Johnatan Fuentes
A presidente Boluarte enviou o Exército para reprimir os protestos pela libertação de Castillo e o fechamento do Congresso. |
Tradução Em apenas dezesseis meses do conturbado governo de Pedro Castillo, quatro moções de vacância [impeachment] do presidente se seguiram uma após a outra, desatando a raiva popular no contexto de uma crise política permanente que também reflete o antagonismo entre Lima e o resto das regiões do país. A oligarquia racista e o Congresso golpista finalmente estabeleceram um regime autoritário com Dina Boluarte à frente, que agora está tentando esmagar a rebelião popular em curso e, com ela, a possibilidade de um momento constituinte no Peru.
Golpe parlamentar contra Pedro Castillo
A tentativa do Presidente Castillo de dissolver o Congresso ocorreu em um contexto de cerco permanente por parte dos golpistas parlamentares, do Ministério Público e da grande mídia, que nunca tolerou um presidente que fosse um ex-líder sindical de professores de origem camponesa. A quarta moção para a vacância presidencial, apresentada em 7 de dezembro, foi redigida imediatamente após a frustrada medida excepcional de fechamento do Congresso, que representou as expectativas de algumas facções das classes populares regionais.
A vacância de Castillo é claramente um golpe parlamentar, que foi aprovado em nove minutos, sem direito a defesa e ignorando os procedimentos regulares estabelecidos nos regulamentos do Congresso. É um golpe que a esquerda como um todo deve repudiar, independentemente das críticas à gradual direitização e capitulação do governo. Longe disso, pressionados pelo ultraje da mídia, alguns parlamentares de esquerda do Perú Libre, Nuevo Perú e do Bloco Magisterial acabaram votando a favor da vacância.
A medida de urgência de Castillo pode ser explicada no contexto de um Congresso obstrucionista, mas é claro que lhe faltava uma correlação política favorável e não tinha uma sólida base popular de apoio, o que consequentemente acelerou o triunfo do golpe de Estado como resultado de uma manobra improvisada e precipitada deste governo caracterizado por um populismo de baixa intensidade.
O regime autoritário de Dina Boluarte diante da rebelião popular em curso
Boluarte, ex-vice-presidente e ex-militante do Perú Libre, tomou posse com o apoio das forças políticas do congresso golpista e apresentou seu gabinete em 10 de dezembro, quando a polícia já havia matado publicamente manifestantes em Andahuaylas, capital da região Apurímac, o epicentro das mobilizações populares contra o golpe parlamentar.
Nos primeiros quatro dias de protestos, a rebelião popular se espalhou por todo o Peru, enquanto a repressão governamental aumentou. Nas regiões de Apurímac e Arequipa, numerosos manifestantes morreram como resultado da ação criminosa das forças policiais que usaram helicópteros para disparar pelotas e bombas de gás lacrimogêneo nas mobilizações. As pessoas em luta decidiram tomar as estradas, aeroportos (em três regiões) e delegacias de polícia como resposta a um governo usurpador e fantoche do Congresso do golpe. Em Puno, os manifestantes anti-governamentais ocuparam as pontes, agitando por uma greve total na costa, nas terras altas e na selva. É evidente que as classes populares se mobilizaram em todo o país com o objetivo explícito de encerrar o Congresso golpista, liberando Pedro Castillo e exigindo uma Assembleia Constituinte para estabelecer uma nova constituição.
A Assembleia Nacional dos Povos (ANP) – formada pela Confederação Geral dos Trabalhadores Peruanos (CGTP), a Central Nacional Única de Rondas Camponesas e Urbanas do Peru (CUNARC) e a Federação Nacional de Trabalhadores da Educação do Peru (Fenatep), entre outras organizações populares – finalmente convocou uma jornada nacional de luta no dia 15 de dezembro, levantando os slogans de fechamento do Congresso, novas eleições e liberdade para Castillo. A resposta do governo criminoso de Boluarte foi a declaração do estado de emergência nacional por 30 dias a partir de 15 de dezembro, intensificando a repressão estatal para níveis similares aos dos anos do conflito armado interno (entre 1981 e 1986).
No âmbito do estado de emergência, seguiram-se dez dias de manifestações populares, brutalmente reprimidas pelas forças militares, deixando um trágico número de 20 mortos: 8 em Ayacucho (no chamado massacre de Huanta), 6 em Apurímac, 1 em Arequipa, 3 em La Libertad, 1 em Huancavelica e 1 em Junín.
A crise política permanente e as possibilidades de um momento constituinte
Antes das graves violações dos direitos humanos perpetradas contra o povo peruano, que agora exige a renúncia de Boluarte com maior força, apenas dois ministros do Gabinete renunciaram, numa clara demonstração da indolência do Estado peruano. A presidente usurpadora optou por propor a antecipação das eleições para 2024, sem contar com o voto de confiança que lhe permitiria pressionar o Congresso a convocar novas eleições presidenciais. Isto deixa claro as táticas protelatórias dos poderes legislativo e executivo, assim como o apoio das forças repressivas e do imperialismo norte-americano na sustentação do regime autoritário que instalaram.
Em sua estratégia de contenção, a coalizão golpista, o governo e o Congresso mobilizaram manifestantes em Lima e em algumas regiões sob os slogans da paz e do apoio às forças militares e policiais. A velha APRA e o Partido Popular Cristão se uniram a esta tática para ganhar as ruas e estigmatizar os manifestantes anti-governamentais. Estas são as mesmas bases sociais da ultra-direita que se mobilizou anteriormente contra a vitória eleitoral de Castillo e depois por sua destituição do cargo, e que são apoiadas pela grande mídia e pelos influenciadores macartistas.
Castillo foi detido primeiro na Divisão Nacional de Operações Especiais (Dinoes), e depois transferido para a prisão de Barbadillo, onde está detido sob a acusação de rebelião, rapidamente tratado pela Procuradoria Geral da República e pelo judiciário. Um setor dos manifestantes se dirigiu à prisão para expressar sua solidariedade e organizar concentrações em apoio ao presidente deposto, confirmando que frações do campesinato e do sindicato dos professores mantêm seu apoio a Castillo durante esta situação crítica, embora o populismo de baixa intensidade de seu governo nunca tenha se empenhado seriamente em estruturar uma força que multiplicasse sua implantação social e seu peso político, com consequências muito graves que hoje condicionam suas possibilidades de sobrevivência política.
Se considerarmos as consignas levantadas pela maioria das classes populares das regiões, a chegada de um momento constituinte no Peru (onde tivemos seis presidentes em sete anos) pareceria estar muito próxima. Mas as características da espontaneidade e uma certa dispersão do processo de luta mostram as limitações de hipóteses muito otimistas sobre o nível de consciência política alcançado nas ruas pelas classes populares ao desafiar um regime autoritário e assassino como o de Boluarte, que ainda hoje tenta se estabilizar. O resultado permanece em aberto.
Colaborador
Johnatan Fuentes é sociólogo pela Universidade Nacional de San Marcos (Lima, Peru).
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