22 de fevereiro de 2024

Mauro Boianovsky, embaixador do pensamento econômico brasileiro

Em sua obra, economista aliou meticulosidade à sua admirável erudição

André Roncaglia
Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

Folha de S.Paulo

No dia 21 de fevereiro de 2024, as ciências sociais brasileiras receberam um golpe triplo: Affonso Celso Pastore, Luiz Werneck Vianna e Mauro Boianovsky nos deixaram. Destacarei a obra de Mauro Boianovsky, pela sua importância no campo da história das ideias econômicas.

Figura proeminente, com destacada carreira como professor na Universidade de Brasília, Mauro foi um dos [pesquisadores mais influentes do mundo, tendo presidido a History of Economics Society (HES) no biênio 2016-17 e recebido inúmeros prêmios por suas contribuições.

Boianovsky atuou como embaixador do pensamento econômico brasileiro no exterior e enriqueceu o diálogo global sobre a evolução da economia como campo do conhecimento. Sua vasta obra abrange o pensamento econômico brasileiro e as contribuições de economistas de renome internacional, bem como a evolução de teorias econômicas, com destaque para a macroeconomia, em contextos históricos variados.

O economista Mauro Boianovsky - Isa Lima/UnB Agência

Sempre meticuloso e com admirável erudição, Boianovsky trouxe à luz as complexidades do estruturalismo latino-americano, explorando a profundidade da visão de Celso Furtado sobre a industrialização e a dependência tecnológica, temas que permanecem relevantes nas discussões sobre desenvolvimento econômico.

Boianovsky também defendeu a prioridade de Mário Henrique Simonsen no entendimento de restrições quantitativas na decisão de consumo (cash-in-advance constraint) e revelou a sofisticação do pensamento de Simonsen sobre política econômica e teoria monetária.

Sua notável habilidade em traçar conexões entre diferentes escolas de pensamento e períodos históricos ampliava nossa compreensão acerca das dinâmicas que moldam as políticas econômicas e teorias ao longo do tempo. Exemplo notório dessa habilidade fica evidente em seu trabalho sobre inflação e estabilização na América Latina, no qual ele combina análise econômica com uma compreensão profunda dos contextos políticos e sociais.

Fui diretamente influenciado pela reconstituição e ressignificação que Mauro fez do pensamento de Knut Wicksell, economista sueco que antecipou em um século o modelo básico de metas de inflação e o conceito de taxa de juros neutra que dominam os debates contemporâneos sobre política monetária.

Seu livro "Transforming modern macroeconomics: exploring disequilibrium microfoundations (1956-2003)", escrito com o pesquisador britânico Roger Backhouse, faz uma magistral reconstrução do pensamento macroeconômico, narrando a busca de fundamentos microeconômicos do desequilíbrio compatíveis com a teoria macroeconômica keynesiana. Esse programa de pesquisa influenciaria a safra de modelos estocásticos dinâmicos usados pelos Bancos Centrais atualmente. O livro foi escolhido pela Sociedade Europeia de História do Pensamento Econômico (ESHET) como a melhor obra de 2013.

Recentemente, Mauro explorou como as viagens de economistas pelo mundo afetaram suas visões sobre a economia e como o contexto do regime militar afetou o debate brasileiro sobre distribuição de renda nos anos 1970 (em parceria com Alexandre Andrada). Organizou com Ricardo Bielschowsky e Maurício Coutinho um compêndio sobre o pensamento econômico brasileiro da era colonial até o século 21, no qual Mauro analisa a formação da comunidade científica em economia no Brasil a partir dos anos 1960.

A obra de Mauro Boianovsky é essencial para qualquer pessoa interessada na evolução do pensamento econômico. Sua partida prematura é uma perda inestimável para o campo da economia.

Deixo esta singela homenagem ao mestre que tanto influenciou toda uma geração de pesquisadores no Brasil e no mundo. Descanse em paz, Mauro.

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