Luiz Carlos Bresser-Pereira
Trata-se de um oximoro que se aplica bem a eles, que se encantaram com o marxismo nos anos 1960, quando ainda estava viva a esperança na revolução socialista, tornaram esse marxismo menos contraditório e revolucionário, definiram o desenvolvimentismo como o adversário e abandonaram o marxismo já nos anos 1970, enquanto Cardoso desenvolvia a teoria da dependência associada, que implicou a subordinação do Brasil ao império. Em síntese, nos anos 1960, eles supunham ser marxistas mas já eram liberais; nos anos 1990, se tornaram neoliberais.
A denominação marxismo neoliberal naturalmente não se aplica a Roberto Schwarz e Francisco de Oliveira, que eram do grupo, nem a Octavio Ianni e Florestan Fernandes, que não eram realmente do grupo.
Florestan foi o mestre de todos, o maior sociólogo que a USP já teve. Inicialmente, se associou à sociologia da modernização e, depois, indignado com o que via no Brasil, se tornou um marxista revolucionário. Querido, naturalmente, não usa essa expressão, porque ele era antes um admirador que um crítico do marxismo neoliberal.
Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC
[RESUMO] Autor, ministro no primeiro governo FHC, qualifica como marxistas neoliberais os líderes do seminário de "O Capital", objeto de estudo do sociólogo Fábio Mascaro Querido em livro recente. Para Bresser-Pereira, FHC e intelectuais de seu entorno elegeram o desenvolvimentismo como adversário e abandonaram o marxismo ainda nos anos 1970 para, na década de 1990, se tornarem neoliberais, se associarem ao império e levarem a economia brasileira ao estado de quase estagnação.
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Fábio Mascaro Querido acaba de publicar "Lugar Periférico, Ideias Modernas", no qual estuda o que denomina marxismo acadêmico da USP —um grupo de sociólogos que, nos anos 1960, se aproximou do marxismo, que havia emergido com força na Europa no pós-guerra e alcançado o Brasil.
Esses sociólogos, sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso, criaram um seminário para estudar Marx e "O Capital". Quando Cardoso assumiu a Presidência em 1995, o seminário se tornou célebre, sempre citado pela imprensa conservadora de maneira simpática porque os autores envolvidos já haviam abandonado havia tempos o marxismo. Querido afirma que esse foi o mito fundador do grupo.
A imagem mostra três pessoas em um ambiente formal, possivelmente em uma reunião ou evento. À esquerda, um homem de cabelo grisalho e terno escuro conversa com uma mulher de óculos e blusa clara, que está no centro. À direita, um homem de terno claro e gravata está falando com a mulher. Ao fundo, outras pessoas estão visíveis, algumas em um ambiente decorado com quadros.A imagem mostra três pessoas em um ambiente formal, possivelmente em uma reunião ou evento. À esquerda, um homem de cabelo grisalho e terno escuro conversa com uma mulher de óculos e blusa clara, que está no centro. À direita, um homem de terno claro e gravata está falando com a mulher. Ao fundo, outras pessoas estão visíveis, algumas em um ambiente decorado com quadros.
O núcleo do grupo —aqueles que proponho chamar de marxistas neoliberais— foi constituído por Fernando Henrique Cardoso, José Arthur Giannotti e Francisco Weffort.
Trata-se de um oximoro que se aplica bem a eles, que se encantaram com o marxismo nos anos 1960, quando ainda estava viva a esperança na revolução socialista, tornaram esse marxismo menos contraditório e revolucionário, definiram o desenvolvimentismo como o adversário e abandonaram o marxismo já nos anos 1970, enquanto Cardoso desenvolvia a teoria da dependência associada, que implicou a subordinação do Brasil ao império. Em síntese, nos anos 1960, eles supunham ser marxistas mas já eram liberais; nos anos 1990, se tornaram neoliberais.
A denominação marxismo neoliberal naturalmente não se aplica a Roberto Schwarz e Francisco de Oliveira, que eram do grupo, nem a Octavio Ianni e Florestan Fernandes, que não eram realmente do grupo.
Florestan foi o mestre de todos, o maior sociólogo que a USP já teve. Inicialmente, se associou à sociologia da modernização e, depois, indignado com o que via no Brasil, se tornou um marxista revolucionário. Querido, naturalmente, não usa essa expressão, porque ele era antes um admirador que um crítico do marxismo neoliberal.
Querido distingue Roberto Schwarz dos demais, alguém que permaneceu marxista ao longo dos anos e, como escreve, "radicalizou a dimensão 'negativa' da crítica". Como crítico literário e escritor, Schwarz não se preocupou em propor políticas nem fez concessões para ser aceito no seu entorno. Ao contrário do núcleo duro do grupo, Schwarz continuou nacionalista como havia sido antes dele seu grande mestre, Antonio Candido, e se associou a Paulo Arantes, um crítico do marxismo neoliberal.
Entre todos, Schwarz é o único que, no plano teórico, é reconhecido internacionalmente. (A teoria da dependência associada teve repercussão internacional, mas, além de ser equivocada, não pode ser considerada uma teoria —é apenas uma sofisticada e pouco clara justificação de subordinação.)
Entre todos, Schwarz é o único que, no plano teórico, é reconhecido internacionalmente. (A teoria da dependência associada teve repercussão internacional, mas, além de ser equivocada, não pode ser considerada uma teoria —é apenas uma sofisticada e pouco clara justificação de subordinação.)
Querido usou o pensamento de Schwarz como referência ou fio condutor do livro e lhe dedicou dois excelentes capítulos. Salientou o amplo papel que teve Adorno em seu pensamento, como também a crítica da modernização realizada por Robert Kurz em 1991, um momento em que a União Soviética entrava em colapso.
Querido deu pouca importância ao nacionalismo do crítico, o que contradiz a sua perspectiva negativa, mas, no final do segundo ensaio, cita um texto significativo: "A última palavra não pertence à nação, nem à hegemonia ideológica internacional, mas pertence ao presente conflituado que as atravessa". Este presente conflituado é o da luta de classes dos grupos de interesse específicos para esse ou aquele problema.
Nos anos 1960 e 1970, o núcleo neoliberal marxista e, mais amplamente, a esquerda antivarguista combateram o desenvolvimentismo nacionalista porque pretendiam ser revolucionários, enquanto o desenvolvimentismo implicava um compromisso da classe trabalhadora e da esquerda social-democrata com a burguesia.
O núcleo acadêmico neoliberal marxista seguiu o mesmo caminho: ao contrário da visão desenvolvimentista, pretendia não fazer concessões e acabou concedendo tudo nos anos 1990, quando se tornou neoliberal. A esquerda anti-Vargas o combateu porque definiu um "culpado interno" pela derrota: haviam sido os desenvolvimentistas, que, em vez de serem revolucionários, haviam apostado em um acordo da classe trabalhadora com a burguesia industrial intermediado pela burocracia pública.
O núcleo só passou a ter alguma relevância a partir do golpe militar de 1964, a grande derrota da social-democracia desenvolvimentista. Derrotados os adversários sem que fosse preciso lutar contra eles, estava agora na hora dos sociólogos da USP assumirem o comando intelectual da esquerda.
No capítulo "A revanche dos paulistas", Querido relata a nova fase. Revanche por quê? Ele não explica, porque não foi realmente uma revanche. Na partida anterior, nossos amigos não tinham sido derrotados: eles estavam simplesmente fora do jogo. Em 1964, entraram no jogo e se tornaram bem conhecidos. Os que estavam no jogo até então eram os nacional-desenvolvimentistas social-democratas como Celso Furtado, Guerreiro Ramos, Helio Jaguaribe e Ignácio Rangel. Na época, eu já era desenvolvimentista, discípulo dos últimos.
Querido deu pouca importância ao nacionalismo do crítico, o que contradiz a sua perspectiva negativa, mas, no final do segundo ensaio, cita um texto significativo: "A última palavra não pertence à nação, nem à hegemonia ideológica internacional, mas pertence ao presente conflituado que as atravessa". Este presente conflituado é o da luta de classes dos grupos de interesse específicos para esse ou aquele problema.
Nos anos 1960 e 1970, o núcleo neoliberal marxista e, mais amplamente, a esquerda antivarguista combateram o desenvolvimentismo nacionalista porque pretendiam ser revolucionários, enquanto o desenvolvimentismo implicava um compromisso da classe trabalhadora e da esquerda social-democrata com a burguesia.
O núcleo acadêmico neoliberal marxista seguiu o mesmo caminho: ao contrário da visão desenvolvimentista, pretendia não fazer concessões e acabou concedendo tudo nos anos 1990, quando se tornou neoliberal. A esquerda anti-Vargas o combateu porque definiu um "culpado interno" pela derrota: haviam sido os desenvolvimentistas, que, em vez de serem revolucionários, haviam apostado em um acordo da classe trabalhadora com a burguesia industrial intermediado pela burocracia pública.
O núcleo só passou a ter alguma relevância a partir do golpe militar de 1964, a grande derrota da social-democracia desenvolvimentista. Derrotados os adversários sem que fosse preciso lutar contra eles, estava agora na hora dos sociólogos da USP assumirem o comando intelectual da esquerda.
No capítulo "A revanche dos paulistas", Querido relata a nova fase. Revanche por quê? Ele não explica, porque não foi realmente uma revanche. Na partida anterior, nossos amigos não tinham sido derrotados: eles estavam simplesmente fora do jogo. Em 1964, entraram no jogo e se tornaram bem conhecidos. Os que estavam no jogo até então eram os nacional-desenvolvimentistas social-democratas como Celso Furtado, Guerreiro Ramos, Helio Jaguaribe e Ignácio Rangel. Na época, eu já era desenvolvimentista, discípulo dos últimos.
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Celso Furtado em entrevista à Folha em 1989 - Niels Andreas - 3.mai.1989/Folhapress |
Eles estavam fora do jogo, mas desesperados para entrar, especialmente para derrotar os dois mais importantes sociólogos dos anos 1950, Guerreiro Ramos e Gilberto Freyre. O golpe militar se encarregou de derrotar Guerreiro ao cassar seu mandato de deputado federal e seu direito de se recandidatar. Enquanto Celso Furtado foi exilado, ele e seus companheiros do Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) Jaguaribe e Rangel foram submetidos a intenso ataque pela esquerda alienada, para a qual o nacional-desenvolvimentismo associado a Getúlio Vargas era inaceitável. Isto além do ataque pela direita.
O próximo passo foi o livro de Cardoso e Enzo Faletto, "Dependência e Desenvolvimento na América Latina" (1969), no qual a dependência se torna a causa do desenvolvimento, em vez de obstáculo. Era a teoria da dependência associada que surgia. A nova verdade, que se espalhou rapidamente por toda a esquerda intelectual, afirmava taxativamente que uma coalizão de classes desenvolvimentista associando os empresários industriais às esquerdas e à classe trabalhadora era impossível.
A burguesia não existia nem poderia existir (na verdade, a burguesia industrial desenvolvimentista existiu no Brasil em dois breves períodos: 1950-1964 e 1967-1980), mas a falta de uma burguesia nacionalista não era problema, porque o chamado império era na verdade apenas um "hegemon" benevolente —suas empresas multinacionais estavam contribuindo para o desenvolvimento do país e bastava que o Brasil se associasse a ele que se desenvolveria.
Não foi isso que aconteceu: em 1990, a submissão aconteceu e, em 1995, se aprofundou. O país entrou em quase estagnação.
Não se imagine, porém, que os intelectuais nacionalistas e desenvolvimentistas tenham escapado do ataque de Cardoso e Faletto, ainda que esse ataque não fosse perfeitamente claro.
Em um primeiro momento, a Cepal de Raúl Prebisch e Furtado percebeu que estava sob ataque e não quis publicar o livro por meio do Ilpes (Instituto Latino-americano e do Caribe de Planejamento Econômico e Social). Mais tarde, porém, ela se adaptou à crítica, se acomodou ao império e perdeu qualquer relevância no plano das ideias.
A Cepal somente existiu como uma ideia —a do desenvolvimentismo estruturalista clássico voltado para a industrialização— entre 1949 e 1963, sob o comando de Raúl Prebisch. Em 1964, os desenvolvimentistas foram derrotados e obrigados a ficar em silêncio. No começo dos anos 1970, a Cepal abandonou o desenvolvimentismo.
Nos anos 1970, essa mesma esquerda, desprevenida, se deixou envolver pelas ideias propostas por Cardoso e Falleto. No plano econômico, essas ideias foram aceitas provavelmente porque a ideia de associação ao império não estava clara no livro e nos trabalhos que seguiram —e porque a esquerda estava ressentida com o golpe de 1964.
Por outro lado, a versão realmente marxista da teoria da dependência, a teoria de André Gunder Frank, Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos, também era equivocada porque contava com a revolução socialista na América Latina a curto prazo.
Essa versão sofreu um ataque violento e injusto em artigo assinado por José Serra e o próprio Cardoso. Creio que a iniciativa tenha sido mais de Serra que de Fernando Henrique, porque este é um homem da melhor qualidade e cuja personalidade é incompatível com uma atitude como essa.
Em 1969, sob a liderança de Cardoso e com apoio da Fundação Ford, o Cebrap foi criado. Logo, ele se tornou o grande centro de estudos em defesa da democracia e de crítica à desigualdade.
Foi nessa época em que fui convidado a ser membro do conselho da nova entidade de pesquisa e me juntei a eles. Estava isolado na Fundação Getulio Vargas e precisava de diálogo. Percebia que minhas ideias desenvolvimentistas não eram ali bem vistas, mas fui muito bem recebido e me associei à luta do Cebrap, onde, além dos intelectuais já citados, estavam figuras notáveis como Chico de Oliveira e Paul Singer. Lutávamos todos contra o regime militar.
Nessa época, porém, muitas das coisas que estou narrando aqui não estavam claras para mim. Entre 1995 e 1999, participei do governo FHC e, sob influência do que me envolvia, minhas convicções desenvolvimentistas e meu interesse pelo marxismo diminuíram por algum tempo.
Fiquei, porém, decepcionado com o caráter neoliberal que assumiu a direção da economia e, em 2003, revi minha posição em relação a meu amigo Fernando Henrique. Voltei a ler seu livro com Faletto e escrevi o ensaio "Do Iseb e da Cepal à teoria da dependência", publicado em 2005, cuja primeira cópia entreguei a ele. Não era um rompimento pessoal, mas intelectual. Havia compreendido o sentido de sua obra e de seu pensamento.
Estimulado pelo excelente livro de Querido, decidi, nesta resenha, voltar agora ao tema da história intelectual. Uma resenha mais crítica do que fora o artigo de 2005, uma crítica ao marxismo neoliberal. Afinal, me pergunto: qual foi a contribuição ao Brasil desse grupo de sociólogos, cientistas políticos e filósofos? Como compará-la com a contribuição dos desenvolvimentistas social-democratas?
Os desenvolvimentistas se associaram a Vargas, ainda que ele tenha sido um ditador entre 1937 e 1945, porque ele foi o grande estadista que promoveu a industrialização e o grande desenvolvimento econômico do Brasil. Os principais desenvolvimentistas tiveram uma influência significativa na realização da revolução capitalista brasileira, que aconteceu entre 1930 e 1980. Alguns deles eram socialistas, mas sabiam que a revolução socialista não era uma possibilidade realista.
Enquanto isso, nossos marxistas neoliberais flertaram com a revolução sem muito empenho e, mais tarde, se associaram ao império e se tornaram neoliberais.
Na conclusão de "Lugar Periférico, Ideias Modernas", Querido afirma que, enquanto os intelectuais do ciclo nacional-desenvolvimentista popular das décadas de 1950 e 1960 estavam interessados em um projeto de modernização nacional (anti-imperialista, acrescentaria), "os acadêmicos paulistas expressavam a redefinição entre intelectuais e política ocorrida na esteira das transformações pelas quais passaram tanto a sociedade quanto a universidade brasileira, a partir dos anos 1970".
Ou seja, eles lograram se adaptar à realidade social e política que os circundava em vez de tentar mudá-la. Algumas vezes, vi Fernando Henrique, enquanto presidente da República, agir procurando se adaptar em vez de procurar moldar o que estava acontecendo. Ele e seus companheiros eram mais sociólogos que agentes republicanos.
O livro de Querido é uma notável contribuição à história intelectual do Brasil.
Lugar Periférico, Ideias Modernas: aos Intelectuais Paulistas as Batatas
Preço R$ 64 (288 págs.); R$ 54,90 (ebook) Autoria Fabio Mascaro Querido Editora Boitempo Link: Lugar Periférico, Ideias Modernas: aos Intelectuais Paulistas as Batatas
O próximo passo foi o livro de Cardoso e Enzo Faletto, "Dependência e Desenvolvimento na América Latina" (1969), no qual a dependência se torna a causa do desenvolvimento, em vez de obstáculo. Era a teoria da dependência associada que surgia. A nova verdade, que se espalhou rapidamente por toda a esquerda intelectual, afirmava taxativamente que uma coalizão de classes desenvolvimentista associando os empresários industriais às esquerdas e à classe trabalhadora era impossível.
A burguesia não existia nem poderia existir (na verdade, a burguesia industrial desenvolvimentista existiu no Brasil em dois breves períodos: 1950-1964 e 1967-1980), mas a falta de uma burguesia nacionalista não era problema, porque o chamado império era na verdade apenas um "hegemon" benevolente —suas empresas multinacionais estavam contribuindo para o desenvolvimento do país e bastava que o Brasil se associasse a ele que se desenvolveria.
Não foi isso que aconteceu: em 1990, a submissão aconteceu e, em 1995, se aprofundou. O país entrou em quase estagnação.
Não se imagine, porém, que os intelectuais nacionalistas e desenvolvimentistas tenham escapado do ataque de Cardoso e Faletto, ainda que esse ataque não fosse perfeitamente claro.
Em um primeiro momento, a Cepal de Raúl Prebisch e Furtado percebeu que estava sob ataque e não quis publicar o livro por meio do Ilpes (Instituto Latino-americano e do Caribe de Planejamento Econômico e Social). Mais tarde, porém, ela se adaptou à crítica, se acomodou ao império e perdeu qualquer relevância no plano das ideias.
A Cepal somente existiu como uma ideia —a do desenvolvimentismo estruturalista clássico voltado para a industrialização— entre 1949 e 1963, sob o comando de Raúl Prebisch. Em 1964, os desenvolvimentistas foram derrotados e obrigados a ficar em silêncio. No começo dos anos 1970, a Cepal abandonou o desenvolvimentismo.
Nos anos 1970, essa mesma esquerda, desprevenida, se deixou envolver pelas ideias propostas por Cardoso e Falleto. No plano econômico, essas ideias foram aceitas provavelmente porque a ideia de associação ao império não estava clara no livro e nos trabalhos que seguiram —e porque a esquerda estava ressentida com o golpe de 1964.
Por outro lado, a versão realmente marxista da teoria da dependência, a teoria de André Gunder Frank, Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos, também era equivocada porque contava com a revolução socialista na América Latina a curto prazo.
Essa versão sofreu um ataque violento e injusto em artigo assinado por José Serra e o próprio Cardoso. Creio que a iniciativa tenha sido mais de Serra que de Fernando Henrique, porque este é um homem da melhor qualidade e cuja personalidade é incompatível com uma atitude como essa.
Em 1969, sob a liderança de Cardoso e com apoio da Fundação Ford, o Cebrap foi criado. Logo, ele se tornou o grande centro de estudos em defesa da democracia e de crítica à desigualdade.
Foi nessa época em que fui convidado a ser membro do conselho da nova entidade de pesquisa e me juntei a eles. Estava isolado na Fundação Getulio Vargas e precisava de diálogo. Percebia que minhas ideias desenvolvimentistas não eram ali bem vistas, mas fui muito bem recebido e me associei à luta do Cebrap, onde, além dos intelectuais já citados, estavam figuras notáveis como Chico de Oliveira e Paul Singer. Lutávamos todos contra o regime militar.
Nessa época, porém, muitas das coisas que estou narrando aqui não estavam claras para mim. Entre 1995 e 1999, participei do governo FHC e, sob influência do que me envolvia, minhas convicções desenvolvimentistas e meu interesse pelo marxismo diminuíram por algum tempo.
Fiquei, porém, decepcionado com o caráter neoliberal que assumiu a direção da economia e, em 2003, revi minha posição em relação a meu amigo Fernando Henrique. Voltei a ler seu livro com Faletto e escrevi o ensaio "Do Iseb e da Cepal à teoria da dependência", publicado em 2005, cuja primeira cópia entreguei a ele. Não era um rompimento pessoal, mas intelectual. Havia compreendido o sentido de sua obra e de seu pensamento.
Estimulado pelo excelente livro de Querido, decidi, nesta resenha, voltar agora ao tema da história intelectual. Uma resenha mais crítica do que fora o artigo de 2005, uma crítica ao marxismo neoliberal. Afinal, me pergunto: qual foi a contribuição ao Brasil desse grupo de sociólogos, cientistas políticos e filósofos? Como compará-la com a contribuição dos desenvolvimentistas social-democratas?
Os desenvolvimentistas se associaram a Vargas, ainda que ele tenha sido um ditador entre 1937 e 1945, porque ele foi o grande estadista que promoveu a industrialização e o grande desenvolvimento econômico do Brasil. Os principais desenvolvimentistas tiveram uma influência significativa na realização da revolução capitalista brasileira, que aconteceu entre 1930 e 1980. Alguns deles eram socialistas, mas sabiam que a revolução socialista não era uma possibilidade realista.
Enquanto isso, nossos marxistas neoliberais flertaram com a revolução sem muito empenho e, mais tarde, se associaram ao império e se tornaram neoliberais.
Na conclusão de "Lugar Periférico, Ideias Modernas", Querido afirma que, enquanto os intelectuais do ciclo nacional-desenvolvimentista popular das décadas de 1950 e 1960 estavam interessados em um projeto de modernização nacional (anti-imperialista, acrescentaria), "os acadêmicos paulistas expressavam a redefinição entre intelectuais e política ocorrida na esteira das transformações pelas quais passaram tanto a sociedade quanto a universidade brasileira, a partir dos anos 1970".
Ou seja, eles lograram se adaptar à realidade social e política que os circundava em vez de tentar mudá-la. Algumas vezes, vi Fernando Henrique, enquanto presidente da República, agir procurando se adaptar em vez de procurar moldar o que estava acontecendo. Ele e seus companheiros eram mais sociólogos que agentes republicanos.
O livro de Querido é uma notável contribuição à história intelectual do Brasil.
Lugar Periférico, Ideias Modernas: aos Intelectuais Paulistas as Batatas
Preço R$ 64 (288 págs.); R$ 54,90 (ebook) Autoria Fabio Mascaro Querido Editora Boitempo Link: Lugar Periférico, Ideias Modernas: aos Intelectuais Paulistas as Batatas
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