Desafios do século 21 exigem que política industrial brasileira seja feita com o Estado que temos, não com o que sonhamos
André Roncaglia
Fábrica do setor automotivo na área da montagem de motores veiculares, marítimos e geradores de energia. Bruno Santos/Folhapress |
Há cinco anos, um estudo do FMI (Fundo Monetário Internacional) concluiu que o neoliberalismo foi “propaganda enganosa”. Liberalização econômica e aumento de desigualdade não geraram o desenvolvimento prometido. A conta pesou mais sobre economias periféricas e, agora, vemos o retorno da “política de que não devemos dizer o nome”.
Falo da política industrial: um conjunto de políticas que estimulam atividades econômicas específicas e promovem mudanças estruturais. A nova geração destas políticas se inspira na experiência prática de programas de transformação produtiva.
Influenciar os mercados na direção do interesse coletivo e descobrir novas frentes de inovação com o auxílio do Estado exigem enorme capacidade de organização (pública e privada).
O principal desafio é impedir que a política sirva apenas para “encher os bolsos de empresários”. Porém, a falta de informação do Estado e o risco de captura por grupos de interesse nunca nos impediram de formular políticas públicas em áreas como educação, saúde, infraestrutura e mesmo as políticas macroeconômicas (Banco Central autônomo, por exemplo).
A vigilância no uso de recursos públicos é uma aliada na busca de novas fronteiras do conhecimento produtivo, sempre a partir de nossas possibilidades. É preciso criar oportunidades de elevação de produtividade em setores capazes de dinamizar o progresso tecnológico. Equipar as empresas nacionais para concorrer no mercado internacional melhora a qualidade dos empregos gerados no país, bem como disciplina os empresários a buscarem mais inovações.
Contudo, ao contrário do que se pensa, descobrir aquilo que se faz bem é muito caro e muito arriscado. O custo desta descoberta pode inviabilizar o aproveitamento das competências de empresas e de países. A capacidade do Estado em enfrentar tais riscos é um ativo que não se pode desprezar.
Em seu livro mais recente, Mission Economy, Mariana Mazzucato conta a história do projeto Apollo, que levou o homem à Lua. A Nasa estava longe de ser uma organização ideal, com comunicação coesa e fluidez de processos. Foi o “propósito” da missão espacial que levou a um desenvolvimento organizacional da agência para evitar riscos fatais às equipes de astronautas.
Projetar adequadamente esta colaboração coloca em evidência o problema da capacitação do Estado para coordenar —sem se comprometer com— os interesses privados em busca de vantagens sem contrapartida.
Estas capacidades são construídas durante o processo de inovação, como foi o caso do Plano Real. Elas não caem prontas do céu. Este tipo de platonismo econômico produz uma profecia autorrealizável: não termos o Estado ideal justifica desmontar as capacidades estatais já construídas (Inpe, Embrapa, Ibama).
No novo arranjo geopolítico, quem não faz política industrial facilita a vida da concorrência. Joe Biden entendeu isso e está gerando uma guinada na política econômica dos EUA para fortalecer o equipamento produtivo do país.
Em 1993, parte dos economistas que participaram do Plano Cruzado começaram a formular o Plano Real. Aprenderam com os fracassos anteriores. Mudaram o foco da discussão de “se” deveríamos para “como” desenhar uma política própria. O Estado brasileiro estava longe do formato ideal.
Os desafios do século 21 exigem que a política industrial brasileira seja feita com o Estado que temos, não com o Estado dos nossos sonhos.
Influenciar os mercados na direção do interesse coletivo e descobrir novas frentes de inovação com o auxílio do Estado exigem enorme capacidade de organização (pública e privada).
O principal desafio é impedir que a política sirva apenas para “encher os bolsos de empresários”. Porém, a falta de informação do Estado e o risco de captura por grupos de interesse nunca nos impediram de formular políticas públicas em áreas como educação, saúde, infraestrutura e mesmo as políticas macroeconômicas (Banco Central autônomo, por exemplo).
A vigilância no uso de recursos públicos é uma aliada na busca de novas fronteiras do conhecimento produtivo, sempre a partir de nossas possibilidades. É preciso criar oportunidades de elevação de produtividade em setores capazes de dinamizar o progresso tecnológico. Equipar as empresas nacionais para concorrer no mercado internacional melhora a qualidade dos empregos gerados no país, bem como disciplina os empresários a buscarem mais inovações.
Contudo, ao contrário do que se pensa, descobrir aquilo que se faz bem é muito caro e muito arriscado. O custo desta descoberta pode inviabilizar o aproveitamento das competências de empresas e de países. A capacidade do Estado em enfrentar tais riscos é um ativo que não se pode desprezar.
Em seu livro mais recente, Mission Economy, Mariana Mazzucato conta a história do projeto Apollo, que levou o homem à Lua. A Nasa estava longe de ser uma organização ideal, com comunicação coesa e fluidez de processos. Foi o “propósito” da missão espacial que levou a um desenvolvimento organizacional da agência para evitar riscos fatais às equipes de astronautas.
Projetar adequadamente esta colaboração coloca em evidência o problema da capacitação do Estado para coordenar —sem se comprometer com— os interesses privados em busca de vantagens sem contrapartida.
Estas capacidades são construídas durante o processo de inovação, como foi o caso do Plano Real. Elas não caem prontas do céu. Este tipo de platonismo econômico produz uma profecia autorrealizável: não termos o Estado ideal justifica desmontar as capacidades estatais já construídas (Inpe, Embrapa, Ibama).
No novo arranjo geopolítico, quem não faz política industrial facilita a vida da concorrência. Joe Biden entendeu isso e está gerando uma guinada na política econômica dos EUA para fortalecer o equipamento produtivo do país.
Em 1993, parte dos economistas que participaram do Plano Cruzado começaram a formular o Plano Real. Aprenderam com os fracassos anteriores. Mudaram o foco da discussão de “se” deveríamos para “como” desenhar uma política própria. O Estado brasileiro estava longe do formato ideal.
Os desafios do século 21 exigem que a política industrial brasileira seja feita com o Estado que temos, não com o Estado dos nossos sonhos.
Sobre o autor
André Roncaglia é professor da UNIFESP e pesquisador do CEBRAP.
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