1 de julho de 2025

Terra, cooperação e socialismo

João Pedro Stedile, fundador e porta-voz do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Brasil, reflete sobre os esforços do movimento para construir uma alternativa socialista por meio de ocupações de terras, produção cooperativa e formação política. Ele destaca a importância da luta coletiva e o aprofundamento dos laços do MST com o movimento comunitário venezuelano como parte de um projeto mais amplo de construção de uma sociedade justa e solidária.

João Pedro Stedile

Monthly Review

Volume 77, Number 03 (July-August 2025)

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Brasil é o maior movimento social da América Latina, lutando há décadas por uma reforma agrária popular e justiça social no Brasil. Desde sua fundação, no início da década de 1980, o MST tem combinado ocupações de terras, trabalho cooperativista, formação política e internacionalismo para desafiar o sistema latifundiário altamente concentrado do país e resistir à expansão do agronegócio.

O movimento desenvolveu um modelo de luta coletiva baseado na solidariedade e na mobilização de massas, organizando centenas de milhares de famílias no campo brasileiro. Quando o MST ocupa uma área de terra subutilizada ou ociosa, ele primeiro estabelece um acampamento. Um acampamento é um método de ação direta para pressionar o governo a redistribuir terras em conformidade com as leis de reforma agrária do Brasil. Durante esse período, o movimento organiza formação política, trabalho coletivo e autogoverno.

Se a luta for bem-sucedida, o acampamento se transformará em um assentamento, agora reconhecido e legalizado pelo Estado e, portanto, mais estável. Assim como os acampamentos, os assentamentos são projetos coletivos, mesmo que as famílias neles mantenham parcelas individuais. Em um assentamento, a terra não pode ser comprada ou vendida. Tecnicamente, ela pertence ao Estado, mas é administrada pelo coletivo ou pelo que poderíamos chamar de comuna. Os assentamentos também são autogovernados, administram grande parte de sua própria justiça e autogerenciam seus processos educacionais. Em suma, tanto acampamentos quanto assentamentos expressam um alto grau de controle comunitário sobre sua produção e vida cotidiana.

Além da luta pela terra, o MST trabalha para confrontar dinâmicas capitalistas mais amplas, adotando a agroecologia, a produção cooperativa e a educação política. Todos esses são elementos do que o movimento chama de "reforma agrária popular". A ideia da "reforma agrária popular" é que, em um mundo onde o capital financeiro e as corporações multinacionais dominam a agricultura, não basta garantir terra para os sem-terra. É preciso também desenvolver um modelo alternativo de produção e vida, que incorpore princípios socialistas e ecológicos.

Nesta entrevista, João Pedro Stedile, porta-voz e fundador do MST, discute a ênfase do movimento na luta coletiva e na solidariedade, os desafios da organização da produção cooperativa e a evolução dos objetivos do MST em resposta às mudanças na economia capitalista. Ele também examina a estratégia do MST de construir alianças entre a classe trabalhadora rural e urbana e seu engajamento em lutas internacionais, particularmente com o movimento comunitário na Venezuela.

Em um momento em que o capitalismo aprofunda as desigualdades e a destruição ecológica, as experiências e propostas do MST oferecem insights valiosos para a construção de um futuro socialista.

— Cira Pascual Marquina e Chris Gilbert

Cira Pascual Marquina e Chris Gilbert

Desde os primórdios do MST, na década de 1980, a organização tem se concentrado na reforma agrária e fez da ocupação e do uso coletivo da terra uma parte fundamental de seu projeto. Você pode explicar por que a organização enfatiza a coletividade e a cooperação? Que tipos de comunidades — com quais valores e práticas — são criadas antes, durante e depois da ocupação da terra?

João Pedro Stedile

O MST se baseou em dois conceitos-chave da experiência histórica da classe trabalhadora em geral e dos camponeses em particular: luta de massas e solidariedade.

Acreditamos que somente a luta de massas pode alcançar conquistas sociais e organizar as pessoas de forma eficaz. Se você quer mudar de vida, precisa participar da luta de massas, pois é aí que reside a verdadeira força: no povo. Como força organizadora, a luta de massas é mais eficaz do que a mera motivação do trabalho coletivo. É por isso que, no trabalho de base do nosso movimento, vinculamos a luta de massas ao poder político.

Nossa força não vem de nossos argumentos ou ideias; ela vem do número de pessoas que conseguimos mobilizar. Desde o início, adotamos um método que envolve a todos — crianças, jovens, homens, mulheres e idosos. Toda a família deve participar de uma ocupação de terra para que ela tenha sucesso. Uma ocupação de terra é uma ação coletiva de massa que deve gerar força suficiente para criar conflito e obrigar o governo nacional, o Estado, a aplicar as leis da reforma agrária.1

O segundo conceito que permeia o nosso movimento é a solidariedade, que vemos como um princípio civilizatório da razão humana. Os seres humanos só podem se realizar verdadeiramente e encontrar a felicidade por meio da solidariedade, que é, em última análise, a ajuda mútua. O que isso significa? Para ocupar terras e mudar minha vida, devo me unir a outros em um ato de solidariedade como igual. Ao mesmo tempo, essas ações coletivas também geram uma solidariedade mais ampla da sociedade e da classe trabalhadora em relação à nossa luta. Esse princípio definiu nosso movimento desde o início.

Outro desafio importante é organizar a produção depois que as pessoas reivindicam a terra e formam o que chamamos de assentamento no Brasil. Inicialmente, havia uma forte vontade política de desenvolver a produção agrícola coletivamente. No entanto, tanto a nossa experiência quanto a dos camponeses em geral têm mostrado que o trabalho cooperativo na agricultura pode ser bastante difícil. Cada camponês interage com a natureza de forma diferente, seguindo seus próprios ritmos e horários de trabalho. Alguns acordam cedo para começar suas tarefas, enquanto outros dormem até mais tarde e começam mais tarde. Alguns levam seus filhos para o campo, enquanto outros não. Com o tempo, nossa experiência vivida nos ensinou que, quando se trata de cultivar a terra, a coletivização nem sempre funciona.

Como organizar o trabalho camponês [no campo] coletivamente se mostrou desafiador, mudamos nosso foco para estruturas cooperativas em outras áreas de produção. Por exemplo, o MST estabeleceu cooperativas para adquirir máquinas agrícolas ou gerenciar a comercialização de produtos agrícolas, incluindo plantas de processamento e instalações de armazenamento. Avançamos para o estágio de agroindustrialização cooperativa, desenvolvendo empreendimentos para produção de leite, fornecimento de cadeia fria e muito mais. A produção agroindustrial é complexa, exigindo que diversas tarefas sejam realizadas com precisão e colaboração — por exemplo, no processamento e distribuição de alimentos. É aqui que nossos esforços cooperativos estão agora concentrados.

Cira Pascual Marquina e Chris Gilbert

A contradição entre cidade e campo muda ao longo do tempo, resultando em produtores camponeses ou campesinos vivenciando diferentes formas de opressão. Hoje, o capital financeiro e as corporações multinacionais dominam os pequenos produtores, mesmo quando estes possuem suas próprias terras. A resposta deve ser, portanto, uma reforma agrária abrangente e multifacetada. Ela deve incluir a recuperação de terras, a (re)apropriação da ciência e da tecnologia, a promoção da vida cultural e social no campo, o desenvolvimento da agroecologia, a conquista da soberania alimentar e a defesa dos direitos da natureza. Como o MST atua nessas áreas e por que recorre a soluções cooperativas ou comunitárias?

João Pedro Stédile 

Ao longo do século XX, a maioria dos países operou sob a hegemonia do capitalismo industrial. Para o capitalismo industrial, era conveniente integrar os camponeses ao mercado, razão pela qual as reformas agrárias foram implementadas na maioria das nações industrializadas do Norte Global. Chamamos essas reformas agrárias de "clássicas" porque foram as primeiras; envolveram a expropriação de grandes propriedades e a redistribuição de terras aos camponeses. Esses camponeses foram então integrados ao mercado interno. Consumiam o que era produzido pela indústria e também para a agroindústria.

Embora essas reformas agrárias clássicas tenham desempenhado um papel significativo no desenvolvimento das forças produtivas, elas também representaram uma aliança entre a burguesia industrial — que se opunha ao latifúndio e à oligarquia rural — e os camponeses que precisavam de terra para trabalhar. No entanto, como você apontou, desde a década de 1990, o setor hegemônico do capital mudou do capital industrial para o capital financeiro e suas corporações multinacionais que dominam o mercado mundial e, por extensão, a agricultura. Ao contrário do modelo anterior, que mantinha uma aliança com os camponeses, existe um novo modo de exploração da agricultura, conhecido como agronegócio. É a forma do grande capital dominar a agricultura como um todo. Envolve monocultura em larga escala, uso generalizado de sementes geneticamente modificadas, mecanização intensiva e uso generalizado de fertilizantes químicos e pesticidas.

Diante desse novo modelo capitalista, o bloco camponês teve que repensar seu projeto, que não poderia mais se concentrar exclusivamente na posse da terra. Em vez disso, teria que abordar a reorganização da agricultura em geral. Novos programas, não apenas focados na defesa do pequeno produtor, começaram a ser desenvolvidos. Chamamos nosso programa de "reforma agrária popular", mas em outras partes da América Latina ele é chamado de "reforma agrária integral" ou, quando se busca um foco mais político, "reforma agrária radical". Esses são apenas nomes. No entanto, o importante é que o programa agora é diferente. Temos que pensar na agricultura como um todo e responder com novos paradigmas. Em tempos passados, as reformas agrárias em favor dos camponeses, como exemplificadas por excelência pela reforma de Emiliano Zapata durante a Revolução Mexicana, tiveram enorme influência em toda a América Latina. No entanto, o projeto não pode se limitar a distribuir terras; precisa se concentrar em atender às necessidades de todo o povo. Portanto, agora, nosso objetivo é atender às necessidades do povo como um todo, e precisamos fazê-lo com novos paradigmas. Na época de Zapata e nas reformas agrárias asiáticas, os camponeses buscavam se libertar da exploração dos latifúndios ou dos senhores feudais. No entanto, no mundo de hoje, a reforma agrária popular deve visar, acima de tudo, a produção de alimentos saudáveis ​​para toda a população.

Isso significa empregar a agroecologia como método de produção de alimentos. Além disso, devemos defender a natureza. Se não reflorestarmos, protegermos as fontes de água e salvaguardarmos a biodiversidade, a vida neste planeta não será sustentável. Já estamos testemunhando os efeitos devastadores das mudanças climáticas, que estão colocando milhões de pessoas em perigo e ceifando muitas vidas. No verão passado, mais de 50 mil pessoas morreram na Europa devido ao calor extremo. No meu estado natal, no Brasil [Rio Grande do Sul], um dilúvio afetou cerca de 5 milhões de pessoas. Felizmente, o número de mortos foi relativamente baixo — cerca de duzentas —, mas plantações foram destruídas e milhares perderam suas casas, incluindo meu filho. Este é o futuro que o capitalismo está criando. Cabe a nós, no campo, defender a natureza para que a vida neste planeta possa continuar para todos.

A nova reforma agrária popular também se concentra no que chamamos de emancipação humana. Isso significa que, na terra que reivindicamos, além de produzir alimentos, proteger a natureza e salvaguardar a água e a biodiversidade, devemos também forjar novas relações sociais entre as pessoas que a habitam.

Agora, não se trata apenas de defender o modo de vida camponês. Precisamos de escolas, agroindústrias e, acima de tudo, novas relações humanas. A vida deve ser emancipatória, baseada na convivência, no respeito à diversidade, às mulheres, às diversas identidades sexuais, aos negros e pardos, a todas as culturas. Este é o novo paradigma que estamos construindo; uma tarefa contínua e permanente.

Afinal, este não é apenas um programa teórico escrito no papel que as pessoas simplesmente seguirão. É um processo educacional contínuo, um processo de autoformação e autotransformação dentro das comunidades. Requer mudanças na economia de forma a transformar também a sociedade. Por exemplo, não podemos superar o patriarcado sem garantir que as mulheres tenham renda e trabalho autônomo. Ninguém imagina um futuro em que as mulheres trabalhem no campo o dia todo como bestas de carga. O que buscamos é trabalho digno e renda para as mulheres, para os jovens, para todos. Para nós, isso só é possível com o desenvolvimento de cooperativas agroindustriais. A produção cooperativa criará novas relações econômicas e sociais capazes de combater as distorções do capitalismo — patriarcado, discriminação racial e todas as outras formas de opressão.

Cira Pascual Marquina e Chris Gilbert

O capitalismo evoluiu de tal forma que hoje a burguesia é incapaz de liderar um processo de libertação e desenvolvimento nacional; somente a classe trabalhadora pode fazê-lo. Pode-se argumentar que é por isso que, mesmo que o MST tenha começado inicialmente confrontando uma contradição específica do capitalismo — a luta pela reforma agrária —, a dialética da luta levou o movimento a desafiar o sistema capitalista como um todo. Desde 1990, o MST adotou o socialismo como seu objetivo estratégico. Hoje, sua tarefa é nada menos do que organizar toda a classe trabalhadora para enfrentar o capitalismo e o imperialismo. Gostaríamos de ouvir suas reflexões sobre essa trajetória e como a luta do MST pelo controle coletivo da terra e pela construção de cooperativas se insere em uma estratégia nacional mais ampla voltada para o socialismo. Além disso, como esse projeto se traduz em uma estratégia internacional?

João Pedro Stédile

Socialismo não é idealismo nem uma fórmula pronta que resolve tudo. Trata-se de superar o capitalismo em sua totalidade — da exploração das pessoas à concentração de riqueza e muito mais. Embora sejamos um movimento camponês que defende o projeto de uma reforma agrária popular, sabemos que, para alcançar essa reforma hoje, um paradigma centrado apenas nas forças camponesas não é suficiente. Isso é especialmente verdade porque, na maioria dos nossos países, os camponeses são uma minoria. A maioria da classe trabalhadora está nas cidades, o que significa que nosso trabalho político deve ser feito em conjunto com os setores urbanos. Essa unidade será construída por meio de um programa que defenda o acesso à alimentação saudável, renda e trabalho para todos, e também defenda a natureza.

Mas o que está acontecendo agora? Desde a ascensão do neoliberalismo e o domínio do capital financeiro e das multinacionais, vivemos uma época histórica em que o movimento de massas está em declínio, juntamente com uma crise ideológica da esquerda. A dialética da luta de classes tem seus altos e baixos, e eles também afetam o campo. No entanto, devemos reconhecer que esta é uma fase histórica particular — uma fase que, como todas as outras, não durará para sempre. Eric Hobsbawm e os historiadores marxistas britânicos nos ensinaram que a luta de classes, tanto nacional quanto globalmente, ocorre em ondas. Há momentos em que as massas tomam a iniciativa e impulsionam os movimentos, e há momentos de refluxo, quando as massas são derrotadas e a burguesia afirma a hegemonia total.

No entanto, também há períodos em que vivenciamos um retorno ao equilíbrio de forças e as massas começam a se reerguer. Na minha opinião, sofremos uma grande derrota com a queda do Muro de Berlim em 1989 e o consequente fim do bloco socialista. Esse evento provocou um refluxo nos movimentos de massa em todo o Ocidente. Eu diria que ainda estamos nesse momento, mas já conseguimos reequilibrar a situação em muitos países e as massas estão começando a se reerguer. No entanto, ainda não somos um movimento internacional, o que é crucial para o sucesso de nossas lutas. A única vantagem, se podemos chamá-lo assim, é que o capitalismo se tornou totalmente internacionalizado. É por isso que também devemos canalizar nossa energia para a construção de conexões internacionais que, a médio prazo, lançarão as bases para o ressurgimento de movimentos de massa em escala global.

A outra questão a considerar é que, nesta nova fase de renascimento dos movimentos de massa, provavelmente veremos um período de governos populares no poder antes do surgimento do próprio socialismo. A Venezuela é um exemplo. Não houve uma revolução clássica, mas sim um ressurgimento do movimento de massa que começou com o Caracazo em 1989 [uma rebelião popular]. A repressão popular durante o Caracazo provocou profunda indignação em setores das Forças Armadas, levando à rebelião de 1992 e ao surgimento de um líder, Hugo Chávez. Então, em 1998, Chávez foi eleito e um governo popular assumiu o poder. No entanto, ainda não era um governo resultante de uma revolução [clássica].

No Brasil, não temos nem mesmo um governo popular nesse sentido. Lula, embora oriundo de um partido de esquerda [o Partido dos Trabalhadores, PT], governa por meio de uma aliança com setores da burguesia. É um governo de frente ampla que visa conter a ascensão da extrema direita. No Brasil de hoje, as condições políticas e organizacionais necessárias para acumular forças revolucionárias ainda não existem, o que significa que o ressurgimento do movimento de massas ainda está por vir.

Pascual Marquina e Chris Gilbert

O MST mantém uma brigada na Venezuela desde 2005, que tem trabalhado muito com as comunas. O projeto comunal socialista de Hugo Chávez influenciou o MST? Por outro lado, houve influência na direção oposta?

João Pedro Stédile

Acredito que houve um processo de integração e aprendizado mútuo entre venezuelanos, brasileiros e latino-americanos em geral. Desenvolvemos diversas formas de nos unir. Um exemplo importante, de longa data, é o papel do movimento camponês na luta contra o neoliberalismo e a iniciativa dos EUA de impor a Área de Livre Comércio das Américas [ALCA]. A ALCA teria submetido nossos países à completa liberalização do mercado sob o domínio do capital americano. No início dos anos 2000, a luta contra a ALCA resultou na união e no trabalho conjunto de inúmeras organizações latino-americanas. A luta culminou na histórica marcha de 2005 em Mar del Plata [Argentina], onde derrotamos e enterramos com sucesso a ALCA.

A luta continental contra a ALCA também levou à criação de novos órgãos de coordenação, como a Coordenadora Latino-Americana de Organizações Rurais [CLOC-Vía Campesina]. Desde o seu início, camponeses venezuelanos e trabalhadores rurais de toda a América Latina participaram da CLOC. Em seguida, foi criada a ALBA Movements [Aliança Bolivariana para os Movimentos dos Povos da Nossa América], que seria a contrapartida da ALCA. Esses projetos internacionalistas serviram – e continuam a servir – como espaços de integração, onde trocamos experiências e construímos solidariedade. Posteriormente, os Movimentos da ALBA enviaram brigadas pela América Latina com diversos objetivos. Essas brigadas foram inspiradas pela Revolução Cubana, que as desenvolveu desde seus primórdios como um método para organizar a militância em um coletivo que enfrentaria desafios específicos.

A primeira grande brigada que os cubanos organizaram nos primeiros anos da revolução foi uma brigada de alfabetização. Posteriormente, formaram brigadas para colher cana-de-açúcar e, com o tempo, essas brigadas viajariam pelo mundo, refletindo seu espírito internacionalista de solidariedade com outros povos. Milhares de cubanos passaram a apoiar outros países em áreas como saúde, agronomia e educação. Isso representa um processo de aprendizado coletivo que não afetou apenas o Brasil, a Venezuela e Cuba — o espírito das brigadas se espalhou por toda a América Latina.

O MST também promoveu brigadas em vários países — sempre a convite de organizações locais de base e dentro de um contexto de entendimento mútuo. Tivemos brigadas em Cuba, Haiti, América Central, Colômbia e Paraguai, e uma brigada permanente aqui na Venezuela. Também enviamos brigadas para vários países africanos.

Todos nós aprendemos muito com essas experiências, e elas nos ajudam a desenvolver nossas ideias e nossos programas de novas maneiras. As brigadas nos ajudam a abordar problemas comuns na agricultura, na educação em geral, na formação de quadros ou na área da saúde.

Pascual Marquina e Chris Gilbert

Por fim, gostaríamos de ouvir suas reflexões sobre a comuna, entendida em sentido amplo como um mecanismo para desmantelar o metabolismo do capital por meio do autogoverno democrático e do controle coletivo sobre as condições de reprodução da vida.

João Pedro Stédile

Na Venezuela, devido à sua cultura política, as pessoas usam o termo “comuna”. A comuna pode ser entendida de duas maneiras: por um lado, como um espaço de organização dos processos produtivos ou, por outro, como um espaço de poder político nos níveis municipal e distrital. Prefiro pensar na comuna como uma experiência de cooperação produtiva, que é a questão central.

Para acumular forças para superar o capitalismo e alcançar o socialismo, precisamos gerar diversas formas de organização da produção que empoderem as pessoas. É somente no local de produção que as pessoas podem controlar os produtos de seu trabalho e desenvolver novas relações sociais de produção. Como mencionei ao discutir a experiência brasileira, é por meio da cooperação na produção que se pode desenvolver um novo nível de consciência de classe nas massas e entre os militantes. Mesmo que se ofereça educação política, aulas de literatura, cursos de história e assim por diante, a consciência de massa só avançará com a prática.

A comuna é uma forma de organizar a cooperação na produção, mas, sem dúvida, existem outras formas, com nomes diferentes, aqui na Venezuela e em toda a América Latina. Por exemplo, na Venezuela, fala-se do conuco como um modelo agroecológico enraizado nas tradições indígenas. Outras formas associativas ou cooperativas também podem persistir e devem ser levadas em consideração. Existem múltiplas maneiras de desenvolver formas colaborativas de trabalho. No fim das contas, o objetivo é organizar o trabalho e a produção de forma cooperativa.

Nota

1. O MST se baseia em dois marcos legais fundamentais para apoiar suas ocupações de terra e impulsionar uma reforma agrária popular. O primeiro é o Estatuto da Terra de 1964, que define os princípios da posse da terra, enfatizando a produtividade e estabelecendo mecanismos para a desapropriação de terras improdutivas. O segundo é a Constituição Brasileira de 1988, em particular os Artigos 184 e 186, que autorizam o governo a desapropriar terras que não cumpram sua função social da propriedade. Essa função social é definida pelo uso racional e adequado, pela preservação ambiental e pelos benefícios tanto para proprietários quanto para trabalhadores. Tal legislação fornece uma base legal para uma reforma agrária popular, permitindo que terras improdutivas sejam desapropriadas e redistribuídas aos trabalhadores rurais sem terra.

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