3 de dezembro de 2022

Progressividade na tributação

Segurança energética também é definida por um preço acessível a todos

Julia Braga
Economista e professora da Faculdade de Economia da UFF (Universidade Federal Fluminense)

Folha de S.Paulo

Segurança energética se define não somente como a oferta de um fluxo ininterrupto de energia, mas a garantia de que o preço seja acessível a toda a população.

O combustível é classificado como um bem essencial, e famílias de baixa renda sentem o efeito da alta dos preços, principalmente indiretamente, através do seu impacto sobre o frete para a distribuição dos alimentos ou das passagens de transporte público. Quanto menor a renda da família, maior a proporção do orçamento familiar destinada a esses bens ou serviços essenciais.

Motoristas fazem fila para abastecer em posto de gasolina em São Caetano do Sul (SP); aumento no preço provocou corrida às bombas - Rivaldo Gomes - 11.mar.22/Folhapress

Assim, a menor tributação sobre a venda desses bens ou serviços acaba por beneficiar mais intensamente as famílias de menor renda. Por isso, faz sentido reduzir o peso da tributação que incide sobre a venda desses bens ou adotar formas de compensação de renda.

Embora os impostos não tenham sido os vilões da alta dos preços dos combustíveis, a desoneração de PIS/Cofins, Cide e ICMS teve eficácia em amenizar a pressão altista sobre os preços internos praticados em 2022. A esperada volta da cobrança desses impostos em 2023 para os patamares anteriores terá um impacto de elevar os preços.

Por outro lado, é preciso considerar o papel que esses impostos têm na receita tributária destinada aos serviços públicos. O ICMS é responsável por grande parte da arrecadação tributária de estados e municípios, receita destinada ao gasto com educação e saúde pública, algo que beneficia os usuários desses serviços, especialmente a população de baixa renda. A permanência de uma alíquota menor pode gerar um problema para as finanças desses entes da federação, visto a elevada demanda por serviços públicos e a necessidade de recomposição de gastos sociais corroídos pela inflação. Por isso, é fundamental considerar as opções de compensação de receita tributárias.

A opção adotada pela Inglaterra foi a de taxar os lucros extraordinários observados no setor de petróleo e gás em 2021 e 2022, adicionando uma alíquota tributária de 35% sobre os lucros da extração. O prazo para vigência dessa nova alíquota foi estendido até 2028, na expectativa de que a demanda mundial por combustíveis fósseis permaneça alta mesmo com a transição energética.

No Brasil, a alíquota efetiva sobre os lucros no setor (formada por IRPJ e CSLL) é baixa na comparação com outros países, especialmente devido a isenções tributárias. Por outro lado, embora aumente a receita tributária, a simples distribuição de dividendos por parte da Petrobras, como ocorreu em 2021 e 2022, também tem viés regressivo, já que os dividendos recebidos por acionistas não são tributados. Reavaliar isenções tributárias ou taxar dividendos são alternativas.

Outra opção é a da Colômbia: a taxação sobre as exportações de petróleo, o que pode ser estendido para outras commodities no Brasil. A incidência desse tributo acaba sendo sobre os lucros porque os exportadores de commodities são tomadores de preços, determinados nos mercados internacionais, enquanto o volume exportado depende da demanda mundial.

As vantagens desse tributo são: 1 - Não é repassado ao consumidor interno; ao reduzir o lucro na atividade de exportações, reduz-se o lucro exigido para a cobrança no mercado interno; e 2 - Oneraria apenas os setores extrativo e da agropecuária, atualmente menos tributados que os demais. Como esse imposto tem caráter regulatório, varia conforme o preço internacional da commodity —tributa apenas o lucro extraordinário, sem penalizar o produtor.

Desonerar impostos sobre vendas e taxar os altos lucros é uma questão de justiça e progressividade tributária.

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