Branko Milanovic
Jacobin
Ilustração de Ben Jones.
Donald Trump está de volta ao poder e, para dizer o mínimo, não é fã da globalização. O presidente publicamente “rejeitou o globalismo e abraçou o patriotismo” e disse que “isso deixou milhões e milhões de nossos trabalhadores com nada além de pobreza e sofrimento”. Para entender melhor a era atual da globalização que ele tenta encerrar e seu histórico, é útil compará-la com a globalização que ocorreu entre 1870 e a eclosão da Primeira Guerra Mundial.
Ambas as globalizações representam períodos cruciais — anos decisivos que moldaram o mundo atual. E ambas testemunharam as maiores expansões da produção econômica global até hoje.
No entanto, elas também eram muito diferentes em muitos aspectos. A primeira globalização foi associada ao colonialismo e ao domínio hegemônico da Grã-Bretanha. Ela levou a grandes aumentos na renda per capita no que mais tarde ficou conhecido como mundo desenvolvido. Ao mesmo tempo, produziu estagnação em todos os outros lugares e até mesmo declínios de renda na China e na África. Os números mais recentes do banco de dados de estatísticas históricas do Projeto Maddison mostram que o aumento acumulado do PIB per capita real (ajustado pela inflação) para o Reino Unido entre 1870 e 1910 foi de 35%, enquanto o PIB per capita dobrou nos Estados Unidos no mesmo período. (O crescimento médio real per capita dos EUA foi, portanto, de 1,7% ao ano, um número muito alto para aquela época.) O PIB per capita chinês, no entanto, caiu 4%, e o da Índia aumentou apenas ligeiramente, 16%. Esse tipo específico de desenvolvimento criou o que mais tarde ficou conhecido como Terceiro Mundo e reforçou as clivagens nas rendas médias entre o Ocidente e o resto.
Do ponto de vista da desigualdade global, que é em grande parte um reflexo desses fatos, a Globalização I produziu um aumento na desigualdade, pois as áreas já ricas cresceram mais rápido e as áreas mais pobres estagnaram ou até mesmo regrediram.
Ambas as globalizações representam períodos cruciais — anos decisivos que moldaram o mundo atual. E ambas testemunharam as maiores expansões da produção econômica global até hoje.
No entanto, elas também eram muito diferentes em muitos aspectos. A primeira globalização foi associada ao colonialismo e ao domínio hegemônico da Grã-Bretanha. Ela levou a grandes aumentos na renda per capita no que mais tarde ficou conhecido como mundo desenvolvido. Ao mesmo tempo, produziu estagnação em todos os outros lugares e até mesmo declínios de renda na China e na África. Os números mais recentes do banco de dados de estatísticas históricas do Projeto Maddison mostram que o aumento acumulado do PIB per capita real (ajustado pela inflação) para o Reino Unido entre 1870 e 1910 foi de 35%, enquanto o PIB per capita dobrou nos Estados Unidos no mesmo período. (O crescimento médio real per capita dos EUA foi, portanto, de 1,7% ao ano, um número muito alto para aquela época.) O PIB per capita chinês, no entanto, caiu 4%, e o da Índia aumentou apenas ligeiramente, 16%. Esse tipo específico de desenvolvimento criou o que mais tarde ficou conhecido como Terceiro Mundo e reforçou as clivagens nas rendas médias entre o Ocidente e o resto.
Do ponto de vista da desigualdade global, que é em grande parte um reflexo desses fatos, a Globalização I produziu um aumento na desigualdade, pois as áreas já ricas cresceram mais rápido e as áreas mais pobres estagnaram ou até mesmo regrediram.
Além da crescente desigualdade entre as nações, a desigualdade também aumentou em muitas das economias ricas, incluindo os Estados Unidos, como visto em sua linha inclinada ascendente na figura 1, com os decis mais ricos crescendo mais. O Reino Unido foi uma exceção, pois o pico da desigualdade foi atingido pouco antes do início da Globalização I, durante as décadas de 1860 e 1870. Nas tabelas sociais britânicas, a principal fonte de informações sobre as distribuições de renda no passado, a produzida por Robert Dudley Baxter em 1867 (coincidentemente o ano da publicação de O Capital de Karl Marx) marca o ano da maior desigualdade no século XIX. A desigualdade britânica foi posteriormente reduzida graças a uma série de leis progressistas, que vão desde limitações na duração da jornada de trabalho até a proibição do trabalho infantil e a expansão dos direitos de sufrágio. Dados recentes mostram um aumento da desigualdade na Alemanha também, após sua unificação no final da década de 1860. François Bourguignon e Christian Morrisson, em cujos números a figura 1 se baseia, não dispunham de informações sobre as mudanças na desigualdade na Índia e na China, de modo que ambas são representadas por uma linha reta entre os decis de renda (o que implica que cresceram na mesma proporção). Os novos dados fiscais indianos, com foco no topo da distribuição, produzidos pelos economistas Facundo Alvaredo, Augustin Bergeron e Guilhem Cassan, também mostram uma desigualdade estável, embora muito alta. Assim, em geral, ambos os componentes da desigualdade global (entre nações e, na maioria dos casos, dentro das nações) aumentaram durante a Globalização I.
Como isso difere da globalização atual (Globalização II), convencionalmente datada da queda do Muro de Berlim em 1989 até a crise da COVID-19 em 2020? Observe que o ponto final exato da Globalização II pode ser controverso; pode-se marcá-lo na imposição de tarifas sobre as importações chinesas por Trump em 2017 ou mesmo, de forma simbólica, na segunda ascensão de Trump ao poder em janeiro de 2025. Mas a data escolhida não faz diferença em relação às características essenciais da Globalização II.
Durante esse período, os Estados Unidos, o Reino Unido e o restante do mundo rico experimentaram crescimento, mas a taxas que, quando comparadas às dos países asiáticos, foram bastante modestas. Entre 1990 e 2020, o PIB real per capita dos EUA cresceu a uma taxa média anual de 1,4% (portanto, mais lentamente do que durante a primeira globalização) e o PIB per capita britânico cresceu apenas 1% ao ano. Países populosos e relativamente pobres (pobres, pelo menos, no início da Globalização II) cresceram muito mais rápido: Tailândia, com 3,5% per capita, Índia, 4,2%, Vietnã, 5,5% e China, a uma taxa impressionante de 8,5%.
O contraste é mostrado entre as figuras 1 e 2. Na figura 1, que mostra os dados para o período de 1870 a 1910, todas as partes da distribuição de renda dos países ricos cresceram mais rápido do que todas as partes da distribuição de renda dos países pobres. Na figura 2, que mostra os dados para o período de 1988 a 2018, as taxas de crescimento de todas as partes da distribuição de renda chinesa e indiana excedem as de todas as partes da distribuição de renda dos EUA e do Reino Unido. Isso transformou completamente a economia e a geopolítica do mundo: a primeira, ao deslocar o centro de gravidade econômico para o Pacífico e ao afetar as posições relativas de renda das populações no Ocidente e na Ásia, e a segunda, ao tornar a China um desafiante confiável à hegemonia dos EUA.
É inegável que, nas últimas três décadas, as posições globais de renda de grandes faixas das classes média e trabalhadora ocidentais caíram. Isso foi particularmente drástico para os países ocidentais que não conseguiram crescer; por exemplo, o decil de renda mais baixo da Itália caiu do 73º para o 55º percentil global entre 1988 e 2018. Nos Estados Unidos, os dois decis inferiores caíram em suas posições globais, embora as quedas tenham sido menores (7 e 4 pontos percentuais, respectivamente) quando comparados aos da Itália. Além disso, as classes médias ocidentais perderam em comparação com seus próprios compatriotas no topo das respectivas distribuições de seus países. As classes médias do Ocidente foram, portanto, duplamente perdedoras: para as classes médias em rápida ascensão da Ásia e para seus compatriotas muito mais ricos em casa. Metaforicamente, pode-se vê-las sendo espremidas entre os dois.
Mas, ao contrário da Globalização I, a desigualdade global diminuiu durante a segunda iteração, impulsionada pelas altas taxas de crescimento nos grandes países asiáticos. Dentro das nações, no entanto, a desigualdade em geral aumentou. Isso foi mais evidente na China, onde o coeficiente de Gini, uma medida comum de desigualdade, quase dobrou após as reformas liberais. O mesmo ocorreu na Índia. A Figura 2 mostra o crescimento da renda dos indianos e chineses ricos superando o dos pobres de seus países. Mas a desigualdade também aumentou nos países desenvolvidos, primeiro sob as reformas de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, cujos efeitos continuaram até os governos de Tony Blair e Bill Clinton, apenas para finalmente se estabilizar na segunda década deste século.
Em resumo, a primeira globalização viu a ascensão do Ocidente, a segunda, a ascensão da Ásia; a primeira levou a um aumento das desigualdades entre países, a segunda, ao seu declínio. Ambas as globalizações tenderam a aumentar as desigualdades dentro das nações. A desigualdade das taxas de crescimento dos países durante a Globalização I instalou a maioria das populações ocidentais no topo da pirâmide de renda global. Raramente se reconhece o quão alto estavam até mesmo os decis mais pobres dos países ricos na distribuição de renda global. O economista Paul Collier, em seu Future of Capitalism [O Fututro do Capitalismo], escreve melancolicamente sobre a época em que os trabalhadores ingleses estavam no topo do mundo. Mas para que eles se sentissem bem, alguém mais tinha que se sentir mal.
A segunda globalização expulsou algumas classes médias ocidentais desses patamares e produziu uma grande reorganização de renda, à medida que eram ultrapassadas por uma Ásia em ascensão. Esse declínio relativamente imperceptível ocorreu em paralelo com um declínio muito mais perceptível das classes médias ocidentais em relação às suas próprias elites nacionais. Causou insatisfação política que se refletiu na ascensão de líderes e partidos populistas.
Por fim, devemos observar que a convergência das rendas mundiais não se estendeu à África, que continuou em sua trajetória de declínio relativo. Se isso não mudar — e a probabilidade de tal mudança parece baixa — o declínio relativo da África, nas próximas décadas, reverterá as forças que atualmente empurram a desigualdade global para baixo e inaugurará uma nova era de crescente desigualdade global.
Uma improvável coligação de interesses
O que talvez não tenha sido percebido no início da Globalização II — apenas para se tornar cada vez mais evidente com seu desenrolar — foi a aliança de interesses entre os cantos mais ricos do mundo ocidental e as massas pobres do Sul Global. À primeira vista, esse vínculo parece bizarro, pois não há quase nada em comum entre os dois grupos, incluindo educação, origem e renda. Mas foi uma aliança tácita, não totalmente percebida por nenhum dos lados até que se tornou flagrantemente óbvia. A globalização empoderou os ricos nos países desenvolvidos por meio de mudanças em sua estrutura econômica interna: redução de impostos, desregulamentação e privatização, mas também a capacidade de transferir a produção local para lugares onde os salários eram muito mais baixos. A substituição da mão de obra nacional por mão de obra estrangeira barata tornou os donos do capital e os empreendedores do Norte Global muito mais ricos. Também possibilitou que os trabalhadores do Sul Global conseguissem empregos com salários mais altos e escapassem do subemprego crônico. Os perdedores em tudo isso foram os trabalhadores de nível médio, que foram substituídos pela força de trabalho muito mais barata do Sul Global. Portanto, não é surpresa que o Norte Global tenha se desindustrializado, não apenas como resultado da automação e da crescente importância dos serviços na produção nacional, mas também devido ao fato de que grande parte da atividade industrial foi transferida para locais onde poderia ser realizada a preços mais baixos. Não é de se admirar que o Leste Asiático tenha se tornado a nova oficina do mundo.
Essa coalizão particular de interesses foi negligenciada no pensamento original sobre a globalização. De fato, acreditava-se que a globalização seria ruim para as grandes massas trabalhadoras do Sul Global — que elas seriam exploradas ainda mais do que antes. Muitas pessoas talvez tenham cometido esse erro com base nos desenvolvimentos da Globalização I, que de fato levou à desindustrialização da Índia e ao empobrecimento das populações da China e da África. Durante essa era, a China era praticamente governada por comerciantes estrangeiros, e na África os agricultores perderam o controle sobre a terra — trabalhavam em comum desde tempos imemoriais. A falta de terra os tornou ainda mais pobres. Portanto, a primeira globalização de fato teve um efeito muito negativo na maior parte do Sul Global. Mas esse não foi o caso na Globalização II, quando os salários e o emprego em grande parte do Sul Global melhoraram.
Claro, também é verdade que a duração da jornada de trabalho e as condições de trabalho no Sul Global eram frequentemente muito difíceis e continuaram a ser muito piores do que para os trabalhadores do Norte. As reclamações dos trabalhadores sobre o horário 9-9-6 (trabalho das 9h às 21h, seis dias por semana) não são exclusivas dos chineses — é uma realidade em grande parte do mundo em desenvolvimento. Mas essas condições precárias representaram uma melhoria em relação ao que existia antes e foram aceitas como tal.
Mesmo que os críticos contemporâneos da Globalização II estivessem errados sobre o fato de que ela deterioraria a posição econômica de grandes massas do Sul Global — em vez disso, como vimos, ela prejudicou as classes médias do Norte Global — eles estavam certos sobre quem se beneficiaria mais com essas mudanças: os ricos do mundo.
Neoliberalismo doméstico vs. neoliberalismo internacional
Ao discutir o neoliberalismo, precisamos fazer uma importante distinção analítica entre, por um lado, as políticas domésticas do neoliberalismo e, por outro, as políticas neoliberais internacionais. O primeiro tipo inclui o pacote usual de redução de impostos, desregulamentação, privatização e uma reversão geral do Estado. O segundo tipo consiste na redução de tarifas e restrições quantitativas e, portanto, na promoção do livre comércio em geral, bem como de taxas de câmbio flexíveis e da circulação desimpedida de capital, tecnologia, bens e serviços. O trabalho sempre foi tratado de forma diferenciada — ou seja, sua circulação nunca foi tão livre quanto a do capital, embora sua mobilidade global fosse uma das aspirações do neoliberalismo.
Os perdedores em tudo isso foram os trabalhadores de nível médio, que foram substituídos pela força de trabalho muito mais barata do Sul Global.
Essa distinção analítica é particularmente importante para entender a China e para imaginar o que virá a seguir sob o segundo governo Trump. Ela deixa imediatamente claro que a China não seguiu os preceitos do neoliberalismo em suas políticas internas, enquanto os seguiu principalmente em suas relações econômicas internacionais. Isso distingue a China de muitos outros países desenvolvidos e em desenvolvimento que levaram muito a sério tanto a parte interna quanto a internacional da globalização. A partir da década de 1980, os Estados Unidos deram início à virada neoliberal, que não se limitou às políticas internas; abrangeu a redução de tarifas, a criação do NAFTA e o aumento da entrada e saída de investimentos estrangeiros. O mesmo ocorreu com a União Europeia. Isso também se aplica à Rússia e aos países anteriormente comunistas.
A única grande resistência foi a China. Ela sozinha manteve um papel importante para o Estado, que permaneceu como ator preponderante no setor financeiro e em indústrias-chave como aço, eletricidade, fabricação de automóveis e infraestrutura em geral. Ainda mais importante, o Estado permaneceu poderoso na formulação de políticas e manteve o que Vladimir Lenin chamou de “alto comando da economia”. Essas políticas chinesas, especialmente sob Xi Jinping, podem ser melhor entendidas como algo semelhante à Nova Política Econômica de Lenin. Sob as regras desses regimes, o Estado permite que o setor capitalista se expanda nos setores menos importantes. Mas mantém o controle sobre as partes mais importantes da economia e toma decisões-chave que têm a ver com o desenvolvimento tecnológico. O Estado chinês tem estado fortemente envolvido no desenvolvimento das tecnologias mais avançadas da atualidade, incluindo tecnologia verde, carros elétricos, exploração espacial e, mais recentemente, inteligência artificial e aviônica.
Esse envolvimento variou de simples incentivos, como impostos mais baixos, a pressões mais diretas, em que empresas privadas são informadas sobre o que fazer se quiserem manter boas relações com o governo. Um exemplo óbvio da diferença de poder entre o Estado e o setor privado ficou evidente quando, em 2020, o governo cancelou o que teria sido o maior IPO da história, do Ant Group, de Jack Ma, uma afiliada do Alibaba, o que lhe permitiria expandir-se para o setor de fintech, em grande parte desregulamentado.
Portanto, quando falamos sobre o sucesso da globalização na redução da pobreza e no aumento do crescimento em muitos países asiáticos, especialmente na China, devemos ter em mente a distinção entre políticas domésticas e internacionais. Pode-se argumentar que o sucesso da China se deveu precisamente à sua capacidade de combinar essas duas partes de maneira única, que deixou o poder do governo praticamente intacto internamente, ao mesmo tempo em que permitiu que a plena demonstração das vantagens do comércio se manifestasse em seus pontos fortes. Essa estratégia específica poderia funcionar bem para outros países grandes, como a Índia ou a Indonésia. Mas ela tem limitações claras com países pequenos, uma vez que eles não têm economias de escala e, talvez mais importante, não têm o tipo de poder de barganha em relação ao capital estrangeiro que permitiu à China se beneficiar de transferências tecnológicas substanciais dos países mais desenvolvidos.
Trump como o dobre a finados da globalização II
A onda internacional de globalização que começou há mais de trinta anos está chegando ao fim. Nos últimos anos, assistimos ao aumento de tarifas dos Estados Unidos e da União Europeia; à criação de blocos comerciais; a fortes limites à transferência de tecnologia para a China, Rússia, Irã e outros países “hostis”; ao uso de coerção econômica, incluindo proibições de importação e sanções financeiras; severas restrições à imigração; e, finalmente, políticas industriais com o subsídio implícito aos produtores nacionais. Se tais desvios do regime comercial neoliberal ortodoxo forem feitos pelos principais atores — ou seja, os Estados Unidos e a União Europeia — organizações transnacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial não poderão continuar pregando os preceitos políticos habituais de Washington para o resto do mundo. Estamos, portanto, entrando em um novo mundo de políticas comerciais e econômicas externas específicas para cada nação e região, afastando-nos do universalismo e do internacionalismo e entrando no neomercantilismo.
Trump se encaixa nesse molde quase perfeitamente. Ele adora o mercantilismo e vê a política econômica externa como uma ferramenta para extrair todo tipo de concessões, às vezes sem qualquer relação com a economia propriamente dita, como sua ameaça de impor tarifas à Dinamarca caso o país se recuse a ceder a Groenlândia. Talvez seja tudo apenas fanfarronice. No entanto, isso demonstra a visão de Trump de que ameaças econômicas e coerção devem ser usadas como ferramentas políticas. Tais políticas dividirão ainda mais o espaço econômico global. O objetivo de Washington é desacelerar a ascensão da China e reduzir a capacidade do Estado chinês de desenvolver novas tecnologias que possam ser usadas não apenas para fins econômicos, mas também militares.
No entanto, por outro lado, a parte doméstica do pacote neoliberal padrão, no mínimo, só será reforçada sob Trump. Isso já é evidente em suas esperanças de reduzir o imposto de renda de pessoa física, desregulamentar praticamente tudo, permitir uma exploração muito maior dos recursos naturais e impulsionar ainda mais a privatização de funções governamentais, essencialmente reforçando todos os preceitos domésticos do neoliberalismo. Teríamos, portanto, algo contraditório apenas na aparência: aumento do mercantilismo internacional com aumento do neoliberalismo interno — em outras palavras, a combinação exatamente oposta das políticas da China.
Alguns economistas, citando exemplos históricos, acreditam que políticas mercantilistas devem necessariamente ser acompanhadas por políticas de maior controle e regulamentação estatal interna. Mas esse certamente não é o caso do atual governo estadunidense. A nova combinação que Trump promove — imigração rigorosamente controlada aliada ao neoliberalismo interno extremo e ao mercantilismo no exterior — provavelmente atrairia muitos também na França, Itália e Alemanha.
O mundo está, portanto, entrando em uma nova era, na qual os países ricos seguirão uma política dupla incomum. Tendo abandonado a globalização neoliberal, agora avançarão com ainda mais firmeza com um projeto de neoliberalismo doméstico.
Colaborador
Branko Milanovic é economista e professor presidencial visitante no Graduate Center da CUNY.
A única grande resistência foi a China. Ela sozinha manteve um papel importante para o Estado, que permaneceu como ator preponderante no setor financeiro e em indústrias-chave como aço, eletricidade, fabricação de automóveis e infraestrutura em geral. Ainda mais importante, o Estado permaneceu poderoso na formulação de políticas e manteve o que Vladimir Lenin chamou de “alto comando da economia”. Essas políticas chinesas, especialmente sob Xi Jinping, podem ser melhor entendidas como algo semelhante à Nova Política Econômica de Lenin. Sob as regras desses regimes, o Estado permite que o setor capitalista se expanda nos setores menos importantes. Mas mantém o controle sobre as partes mais importantes da economia e toma decisões-chave que têm a ver com o desenvolvimento tecnológico. O Estado chinês tem estado fortemente envolvido no desenvolvimento das tecnologias mais avançadas da atualidade, incluindo tecnologia verde, carros elétricos, exploração espacial e, mais recentemente, inteligência artificial e aviônica.
Esse envolvimento variou de simples incentivos, como impostos mais baixos, a pressões mais diretas, em que empresas privadas são informadas sobre o que fazer se quiserem manter boas relações com o governo. Um exemplo óbvio da diferença de poder entre o Estado e o setor privado ficou evidente quando, em 2020, o governo cancelou o que teria sido o maior IPO da história, do Ant Group, de Jack Ma, uma afiliada do Alibaba, o que lhe permitiria expandir-se para o setor de fintech, em grande parte desregulamentado.
Portanto, quando falamos sobre o sucesso da globalização na redução da pobreza e no aumento do crescimento em muitos países asiáticos, especialmente na China, devemos ter em mente a distinção entre políticas domésticas e internacionais. Pode-se argumentar que o sucesso da China se deveu precisamente à sua capacidade de combinar essas duas partes de maneira única, que deixou o poder do governo praticamente intacto internamente, ao mesmo tempo em que permitiu que a plena demonstração das vantagens do comércio se manifestasse em seus pontos fortes. Essa estratégia específica poderia funcionar bem para outros países grandes, como a Índia ou a Indonésia. Mas ela tem limitações claras com países pequenos, uma vez que eles não têm economias de escala e, talvez mais importante, não têm o tipo de poder de barganha em relação ao capital estrangeiro que permitiu à China se beneficiar de transferências tecnológicas substanciais dos países mais desenvolvidos.
Trump como o dobre a finados da globalização II
A onda internacional de globalização que começou há mais de trinta anos está chegando ao fim. Nos últimos anos, assistimos ao aumento de tarifas dos Estados Unidos e da União Europeia; à criação de blocos comerciais; a fortes limites à transferência de tecnologia para a China, Rússia, Irã e outros países “hostis”; ao uso de coerção econômica, incluindo proibições de importação e sanções financeiras; severas restrições à imigração; e, finalmente, políticas industriais com o subsídio implícito aos produtores nacionais. Se tais desvios do regime comercial neoliberal ortodoxo forem feitos pelos principais atores — ou seja, os Estados Unidos e a União Europeia — organizações transnacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial não poderão continuar pregando os preceitos políticos habituais de Washington para o resto do mundo. Estamos, portanto, entrando em um novo mundo de políticas comerciais e econômicas externas específicas para cada nação e região, afastando-nos do universalismo e do internacionalismo e entrando no neomercantilismo.
Trump se encaixa nesse molde quase perfeitamente. Ele adora o mercantilismo e vê a política econômica externa como uma ferramenta para extrair todo tipo de concessões, às vezes sem qualquer relação com a economia propriamente dita, como sua ameaça de impor tarifas à Dinamarca caso o país se recuse a ceder a Groenlândia. Talvez seja tudo apenas fanfarronice. No entanto, isso demonstra a visão de Trump de que ameaças econômicas e coerção devem ser usadas como ferramentas políticas. Tais políticas dividirão ainda mais o espaço econômico global. O objetivo de Washington é desacelerar a ascensão da China e reduzir a capacidade do Estado chinês de desenvolver novas tecnologias que possam ser usadas não apenas para fins econômicos, mas também militares.
No entanto, por outro lado, a parte doméstica do pacote neoliberal padrão, no mínimo, só será reforçada sob Trump. Isso já é evidente em suas esperanças de reduzir o imposto de renda de pessoa física, desregulamentar praticamente tudo, permitir uma exploração muito maior dos recursos naturais e impulsionar ainda mais a privatização de funções governamentais, essencialmente reforçando todos os preceitos domésticos do neoliberalismo. Teríamos, portanto, algo contraditório apenas na aparência: aumento do mercantilismo internacional com aumento do neoliberalismo interno — em outras palavras, a combinação exatamente oposta das políticas da China.
Alguns economistas, citando exemplos históricos, acreditam que políticas mercantilistas devem necessariamente ser acompanhadas por políticas de maior controle e regulamentação estatal interna. Mas esse certamente não é o caso do atual governo estadunidense. A nova combinação que Trump promove — imigração rigorosamente controlada aliada ao neoliberalismo interno extremo e ao mercantilismo no exterior — provavelmente atrairia muitos também na França, Itália e Alemanha.
O mundo está, portanto, entrando em uma nova era, na qual os países ricos seguirão uma política dupla incomum. Tendo abandonado a globalização neoliberal, agora avançarão com ainda mais firmeza com um projeto de neoliberalismo doméstico.
Colaborador
Branko Milanovic é economista e professor presidencial visitante no Graduate Center da CUNY.
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