29 de dezembro de 2022

"Neste momento, o mais importante é harmonizar política fiscal e monetária", diz futuro ministro da Fazenda

Futuro ministro da Fazenda defendeu reindustrialização com tecnologia de ponta e ambientalmente sustentável e prometeu diversidade na equipe

Miriam Leitão


Fernando Haddad, futuro ministro da Fazenda - Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

Em longa entrevista ao GLOBO, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diz que teve com o presidente Lula “um diálogo maduro”, elogia a senadora Simone Tebet, defende a reindustrialização com tecnologia de ponta e ambientalmente sustentável e promete diversidade na equipe.

A sua equipe foi criticada, inclusive por mim, de ser muito homogênea. Do ponto de vista do pensamento econômico. Outro tipo de homogeneidade, exceto a PGFN, os outros são todos homens brancos, quase todos paulistas.

Hoje (ontem) eu anuncio duas mulheres, uma negra e uma branca para a minha assessoria direta. Tatiana (Rosito) uma diplomata, morou dez anos na China e uma procuradora que vai ser acompanhar os atos normativos que eu assino ( Fernanda Santiago). A procuradora acompanhará todos os atos normativos que eu assino. Então, todos os homens brancos que você citou receberam orientação de compor suas equipes com a maior pluralidade possível.

Por que que o senhor mesmo não seguiu isso?

Eu não terminei de montar a equipe ainda. Tinha uma mulher, agora tem mais duas. São três mulheres. Eu sei que a adjunta do Tesouro será mulher. Acabei de receber o currículo dela, que já está escolhida pelo Rogério Ceron. E todos os secretários estão orientados nessa mesma direção.

A equipe, quando estiver formada, vai passar por esse crivo, e nós podemos melhorar ao longo do tempo. A largada vai ser boa, mas isso não significa que nós vamos nos acomodar.

E sobre a ideia do pensamento homogêneo?

O que não pode ser homogêneo é o governo. Então, nós já temos o Alckmin no Desenvolvimento, que tem um tipo de pensamento. No Planejamento haverá uma visão de economia diferente da que foi defendida durante a eleição, mas foi uma aliança de segundo turno. Mas há diferenças na equipe.

Não consigo pensar em duas pessoas que pensam mais diferente do que o Guilherme Melo e o Bernard Appy, por exemplo. São pessoas muito diferentes. O Rogério Ceron e o Galípolo.

O Appy vai ficar com uma função específica, a reforma tributária. O Guilherme Melo está na formulação na Secretaria de Política Econômica.

Primeiro, tem um ministro. Eu sou uma pessoa que estudei economia, escrevi sobre economia. Então, lá tem ministro economista. Eu não sou economista de profissão, mas sou de formação. O segundo é um presidente da República, que é quem já governou este país por oito anos com um jeito que eu concordo na economia. Eu concordo com a maneira do Lula conduzir o processo, política e economicamente falando.

E, terceiro, que eu não trabalho com esses compartimentos. Eu não vou inaugurar uma forma de trabalho. A minha equipe trabalha em uma mesa, toda em uma mesa. Cada um tem as suas tarefas específicas, mas as decisões, o rumo das coisas, são tomadas em um colegiado. Um vai dar palpite na área do outro porque a gente opera de forma colegiada, todo mundo remando para o mesmo lado.

Simone Tebet, a futura ministra do Planejamento, se cercou de liberais na campanha. Como é que essas divergências serão tratadas se ela for confirmada ministra?

O presidente fez uma reunião conosco na terça-feira, às 15h, durante uma hora e meia. Simone tem minha simpatia pessoal é uma pessoa transparente, que vai colocar, somar e refletir junto. E ela falou que em mais de 90% da agenda ela e eu chegaríamos à mesma conclusão. E, naquilo que porventura houver divergências, há uma instância de arbitragem, que é a Presidência da República. Nós vamos estar juntos no Conselho Monetário Nacional, na Camex, em tantas instâncias colegiadas.

Eu não acredito muito em cartilha, principalmente na política econômica. É diferente escrever um artigo para revista especializada, um exercício intelectual. Outra coisa é quando você tem que tomar decisões, às vezes em 24 horas.

Quem tem uma postura dogmática em relação a uma escola de pensamento e não sai daquele quadrado nem quando as evidências demonstram, tem pouca sensibilidade. Não tenho nada contra a escola de pensamento econômico, transito por todas.

Um governo é uma coisa complexa, levar uma política econômica à frente é uma coisa complexa. Orientar expectativas é uma coisa complexa. Por isso que o cargo de ministro, muitas vezes, compete a uma pessoa que tem, além de um conhecimento técnico, uma visão política do processo.

Nós fizemos uma nota técnica, mostrando que as despesas não subiriam como proporção do PIB e isso ajudou a convergir na aprovação da PEC. Chegamos a um denominador comum que deu até 366 votos.

Como o governo está entendendo o papel do Ministério do Planejamento?

A nossa tese, minha e de Rui Costa, com o presidente acabou fazendo desaparecer a Secretaria de Assuntos Estratégicos. As funções serão executadas pelo Ministério do Planejamento, porque tudo o que ele não fazia era planejar que tem que ter uma visão de médio e longo prazo. Pensar na infraestrutura e na logística do país, nos setores econômicos de ponta no Brasil podem ser favorecidos com investimentos públicos.

Vai fazer um review do orçamento, checar o que está produzindo efeitos concretos e benéficos para a população. Não se pode ter medo de rever programas, não pode ter medo de redesenhar programas. Tem que usar mais o Ipea, tem que usar mais o IBGE, Dataprev, Data SUS. Nós temos um manancial de micro dados. Hoje, a nossa microeconometria é boa. Nós podemos usar a inteligência disponível para fazer uma revisão.

Então a ideia é fazer uma revisão de programas para saber a sua eficiência? Rever gasto por gasto para saber da eficiência ou não?

Essa é uma atribuição do Planejamento, que eu espero que prospere. Fazer um pente fino em todos os planos.

O FIES deixou um grande déficit. O objetivo era bom, mas ele deixou um déficit muito grande.

Quando eu era ministro, eu tinha feito um planejamento de um FIES com o fundo garantidor para 150 mil contratos. Por que que ele avançou com esse número? Eu não estava mais no Ministério da Educação. Mas, cá entre nós, 150 mil contratos são pouco para o Brasil.

A sua relação com a Marina é sabidamente boa, mas suas decisões serão impactadas pelas ideias dela?

Marina nos disse que a agenda teria que nos trazer um padrão de desenvolvimento completamente novo. No Brasil, as fontes de energia novas, como o hidrogênio, a eólica, têm um potencial é incrível. Se for reindustrializar o país, não pode ser nos velhos moldes dos anos 70, 80. A gente tem que pensar em fronteira, que é onde a gente pode ter alguma vantagem. A indústria automobilística tem que fazer carro elétrico, ônibus elétrico. A questão do hidrogênio verde. O Brasil pode desenvolver um padrão de desenvolvimento novo e, na minha opinião, só é possível a partir de uma visão ambiental.

O que o governo está pensando em fazer na Eletrobras?

Eu não participei desse debate ainda.

Há ideia de acabar com a paridade de preços internacional na Petrobras?

Isso não foi discutido com a equipe. Foi falado na campanha, mas tem que ver qual é o modelo. Certamente, esse é um assunto de primeira hora do governo por conta da questão tributária.

E o fundo de estabilização para preços?

Isso é uma discussão que estava no Congresso, né? Então, a área econômica evidentemente vai participar da discussão e a gente precisa estar bem calçado tecnicamente para opinar.

Na privatização da Eletrobras foi colocado o jabuti das térmicas. Isso será revisto?

Acho que é unânime entre os entendidos que o modelo foi mal feito. Não vi ninguém falar “isso aqui está ótimo”. Mas, no calor da discussão, pensaram “é melhor vender assim mesmo do que não vender”. O que é um erro.

A empresa foi vendida por R$ 30 bilhões, e gastaram o dinheiro em 15 dias num processo eleitoral pra comprar voto. Isso me dói a alma porque eu sei o trabalho que deu pra muitas gerações construir essa empresa.

Por que mudar a lei das estatais?

Aquela iniciativa foi da Câmara, não partiu do governo de transmissão. Eu testemunhei o presidente perguntando o que tinha acontecido, porque ele ficou contrariado com a maneira como aconteceu. Chegaram a tentar vincular aquela mudança ao anúncio do Mercadante como presidente do BNDES, o que é uma falácia porque o Mercadante poderia ser presidente do banco com a velha lei. É uma história que ainda está por ser esclarecida, na minha opinião.

Qual sua impressão da lei?

Ela tem dispositivos muito genéricos e isso não é bom.

O que está por trás da discussão da lei das estatais é o temor de ocupação política das diretorias das empresas?

A maioria dos condenados por corrupção, eram [funcionários] de carreira das empresas estatais, né? Eu sei que é importante blindar. Não estou negando que seja importante, mas é muito importante a governança corporativa, um bom compliance.

Bolsonaro atropelou a governança da Petrobras inúmeras vezes. Vocês vão respeitar o estatuto da empresa?

Isso que eu me referia. Um compliance bom é uma garantia maior que tudo, porque é o dia a dia da empresa. Então, os critérios são importantes, mas eles não dispensam um bom compliance. Então, preservar um compliance de qualidade é muito importante. Pra mim, é mais importante ou tão importante do que os critérios de escolha.

A economia está desacelerando. O que o Ministério da Fazenda vai fazer para evitar esse ambiente?

A economia foi desorganizada com fins eleitorais. Agora os agentes esperam do próximo governo as sinalizações corretas pra saber em que barco nós estamos. A impressão que eu tenho é que nós temos uma oportunidade. Que está desacelerando, está.

Teve uma pequena mexida nas projeções de crescimento para melhor o ano que vem. Pessoal estava trabalhando com 0,5% e agora está trabalhando com 0,9%. Nós vamos mirar mais de 1%. Isso não significa que não possamos corrigir rumo. Nós vamos tomar medidas e vamos observar a reação.

Por isso que eu usei a figura do timoneiro. Ele faz um movimento, mas, se de repente ver uma onda, ele sabe aonde ele quer chegar.

Há a ideia de que aumento do gasto público, gera um aumento do consumo, que gera um crescimento, que aumenta a arrecadação e resolve o problema do déficit público. Você acha que esse é o círculo?

Em que circunstância? Em alguns momentos estímulo fiscal é importante ou não? Nesse momento, o mais importante é harmonizar a política fiscal e a monetária pra ter uma política econômica consistente. A política fiscal expansionista é sempre errada? Não, quando você está numa depressão ela não é. Muita gente critica o presidente Lula pela reação à crise de 2008, e eu aplaudo. Naquelas circunstâncias, eu faria a mesma coisa.

Quando a economia virou, em 2010, ela continuou expansionista.

Na época, houve uma mudança estrutural. O cenário internacional mudou. Era a hora de fazer também uma mudança estrutural interna, mas se avaliou que aquela crise estava se dissipando. E não estava se dissipando...

Não é o Lula dois que contradiz o Lula um. O Lula dois enfrentou virtuosamente um cenário desconhecido à época. Não se sabia a dimensão do problema. A partir de 2010, você cresce 7,5% e começa a mudar estruturalmente a economia. O ciclo de commodities acaba depois de 2012, então aquela maneira de entender a economia tinha que ter sido alterada junto. Então há críticas a desonerações...

Toda vez que se pergunta a alguém do PT sobre crítica ao governo Dilma, a crítica admitida é às desonerações. Mas houve outros erros não? Esses erros levaram à recessão e inflação.

Vários itens se conjugaram de maneira inoportuna. A administração de preços, tarifa de ônibus nas capitais, a maneira como nós compramos a agenda da Fiesp em relação ao preço da energia, a chamada agenda Fiesp. Quase uma fraude aquilo, né? Aceitamos quase acriticamente.

E administração de preços de combustíveis?

Administração de preços em geral. Discutimos até tarifa de uma cidade. Então, ali foi uma conjugação de medidas que produziram um efeito ruim. Mas houve também uma responsabilidade compartilhada com a oposição, que começou a aprovar, segundo o senador Tasso Jereissati, pautas-bomba pra criar o ambiente do impeachment.

O presidente Lula foi eleito pra resolver uma crise que começou em 2013. As pessoas que têm compromisso com a liberdade, com a democracia, com a justiça social, devem colocar um pouco sua diferença de lado e fazer o que precisa ser feito pra evitar esse desastre que aconteceu, que é o governo que se encerra.

Mas houve também uma responsabilidade compartilhada com a oposição, que começou a aprovar, segundo o senador Tasso Jereissati, pautas- bomba pra criar o ambiente do impeachment. O presidente Lula foi eleito pra resolver uma crise que começou em 2013. Não por outra razão, naquele ano, quando eu vi a crise da minha janela, eu era prefeito, me aproximei do Alckmin naquele momento.

Se a economia errar, todo esse edifício democrático pode ficar comprometido. Há risco de estarmos apenas adiando a morte da democracia?

Tenho total consciência das responsabilidades desse governo com essa agenda. Me sinto bem cercado, pelo presidente Lula, vice-presidente Alckmin no Desenvolvimento, uma equipe econômica que sabe das suas responsabilidades. Mas isso não significa que a gente não possa errar. Nenhum de nós é teimoso. Nós vamos testar hipóteses.

A gente tem uma crise instalada produzida pelo processo eleitoral em que um governo desesperado fez o que fez. Nós precisamos agora sair desse cenário turbulento que foi criado e vamos sair dessa tempestade.

A Caixa jogou quase R$ 10 bi nas mãos de beneficiários do Bolsa Família. Como isso será resolvido e como será o Desenrola?

Assim que eu tiver o anúncio das presidentes do BB e da Caixa, isso faz parte do pacote do primeiro trimestre. Isso é uma das bandeiras da campanha, a gente precisa resolver esse problema. Se houvesse a redução dos benefícios a Caixa estaria quebrada.

A reforma tributária será a proposta da Câmara ou do Senado?

Os dois projetos têm por base o trabalho que foi feito pelo Instituto do qual o Appy fazia parte. E ele passou anos da vida deles dedicados exclusivamente a isso. Eu não quero criar uma disputa entre Câmara e Senado porque é ruim até porque começou pela Câmara. A do Senado está mais adiantada. Eu acredito que o dual tenha mais chance. Fala-se muito não em alíquota única, pelo menos não na largada.

Nós vamos sentar com cada uma das casas pra estabelecer qual que é o rito. O objetivo é o sucesso, né? Vamos compartilhar o o sucesso. Há uma chance real de avançar a reforma tributária.

COAF voltando pra Fazenda, tudo bem?

Aquilo ali teve mais a ver com o filho do Bolsonaro do que com uma visão técnica, né? A COAF não é só banco, a COAF é combate à corrupção, uma porção de coisas. Por exemplo, a quadrilha que foi desbaratada lá no Teatro Municipal de São Paulo, só foi desbaratada por causa do COAF. O COAF sempre foi da Fazenda.

Atualização da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física foi promessa de campanha. Quando ocorrerá?

Não cheguei lá ainda.

Haverá a criação do imposto sobre dividendos?

A partir de abril, vou dar andamento às reformas estruturais, começando por regras fiscais e reforma tributária. Que parte da reforma tributária? Impostos indiretos. Essas perguntas dizem respeito a impostos diretos. Não tratarei disso no primeiro momento.

Você falou em subestimação de receita. Será que há mesmo?

Por incrível que pareça, a receita de 2023 está abaixo da receita de 2022. A economia cresceu em 2022. Não vai ter deflação, vai ter menos inflação. Tem gente projetando entre R$ 30 bi e 120 bilhões de subestimação.

A inflação diminuiu por várias razões, uma parte por causa dessas desonerações. E o cenário de inflação, há o temor de que ela volte a subir?

Diminuiu porque 13,75% de juros é o maior juro real do mundo. Nós estamos com mais de 6% de juros real. É o dobro do segundo maior.

Mas só por causa dos juros ou teve uma interferência nos preços diretamente?

Teve a parte política, política eleitoreira, vamos chamar assim. Teve a parte eleitoreira, que foi arrebentar com os estados. Nunca se viu, no meio do ano, um presidente fazer (isso). Tomou bilhões dos governadores para fazer populismo. Nem é populismo, isso é eleitoralismo mesmo. Então, ele tem esse efeito, mas tem o efeito da política monetária.

Então a sua previsão é que a inflação vai permanecer mais baixa? Não vai voltar a subir?

O que interessa para a inflação é o seguinte: o cenário projetado. Ela pode ter, num momento ou outro... A curva de médio prazo da inflação é, na minha opinião, decrescente.

Um cenário benigno, então?

Eu acredito que sim. Não sei, tem choque externo. Tem sempre que ficar de olho no que está acontecendo no mundo. A inflação no mundo está muito alta. A inflação americana está acima de 7% (ao ano) ainda, apesar da pancada de juros que eles deram. E a inflação europeia maior ainda, embora com juros menores que nos Estados Unidos.

O juro na Europa está menor com uma inflação maior. O juro nos Estados Unidos está alto e com uma inflação mais alta. Nos dois casos, os juros negativos. O juro nominal é inferior...

Eu sei disso. Mas subindo rápido.

Subindo, mas ainda menor. E, no Brasil, estamos com um juro real que é o maior do mundo hoje. Isso aqui não é juízo de valor, não. Só estou dizendo o que é real.

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