6 de dezembro de 2022

Por um novo regime fiscal no Brasil

Objetivo deve ser colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda

VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)

Folha de S.Paulo

A equipe de transição discute uma emenda constitucional que retira algumas despesas do teto de gastos. A emenda é necessária, pois viabiliza gastos com o Bolsa Família, o adicional do benefício por criança e investimentos. Tão importante quanto essa emenda que autoriza gastos públicos essenciais é estabelecer um novo regime fiscal no país. O teto de gastos vigente é uma obra de ficção. Ele se mostrou inviável por sua rigidez operacional e negligência com a desigualdade brasileira.

Não por menos houve uso indevido das emendas de relator para se fazer o orçamento secreto, que feriu vários artigos da Constituição, conforme relatório recente do Tribunal de Contas da União. O Executivo precisa retomar para si a responsabilidade de definir o Orçamento no âmbito desse novo regramento fiscal.


Discutiremos aqui princípios que entendemos fundamentais para o desenho de um bom regime fiscal.

O regime fiscal deve viabilizar uma estratégia de desenvolvimento, fomentando crescimento estável com distribuição de renda. Em vez de olhar o retrovisor, é crucial que o regime fiscal contemple metas para o desenvolvimento futuro do país. O Orçamento, peça central de qualquer regime fiscal, deve refletir essa estratégia de desenvolvimento, sendo organizado sob a lógica dos programas prioritários de governo. Hoje, a lógica orçamentária é inversa: criam-se programas que caibam nas despesas tradicionais do Orçamento.

É fundamental que a nova regra fiscal seja realista, transparente e de operação simples e compreensível. Deve ter uma meta de gastos, que busque uma referência de patamar de dívida pública de médio prazo. A trajetória da dívida é uma referência, não um teto; ela deve ser não vinculante. A referência não é um limite intransponível, mas um ponto de chegada desejado, como ocorre com a meta de inflação. O gasto primário deve ser a variável operacional, pois o governo tem controle sobre ele. A regra deve prever uma meta de crescimento real do gasto primário.

Gastos públicos não são todos iguais. Os diversos grupos de despesas devem ter tratamento diferenciado. Investimentos e despesas com ciência e tecnologia, por exemplo, integrariam rubricas específicas e plurianuais, protegendo-os de oscilações. Políticas sociais e investimentos devem ser anticíclicos, aumentando quando a recessão se aproxima e caindo quando há crescimento robusto.

O novo regime precisa também de elementos acessórios, como monitoramento, avaliação e revisão permanentes de gastos. A adoção dessas ferramentas já pode colaborar, em muito, para garantir a evolução do gasto primário compatível com uma referência de trajetória da dívida.

Esforços precisam ser feitos para mudar o histórico de juros altos. Para tanto, juros não podem ser o único instrumento de combate à inflação. Menores juros diminuem a despesa com serviço da dívida e ainda estimulam o investimento privado e, assim, o crescimento. Menores juros e maior crescimento contribuirão para melhor evolução da relação dívida/PIB. Só se propõe regrar o gasto primário; pouco se discute o impacto dos juros nas contas públicas.

Justamente porque a questão fiscal não se resume ao gasto primário, um novo regime requer uma reforma tributária, que precisa simplificar a tributação e redistribuir o ônus tributário, implicando cobrança condizente com a grande desigualdade do país. Tal reforma também precisa garantir o financiamento contínuo de programas sociais e investimentos.

Por fim, o novo regime fiscal deve substituir as mais de dez regras fiscais hoje vigentes no Brasil. A Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a nova regra são suficientes.

O novo arcabouço fiscal, incluindo a reforma tributária, precisa estar alinhado ao objetivo de colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda. Esse não é o cenário que prevalece hoje, infelizmente.

Se nada for proposto e aprovado para estabelecer fontes de receita e critérios perenes para a despesa, permanecerão a indefinição e a incerteza em relação ao cenário fiscal.

O resultado será instabilidade política e econômica, baixo crescimento, casuísmo fiscal e, pior, a perpetuação da pobreza que há tempos impera no país.

Débora Freire
Professora do Cedeplar-UFMG

Monica de Bolle
Professora da Johns Hopkins University

Fábio Terra
Professor da UFABC e do PPGE-UFU

Flávio Ataliba
Pesquisador associado do FGV-Ibre

Marco Brancher
Mestrando em desenvolvimento econômico (Universidade Harvard)

Nelson Marconi
Professor da FGV-Eaesp

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