André Roncaglia
Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
Folha de S.Paulo
Em depoimento na Câmara dos Deputados nesta semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mencionou haver um "fantasminha" gerando temor de descontrole fiscal e monetário. Citou o "coro velado" da Faria Lima em prol de uma interrupção dos cortes da Selic.
Em depoimento na Câmara dos Deputados nesta semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mencionou haver um "fantasminha" gerando temor de descontrole fiscal e monetário. Citou o "coro velado" da Faria Lima em prol de uma interrupção dos cortes da Selic.
A fala repercutiu mal no mercado, mas isso diz mais sobre a Faria Lima do que sobre a conveniência da fala do ministro. Vejamos.
O Copom reduziu a Selic em 0,25 ponto percentual (pp) na reunião de maio de 2024 e fechou cortinas para futuros cortes. A divisão que se viu no Copom não ocorria desde a primeira reunião dos novos diretores nomeados pelo presidente Lula, em agosto de 2023, quando o mesmo placar de 5 a 4 decidiu pelo primeiro corte de 0,5 pp e uma direção prospectiva ("forward guidance", para os anglófilos) de cortes de igual magnitude até a taxa terminal, que, à época, era de 9% ao ano.
Fernando Haddad em sessão na Comissão de Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados - Reprodução |
Duas semanas antes da reunião do Copom, o Fed optou por não baixar a taxa básica de juros. Ansioso e estabanado, em palestra em Washington, Campos Neto ampliou monocraticamente o rol de perspectivas para a Selic, assanhando a volatilidade de mercado: juros longos pularam de mãos dadas com a taxa de câmbio.
Coube ao diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, colocar a bola no chão e relembrar que o Copom não tem meta de diferencial de juros com os EUA nem de taxa de câmbio, mas de inflação. O diretor de Assuntos Internacionais, Paulo Picchetti, também recomendou que se restringissem às comunicações oficiais do BC.
No momento da reunião do Copom, as expectativas do mercado não mostravam qualquer deterioração. Entre 19/3 e 7/5 —data da reunião do Copom e, portanto, antes da tragédia no RS ganhar vulto—, a taxa de câmbio variou de R$ 5,03 para R$ 5,07, ou seja, menos de 1%. A projeção para 2024 subiu 1%, de 4,95 para 5,0, longe de um overshooting cambial.
A projeção do IPCA era também benigna: para 2024, caiu de 3,79% para 3,72%, entre março e maio, e com elevação na margem, de 3,52% para 3,64%, para 2025, dentro do limite de tolerância da meta de inflação.
O que variou foi a projeção da Selic para o final de 2024, que subiu de 9% para 9,63% (variação de 7%) por conta da incerteza quanto à corte de juros pelo Fed (EUA). Hoje a Selic está em 10%: literalmente, um veto do mercado a cortes mais acentuados da Selic.
A primeira desculpa foi a questão fiscal. Porém, o mesmo mercado que rechaçou, com estridência, a mudança da meta mudou muito pouco a expectativa de resultado primário ou dívida/PIB para 2024 ou 2025.
Sobre o temor de ameaça à credibilidade do BC, devido à sucessão de Campos Neto, a ata publicada na semana passada mostrou que os defensores da credibilidade do BC votaram pela manutenção do ritmo de corte de 0,5 pp, conforme a ata da reunião de março. O atentado à credibilidade veio de quem carregou na incerteza externa e no pânico fiscal para impor um corte de 0,25 pp.
Apesar de um corte menor do que o previsto, o mercado reagiu como se o BC tivesse cortado a Selic em 2 pp numa tacada só: subiu o juro longo e a expectativa de inflação. O que estaria por trás disso?
Em conversas reservadas, gestores e banqueiros reconhecem que a desancoragem das expectativas não tem relação com os números, mas com um desconforto com o governo Lula. No momento em que a economia mais precisa de crédito, as empresas comprometem fração crescente de suas despesas com serviço de juros da dívida. Os bancos agradecem.
A Faria Lima usa a desculpa da "desancoragem" das expectativas de inflação para cobrar da sociedade um tributo sem representação. Esse encargo financeiro sem teto serve para pressionar governos democraticamente eleitos a cortar gastos sociais e desistir de corrigir injustiças tributárias.
Para expurgar o "fantasminha" do rentismo, nada como a luz do Sol!
Coube ao diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, colocar a bola no chão e relembrar que o Copom não tem meta de diferencial de juros com os EUA nem de taxa de câmbio, mas de inflação. O diretor de Assuntos Internacionais, Paulo Picchetti, também recomendou que se restringissem às comunicações oficiais do BC.
No momento da reunião do Copom, as expectativas do mercado não mostravam qualquer deterioração. Entre 19/3 e 7/5 —data da reunião do Copom e, portanto, antes da tragédia no RS ganhar vulto—, a taxa de câmbio variou de R$ 5,03 para R$ 5,07, ou seja, menos de 1%. A projeção para 2024 subiu 1%, de 4,95 para 5,0, longe de um overshooting cambial.
A projeção do IPCA era também benigna: para 2024, caiu de 3,79% para 3,72%, entre março e maio, e com elevação na margem, de 3,52% para 3,64%, para 2025, dentro do limite de tolerância da meta de inflação.
O que variou foi a projeção da Selic para o final de 2024, que subiu de 9% para 9,63% (variação de 7%) por conta da incerteza quanto à corte de juros pelo Fed (EUA). Hoje a Selic está em 10%: literalmente, um veto do mercado a cortes mais acentuados da Selic.
A primeira desculpa foi a questão fiscal. Porém, o mesmo mercado que rechaçou, com estridência, a mudança da meta mudou muito pouco a expectativa de resultado primário ou dívida/PIB para 2024 ou 2025.
Sobre o temor de ameaça à credibilidade do BC, devido à sucessão de Campos Neto, a ata publicada na semana passada mostrou que os defensores da credibilidade do BC votaram pela manutenção do ritmo de corte de 0,5 pp, conforme a ata da reunião de março. O atentado à credibilidade veio de quem carregou na incerteza externa e no pânico fiscal para impor um corte de 0,25 pp.
Apesar de um corte menor do que o previsto, o mercado reagiu como se o BC tivesse cortado a Selic em 2 pp numa tacada só: subiu o juro longo e a expectativa de inflação. O que estaria por trás disso?
Em conversas reservadas, gestores e banqueiros reconhecem que a desancoragem das expectativas não tem relação com os números, mas com um desconforto com o governo Lula. No momento em que a economia mais precisa de crédito, as empresas comprometem fração crescente de suas despesas com serviço de juros da dívida. Os bancos agradecem.
A Faria Lima usa a desculpa da "desancoragem" das expectativas de inflação para cobrar da sociedade um tributo sem representação. Esse encargo financeiro sem teto serve para pressionar governos democraticamente eleitos a cortar gastos sociais e desistir de corrigir injustiças tributárias.
Para expurgar o "fantasminha" do rentismo, nada como a luz do Sol!
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