André Roncaglia
Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
Folha de S.Paulo
As políticas industriais ganham força ao redor do mundo. EUA, Europa e China desfilam empenho financeiro e fiscal no desenvolvimento de tecnologias críticas da nova economia verde. O conservadorismo provinciano no Brasil ameaça desperdiçar este bônus geopolítico.
Economistas liberais concedem que, se o Brasil aspirar à reindustrialização, sejam adotadas políticas industriais menos ambiciosas, dentro dos limites impostos pelo tripé macroeconômico (metas de inflação, superávit fiscal e câmbio flutuante).
Esta prescrição costuma se basear numa leitura viesada sobre a experiência dos países do leste asiático, a qual ignora aspectos históricos relevantes, dentre os quais, as pré-condições para o arranque econômico destes países.
A vasta riqueza natural do Brasil impõe uma irresistível atração a atividades primárias, que dominam a nossa pauta de exportação. Esta tentação ("low-hanging fruit") não gera incentivo para agregar valor aos bens primários, acelerando a desindustrialização que afeta todos os setores.
O Brasil nunca fez uma reforma agrária comparável à de qualquer país do leste asiático. Com efeito, a elevada concentração de terras e de capital nas mãos de uma pequena elite agrária inibe, ainda hoje, a construção de cadeias produtivas mais longas, maior geração de bons empregos e de exportação mais densa em tecnologia e qualidade. Uma estrutura produtiva mais sofisticada é mais cara e requer maior escala de vendas para remunerar o valor adicionado. Em face deste risco maior, ofertar o bem menos processado gera retorno satisfatório para os poucos agentes que comandam este mercado.
Portanto, em condições de livre comércio, os investimentos ficam subdimensionados, pois o valor das exportações necessário para satisfazer a rentabilidade desejada por poucos grandes produtores é muito menor do que aquele necessário para rentabilizar a tecnologia e a pesquisa de ponta.
Ao concorrermos por preço (foco em reduzir custo), a defasagem tecnológica realça a atratividade das rendas extrativas (em minérios, agropecuária, imobiliária e finanças), as quais produzem maior concentração de riqueza —e, portanto, de poder político— no país.
Neste sentido, as vantagens comparativas estáticas podem estimular a captura do Estado ("rent-seeking"), por meio de subsídios e privilégios a setores que já são ajudados pelas forças do mercado. Apenas a mineradora Vale recebeu R$ 20 bilhões em incentivos fiscais em 2021. Dados da Receita Federal mostram que a agropecuária responderá, em 2024, pela segunda maior desoneração tributária (R$ 59 bilhões). As isenções tributárias às letras de crédito agrícola e imobiliária somam outros R$ 19 bilhões. Eliminar estes privilégios é um desafio político hercúleo.
Além disso, a relevância do setor extrativo-mineral deixa nossa política fiscal mais vulnerável. A Carta de Conjuntura do IPEA, em 29 de setembro, mostrou que as receitas tributárias dependem do vaivém dos preços internacionais de commodities. O celebrado superávit fiscal de 2022 resultou das receitas extraordinárias deste setor.
Superar este vício estrutural em rendas extrativas exige avançar na reforma agrária e estimular a indústria, único setor capaz de autonomizar a inovação. Mas a este processo se interpõe um problema de escala: a pouca ambição nos prende a uma economia conformada com a estagnação e o atraso.
Sem ousadia, veremos o futuro repetir o passado.
As políticas industriais ganham força ao redor do mundo. EUA, Europa e China desfilam empenho financeiro e fiscal no desenvolvimento de tecnologias críticas da nova economia verde. O conservadorismo provinciano no Brasil ameaça desperdiçar este bônus geopolítico.
Economistas liberais concedem que, se o Brasil aspirar à reindustrialização, sejam adotadas políticas industriais menos ambiciosas, dentro dos limites impostos pelo tripé macroeconômico (metas de inflação, superávit fiscal e câmbio flutuante).
Esta prescrição costuma se basear numa leitura viesada sobre a experiência dos países do leste asiático, a qual ignora aspectos históricos relevantes, dentre os quais, as pré-condições para o arranque econômico destes países.
Riqueza natural do Brasil é tentadora, mas acelera desindustrialização e afeta todos os setores - Michael Dantas/AFP |
No livro "How Asia works", Joe Studwell analisa como a ausência de recursos naturais abundantes e reformas agrárias foram condições importantes para que os tigres asiáticos (Coreia do Sul, em particular) se empenhassem na industrialização orientada para as exportações. Esta dimensão é central para análises comparativas. Vejamos.
A vasta riqueza natural do Brasil impõe uma irresistível atração a atividades primárias, que dominam a nossa pauta de exportação. Esta tentação ("low-hanging fruit") não gera incentivo para agregar valor aos bens primários, acelerando a desindustrialização que afeta todos os setores.
O Brasil nunca fez uma reforma agrária comparável à de qualquer país do leste asiático. Com efeito, a elevada concentração de terras e de capital nas mãos de uma pequena elite agrária inibe, ainda hoje, a construção de cadeias produtivas mais longas, maior geração de bons empregos e de exportação mais densa em tecnologia e qualidade. Uma estrutura produtiva mais sofisticada é mais cara e requer maior escala de vendas para remunerar o valor adicionado. Em face deste risco maior, ofertar o bem menos processado gera retorno satisfatório para os poucos agentes que comandam este mercado.
Portanto, em condições de livre comércio, os investimentos ficam subdimensionados, pois o valor das exportações necessário para satisfazer a rentabilidade desejada por poucos grandes produtores é muito menor do que aquele necessário para rentabilizar a tecnologia e a pesquisa de ponta.
Ao concorrermos por preço (foco em reduzir custo), a defasagem tecnológica realça a atratividade das rendas extrativas (em minérios, agropecuária, imobiliária e finanças), as quais produzem maior concentração de riqueza —e, portanto, de poder político— no país.
Neste sentido, as vantagens comparativas estáticas podem estimular a captura do Estado ("rent-seeking"), por meio de subsídios e privilégios a setores que já são ajudados pelas forças do mercado. Apenas a mineradora Vale recebeu R$ 20 bilhões em incentivos fiscais em 2021. Dados da Receita Federal mostram que a agropecuária responderá, em 2024, pela segunda maior desoneração tributária (R$ 59 bilhões). As isenções tributárias às letras de crédito agrícola e imobiliária somam outros R$ 19 bilhões. Eliminar estes privilégios é um desafio político hercúleo.
Além disso, a relevância do setor extrativo-mineral deixa nossa política fiscal mais vulnerável. A Carta de Conjuntura do IPEA, em 29 de setembro, mostrou que as receitas tributárias dependem do vaivém dos preços internacionais de commodities. O celebrado superávit fiscal de 2022 resultou das receitas extraordinárias deste setor.
Superar este vício estrutural em rendas extrativas exige avançar na reforma agrária e estimular a indústria, único setor capaz de autonomizar a inovação. Mas a este processo se interpõe um problema de escala: a pouca ambição nos prende a uma economia conformada com a estagnação e o atraso.
Sem ousadia, veremos o futuro repetir o passado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário