André Roncaglia
Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
O lançamento do Novo Arcabouço Fiscal (NAF) pela equipe econômica na última quinta-feira (30) trouxe alívio, dúvidas e outras muitas reações. A forma telegráfica da apresentação gerou uma série de simulações, críticas e elogios de todos os lados do espectro político.
Inicio a discussão do tema nesta coluna, expondo o conceito do NAF. Trata-se de um sistema de regulagem do equilíbrio orçamentário, formulado com vistas ao longo prazo. Seu desenho permite a calibragem da regra de forma a refletir os anseios das urnas, à direita e à esquerda. É um notável avanço institucional.
Entrevista coletiva do anúncio do novo arcabouço fiscal do governo pelos ministros Simone Tebet e Fernando Haddad - Diogo Zacarias -30.3.23/Ministério da Fazenda |
Há dois mecanismos embutidos no NAF: um de transição e outro de alocação. Primeiro, o NAF adota uma versão mais flexível do teto de gastos, na forma de uma banda de crescimento real a cada ano entre 0,6% a 2,5%. Isso suaviza os efeitos da extinção do teto de gastos – que não permitia crescimento real do gasto público.
O NAF faz a despesa crescer mais lentamente do que a receita durante a expansão da economia, melhorando o resultado primário. Como no regime de metas de inflação, este resultado pode flutuar em torno de uma meta central, com margem de erro nas duas direções.
Além de flexibilizar a política fiscal - que pode enfrentar situações imprevistas que afetem as receitas ou que demandem mais gastos do governo -, o NAF auxilia na descriminalização da política, ao prever prestação de contas ao Senado Federal em caso de descumprimento da regra.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (2000) obrigava o governo a atingir uma meta fixa de resultado primário. A eventual frustração de receitas o levava a segurar gastos na boca do caixa para cumprir a meta. Como a maior parte dos gastos correntes são obrigatórios, os cortes acabavam vitimando os investimentos públicos, que são despesas discricionárias.
Como mecanismo de alocação, o NAF impõe uma punição e uma recompensa, caso o resultado primário fique fora da banda. Se o superávit ficar abaixo do piso, o governo tem menos espaço para gastos no ano seguinte, recompondo-se o resultado fiscal.
Caso a receita cresça muito e o superávit extrapole o teto da banda, o excedente é reciclado, no ano seguinte, na forma de investimentos públicos.
Assim, o desenho engenhoso do NAF prevê a recomposição do gasto público, evitando que o conflito distributivo (circunscrito à banda de crescimento do gasto) restrinja o investimento público (que contará com piso real de R$ 75 bilhões). Segundo simulações do MADE-USP, a regra tem efeitos assimétricos sobre a dinâmica do investimento ao longo do ciclo. Ela turbina o investimento em períodos de baixo crescimento (governos Lula I, Temer e Bolsonaro), mas não o constrange muito durante a expansão (Lula II). Ao fazer isso, reforça os efeitos multiplicadores da renda e ressignifica o esforço de estabilização da dívida, historicamente associada ao princípio da austeridade.
O novo modelo amplia a transparência da política fiscal, explicitando o conflito distributivo pelos lados do gasto e da tributação. Ao taxar jogos de apostas online, fundos exclusivos e grandes varejistas digitais estrangeiras, bem como ao eliminar enormes incentivos fiscais devido a brechas tributárias (os tais jabutis), o NAF expõe, por exemplo, a escolha entre subsidiar grandes varejistas nacionais e financiar programas sociais.
Esta ação de compliance tributária abre uma discussão mais abrangente e transparente sobre a reforma tributária. O sucesso desta nova Lei de Responsabilidade Fiscal e Social dependerá do grau de resistência de grupos poderosos à recomposição da receita.
A maior transparência na política fiscal não deve ser menosprezada. Afinal, os ricos e as grandes empresas precisam colaborar com a estabilização da dívida pública. O BC pode fazer sua parte também, antecipando a queda da Selic.
Feliz Páscoa!
O NAF faz a despesa crescer mais lentamente do que a receita durante a expansão da economia, melhorando o resultado primário. Como no regime de metas de inflação, este resultado pode flutuar em torno de uma meta central, com margem de erro nas duas direções.
Além de flexibilizar a política fiscal - que pode enfrentar situações imprevistas que afetem as receitas ou que demandem mais gastos do governo -, o NAF auxilia na descriminalização da política, ao prever prestação de contas ao Senado Federal em caso de descumprimento da regra.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (2000) obrigava o governo a atingir uma meta fixa de resultado primário. A eventual frustração de receitas o levava a segurar gastos na boca do caixa para cumprir a meta. Como a maior parte dos gastos correntes são obrigatórios, os cortes acabavam vitimando os investimentos públicos, que são despesas discricionárias.
Como mecanismo de alocação, o NAF impõe uma punição e uma recompensa, caso o resultado primário fique fora da banda. Se o superávit ficar abaixo do piso, o governo tem menos espaço para gastos no ano seguinte, recompondo-se o resultado fiscal.
Caso a receita cresça muito e o superávit extrapole o teto da banda, o excedente é reciclado, no ano seguinte, na forma de investimentos públicos.
Assim, o desenho engenhoso do NAF prevê a recomposição do gasto público, evitando que o conflito distributivo (circunscrito à banda de crescimento do gasto) restrinja o investimento público (que contará com piso real de R$ 75 bilhões). Segundo simulações do MADE-USP, a regra tem efeitos assimétricos sobre a dinâmica do investimento ao longo do ciclo. Ela turbina o investimento em períodos de baixo crescimento (governos Lula I, Temer e Bolsonaro), mas não o constrange muito durante a expansão (Lula II). Ao fazer isso, reforça os efeitos multiplicadores da renda e ressignifica o esforço de estabilização da dívida, historicamente associada ao princípio da austeridade.
O novo modelo amplia a transparência da política fiscal, explicitando o conflito distributivo pelos lados do gasto e da tributação. Ao taxar jogos de apostas online, fundos exclusivos e grandes varejistas digitais estrangeiras, bem como ao eliminar enormes incentivos fiscais devido a brechas tributárias (os tais jabutis), o NAF expõe, por exemplo, a escolha entre subsidiar grandes varejistas nacionais e financiar programas sociais.
Esta ação de compliance tributária abre uma discussão mais abrangente e transparente sobre a reforma tributária. O sucesso desta nova Lei de Responsabilidade Fiscal e Social dependerá do grau de resistência de grupos poderosos à recomposição da receita.
A maior transparência na política fiscal não deve ser menosprezada. Afinal, os ricos e as grandes empresas precisam colaborar com a estabilização da dívida pública. O BC pode fazer sua parte também, antecipando a queda da Selic.
Feliz Páscoa!
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