28 de setembro de 2023

Até onde vai o ciclo de queda da Selic?

A queda seria maior, mais rápida e mais segura se a meta de inflação fosse mais realista

André Roncaglia
Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP


A ata do Conselho de Política Monetária (Copom) da reunião de setembro de 2023 destacou dois temores elevando o "sarrafo" para a queda mais acelerada da taxa de juros: cenário externo incerto e risco fiscal.

O cartel opinativo da Faria Lima (Focus) "ancora" a inflação de final de 2025 em 3,5%, dentro do limite de tolerância da meta para o referido ano (1,5%—4,5%) e a Selic em 9% ao final de 2024.

Nesse xadrez político que se tornou a política monetária, a disputa sobre o ritmo de corte da Selic se conecta à taxa terminal do ciclo de afrouxamento.

O Relatório Trimestral de Inflação (RTI), divulgado nesta quinta-feira (28), crava a inflação de 2025 em 3,1% (0,1 ponto percentual acima da meta ilusória de 3%). O BC evita, corretamente, estabelecer um piso para a Selic. Seria a antecipação de um problema agendado apenas para 2024. Há ainda incerteza inescrutável no cenário externo.

De concreto, temos que a média móvel de três meses dos núcleos de inflação (que excluem preços mais voláteis), com ajuste sazonal, já se encontra no centro da meta, sinalizando o estágio avançado da desinflação. O Relatório de inflação do Ipea (set/23) mostrou recuo da inflação de serviços (de 8,8% para 5,4% em 12 meses), preços de alimentos em queda (-0,6%) e mergulho do índice de difusão do IPCA —caiu de 67% para 50% entre fevereiro e agosto de 2023 (na média-móvel trimestral).

Além disso, não há pressões de demanda, apesar do crescimento maior da economia (previsão de 2,9% do BC para 2023), da queda da desocupação (7,8% em julho) e da elevação da renda real média (5,1% em julho na comparação interanual do trimestre móvel). Segundo o RTI, a ociosidade na economia está menor —fruto da expansão fiscal imaculada de 2023, depois do quase "shutdown" do governo Bolsonaro em 2022—, mas tende a crescer. A conta corrente do balanço de pagamentos tem déficit em queda e o quantum importado está na média dos últimos dois anos.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara - Gabriela Biló/Folhapress

Por outro lado, no curto prazo a Petrobras deverá repassar os preços internacionais do petróleo mais altos para os preços domésticos: a variação do preço da gasolina foi de -19,3%, entre janeiro e agosto de 2022 para 13% no mesmo período em 2023. Há também incerteza sobre o futuro da política monetária dos EUA (higher for longer). Um diferencial de juro menor entre Brasil e EUA pode afugentar capitais daqui e desvalorizar o câmbio. Ambos os fatores implicam maior aperto de condições financeiras no Brasil e limitam a extensão da queda da taxa de juros.

O piso para a queda da Selic será determinado, portanto, pelas pressões de custo (energia e câmbio). Por isso, o Copom não deveria substituir esta preocupação real pela contenda infértil sobre o hiato do produto, seja por que a função de reação utilizada pelo Copom dá peso nulo a ele, seja por que há evidências de histerese. Como o ciclo afeta a tendência, o produto potencial (não observável) pode variar.

Gerando mais calor que luz, o Copom voltou a fazer sermão sobre a política fiscal. O "aviso" é de que os cortes na Selic dependem do esforço para zerar o déficit primário em 2024. A expressão-chave é "esforço até o último minuto". Caso contrário, o conselho talvez tenha de "afundar a economia para ancorar as expectativas", no dizer —repleto de sensibilidade social— de um ex-diretor da instituição.

Diante da incerteza, é melhor focar as variáveis observáveis. Estas validam uma queda mais rápida da Selic, reduzindo o serviço de juro da dívida e ajudando a estabilizar a dívida pública. O BC blindaria mais nossa taxa de câmbio, caso a tormenta venha.

Finalmente, a queda da Selic seria maior, mais rápida e segura se a meta de inflação fosse mais realista: entre 4% e 4,5%. Fica a dica!

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