Mônica Bergamo
O chanceler brasileiro Mauro Vieira ajudará o presidente Lula a receber, até segunda (7), 14 chefes de Estado que desembarcaram no Rio de Janeiro para a Cúpula do Brics, aberta neste domingo (6).
Ele refuta as afirmações de que a reunião está esvaziada. Por diferentes razões, o líder chinês Xi Jinping, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o presidente do Egito, Abdul Fatah Khalil Al-Sisi, e o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, não comparecerão ao encontro.
Para Vieira, essa análise é "superficial" já que dezenas de chefes de Estado desembarcaram na cidade. "Trump precisou voltar a Washington no meio de uma reunião do G7, no Canadá, e ninguém lá falou em cúpula esvaziada."
Ele refuta as afirmações de que a reunião está esvaziada. Por diferentes razões, o líder chinês Xi Jinping, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o presidente do Egito, Abdul Fatah Khalil Al-Sisi, e o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, não comparecerão ao encontro.
Para Vieira, essa análise é "superficial" já que dezenas de chefes de Estado desembarcaram na cidade. "Trump precisou voltar a Washington no meio de uma reunião do G7, no Canadá, e ninguém lá falou em cúpula esvaziada."
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O ministro Mauro Vieira após reunião com chanceleres e representantes de países membros do Brics, no palácio do Itamaraty, no centro do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress |
Nesta entrevista à coluna, concedida no gabinete em que o Barão do Rio Branco trabalhou e morreu, no Palácio do Itamaraty, no Rio, o chanceler diz que o Brics mostrou "um grupo novo e poderoso" de países no mundo, e por isso causa inquietação em potências ocidentais.
Ele falou também sobre Inteligência Artificial, disse que Lula e Donald Trump vão se dar bem caso um dia se encontrem, afirmou que o russo Vladimir Putin reage de forma diferente do israelense Benjamin Netanyahu a críticas —e falou sobre a bomba atômica como arma diplomática de dissuasão.
Afirmou ainda que, caso os EUA sancionem o ministro do STF Alexandre de Moraes, o Brasil não tem que "dar importância", mas sim "virar as costas e seguir".
BLOCO DE PODER
A revista The Economist publicou uma reportagem relatando a preocupação de que o Brasil, ao se aliar às potências do Brics, estaria virando as costas para o Ocidente.
O que eles falaram não tem nenhum cabimento, é totalmente sem foco. Tanto que resolvi eu mesmo fazer uma carta [em resposta à revista]. Normalmente isso é feito pelos embaixadores.
Nem o Brics é contra o Ocidente, nem o Brasil se mudou do Ocidente. Nem teria como.
O G-20 [que reúne também potências ocidentais como EUA e Alemanha] é importante? É. E dele fazem parte países que também integram o Brics [como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul].
Nós nunca viramos as costas para ninguém.
Ele falou também sobre Inteligência Artificial, disse que Lula e Donald Trump vão se dar bem caso um dia se encontrem, afirmou que o russo Vladimir Putin reage de forma diferente do israelense Benjamin Netanyahu a críticas —e falou sobre a bomba atômica como arma diplomática de dissuasão.
Afirmou ainda que, caso os EUA sancionem o ministro do STF Alexandre de Moraes, o Brasil não tem que "dar importância", mas sim "virar as costas e seguir".
BLOCO DE PODER
A revista The Economist publicou uma reportagem relatando a preocupação de que o Brasil, ao se aliar às potências do Brics, estaria virando as costas para o Ocidente.
O que eles falaram não tem nenhum cabimento, é totalmente sem foco. Tanto que resolvi eu mesmo fazer uma carta [em resposta à revista]. Normalmente isso é feito pelos embaixadores.
Nem o Brics é contra o Ocidente, nem o Brasil se mudou do Ocidente. Nem teria como.
O G-20 [que reúne também potências ocidentais como EUA e Alemanha] é importante? É. E dele fazem parte países que também integram o Brics [como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul].
Nós nunca viramos as costas para ninguém.
Como já disse o presidente Lula, mecanismos como o G-20 e o Brics são hoje mais importantes do que a ONU, que aos 80 anos está paralisada, em uma situação lamentável. Lamentável.
"Há poucas semanas o presidente Donald Trump precisou voltar a Washington no meio de uma reunião do G7 no Canadá, e ninguém lá falou em cúpula esvaziada, é algo normal para um chefe de estado e de governo no atual momento do mundo."
Não falta ambição hoje ao Brics? A cúpula realizada agora no Rio de Janeiro não está esvaziada?
De forma alguma. Essa é uma análise superficial baseada em algumas ausências [como a do líder chinês, Xi Jinping], que não se sustenta, pelo simples fato de que 14 chefes de estado e de governo estarão no Rio para a cúpula.
Tampouco leva em conta o momento de tensões no mundo, que dificulta a vinda de alguns líderes de países do bloco, o que é muito natural. Há poucas semanas o presidente Donald Trump precisou voltar a Washington no meio de uma reunião do G7 no Canadá, e ninguém lá falou em cúpula esvaziada, é algo normal para um chefe de estado e de governo no atual momento do mundo.
Para a presidência brasileira, como já havia acontecido no G-20, o importante é que nossas prioridades produziram consensos em temas de grande relevância. Visão de futuro e ambição não faltam ao bloco.
Por que o Brics, em sua opinião, gera inquietação em alguns países?
O Brics foi uma iniciativa nova que reuniu países tão diferentes entre si como Rússia, Brasil e Índia. Ele foi a constatação de que havia um grupo novo e poderoso no mundo. A China e a Índia, somadas, têm 3 bilhões de habitantes. Se isso não for importante, nada mais será, não é?
Eu estava em Washington no início do Brics. [Os norte-americanos] Me perguntavam "mas por que o Brasil faz parte de um grupo que é contra os EUA?". Eu cansei de dizer que o Brics não é contra o Ocidente, não é contra os EUA. Ele surgiu para ser a favor dos cinco países que o integravam originalmente [Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul].
É o acontecimento mais importante da política externa dos últimos anos. Sua expansão, agora, aumentou a complexidade, mas deu maior representatividade [ao bloco].
E a moeda comum entre os países, virá?
Não sei. Nos meus dias, não. [Se ela for criada] Estarei aposentado, seguramente. Porque é uma coisa muita complexa.
"Lula tem razão nas críticas que faz. Não é normal assistir a crianças, jovens e pessoas de idade em uma fila para receberem alimentos em Gaza sendo fuzilados."
No plano concreto, em que o Brics tem beneficiado o Brasil?
Do ponto de vista político, o ganho é gigantesco. Do ponto de vista econômico, nós temos o Banco do Brics, que já emprestou US$ 100 bilhões.
O Brics permite a cooperação na medicina, nas ciências, na Inteligência Artificial.
Não podemos deixar que daqui a pouco apenas países superdesenvolvidos como os EUA e a China tomem conta [da Inteligência Artificial], e que nos reste, como caudatários, pedir a benção e pagar para usar tudo. Temos que criar um sistema democrático e acessível.
Como já disseram, não podemos deixar que haja um TNP da Inteligência Artificial [referindo-se ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, em que alguns países podem ter bomba atômica e outros, como o Brasil, não]. Um tratado que classifica países em dois níveis, os da primeira classe e os da turística. Em que quem já tem, tem, e quem não tem não pode mais.
LULA E TRUMP
A relação do governo Lula com países como a China e a Rússia é muito mais próxima do que a estabelecida com algumas outras nações. O presidente foi inclusive criticado por viajar a Moscou em maio e aparecer em um palanque com líderes autoritários e com ditadores.
Bobagem total, não?
A relação com a China de fato é mais próxima hoje do que com os EUA?
Não, não é.
Mas parece.
Não, gente. É diferente. O presidente Lula está em seu terceiro mandato, ocupou a Presidência por dez anos e meio já. Encontrou o [líder chinês] Xi Jinping diversas vezes. Há uma intimidade [entre eles], sim.
Com os EUA, o contato pessoal é diferente. O presidente Lula nunca se encontrou com o presidente [Donald] Trump.
Mas há um esforço para que se encontrem? Ou nenhum dos dois têm interesse?
Não é isso. Tem que haver uma ocasião, uma oportunidade, que ainda não se apresentou. Há 15 dias poderia ter ocorrido, no encontro do G-7, no Canadá. Mas o presidente Trump saiu de lá antes da hora, voltou mais cedo.
Há já algum pedido formal do Lula, ou do Trump, para que se reúnam?
Está tudo normal. Nossas relações bilaterais são importantíssimas, para os dois lados.
Na hora em que os dois se encontrarem, seguramente vão de dar bem. O presidente Lula teve excelente contato com outros presidentes norte-americanos.
SANÇÕES
Houve declarações e sinais de autoridades de que os EUA poderiam sancionar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. É verdade o governo brasileiro passou o recado de que o Brasil se incomodaria bastante se isso acontecesse?
O que foi esclarecido é que não há extraterritorialidade nas decisões judiciais em geral, e do Supremo muito menos.
As sentenças se aplicam única e exclusivamente em território brasileiro. A companhia que queira atuar no Brasil, seja farmacêutica, bit tech, de aviação, de alimentos, o que for, tem que se adequar à legislação brasileira. Se não quiser, não fique aqui.
Mas o que o Brasil pode fazer de concreto se as sanções vierem?
Não dar importância. Virar as costas e seguir. O que o Brasil poderia fazer? Virar a cara, dizer que está zangado?
Eu acho que elas não virão. Porque não tem cabimento. As leis americanas são aplicadas nos EUA. As leis brasileiras são aplicadas no Brasil.
Os que defendem sanções argumentam que Alexandre de Moraes é um ditador.
Eles argumentam. Mas não é. Simplesmente não é. Precisam se informar melhor.
O Brasil condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia e diz que Israel comete genocídio em Gaza
[Interrompendo] Condenou também os ataques do Hamas [contra Israel, em outubro de 2023].
"O TNP é um tratado para não-proliferação nuclear e para o desarmamento. E, no entanto, as potências nuclearmente armadas só pensam na não-proliferação. Ninguém mais fala em desmontar seus arsenais. Esqueceram dessa parte."
GUERRAS
Apesar de condenar igualmente os dois países, Lula foi à Rússia e trocou abraços com o presidente Vladimir Putin. Já com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, a relação é distante. Há dois pesos e duas medidas?
Não. Há, sim, uma diferença na forma de cada um [Putin e Netanyahu] reagir.
O presidente foi enfático na condenação à Rússia. Ele nem era presidente ainda porque a invasão foi no início de 2022. Mesmo assim, o presidente da Rússia continua a dialogar com o Brasil.
Já o atual governo de Israel escalou. Lula tem razão nas críticas que faz. Não é normal assistir a crianças, jovens e pessoas de idade em uma fila para receberem alimentos em Gaza sendo fuzilados.
Autoridades de Israel afirmam que Lula dá declarações antissemitas. Como o governo brasileiro recebe esse tipo de acusação?
Muito tranquilamente. O presidente tem toda a razão nas críticas que faz.
O Brasil assinou a certidão de nascimento de Israel na Assembleia Geral da ONU [o brasileiro Oswaldo Aranha presidia o organismo quando o estado judeu foi criado].Sempre tivemos ótimas relações.
Não temos nada contra Israel ou contra o povo de Israel. As críticas são ao atual governo de Israel, que inclusive foi muito agressivo contra o Brasil e chegou a destratar nosso embaixador.
O Brasil foi surpreendido pelo bombardeio de Israel e, depois, dos EUA ao Irã?
O Brasil é um país pacífico. Qualquer ato de ataque, de violência, surpreende. Lamentamos imediatamente, por meio de notas públicas.
Ninguém sabia que aconteceria naquele dia, mas sabíamos que poderia acontecer.
BOMBA ATÔMICA
O senhor citou anteriormente o TNP (Tratado de Não-Proliferação Nuclear) O senhor acha que outros países, além dos que já têm a bomba atômica, deveriam ter o direito de desenvolvê-la? Inclusive o Brasil
O TNP é desequilibrado. Ele congela a situação. Quem tem [bomba atômica] tem. Quem não tem, não pode mais ter.
Além disso, o TNP é um tratado para não-proliferação nuclear e para o desarmamento. E, no entanto, as potências nuclearmente armadas só pensam na não-proliferação. Ninguém mais fala em desmontar seus arsenais. Esqueceram dessa parte.
O Brasil fez certo em assinar o tratado e abrir mão de desenvolver a bomba atômica, que afinal também é um elemento da chamada diplomacia dissuasiva?
O Brasil é um país pacífico. Eu prezo muito a paz. A decisão foi certa. Mas, lamentavelmente, não inspirou outros países.
O Brasil tem, sob Lula, a pretensão de ser ouvido nos grandes temas e conflitos internacionais. Mas não tem recursos para reconstruir países, nem armas para, por exemplo, influir de forma decisiva e colocar fim a uma guerra. É por isso que o país fala, e parece que ninguém ouve?
A figura do Lula é marcante. Não há hipótese de, no século 21, falarmos do Brasil sem falar da presença, do peso e do prestígio dele.
Quando o Brasil fala pelo Lula, ele é, sim, ouvido. Cala fundo. Não pense que outros falam e têm a mesma importância. Ele é uma grande personalidade global, mundial. É ouvido e levado em conta em todo o mundo.
Nós nos damos com todo mundo, temos relações diplomáticas com os 193 países das Nações Unidas, até na Coréia do Norte nós temos embaixada. Poucos países têm isso.
"Lula não tem complexo. Ele não tem medo. É uma pessoa desassombrada e defende seus pontos de vista."
Mas o Brasil tem o peso que imaginou que teria, ou que Lula projetou?
Cada um se imagina do jeito que quer.
O presidente Lula é absolutamente consciente. Ele sabe da importância, do peso e do lugar do Brasil.
Lula não tem complexo. Ele não tem medo. Ele é uma pessoa desassombrada e defende seus pontos de vista.
Tem uma voz de muita autoridade. Defende o meio ambiente, a paz, o combate à fome.
Não há lugar em que não seja conhecido. Na Argentina, por exemplo, é conhecidíssimo.
Como foi o encontro com o presidente argentino Javier Milei em Buenos Aires?
Foi ótimo. Sentaram lado a lado. Fizeram discurso.
Houve um degelo?
Tem fotografias dos dois com sorrisos. Você acha que isso é gelo? Eu nunca vi sorriso gelado.
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