André Roncaglia
Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
Folha de S.Paulo
Algo muito estranho está ocorrendo em Brasília. Um apagão da racionalidade está levando o governo Lula a cometer um dos maiores erros de sua gestão: fechar às pressas o acordo do Mercosul com a UE (União Europeia).
Esta coluna mostrou, em duas outras ocasiões, a cilada que é esse acordo. Arrolei argumentos técnicos, econômicos e geopolíticos que revelam as assimetrias comerciais e tecnológicas desfavoráveis à economia sul-americana. Consideremos as pautas de exportações e importações entre Brasil e UE: o gráfico mostra que as matérias-primas constituem 51% das nossas exportações à UE, ante 3% das importações vindas daquela região.
A situação se inverte no setor de bens de capital, mais intensivo em tecnologia (7% ante 32%, respectivamente).
O acordo cristaliza nossa posição de fornecedores de commodities ao não fomentar setores intensivos em tecnologia. Em vez de promover essa aspiração, os negociadores brasileiros defendem interesses de alguns ramos da indústria de média e baixa tecnologia (na prática, são importadores), os quais se beneficiarão desse acordo forjado pelo governo Bolsonaro.
Com isso, fica fácil para os europeus nos distrair com concessões parciais nas exigências ambientais e nas compras governamentais, enquanto protegem suas vantagens comerciais.
O esforço de cortar tarifas é muito maior para o Mercosul: a tarifa média europeia é de 1,8%, enquanto a do Mercosul é de 15%. E a garantia de cotas mínimas de exportação para a UE de alguns produtos importantes é menor do que o volume exportado atualmente. Não faz sentido expormos nossa indústria à concorrência europeia sem termos assegurado, na prática, maior acesso ao mercado europeu.
Dois eventos recentes ilustram o fiasco que é esse acordo. Em 2024, passa a valer o acordo da UE com a Nova Zelândia, com redução de tarifas para as exportações de bens sofisticados da UE —como produtos químicos e automóveis— em troca de acesso ao mercado europeu de bens de baixa complexidade —como carne bovina, cordeiro, manteiga e queijo. Detalhe: há restrição das cotas de exportação de carne bovina neozelandesa, como se viu também no caso brasileiro.
Algo muito estranho está ocorrendo em Brasília. Um apagão da racionalidade está levando o governo Lula a cometer um dos maiores erros de sua gestão: fechar às pressas o acordo do Mercosul com a UE (União Europeia).
Esta coluna mostrou, em duas outras ocasiões, a cilada que é esse acordo. Arrolei argumentos técnicos, econômicos e geopolíticos que revelam as assimetrias comerciais e tecnológicas desfavoráveis à economia sul-americana. Consideremos as pautas de exportações e importações entre Brasil e UE: o gráfico mostra que as matérias-primas constituem 51% das nossas exportações à UE, ante 3% das importações vindas daquela região.
A situação se inverte no setor de bens de capital, mais intensivo em tecnologia (7% ante 32%, respectivamente).
O acordo cristaliza nossa posição de fornecedores de commodities ao não fomentar setores intensivos em tecnologia. Em vez de promover essa aspiração, os negociadores brasileiros defendem interesses de alguns ramos da indústria de média e baixa tecnologia (na prática, são importadores), os quais se beneficiarão desse acordo forjado pelo governo Bolsonaro.
Com isso, fica fácil para os europeus nos distrair com concessões parciais nas exigências ambientais e nas compras governamentais, enquanto protegem suas vantagens comerciais.
O esforço de cortar tarifas é muito maior para o Mercosul: a tarifa média europeia é de 1,8%, enquanto a do Mercosul é de 15%. E a garantia de cotas mínimas de exportação para a UE de alguns produtos importantes é menor do que o volume exportado atualmente. Não faz sentido expormos nossa indústria à concorrência europeia sem termos assegurado, na prática, maior acesso ao mercado europeu.
Dois eventos recentes ilustram o fiasco que é esse acordo. Em 2024, passa a valer o acordo da UE com a Nova Zelândia, com redução de tarifas para as exportações de bens sofisticados da UE —como produtos químicos e automóveis— em troca de acesso ao mercado europeu de bens de baixa complexidade —como carne bovina, cordeiro, manteiga e queijo. Detalhe: há restrição das cotas de exportação de carne bovina neozelandesa, como se viu também no caso brasileiro.
Ovelhas em criação na Nova Zelândia - Naomi Tajitsu/Reuters |
Mesmo o PIB neozelandês equivalendo a 1,5% do PIB da UE, simulações mostram impacto econômico nulo para o país, onde há poucas tarifas comerciais ativas (diferentemente do Mercosul).
Segundo dados do Banco Mundial, matérias-primas e proteína animal somaram, em 2021, 80% das exportações da Nova Zelândia para a UE e apenas 5% das importações. Setores mais sofisticados como máquinas e eletrônicos representam meros 7,3% das exportações para a UE, ante 25% das importações daquela região. O mesmo ocorre com bens de capital (15%, ante 35%). O acordo agrava essa assimetria tecnológica.
O "sucesso" do caso neozelandês acendeu o alerta para a Austrália, que vem negociando com a UE desde 2018. O país ansiava aumentar as exportações agrícolas através da remoção das tarifas da UE e da expansão das cotas, enquanto a Europa demandava maior acesso aos minerais críticos da Austrália. Foi a intransigência europeia em ceder nas cotas agrícolas que levou o agronegócio australiano a rejeitar o acordo. Os negociadores australianos descobrirão em breve que foi um livramento.
Já que nossos negociadores não defendem o interesse nacional, resta-nos torcer pela intransigência europeia. Em última instância, o presidente Lula deveria pensar duas vezes antes de colocar sua assinatura em um acordo com o DNA bolsonarista.
Segundo dados do Banco Mundial, matérias-primas e proteína animal somaram, em 2021, 80% das exportações da Nova Zelândia para a UE e apenas 5% das importações. Setores mais sofisticados como máquinas e eletrônicos representam meros 7,3% das exportações para a UE, ante 25% das importações daquela região. O mesmo ocorre com bens de capital (15%, ante 35%). O acordo agrava essa assimetria tecnológica.
O "sucesso" do caso neozelandês acendeu o alerta para a Austrália, que vem negociando com a UE desde 2018. O país ansiava aumentar as exportações agrícolas através da remoção das tarifas da UE e da expansão das cotas, enquanto a Europa demandava maior acesso aos minerais críticos da Austrália. Foi a intransigência europeia em ceder nas cotas agrícolas que levou o agronegócio australiano a rejeitar o acordo. Os negociadores australianos descobrirão em breve que foi um livramento.
Já que nossos negociadores não defendem o interesse nacional, resta-nos torcer pela intransigência europeia. Em última instância, o presidente Lula deveria pensar duas vezes antes de colocar sua assinatura em um acordo com o DNA bolsonarista.
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