Apesar do clamor popular, a direita colombiana conseguiu engavetar a reforma trabalhista proposta pelo governo de Gustavo Petro. Esta blindagem institucional tem um objectivo claro: colocar as instituições ao serviço da classe dominante e impedir a aprovação de leis que beneficiem as maiorias.
Luciana Cadahia
![]() |
Grande concentração na Plaza de Bolívar, no centro de Bogotá, na terça-feira, 18 de março de 2025. (Foto via X / @petrogustavo) |
No último 18 de março, a Colômbia nos apresentou duas imagens contrastantes do país: o povo nas ruas defendendo reformas sociais e o Congresso surdo e isolado, determinado a derrubá-las. Apesar da indignação popular e dos esforços dos congressistas do Pacto Histórico, a direita e seus aliados conseguiram arquivar a reforma trabalhista. Num gesto profundamente antirrepublicano e inconstitucional, o establishment já anunciou que fará o mesmo com o restante das reformas propostas pelo governo liderado por Gustavo Petro.
Essa blindagem institucional tem um objetivo claro: colocar as instituições a serviço da classe dominante e impedir a aprovação de leis que favoreçam a maioria da sociedade. Para disfarçar esse gesto profundamente oligárquico, eles enviaram seus porta-vozes dos conglomerados de mídia e partidos políticos para usar um tom de zombaria e identificar essas reformas como um “capricho” de Petro.
Mas é difícil tapar o sol com a peneira: não se trata de um capricho, mas de uma situação verdadeiramente dramática que a classe trabalhadora do país enfrenta, as quais esta reforma pretendia começar a resolver.
Na Colômbia, o emprego informal atinge cifras enormes; os dias úteis excedem em muito as 48 horas. Sindicatos foram destruídos por perseguições e assassinatos, professores universitários são aterrorizados e submetidos a contratos anuais ou por hora, e os benefícios sociais, na maioria dos casos, são pagos pelos próprios trabalhadores. Os trabalhadores domésticos são deixados por conta própria, as aposentadorias são meramente simbólicas e poderia continuar apresentando a lista de infâmias aqui durante muito tempo.
Dessa forma, não apenas a maior parte da sociedade é privada do direito a um trabalho decente — a Colômbia é um dos países menos produtivos e, ao mesmo tempo, um dos que tem as maiores jornadas de trabalho — mas um debate que deveria ser urgente é infantilizado, enquadrando a questão em termos dos desejos pessoais de um presidente.
A oposição atuou de forma premeditada e coordenada: a direita fez com que seus prefeitos e governadores ameaçassem os trabalhadores com sanções e outros métodos coercitivos para impedi-los de participar da mobilização do último dia 18. O teatro das boas maneiras e dos bons costumes — duas estratégias permanentes para envergonhar o povo colombiano — é rapidamente abandonado quando a direita tem que confrontar um trabalhador que sai para exigir seus direitos. E ela está convencida de que é assim que poderá resolver a questão: por meio de zombarias e ameaças violentas.
No entanto, essas atitudes desesperadas revelam uma preocupante desconexão com o presente e uma profunda desorientação. Parece que nem a revolta social nem o triunfo do Pacto Histórico nas urnas fizeram a oligarquia colombiana cair em si. Ele anseia por retornar a 2004 e fazer do ethos da guerra, do ódio, do medo, da desconfiança e da perseguição sistemática o único vínculo social possível na Colômbia.
Mas não importa o quanto insistam nesses gestos anacrônicos e fantasias nostálgicas de guerra, o povo nas ruas mais uma vez gritou que não está disposto a retornar àquele pesadelo do passado.
A grande mídia não hesitará em insinuar que as imagens da mobilização são a expressão de um país dividido por seus ódios e suas diferentes visões de futuro. Mas, como sempre, estarão contando uma meia verdade. É uma tensão entre um punhado de congressistas que representam os interesses de uma minoria privilegiada e milhões de pessoas que foram às ruas para defender seu direito a um futuro.
E não importa o quanto eles tentem espalhar a ideia equivocada de que os protestos são expressões de caos, violência e paixões banais, as imagens que vimos mostraram exatamente o oposto. Elas expressavam a imagem de um povo unido e democrático, pronto para defender com alegria, equilíbrio e convicção a mudança que elegeram nas urnas.
As duas imagens opostas do país não são, portanto, simétricas. Mas não é apenas uma questão de números, é também de princípios. Em 18 de março, o povo colombiano deu uma lição de ética à oligarquia: ensinou-lhes que uma democracia mais humana e pacífica é possível na Colômbia.
A direita faria bem em tomar nota e aprender com as pessoas que sempre menosprezou. Parece que outros ventos sopram na Colômbia, e que a maior parte da sociedade não tem intenção de abrir mão das rédeas que assumiu para construir um país com justiça social e ambiental por meio da consulta popular.
Colaborador
Luciana Cadahia é filósofa e coordenadora da Rede de Populismo, Republicanismo e Crise Global.
Nenhum comentário:
Postar um comentário