortes acidentais daquela região industrial temem, todavia, o encobrimento de mais uma morte no local de trabalho causada pela violação de normas de segurança. Enquanto a investigação sobre a morte de Refat continua, não há dúvida que as más condições de trabalho nas firmas de subcontratação criam, por toda a Alemanha, uma conjuntura suscetível a acidentes e abusos.
EXPLORAÇÃO COMO NORMA
Refat era um de cerca de um milhão de trabalhadores temporários na Alemanha. O setor das limpezas, onde metade dos trabalhadores são temporários, é o segmento mais dinâmico da economia de serviços alemã, gerando cerca de 18 mil milhões de euros em lucros anuais. A terceirização doméstica dos serviços de limpeza tornou-se um mecanismo bem estabelecido através do qual as grandes firmas reduzem os custos com o trabalho, tiram o poder de negociação aos trabalhadores e contornam os acordos comerciais que assegurariam um salário mínimo e a adesão aos básicos padrões de segurança.
O nicho de mercado de trabalho em que os trabalhadores migrantes de Duisburg são obrigados a existir é quase totalmente dominado por subempreiteiros, seja em limpezas, entregas, construção ou produção. A Thyssenkrupp Steel é um estudo de caso.
Uma implacável estratégia de redução de custos, tomada pela firma depois de uma série de maus investimentos e estagnação da procura, levou a uma profunda reorganização da produção e da estrutura de trabalho. Um amplo sistema de empresas subsidiárias delega a contratação de trabalhadores para trabalhos pouco qualificados, como os de limpeza, a grandes prestadores de serviços externos. Ao mesmo tempo, agências de trabalho temporário, como a Eleman ou a maior empresa da Europa, Randstad, garantem um fluxo constante de trabalhadores baratos e adaptáveis que podem alimentar a cadeia de produção sempre que for necessário — e descartados pouco depois.
Atualmente, há cerca de 20 empresas de limpeza subsidiárias, com milhares de trabalhadores, envolvidas em limpeza industrial na Thyssenkrupp Steel Bruckhausen. Metade de todos os trabalhadores de limpeza (cerca de 13 mil no total) trabalham sob contratos temporários, um acordo que os põe em aguda desvantagem em termos de salários, proteção laboral e segurança no trabalho. A maioria da força de trabalho é composta por trabalhadores búlgaros, seguidos por trabalhadores romenos e requerentes de asilo. Muitos descrevem as suas condições de trabalho como “robski trud” (trabalho escravo).
A recusa em divulgar outras provas, como imagens de câmaras de vigilância e testemunhos de outros trabalhadores, a que se junta uma investigação policial considerada desadequada pela comunidade turco-búlgara, alimentam as especulações sobre o que poderá ter acontecido a Refat. Uns acreditam que ele foi morto por um capataz da Buchen em retaliação por ter desfeito uma briga entre trabalhadores, uns dias antes. Outros culpam o supervisor da Eleman que colocou Refat na Buchen contra a sua vontade. A família rejeita esses rumores e sugere, por sua vez, que ele terá assistido, inadvertidamente, a alguma atividade ilegal levada a cabo por outros operadores de limpeza — e castigado por isso.
Os mais familiarizados com o historial de mortes acidentais daquela região industrial temem, todavia, o encobrimento de mais uma morte no local de trabalho causada pela violação de normas de segurança. Enquanto a investigação sobre a morte de Refat continua, não há dúvida que as más condições de trabalho nas firmas de subcontratação criam, por toda a Alemanha, uma conjuntura suscetível a acidentes e abusos.
EXPLORAÇÃO COMO NORMA
Refat era um de cerca de um milhão de trabalhadores temporários na Alemanha. O setor das limpezas, onde metade dos trabalhadores são temporários, é o segmento mais dinâmico da economia de serviços alemã, gerando cerca de 18 mil milhões de euros em lucros anuais. A terceirização doméstica dos serviços de limpeza tornou-se um mecanismo bem estabelecido através do qual as grandes firmas reduzem os custos com o trabalho, tiram o poder de negociação aos trabalhadores e contornam os acordos comerciais que assegurariam um salário mínimo e a adesão aos básicos padrões de segurança.
O nicho de mercado de trabalho em que os trabalhadores migrantes de Duisburg são obrigados a existir é quase totalmente dominado por subempreiteiros, seja em limpezas, entregas, construção ou produção. A Thyssenkrupp Steel é um estudo de caso.
Uma implacável estratégia de redução de custos, tomada pela firma depois de uma série de maus investimentos e estagnação da procura, levou a uma profunda reorganização da produção e da estrutura de trabalho. Um amplo sistema de empresas subsidiárias delega a contratação de trabalhadores para trabalhos pouco qualificados, como os de limpeza, a grandes prestadores de serviços externos. Ao mesmo tempo, agências de trabalho temporário, como a Eleman ou a maior empresa da Europa, Randstad, garantem um fluxo constante de trabalhadores baratos e adaptáveis que podem alimentar a cadeia de produção sempre que for necessário — e descartados pouco depois.
Atualmente, há cerca de 20 empresas de limpeza subsidiárias, com milhares de trabalhadores, envolvidas em limpeza industrial na Thyssenkrupp Steel Bruckhausen. Metade de todos os trabalhadores de limpeza (cerca de 13 mil no total) trabalham sob contratos temporários, um acordo que os põe em aguda desvantagem em termos de salários, proteção laboral e segurança no trabalho. A maioria da força de trabalho é composta por trabalhadores búlgaros, seguidos por trabalhadores romenos e requerentes de asilo. Muitos descrevem as suas condições de trabalho como “robski trud” (trabalho escravo).
As subsidiárias que contratam empregados temporários são conhecidas por negligenciar os procedimentos de saúde e segurança.
Agências como a Eleman e a Oberhausener Personalservice (OPS), que empregaram Refat, são conhecidas pelos trabalhadores dos bairros de Duisburg por negligenciar os procedimentos de saúde e segurança. Os trabalhadores queixam-se que os riscos associados aos trabalhos que fazem não lhes são devidamente comunicados, enquanto as formações em procedimentos de segurança são raras, além de inacessíveis a quem não fala alemão — não são dadas em qualquer outra língua. Ao mesmo tempo, e em vez de terem formação ou treino, estes trabalhadores são forçados a uma cultura de “fazendo-e-aprendendo” que culmina em acidentes mesmo no cumprimento das tarefas mais rotineiras.
Salim (nome fictício) trabalha para a Eleman há menos de dois meses, mas é usual encarregarem-no de trabalhos especialmente perigosos. Por diversas vezes já o mandaram limpar os altos-fornos, subindo um escadote de nove metros sem cordas de proteção, ou aspirar aparas de moldes de metal a 150ºC sem o equipamento não-inflamável adequado. Salim não recebeu qualquer tipo de formação para realizar estas tarefas.
Ao lhes perguntarem sobre o que se passou com Refat, alguns trabalhadores insistem que há entre dez a 15 casos deste género por ano que a empresa varre para debaixo do tapete. As lesões mais comuns, resultado de acidentes de trabalho, incluem queimaduras graves em cinzas, brasas e restos de metal ao limpar os altos-fornos, quedas quase fatais ao limpar gruas sem cabos de proteção e desmembramentos durante a manutenção das turbinas. Os trabalhadores afirmam que a Thyssenkrupp não é informada destes acidentes. São deixados à sua mercê, tendo que lidar sozinhos com as consequências desses acidentes, e são fortemente desencorajados a apresentar pedidos de indemnização. Se os trabalhadores se recusam a realizar trabalho perigoso, são ameaçados com despedimento.
Para lá das questões de segurança, ser um trabalhador temporário também significa ter menos meios de proteger os seus direitos. Enquanto os empregados da Eleman ganham, no papel, o salário mínimo alemão [€12/hora], as deduções ilegais feitas pelos empregadores — como €80 para pagar equipamento protetor ou uma taxa de €1,50 por dia pelo transporte — deixam os trabalhadores com um salário real de 8 euros à hora. Isto leva muitos a aceitar fazer horas extra e a trabalhar por turnos em horários imprevisíveis. As horas extra servem como outra estratégia implacável dos empregadores: contam-nas pela metade ou recusam-se a pagá-las quando os trabalhadores pedem o que lhes é devido. “Trabalhei sem parar durante um mês, pagaram-me 80 horas e o resto foi contado como horas extra. Quando requisitei o pagamento, as horas extra passaram a metade, disse Petyo (nome fictício), de 42 anos, que saiu da Eleman há uns meses.
Por norma, empregados de limpeza temporários como Refat e Petyo assinam contratos de um ano com um período de experiência de seis meses, durante os quais o empregador os pode despedir sem justificação. Para fugir ao requerimento de igualar os salários entre trabalhadores temporários e permanentes, ou de passar os trabalhadores temporários a permanentes, estes empregados de limpeza são recontratados de tantos em tantos meses ou destacados para outra subsidiária. Além disso, e quebrando a lei laboral, nenhum dos empregadores oferece baixa médica. A maioria dos trabalhadores também não tem acesso aos dias de férias acumulados.
As perspectivas são sombrias para os trabalhadores da OPS, da Eleman e de outras subcontratadoras de Duisburg. “Não há empregos seguros para nós – há sempre um risco. Não é possível estar seguro a trabalhar num estaleiro de obras ou a correr para entregar mais uma encomenda. Os únicos empregos seguros aqui são os de escritório, mas não temos acesso a eles”, diz Metin (nome fictício), trabalhador de 22 anos que está a pensar demitir-se.
BASTA
A morte de Refat Süleyman, em outubro, significou para muitos um ponto de rutura. Tem-se assistido, nas últimas semanas, a uma agitação crescente entre os trabalhadores migrantes turco-búlgaros em Duisburg.
A 23 de outubro, uma marcha de protesto nos portões da Thyssenkrupp Bruckhausen, organizada por migrantes búlgaros de origem turca e apoiada pelos seus colegas romenos e rom, exigia justiça (adalet) não só para Refat, mas também para milhares de outros europeus de Leste, vindos de comunidades minoritárias, que trabalham como empregados temporários por toda a Alemanha.
Poucos dias depois da marcha, um movimento comunitário de apoio a trabalhadores migrantes búlgaros chamado Stolipinovo in Europa, sediado em Marxloh, lançou uma petição que exige uma investigação minuciosa da morte de Refat e um fim às subcontratações no setor da limpeza industrial: “Como demonstra a atual falta de consequências pela morte de Refarr Süleyman, o uso de trabalhadores subcontratados, com as práticas opacas de contratação na indústria da limpeza, leva a uma pouco clara rede de intervenientes. Estes contornam as normas e os padrões de segurança laboral e evitam, efetivamente, quaisquer responsabilidades sobre acidentes e mortes.”
O caso mais recente de um acidente numa fábrica da Thyssenkrupp — um trabalhador em risco de vida depois de ter caído num laminador de tiras a quente, empurrado por um arnês defeituoso, no dia 23 de novembro — confirma essa afirmação.
Até agora, as reivindicações dos trabalhadores têm recebido alguma atenção da Confederação Alemã de Sindicatos (DGB), do partido de esquerda Die Linke e de alguns coletivos autónomos locais. Todos reconhecem as estruturas de exploração que determinam a posição social dos migrantes da Europa de Leste na Alemanha. As suas lutas ligam-se às recentes campanhas de reivindicações laborais nos setores dos cuidados de saúde, da construção e da carne, que têm sublinhado as subcontratações como um problema sistémico que debilita os padrões de trabalho, rouba os trabalhadores dos seus direitos formais e prejudica a segurança no trabalho.
Agências como a Eleman e a Oberhausener Personalservice (OPS), que empregaram Refat, são conhecidas pelos trabalhadores dos bairros de Duisburg por negligenciar os procedimentos de saúde e segurança. Os trabalhadores queixam-se que os riscos associados aos trabalhos que fazem não lhes são devidamente comunicados, enquanto as formações em procedimentos de segurança são raras, além de inacessíveis a quem não fala alemão — não são dadas em qualquer outra língua. Ao mesmo tempo, e em vez de terem formação ou treino, estes trabalhadores são forçados a uma cultura de “fazendo-e-aprendendo” que culmina em acidentes mesmo no cumprimento das tarefas mais rotineiras.
Salim (nome fictício) trabalha para a Eleman há menos de dois meses, mas é usual encarregarem-no de trabalhos especialmente perigosos. Por diversas vezes já o mandaram limpar os altos-fornos, subindo um escadote de nove metros sem cordas de proteção, ou aspirar aparas de moldes de metal a 150ºC sem o equipamento não-inflamável adequado. Salim não recebeu qualquer tipo de formação para realizar estas tarefas.
Ao lhes perguntarem sobre o que se passou com Refat, alguns trabalhadores insistem que há entre dez a 15 casos deste género por ano que a empresa varre para debaixo do tapete. As lesões mais comuns, resultado de acidentes de trabalho, incluem queimaduras graves em cinzas, brasas e restos de metal ao limpar os altos-fornos, quedas quase fatais ao limpar gruas sem cabos de proteção e desmembramentos durante a manutenção das turbinas. Os trabalhadores afirmam que a Thyssenkrupp não é informada destes acidentes. São deixados à sua mercê, tendo que lidar sozinhos com as consequências desses acidentes, e são fortemente desencorajados a apresentar pedidos de indemnização. Se os trabalhadores se recusam a realizar trabalho perigoso, são ameaçados com despedimento.
Para lá das questões de segurança, ser um trabalhador temporário também significa ter menos meios de proteger os seus direitos. Enquanto os empregados da Eleman ganham, no papel, o salário mínimo alemão [€12/hora], as deduções ilegais feitas pelos empregadores — como €80 para pagar equipamento protetor ou uma taxa de €1,50 por dia pelo transporte — deixam os trabalhadores com um salário real de 8 euros à hora. Isto leva muitos a aceitar fazer horas extra e a trabalhar por turnos em horários imprevisíveis. As horas extra servem como outra estratégia implacável dos empregadores: contam-nas pela metade ou recusam-se a pagá-las quando os trabalhadores pedem o que lhes é devido. “Trabalhei sem parar durante um mês, pagaram-me 80 horas e o resto foi contado como horas extra. Quando requisitei o pagamento, as horas extra passaram a metade, disse Petyo (nome fictício), de 42 anos, que saiu da Eleman há uns meses.
Por norma, empregados de limpeza temporários como Refat e Petyo assinam contratos de um ano com um período de experiência de seis meses, durante os quais o empregador os pode despedir sem justificação. Para fugir ao requerimento de igualar os salários entre trabalhadores temporários e permanentes, ou de passar os trabalhadores temporários a permanentes, estes empregados de limpeza são recontratados de tantos em tantos meses ou destacados para outra subsidiária. Além disso, e quebrando a lei laboral, nenhum dos empregadores oferece baixa médica. A maioria dos trabalhadores também não tem acesso aos dias de férias acumulados.
As perspectivas são sombrias para os trabalhadores da OPS, da Eleman e de outras subcontratadoras de Duisburg. “Não há empregos seguros para nós – há sempre um risco. Não é possível estar seguro a trabalhar num estaleiro de obras ou a correr para entregar mais uma encomenda. Os únicos empregos seguros aqui são os de escritório, mas não temos acesso a eles”, diz Metin (nome fictício), trabalhador de 22 anos que está a pensar demitir-se.
BASTA
A morte de Refat Süleyman, em outubro, significou para muitos um ponto de rutura. Tem-se assistido, nas últimas semanas, a uma agitação crescente entre os trabalhadores migrantes turco-búlgaros em Duisburg.
A 23 de outubro, uma marcha de protesto nos portões da Thyssenkrupp Bruckhausen, organizada por migrantes búlgaros de origem turca e apoiada pelos seus colegas romenos e rom, exigia justiça (adalet) não só para Refat, mas também para milhares de outros europeus de Leste, vindos de comunidades minoritárias, que trabalham como empregados temporários por toda a Alemanha.
Poucos dias depois da marcha, um movimento comunitário de apoio a trabalhadores migrantes búlgaros chamado Stolipinovo in Europa, sediado em Marxloh, lançou uma petição que exige uma investigação minuciosa da morte de Refat e um fim às subcontratações no setor da limpeza industrial: “Como demonstra a atual falta de consequências pela morte de Refarr Süleyman, o uso de trabalhadores subcontratados, com as práticas opacas de contratação na indústria da limpeza, leva a uma pouco clara rede de intervenientes. Estes contornam as normas e os padrões de segurança laboral e evitam, efetivamente, quaisquer responsabilidades sobre acidentes e mortes.”
O caso mais recente de um acidente numa fábrica da Thyssenkrupp — um trabalhador em risco de vida depois de ter caído num laminador de tiras a quente, empurrado por um arnês defeituoso, no dia 23 de novembro — confirma essa afirmação.
Até agora, as reivindicações dos trabalhadores têm recebido alguma atenção da Confederação Alemã de Sindicatos (DGB), do partido de esquerda Die Linke e de alguns coletivos autónomos locais. Todos reconhecem as estruturas de exploração que determinam a posição social dos migrantes da Europa de Leste na Alemanha. As suas lutas ligam-se às recentes campanhas de reivindicações laborais nos setores dos cuidados de saúde, da construção e da carne, que têm sublinhado as subcontratações como um problema sistémico que debilita os padrões de trabalho, rouba os trabalhadores dos seus direitos formais e prejudica a segurança no trabalho.
As recentes lutas laborais sublinham que as subcontratações são um problema sistémico que debilita os padrões de trabalho, priva os trabalhadores dos seus direitos e põe as suas vidas em perigo.
Uma iniciativa da DGB, focada nos direitos dos trabalhadores migrantes e na sua “mobilidade justa”, nota que as imensas correntes de subcontratações tornam quase impossível um trabalhador migrante estabelecer-se no mercado de trabalho alemão. Os recentes protestos em Duisburg chamam a atenção para a situação dos migrantes, cujos problemas têm passado ao lado da maioria dos alemães.
Nos últimos 30 anos, os setores de trabalho intensivo da Europa Ocidental têm beneficiado massivamente da importação de trabalho barato vindo do leste do continente, onde as economias têm sido escangalhadas por décadas de privatizações e desregulações. Na Bulgária, as minorias rom e turca têm suportado o peso dessas reformas neoliberais. Continuam a enfrentar desemprego generalizado, cuidados de saúde extremamente limitados e são muitas vezes postos de lado no acesso a direitos básicos e infraestruturas públicas. Dados recentes mostram que homens de origem turca ou rom apresentam taxas de desemprego significativamente mais altas (35% e 49%, respetivamente) quando comparados com homens de origem búlgara (24%). Além disso, 66% de todos os cidadãos de Stolipinovo em idade de trabalho não têm seguro de saúde.
A maior parte dos búlgaros em Marxloh, como Refat, vêm de bairros segregados, como Stolipinovo, uma área da cidade de Plovdiv de maioria turca e rom em que sofrem de racismo e estigma social. Muitos partem para a Europa Ocidental à procura de uma existência mais digna e de um melhor futuro para as suas crianças, mas assim que chegam vêem-se numa situação similar. O alarmismo político em volta da chamada “migração de pobreza” tem alimentado as múltiplas medidas legais postas em prática para negar o acesso de trabalhadores migrantes a direitos sociais.
Municípios como Duisburg têm aplicado uma miríade de políticas de “dissuasão” para afugentar migrantes indesejados. É-lhes particularmente difícil conseguir qualquer tipo de assistência social, são alvo de assédio policial constante e enfrentam constantes despejos ilegais. Estas medidas acabam por empurrar estes migrantes para trabalhos ainda mais inseguros — e para as margens da sociedade alemã.
Como na maioria dos setores, a taxa de sindicalização dos trabalhadores da Europa de Leste no setor alemão da limpeza industrial está pouco acima de zero. A falta de representação destes trabalhadores dentro dos sindicatos torna-os mais suscetíveis a serem tratados como cidadãos de segunda pelos seus empregadores e afasta-os dos seus colegas de trabalho. Agora que os colegas de Refat Süleyman começaram a lutar pelos seus direitos, cabe aos grandes sindicatos alemães, como o IG Metall e o IG BAU, apoiar essas lutas e assegurar que a sua morte não foi em vão.
Uma iniciativa da DGB, focada nos direitos dos trabalhadores migrantes e na sua “mobilidade justa”, nota que as imensas correntes de subcontratações tornam quase impossível um trabalhador migrante estabelecer-se no mercado de trabalho alemão. Os recentes protestos em Duisburg chamam a atenção para a situação dos migrantes, cujos problemas têm passado ao lado da maioria dos alemães.
Nos últimos 30 anos, os setores de trabalho intensivo da Europa Ocidental têm beneficiado massivamente da importação de trabalho barato vindo do leste do continente, onde as economias têm sido escangalhadas por décadas de privatizações e desregulações. Na Bulgária, as minorias rom e turca têm suportado o peso dessas reformas neoliberais. Continuam a enfrentar desemprego generalizado, cuidados de saúde extremamente limitados e são muitas vezes postos de lado no acesso a direitos básicos e infraestruturas públicas. Dados recentes mostram que homens de origem turca ou rom apresentam taxas de desemprego significativamente mais altas (35% e 49%, respetivamente) quando comparados com homens de origem búlgara (24%). Além disso, 66% de todos os cidadãos de Stolipinovo em idade de trabalho não têm seguro de saúde.
A maior parte dos búlgaros em Marxloh, como Refat, vêm de bairros segregados, como Stolipinovo, uma área da cidade de Plovdiv de maioria turca e rom em que sofrem de racismo e estigma social. Muitos partem para a Europa Ocidental à procura de uma existência mais digna e de um melhor futuro para as suas crianças, mas assim que chegam vêem-se numa situação similar. O alarmismo político em volta da chamada “migração de pobreza” tem alimentado as múltiplas medidas legais postas em prática para negar o acesso de trabalhadores migrantes a direitos sociais.
Municípios como Duisburg têm aplicado uma miríade de políticas de “dissuasão” para afugentar migrantes indesejados. É-lhes particularmente difícil conseguir qualquer tipo de assistência social, são alvo de assédio policial constante e enfrentam constantes despejos ilegais. Estas medidas acabam por empurrar estes migrantes para trabalhos ainda mais inseguros — e para as margens da sociedade alemã.
Como na maioria dos setores, a taxa de sindicalização dos trabalhadores da Europa de Leste no setor alemão da limpeza industrial está pouco acima de zero. A falta de representação destes trabalhadores dentro dos sindicatos torna-os mais suscetíveis a serem tratados como cidadãos de segunda pelos seus empregadores e afasta-os dos seus colegas de trabalho. Agora que os colegas de Refat Süleyman começaram a lutar pelos seus direitos, cabe aos grandes sindicatos alemães, como o IG Metall e o IG BAU, apoiar essas lutas e assegurar que a sua morte não foi em vão.
Colaborador
Polina Manolova é socióloga da migração intra-UE na Universidade de Tübingen e membro do Stolipinovo na Europa, Duisburg.
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