7 de dezembro de 2023

"Jabutis" no marco legal elétrico e a mão visível do patrimonialismo

Prorrogação até 2050 da contratação de usinas térmicas é um dos problemas

André Roncaglia

Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

Folha de S.Paulo

Na semana passada, a Câmara aprovou o marco legal das usinas eólicas offshore (PL 11.247/2018), com "jabutis" que podem custar R$ 40 bilhões ao ano na conta de luz. O valor médio por família pode passar de R$ 60 por mês.

O prenúncio de nova fonte de aumento de preços das tarifas de eletricidade assusta. No acumulado de 12 meses em outubro de 2023, o brasileiro enfrentou, na média, uma inflação de energia elétrica de 8,59% enquanto o índice de preços (IPCA) avançou 4,82%.

Gabriel Cabral/Folhapress

Apenas em 2021, o preço médio da energia elétrica residencial acumulou alta de 121,21%, ou seja, 12 vezes o IPCA (10,06%). O Boletim Radar n° 70 do Ipea mostra que a crise hídrica diminuiu o nível dos reservatórios das hidrelétricas do Sul e do Centro-Oeste, responsáveis por 70% da geração de energia hidráulica no país. A subsequente elevação do custo da geração foi repassada pela Aneel, na forma de bandeira vermelha, provocando um aumento de 52% na conta residencial.

Em dezembro de 2021, relatório de inflação por faixa de renda do Ipea mostrava que as famílias de renda mais baixa sofreram a maior pressão inflacionária naquele ano, com destaque para o reajuste, de 21,2%, das tarifas de energia elétrica para esse grupo. O relatório de agosto de 2023 reportou o impacto regressivo do reajuste de 4,6% das tarifas de energia elétrica apenas naquele mês.

Um estudo do Tribunal de Contas da União (TCU) de 2022 revelou que o valor médio da tarifa de energia elétrica residencial no Brasil subiu 351,1% entre 2002 e 2022, enquanto a inflação subiu 230,3% no mesmo período, segundo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Entre os desafios à modicidade tarifária encontram-se ausência de uma solução estrutural para a falta de planejamento do setor elétrico, o repasse ao consumidor do risco de escassez de chuva, a diminuição da capacidade de geração de eletricidade a partir das usinas hidrelétricas com reservatórios e a trajetória acentuada de aumento dos encargos que cobrem desequilíbrios entre os custos de operação e o preço de liquidação de diferenças.

Além disso, há o aumento dos custos relacionados aos subsídios na tarifa de energia elétrica, alguns sem justificativa detalhada para sua criação ou que sabidamente não servem ao interesse coletivo. Uma vez criados, esses subsídios costumam ser difíceis de eliminar.

Esta mão visível do patrimonialismo voltou a atacar o setor elétrico com a aprovação do novo marco legal das eólicas, o qual, em vez de enfrentar os problemas estruturais do setor, acrescenta complexidade à sua solução.

O PL 11.247 carrega contradições expressivas, como os jabutis da prorrogação da contração de usinas térmicas a carvão até 2050 e a concessão de subsídio ao serviço de transmissão por geração de origem renovável, que já não precisa de incentivo. Para agravar, o PL elimina o preço-teto para a contratação de térmicas a gás nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Aqui o jabuti já começa a parir um filhote, pois essa contratação forçada de termelétricas onde não há infraestrutura de gás natural foi inserida pelo Congresso na lei 14.182/21, que autorizou a privatização da Eletrobras.

A ausência de análise de impacto tarifário e o descaso com questões ambientais urgentes nas medidas dispostas no PL 11.247 mostra a desconexão do Congresso Nacional com os graves impactos macroeconômicos e sociais que provocam os aumentos das tarifas de eletricidade.

Entre 2025 e 2031, estarão vencidos os contratos de concessão de 20 distribuidoras de energia privatizadas nos anos 1990 –a famigerada Enel é uma delas. O governo Lula deveria aproveitar a ocasião para debater publicamente uma política energética para o Brasil. Sem isso, não há plano de desenvolvimento nacional viável.

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